terça-feira, 27 de março de 2012

Gestão do Poder Judiciário um desafio

      O Conselho Nacional de Justiça, por meio do seu Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) fará uma pesquisa por intermédio do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), objetivando medir o custo e tempo gastos na tramitação de ações cíveis na Justiça estadual de primeiro grau.

      A pesquisa será feita  avaliando indicadores de duração, custo e qualidade processual das Justiças dos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Sergipe e Distrito Federal, correlacionando indicadores de duração, custo e qualidade processual, a fim de subsidiar futuras política judiciárias voltadas ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional e promover soluções para a morosidade da Justiça brasileira.
      Com isso, a hipótese de que a demora na solução das lides pode ser decorrente da ineficiência gerencial das instâncias do Poder Judiciário poderá ser testada empiricamente.

      Para tanto, será relevante investigar de que forma os recursos humanos e materiais (imputs) podem ser capazes de produzir melhores resultados (outputs), considerando-se as variáveis "menor tempo" e "menor custo".
      A respeito da melhoria de gestão no Poder Judiciário, em entrevista concedida à revista Conjur, o ministro do STJ, Luís Felipe Salomão, foi enfático "O segredo para enfrentar os novos desafios do Poder Judiciário no milênio que se inicia é investir em gestão". "Para atender aos anseios da nova sociedade, após o século em que houve a revolução da informação, o Judiciário tem que se redescobrir, reinventar", entende o ministro. Ele  é um dos ministros com o gabinete mais organizado do tribunal. Por isso, o mais produtivo.  

      Em 2011, o ministro julgou 16.318 recursos. Do total, 12.817 foram solucionados.  Para atingir essa produtividade, o ministro investiu pesado no setor de triagem do gabinete, que trabalha em três frentes.

       Na primeira, são analisadas as questões de admissibilidade do recurso. Ou seja, se o processo é tempestivo, se o preparo está correto e outras questões formais.

       A segunda fase da triagem é por assunto, quando a equipe separa o processo de acordo com o tema e já procura precedentes nos quais o caso pode se encaixar. Nesta fase, também é verificado se a controvérsia já foi julgada pelo rito dos recursos repetitivos. Em caso afirmativo, o caso é decidido monocraticamente.

      A terceira frente se encarrega de identificar os chamados processos de massa: quando dezenas ou centenas de recursos sobre o mesmo tema começam a chegar aos gabinetes. Quando se detecta a demanda de massa, o ministro dá prioridade ao seu julgamento para que se forme um precedente firme sobre o tema e se decidam os casos com mais rapidez e de forma idêntica. É assim que enfrenta o que costuma chamar de “avalanche de recursos”. Os casos restantes, mais intrincados e que envolvem teses jurídicas, vão para a pauta da 4ª Turma, que ele preside, ou da Seção de Direito Privado, que compõe.

     O ministro Luis Felipe Salomão não nega  as deficiências e contradições do sistema e os pontos fracos do Poder Judiciário. Compartilha, inclusive, da perplexidade de cidadãos diante de algumas decisões. Mas, sem desmerecer a atuação da magistratura, procura fazer um diagnóstico que, se bem observado, pode fazer a Justiça sair do lugar.

      Indagado sobre a necessidade de se aumentar os ministros do Superior Tribunal de Justiça, foi enfático no sentido de afirmar que há diversas soluções administrativas, regimentais e legislativas que podem ser tentadas antes de se falar em aumento do número de ministros. O simples aumento das cadeiras não resolveria. Quanto mais se aumenta o número de julgadores em um tribunal que tem como incumbência constitucional unificar a jurisprudência sobre o Direito federal é pior pois há risco de pulverizar essa jurisprudência. Quanto maior o tribunal, maior o risco.

      Para ele, é necessário pensar em soluções efetivas. É necessário indagar se há necessidade de criar mais cargos, se esse volume é sazonal É preciso estudar os motivos e tentar implementar outras soluções para buscar fugir da proposta mais simples, que é aumentar o tribunal.  "No STJ, com a Lei de Recursos Repetitivos e mais algumas medidas administrativas o volume tende a decrescer. Sobretudo se aprovada a proposta da relevância da questão federal como pressuposto objetivo específico do recurso especial e ainda se houver um planejamento estratégico no qual estejam efetivamente engajados os ministros e os servidores da Casa", pondera

     Conforme levantamento da Escola de Direito da FGV, coordenado pela professora Luciana Goes Cunha, realizado em 15 estados brasileiros, 89% da população considera o Judiciário moroso. Ainda de acordo com 88% dos entrevistados, os custos para o acesso à Justiça são altos, sendo que 70% deles acreditam que o Judiciário é difícil ou muito difícil para se utilizar.

      Afirmando que as soluções para o Judiciário dependem do interesse de todos, não só de magistrados, Sérgio Renault, que já foi Secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, em artigo publicado na Folha de São Paulo, informa que a reforma, iniciada com a Emenda Constitucional 45 criou o CNJ e trouxe o Judiciário para mais perto da nação. Os assuntos a ele relacionados já não são mais reservados apenas aos operadores do Direito, alcançando outros segmentos de fora do mundo jurídico.

      Essa reforma, entretanto, iniciada em 2005, precisa ser democratizada e alargada, já que estamos longe de ter um Judiciário que o Brasil necessita: acessível a todos, proferindo suas decisões em tempo razoável, a teor do que determina a Constituição Federal.
          
      Assim, é de se esperar que o resultado  dessa nova pesquisa, encomendada pelo CNJ ao Ipea, aliado ao alargamento da discussão dos assuntos relacionados ao Judiciário, possam nortear as futuras modificações a serem propostas no sentido de torná-lo mais eficiente e acessível à população.
     Sobre o assunto, ver a postagem do meu blog de 10.02.12.
          

sexta-feira, 23 de março de 2012

Prática da conciliação em órgãos públicos federais

     Embora preso a amarras legais e administrativas que impedem a negociação, o setor público, aos poucos,  tem encontrado caminhos para a conciliação na Justiça.

     A estatal Emgea, gestora de ativos da Caixa Econômica Federal,  foi a primeira a inaugurar a experiência, provando que a indisponibilidade do bem público não impede estratégias inteligentes.

     Responsável por administrar dívidas não pagas por mutuários da Caixa no Sistema Financeiro da Habitação, a empresa conseguiu, por meio de conciliações, reverter o aumento do passivo. Em 2004, 107 mil contratos aguardavam uma decisão judicial. No fim de 2011, o estoque já era de quase metade disso, com 62.946 casos.Em 2012, o uso de conciliações pela Emgea completou dez anos. Hoje, 60% das disputas judiciais terminam em acordo, isso sem contar as soluções administrativas.

      Isso só foi possível dada a flexibilidade conseguida ao longo dos anos. Cedendo à jurisprudência, a empresa passou a reavaliar as dívidas não apenas com base nos contratos firmados, mas no real valor dos imóveis e no montante já pago pelos mutuários. Nas audiências, os prepostos, baseados em normas internas aprovadas pela cúpula da estatal, passaram a propor aos devedores acréscimo de apenas 0,5% sobre o valor financiado, multiplicado pelo número de meses de inadimplência. Em contrapartida, abatiam o valor já pago, corrigido.

     Embora a conta pareça óbvia, não é. Contratos firmados antes de 1994 — quando entraram em vigor o novo Sistema Financeiro de Habitação, a tabela decrescente Sacre e o plano Real — sofreram reviravoltas devido aos seguidos planos econômicos. As prestações eram indexadas por equivalência salarial. Quando terminava de pagar as parcelas, o mutuário tinha um saldo devedor de duas a três vezes maior que o valor do imóvel. Entre os anos 1980 e 1990, a Justiça Federal viu desabar uma avalanche de processos, que até hoje ocupam os escaninhos dos tribunais. Até mesmo decisões judiciais que determinavam a troca dos índices de correção eram pegas no contrapé no momento da execução. Com o passar do tempo, muitas vezes o indexador trocado pelo juízo a pedido da parte tornava-se menos vantajoso e aumentava ainda mais a dívida.

     “A experiência indica que as sentenças definitivas não resolvem o conflito, em regra. Isso porque, ou mantêm o contrato, tal como está sendo cumprido pela CEF, em relação aos reajustamentos do saldo devedor e prestações, ou promovem alguma adequação que, entretanto, não trazem o valor da dívida para patamar que estimule o adimplemento”, conforme  palavras da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, em artigo no seu livro Conciliação e Mediação: Estruturação da Política Judiciária Nacional, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça e publicado pela editora Forense.


     O embrião das conciliações na esfera federal  teve início em 2002, em Maringá (PR), justamente pela dificuldade em sentenciar casos do SFH. Após algumas decisões de primeiro grau serem anuladas pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região por falta de audiência de conciliação, o juiz Erivaldo Ribeiro dos Santos resolveu radicalizar. Pediu à direção da recém-criada Emgea uma reunião para saber que tipo de proposta a empresa teria para um possível mutirão conciliatório. “Até então, o usual era o juiz apenas perguntar se haveria acordo antes de iniciar a instrução processual. Mas já que o tribunal tinha anulado as sentenças, decidimos tentar realmente fazer um acordo”.

    
     As primeiras audiências ocorreram em agosto e setembro de 2002.  Mesmo com a pequena margem de manobra da empresa, o índice de acordos foi de 45% nas 136 audiências feitas. Sem uma regra padrão, cada redução de crédito ou parcelamento era submetido à diretoria da Emgea, que por sua vez dependia do aval do Tribunal de Contas da União.
     Logo ao tomar posse como presidente do TRF-4, o desembargador Vladimir Passos de Freitas, hoje aposentado, convocou os juízes para implantar a conciliação como projeto no tribunal, o Projecon. “Foi a primeira experiência efetiva e não apenas formal de conciliação em tribunal federal”, diz. Ele representou o estado do Paraná no projeto. Antonio Schenkel do Amaral e Silva, representou Santa Catarina, e Taís Ferraz o Rio Grande do Sul. “Todos tinham perfil de conciliadores”, recorda  o então presidente.

     Em 2003, de 63 contratos habitacionais discutidos, 43 foram readequados ou quitados, um sucesso de 69% nos acordos. Em 2004, o volume cresceu e 5.611 audiências foram realizadas. Era a primeira vez que as conciliações envolviam recursos em segundo grau.Além de investir na experiência, o desembargador Freitas passou a difundi-la ao convidar juízes e desembargadores de outras regiões para conhecer o projeto. “Eu já tinha essa ideia depois que visitei tribunais em Washington, nos Estados Unidos”, lembra o desembargador. “Depois que criamos o grupo, baixei uma resolução pedindo que os juízes mandassem processos passíveis de conciliação. Apenas um não mandou, mas depois que viu o resultado, mudou de ideia.”

     A novidade ainda precisava de apoio e o desembargador foi buscá-lo na própria Caixa Econômica Federal, em Brasília. Quem o recebeu foi o então diretor jurídico do banco, Antonio Carlos Ferreira, hoje ministro do Superior Tribunal de Justiça. Segundo Freitas, a proposta foi ouvida com entusiasmo. “Isso é atividade política judiciária, contatos políticos são indispensáveis. Se o presidente de um tribunal quiser ser apenas juiz e não falar com ninguém, não vai dar certo”, afirma.

     O esforço deu resultado. No TRF da 3ª Região, a juíza Daldice Santana - hoje desembargadora - foi destacada para acompanhar o projeto no Sul e levou o conceito a São Paulo e Mato Grosso do Sul. O juiz Erivaldo Santos foi enviado ao TRF-3 pelo TRF-4 para auxiliar na implantação. Os custos foram arcados pelo próprio tribunal sulista. A partir daí, Freitas conseguiu promover a prática em todos os tribunais.

Estratégia nacional

      Em 2005, o Conselho Nacional de Justiça lançou o programa Conciliar é Legal, colocando em prática conceitos aplicados pelo TRF-4. Mesclando a experiência dos Juizados Especiais, o órgão estimulou a solução negociada para além do Sistema Financeiro de Habitação, incluindo outras áreas, como desapropriações e benefícios previdenciários. Em 2010, editou a Resolução 125, que determinou aos tribunais a criação de núcleos de soluções consensuais.
Erivaldo Santos foi chamado para auxiliar na Corregedoria do órgão.

    No ano passado, a meta estabelecida foi de fazer 20 mil audiências de conciliação, atingida integralmente. Até agosto, o mutirão na área de habitação resultou em 7,5 mil audiências, 3,5 mil acordos e recuperação de R$ 184 milhões para os cofres públicos, de acordo com o Conselho. Ao todo, as conciliações promovidas pelo CNJ em todas as áreas arrecadaram R$ 360 milhões para o erário. “A Justiça Federal nunca foi afeita à conciliação, por lidar principalmente com órgãos públicos, vinculados à indisponibilidade do crédito público. Mas as audiências quebraram esse paradigma”, comemora Erivaldo Santos. “O interesse público é muito mais bem protegido dessa forma.”
     Para 2012, o alvo são 15 mil audiências, meta que será divulgada até o fim de março. O órgão prioriza causas que já passaram por duas audiências sem resultado positivo. Além de ações sobre Sistema Financeiro de Habitação, está em estudo a agregação de matérias como cobranças previdenciárias e execuções fiscais, principalmente as ajuizadas por conselhos profissionais. “No fim de maio começaremos um mutirão para cuidar de execuções dos conselhos de classe”, adianta Santos. O órgão estima que há cerca de 540 mil ações referentes aos conselhos que poderão ser levadas para a mesa de negociação. Só no TRF da 1ª Região, que abrange 13 estados e o Distrito Federal, são 170 mil ações desse tipo — 90% acerca do não pagamento de anuidades. Em São Paulo, só na primeira instância, são 130 mil. Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Avançada mostrou que os conselhos de classe, que cobram anuidades como se fossem órgãos do governo, são responsáveis por 37,3% das execuções fiscais em andamento no país.

     Em outubro, o CNJ ensaiou um mutirão com 400 execuções fiscais de multas de autarquias como Ibama e Inmetro contra pessoas físicas e jurídicas. Das cobranças ainda não ajuizadas, a solução negociada resolveu 100% dos casos. Das já ajuizadas, o índice foi de 95%.

   Indiscutivelmente, esse é um excelente exemplo  do caminho a ser seguido para facilitar o acesso à Justiça e desafogar o combalido Poder Judiciário, onde os órgãos públicos são seus maiores demandantes.
Fonte:Conjur

domingo, 18 de março de 2012

Notícias atuais

1. Contratos entre empresas internacionais e comunidades indígenas sobre crtéditos de carbonos são ilegais

      Na opinião do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, os contratos que comunidades indígenas assinaram com empresas estrangeiras interessadas em explorar os direitos sobre créditos de carbono, obtidos a partir da preservação da floresta, não tem validade jurídica. Não existe, no Brasil, regulamentação sobre [o mecanismo de] Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação [Reed]. Por isso, esses contratos não tem validade jurídica. Consequentemente, todo o crédito de carbono que está sendo colocado à venda não tem validade alguma. É moeda podre, explicou Meira, revelando que a fundação tem conhecimento de, pelo menos, 30 contratos entre índios e empresas internacionais.

      Um desses acordos foi assinado por índios da etnia Mundurucu, de Jacareacanga (PA). Por US$ 120 milhões, eles concederam à empresa irlandesa Celestial Green o direito de negociar no mercado internacional, pelos próximos 30 anos, os créditos de carbono obtidos com a preservação de uma área de 2,381 milhões de hectares, território ao qual a empresa teria acesso irrestrito. O acordo também transfere à empresa o direito a qualquer benefício ou certificado obtido a partir da biodiversidade local. E impede os índios de promover qualquer atividade que possa afetar negativamente a concessão de créditos de carbono. Com isso, a comunidade precisaria da autorização da Celestial Green até mesmo para erguer casas ou abrir novas áreas de plantio.

     O presidente da Funai considera positiva a proposta de compensar financeiramente as populações tradicionais pela preservação das florestas existentes em suas terras, mas diz que, para isso, é necessário que o Congresso Nacional regulamente o mercado de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e, consequentemente, o Reed. A regulamentação, sugere Meira, não só preservaria os interesses das populações indígenas, como daria segurança jurídica às empresas interessadas em negociar os chamados créditos de carbono.

      A Funai defende que essa ideia é uma possibilidade interessante para os indígenas e para a valorização do meio ambiente, mas pedimos à Advocacia-Geral da União (AGU) que analise cada um dos contratos para que, se for o caso, tomemos as medidas judiciais cabíveis afim de proteger os direitos dos povos indígenas.
      Além de juridicamente inválidos, a organização não governamental (ONG) Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também considera os contratos inconstitucionais, pois contrariam a legislação brasileira, que preconiza que as terras indígenas pertencem à União e os índios detém o usufruto exclusivo. Apesar disso, a ONG destaca que as comunidades que já assinaram os contratos não venderam suas terras, mas sim, concederam às empresas o direito de explorar os mecanismos de compensação, como o crédito de carbono.
      O Cimi cobra que a Funai oriente os servidores nos estados a não intermediar, nem estimular, a assinatura de contratos entre comunidades indígenas e empresas. Segundo o Cimi, essa interferência de servidores da Funai ocorreu em algumas localidades. Fato que a Funai nega.

 2. Tribunal de Justiça do Rio permite aborto de feto anencéfalo

     Os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concederam, por unanimidade, autorização para que uma grávida de 25 anos, de Caxias, na Baixada Fluminense, pudesse fazer aborto de um feto de seis meses que sofre de anencefalia (ausência dos hemisférios cerebrais e da caixa craniana).

     A grávida havia tido o seu pedido de interrupção de gravidez negado, anteriormente, pelo juiz da 4ª Vara de Caxias, sob o argumento de falta de amparo legal, porquanto o aborto por anencefalia não está previsto no artigo 128 do Código Penal.

     Em seu voto, o relator desembargador José Muños Piñero, acompanhado pelos demais desembargadores, acolheu o parecer do Ministério Público, levando em conta o princípio da "dignidade da pessoa humana", previsto na Constituição Federal. O desembargador ainda ressaltou que, apesar de a defesa não ter anexado laudos atestando o risco de vida para a gestante, referências médicas dizem que partos de fetos malformados seriam 22% mais complicados que os normais. Para ele, "as leis têm que ser interprestadas diante da Constituição e não o contrário. A pessoa não pode sofrer tortura ou tratamento desumano ou degradante. Nos anos 40, a ciência médica não era como hoje. Já se sabe que um feto anencéfalo, se não for expelido, morre em minutos".

      O direito ao aborto em casos de anencefalia está para ser julgado pelo Supremo Tribunal, inclusive já foi realizada audiência pública sobre o tema pela Corte, mas, por várias razões, o julgamento vem sendo adiado há anos.

      A Comissão de Juristas que, a pedido do Senado, elabora um anteprojeto do Código penal, incluiu o direito de aborto nas hipóteses de fetos anencéfalos, na nova redação do artigo 128 do Código Penal, que ainda terá que ser votado pelo Congresso Nacional.

      É inadmissível que, por omissão do Estado (seja pelo Supremo Tribunal que protela o julgamento sobre a matéria que lhe foi submetida, seja pelo Congresso Nacional que se omite não legislando sobre o assunto), mulheres, em sua grande maioria carentes de recursos, sejam obrigadas a levar a termo, com risco de vida, a gravidez de um feto que não sobreviverá!

     

sábado, 17 de março de 2012

STF obriga Santa Catarina a criar Defensoria Pública

     Na quarta-feira, dia 14 de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o artigo 104 da Constituição  de Santa Catarina e a Lei 155/97, daquele Estado, que determinam o exercício da Defensoria Pública por advogados dativos e estabeleceu o prazo de 12 meses para que o governo crie e instale a Defensoria Pública no estado.

     O ministro-relator, Joaquim Barbosa, classificou como "inaceitável" o fato de o Governo de Santa Catarina não ter cumprido, até hoje, o dispositivo da Constituição Federal de 1988, que declara a Defensoria Pública como "instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados".

     Em sustentação oral, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, reiterou o parecer do ex-procurador-geral da República Antônio Fernando Souza defendendo a procedência das ADIs.

     Responsável pela sustentação oral da Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP), o presidente André Castro comemorou o resultado e lembrou que o Governo de Santa Catarina pode ser punido caso não cumpra o prazo determinado. "Os ministros também cogitaram sanções no caso de descumprimento da decisão, como a proposição de ação de improbidade e de crime de responsabilidade contra o governador do estado. Foram argumentos duros, enfáticos, ressaltando o flagrante desrespeito aos direitos fundamentais".

     Para o vice-presidente da ANADEP, Antonio Maffezoli,"mais uma vez o STF reafirma o seu compromisso com a ampliação do acesso à Justiça e ratifica que a assistência jurídica estatal deve ser prestada pela Defensoria Pública."

     Segundo o diretor legislativo da ANADEP, Cristiano Heerdt, o decisão unânime do Supremo é um fato histórico para o povo de Santa Catarina e constituiu mais uma passo na criação da Defensoria Pública."Os esforços do Movimento pela criação da Defensoria Pública não vão cessar e a sociedade civil organizada será conclamada a pressionar ainda mais o governo na busca de uma rápida solução para a implementação do órgão."

     Para o advogado Rafael Maffini, que representou a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (ANADEF) na ADI 3892, "o que se gasta em Santa Catarina com o convênio com a OAB/SC daria para criar e manter a Defensoria Pública conforme prega a Constituição Federal."A inexistência da Defensoria Pública faz com que haja uma sobrecarga em todos os órgãos do estado", destacou o jurista.

     O julgamento foi acompanhado de perto pelos diretores da ANADEP e por presidentes de associações de defensores de vários estados.

     A Associação Juízes para a Democracia (AJD), admitida como amicus curiae na ADI 4270, foi representada pelo advogado Sérgio Sérvulo da Cunha, que após anos de dedicação ao universo jurídico fez a sua última sustentação oral perante o STF. Sérgio Sérvulo destacou a importância da Defensoria Pública no combate à exclusão social e o desejo e objetivo maior da instituição, que é o de integrar o cidadão excluído à sociedade. "A AJD se associa às brilhantes sustentações dos patronos dos autores das ações e pede que seja declarada a inconstitucionalidade dos dispositivos", conclamou.

     O advogado Marcos Fuchs, representando o Conectas Direitos Humanos e o Instituto Pro Bono, destacou a importância do concurso público para selecionar o profissional responsável pela representação judicial do cidadão carente.

    Com essa decisão do STF, o Estado de Santa Catarina, que protelou por mais de 20 anos a criação de sua Defensoria Pública, em descompasso com os demais estados da federação, será obrigado a instalá-la, viabilizando, assim, aos cidadãos carentes, o efetivo acesso à Justiça.

Fonte: site da ANADEP (15/03/2012)

quarta-feira, 14 de março de 2012

Juizado Especial Federal do RS é o primeiro juizado digital

Numa repartição recém-pintada com cores fortes, todos os cerca de 15 computadores têm duas telas. Em um dos monitores, estão abertos programas de edição de texto, caixas de e-mail e programas para navegar na internet. No outro, lê-se documentos, petições e ofícios. A tecnologia de ponta só não chama mais atenção do que um outro detalhe: a falta de estantes e armários para guardar papéis e processos. Não há sequer um volume de autos sobre as mesas.

    As instalações descritas são do 5º Juizado Especial Federal Previdenciário do Rio Grande do Sul, criado em janeiro de 2011. Este é o primeiro JEF totalmente digital da Justiça Federal do estado. Nele, nenhum processo "de papel" tramita. Com cerca de 5 mil processos, o Juizado, além de só receber processos digitais, digitaliza ações que chegam, por exemplo, da Justiça Estadual.
"A produtividade é bem maior, já que não se perde tempo levando papéis para lá e para cá, e o advogado tem acesso ao sistema para impetrar petições, sem a necessidade de vir ao balcão — que não existe — para protocolar", diz o juiz titular do Juizado, o vice-diretor do Foro da Justiça Federal do RS, Guilherme Pinho Machado. Ele brinca sobre o aumento do volume de trabalho. "As ações chegam mais rápido a mim e o trabalho já está em casa me esperando quando ligo o computador, nem preciso levar para lá", diz.

    A experiência do JEF exemplifica o que tem acontecido na Justiça Federal da região Sul do país. Vanguardista em muitos quesitos da gestão judiciária, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região continua dando passos mais largos que os demais. O processo eletrônico, mais avançado do país, passará a contar agora com a praticidade dos tablets. Todos os desembargadores receberão, na próxima semana, um equipamento cada, para reforçar o arsenal de meios tecnológicos que facilitam o trabalho a distância.

    A corte oferece um leque de opções de trabalho remoto, como sustentações orais e julgamentos não presenciais. Advogados e procuradores, por exemplo, não precisam mais ir até a sede do tribunal, em Porto Alegre, para participar das sessões. Todas as salas de audiências possuem telas onde os desembargadores assistem a transmissões feitas das seções judiciárias nos municípios onde há Justiça Federal, às quais os representantes comparecem para subir à tribuna. Os desembargadores também usam a tecnologia quando não podem estar na sala de julgamentos.

    O desembargador Néfi Cordeiro é um deles. Convocado para ministrar cursos pela Escola Nacional da Magistratura em São Paulo e no Distrito Federal, em vez de convocar um substituto de outra turma, preferiu usar, nas duas ocasiões, a videoconferência para participar, a distância, dos julgamentos.Com a conexão com o tribunal a partir dos locais onde estava, pudemos, nas duas oportunidades, completar todos os julgamentos, algo em torno de 60 processos em cada dia", conta. "Em vários desses processos, advogados fizeram sustentação oral, dirigindo-se aos julgadores presentes física ou virtualmente. Acompanhei os votos e participei dos debates. O julgador estava presente no colegiado, com igual qualidade", explica o desembargador.

    Segundo ele, esse tipo de prática evita o adiamento de processos em que o desembargador ausente é relator ou revisor. "A noção de presença precisa ser atualizada. Deve ser admitida não somente pela percepção imediata dos sentidos, mas quando iguais informações são obtidas por meios informatizados de acesso a distância", resume. "É o eu presente a distância, o eu eletrônico, vendo, ouvindo e participando integralmente de atos."
A tecnologia, informa Cordeiro, tem auxiliado nos julgamentos de Turmas Recursais nos Juizados Especiais e até mesmo em reuniões administrativas. "Nada impede modernidade maior: de que os participantes do julgamento possam estar presentes eletronicamente", vislumbra.

Advocacia digital

    O peticionamento e o protocolo de peças também funcionam de forma diferente do modelo ainda vigente nas demais cortes. Enquanto em tribunais dos mais modernos, como o Superior Tribunal de Justiça, os documentos são divididos em volumes, que mesmo digitais seguem a lógica do processo físico, no TRF-4 todo o processo é visualizado como uma só peça. Petições e decisões são registrados em eventos. Além disso, por meio de assinatura digital, é possível aos advogados e procuradores protocolar documentos digitalizados a distância, online.

    Recentemente, os grandes escritórios de advocacia ganharam uma ferramenta própria. Desde o dia 5 de março, o e-Proc, como é chamado o sistema de processo eletrônico, criou o escritório virtual destinado a bancas com grande volume de processos na corte.
As facilidades têm mudado a rotina nos escritórios. Como o protocolo de documentos e a vista de processos não dependem mais do deslocamento até as varas, o número de estagiários tem caído. Já há escritórios médios que trabalham sem nenhum. É o caso da banca J. N. Miranda Coutinho & Advogados. Especializada em processos federais nas áreas criminal e ambiental, a sociedade conta com oito advogados para fazer todo o trabalho. "Deslocamentos são só para despachar com os julgadores", afirma Edward Carvalho, um dos sócios.
Até o recebimento de honorários está sendo afetado. Com a velocidade das decisões — há processos em que elas saem em menos de um mês —, o acerto comum de receber metade do valor no início da ação e outra metade no fim pode pesar no caixa mensal dos clientes.

Tipo exportação

    A tecnologia do tribunal está sendo exportada para outras cortes. Além do e-Proc, para processos virtuais, o TRF-4 também é responsável pela criação do GedPro, sistema interno para acompanhamento de processos e votos de magistrados, o SMWeb, para mandados como de intimação, citação e prisão — a ideia é acabar com as cartas precatórias entre varas — e o SEI!, sistema voltado para o andamento de processos administrativos. Os quatro sistemas foram desenvolvidos por uma equipe do próprio TRF-4 e alguns são usados em tribunais de São Paulo, do Tocantins e até mesmo na Suprema Corte do Panamá.
O desenvolvimento por equipe própria — cerca de 20 pessoas — é um dos motivos para o tribunal estar tão avançado no uso das tecnologias, segundo o juiz federal Sérgio Renato Tejada Garcia, presidente da Comissão para Aperfeiçoamento e Viabilização do Processo Judicial Eletrônico. Para Tejada, isso faz com que os sistemas possam ser aperfeiçoados a cada dia. "Quando o sistema é encomendado de uma empresa, para cada alteração deve ser encomendado um novo produto, com nova licitação."

    O outro motivo para estimular o uso, diz, é levar em conta todas as opiniões e sugestões sobre o sistema. "A equipe desenhou o projeto, mas o que está aí hoje foi criado por todos os usuários, juízes, servidores, advogados e Ministério Público."

Cofre comum

    O dinheiro para criar tais projetos não vem de nenhum fundo específico do TRF-4. O tribunal recebe as mesmas verbas que as outras cortes federais do país. Os computadores novos com duas telas, os tablets e o plenário com sustentação oral a distância foram comprados com verbas destinadas ao investimento em tecnologia no Orçamento da Justiça Federal e R$ 20 milhões que vieram de um convênio entre Conselho Nacional de Justiça, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, em 2009. "Todos os TRFs receberam a mesma quantia", ressalta Garcia.
O investimento, segundo ele, já "se pagou". Ele faz as contas: "Cada processo físico custa, em média, R$ 30 de papel, clips, plástico e outros insumos do Estado. Como tivemos, no primeiro ano, um milhão de processos digitais, economizamos R$ 30 milhões."

Artigo de autoria de: Alessandro Cristo  editor da revista Consultor Jurídico e
Marcos de Vasconcellos  repórter da revista Consultor Jurídico.
 Transcrito da Revista Consultor Jurídico, 10 de março de 2012

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domingo, 11 de março de 2012

STF e o controle de constitucionalidade

          Ao analisar  a Medida Provisória que criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Supremo Tribunal Federal a declarou insconstitucional, porque fora aprovada de forma errônea pelo legislativo. De acordo com a decisão, desde 2001, uma emenda à Constituição (Emenda Constitucional 32)  determinou, em seu artigo 62, que as medidas provisórias precisavam passar por uma comissão mista de deputados e senadores, que sobre elas deveriam emitir parecer, antes de ir à votação no plenário das duas casas.

          O problema é que essa regra constitucional sempre era ignorada pelos congressistas, que votavam as MPs diretamente nos plenários.

          Uma questão de ordem trazida pela Advocacia-Geral da União (AGU), contudo mostrou que essa decisão proferida pela suprema corte abriria brecha para que 500 leis aprovadas no mesmo modelo fossem questionadas judicialmente, criando insegurança jurídica e a impossibilidade de reapreciação em tempo hábil no Legislativo. O advogado da União alertou que o julgamento levaria a uma grave distorção de todo o sistema, provocando uma corrida ao Poder Judiciário para anular 500 leis aprovadas da mesma forma.

          A argumentação trazida pelo Advogado-Geral da União sansibilizou o relator ministro Luiz Fux  e outros ministros também compartilharam a preocupação de Fux. De fato, a situação é muito grave, talvez uma das mais graves com as quais já tenhamos nos deparado, tendo em vista que a dimensão vai muito além do que o caso que foi objeto de discussão, disse Gilmar Mendes.

         Para solucionar o impasse, a Corte optou por tornar obrigatória a etapa da comissão mista apenas para as medidas provisórias editadas daqui para a frente. Além de validar a existência do Instituto Chico Mendes, a decisão do Supremo validou todas as leis aprovadas no mesmo modelo. Outra consequência da decisão  é que as MPs que já estão no Congresso Nacional não serão afetadas e continuarão tramitando sob as regras que valiam anteriormente.
         Inúmeros projetos de leis votados e sancionados contrariam a Constituição Federal, ou suscitam questionamentos quanto à sua origem (competência para legislar sobre a matéria). Com isso o Judiciário é mobilizado e até que haja a reposição dos direitos violados a sociedade fica na expectativa de julgamentos que irão afetar a vida dos indivíduos, da economia, da política e do ordenamento institucional do país.

        A norma eivada de inconstitucionalidade representa custos para o erário, que dificilmente serão ressarcidos. A conscientização dos parlamentares ao apresentarem um projeto de lei e a preocupação com a sua constitucionalidade representaria economia de tempo de todos os envolvidos, de custos para o governo e de dinheiro para o contribuinte. Barrar estas leis, ainda no Parlamento, seria o ideal. Contudo, por contrariar interesses, o trabalho na Comissão de Constituição e Justiça é difícil e nem sempre eficaz: os representantes do povo assumem compromissos com determinados grupos e querem honrá-los, ainda que descumprindo a Constituição.

       Uma ideia, que não é nova, e que já vem sendo adotada na Itália, seria a da possibilidade de se colocar à disposição das assembleias legislativas e da câmara federal uma comissão de juízes para auxiliar os parlamentares em temas de constitucionalidade polêmica, municiando-os com mais informações jurídicas para uma melhor e mais correta deliberação.

       Na Itália já existe essa possibilidade de os projetos passarem por apreciação prévia do Judiciário, evitando a entrada em vigor de uma lei inconstitucional que, inúmeras vezes, quando retirada de circulação, já gerou efeitos irreparáveis e irreversíveis na vida dos cidadãos.

      A adoção dessa medida no Brasil não implicará, como se poderá argumentar, em intervenção do Judiciário no Legislativo, pois o parecer dos magistrados poderia ou não ser acatado pela Comissão de Constituição e Justiça do parlamento.

     Essa medida, além de integrar e harmonizar os poderes, redundaria em imenso benefício para os cidadãos brasileiros.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Adoção da Repercussão Geral no STJ

     A enorme quantidade de recursos que chega diariamente ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) tenderá a diminuir drasticamente, caso seja aprovada pelo Legislativo anteprojeto de lei votado pelos magistrados daquela corte na segunda-feira (dia 5).  Referido anteprojeto, inspirado no modelo adotado pelo Supremo Tribunal Federal desde 2007, barra a subida de processos de pouca significancia para oSTJ. Com isto, o tribunal terá mais tempo para analisar os casos que realmente interferem na vida do cidadão e para firmar teses que devem ser seguidas nas instâncias inferiores.

      A adoção da medida pelo STF resultou em uma queda de 76% no número de processos da Suprema Corte. Chamada "repercussão geral", a ferramenta permite que os ministros do STF escolham previamente, em votação virtual, os casos que irão julgar nas sessões plenárias seguindo critérios de relevância social, política e econômica.

     O texto aprovado pelo STJ, que conta com a simpatia do Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, segue agora para o Executivo, que deverá encaminhar a proposta para o Congresso Nacional. 

     Para a mudança entrar em vigor, são necessárias duas intervenções do Congresso Nacional: uma emenda à Constituição permitindo que o STJ tenha esse filtro, e uma lei para estabelecer quais serão os critérios de pré-seleção. O presidente da comissão que estudou o assunto no STJ, ministro Teori Zavascki, disse que os ministros estão confiantes no apoio do Congresso Nacional.

     "Quem conhece os problemas do STJ e quem já se familiarizou com o resultado obtido no STF está do nosso lado", disse o ministro em entrevista à Agência Brasil. A proposta de levar o filtro para o STJ é contemporânea ao movimento pró-repercussão geral no STF, mas os parlamentares optaram por contemplar apenas a Suprema Corte com a Reforma do Judiciário de 2004.

     O ministro Zavascki acredita que até mesmo os advogados - que em tese poderiam ficar descontentes com a eliminação de uma instância de apelação - deverão apoiar a proposta, já que os casos mais urgentes e com chances de vitória serão julgados mais rapidamente. Por mais que trabalhe, o STJ está sempre em débito com a sociedade: em 2011, foram analisados 317,1 mil processos, mas a corte terminou o ano com um estoque de 235.466 casos para julgar.

     No ano passado, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, chegou a propor que o número de ministros do STJ passasse de 33 para 66, alegando que o tribunal não estava dando conta do elevado número de processos. Em sua justificativa, o ministro lembrou que o tipo de ação mais urgente da Justiça - o habeas corpus, usado para soltar pessoas presas injustamente - estava demorando mais de um ano para ser analisado no STJ.

    De acordo com Zavascki, outra proposta em análise deve atingir ministros que desempenham funções especiais na corte. Atualmente, quatro ministros do STJ são poupados de receber o volume normal de processos percebidos dos demais membros: o presidente, o vice-presidente, o corregedor do Conselho Nacional de Justiça e o corregedor do Conselho da Justiça Federal. "Temos que resolver esse problema que apareceu no STJ com a criação do cargo de corregedor-geral de Justiça. Isso desfalcou o STJ de um ministro, uma das turmas de julgamento sempre fica com um ministro a menos. A ideia inicial da comissão seria unificar na figura do vice-presidente a função de corregedor-geral", explicou Teori Zavascki.

terça-feira, 6 de março de 2012

Notícias sobre conciliação

1. Programa Justiça Comunitária

     Agentes comunitários da Justiça e Cidadania da Baixada Cuiabana, em Cuiabá - MT, participaram de uma reunião na Escola dos Servidores Desembargador Atahide Monteiro da Silva, ocasião em que escolheram os representantes dos agentes no Conselho Consultivo do Programa Justiça Comunitária. Os agentes também receberam o Regimento Interno do programa e debateram com a coordenadora, juíza Ana Cristina Silva Mendes, melhorias para o ano de 2012.
      No ano passado foram registrados 8.690 procedimentos, entre atendimentos, visitas domiciliares e orientações, além de 229 acordos.
“Os números são muito bons. É extremamente compensador, pois os procedimentos representam o desenvolvimento da cultura da paz, evitando o litígio. A reunião traz orientações principalmente para traçarmos o norte de nossas ações e verificar o que os agentes necessitam para os trabalhos”, pontuou a juíza durante o encontro, realizado na noite de quarta-feira.
     Com 16 páginas, o Regimento Interno da Justiça Comunitária traz os objetivos e princípios do programa, como a promoção da cidadania e pacificação social, as atribuições dos agentes comunitários, entre elas a atuação como conciliador ou mediador e o acompanhamento por meio de visitas, e do Conselho Consultivo, cujo objetivo principal é supervisionar a Justiça Comunitária e resolver pendências que não estejam previstas no próprio regimento.
     A juíza Ana Cristina reforçou o pedido para que os agentes sugiram temas para o Ciclo de Educação Continuada, desenvolvido uma vez ao mês, oportunidade em que os agentes participam de uma reciclagem e também tirar dúvidas sobre assuntos de interesse da comunidade. A última aula foi ministrada pela juíza da Segunda Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Comarca de Cuiabá, Adriana Sant’Anna Coningham. A magistrada abordou temas como divórcio, partilha de bens, adoção, direitos dos idosos e violência. As aulas têm por objetivo elucidar dúvidas e repassar conhecimentos aos agentes que atuam na linha de frente do projeto.
2. Centrais de Conciliação
       Também serão implantadas no Mato Grosso - MT, duas Centrais de Conciliação: a Central da Capital e a Central da Segunda Instância. O primeiro espaço funcionará com oferta de orientação e serviço de conciliação e mediação nas fases pré-processual e processual. A outra central terá unidade no Tribunal de Justiça do Mato Grosso e tem como objetivo conciliar processos em fasse de recurso.
     O coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos, juiz Hildebrando da Costa Marques, explica que o sistema utilizado nas Centrais de Conciliação tem um aspecto importante e inovador. O usuário do setor de conciliação não precisará repetir diversas vezes qual o problema que enfrenta. Os andamentos serão relatados e registrados. "O tempo de resolução de um processo comum é de entre dois a quatro anos. Se as partes comparecerem à audiência e entrarem em acordo seu processo é imediatamente resolvido"
3. Mutirão do CE promoverá 360 audiências de conciliação                           

A 3ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza (CE) promoverá 360 audiências de conciliação com processos ainda na fase inicial. O mutirão ocorrerá entre os próximos dias 5 e 9 de março.
A iniciativa, do juiz Cid Peixoto do Amaral Netto, contemplará ações envolvendo o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT), despejo, revisional, indenização, busca e apreensão, entre outros. As audiências ocorrerão no 1º Salão do Júri do Fórum Clóvis Beviláqua, das 9h às 12h e das 13h30 às 17h.
A unidade judiciária contará com a ajuda voluntária de quatro estudantes de Mestrado em Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor). Eles serão supervisionados pelo Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça do Ceará .
Do TJCE
4. Justiça Itinerante na Rocinha- RJ
O presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), desembargador Manoel Alberto Rebêlo dos Santos, inaugura na  terça-feira, dia 06, às 11h, a Justiça Itinerante na comunidade da Rocinha. O objetivo é facilitar o acesso da população à Justiça.
O ônibus da Justiça Itinerante atenderá os moradores da comunidade todas as terças-feiras, das 9h às 15h, no Largo da Macumba, em frente ao mercado popular da Rocinha. A juíza Renata de Lima Machado Amaral ficará a frente do “cartório sobre rodas”, onde poderão ser resolvidas questões nas áreas de Família, Infância e Juventude, Registro Civil e Especial Cível.
Do TJRJ

domingo, 4 de março de 2012

Omissão da jurisprudência sobre relações de consumo

         Em artigo publicado na Revista Consultor Jurídico, de 26.02, sob o título "Relações de Consumo. O assombroso silêncio da Jurispudência", o advogado Marco Aurélio Brasil Lima questiona a omissão da doutrina e da jurisprudência sobre pontos fundamentais do Código de Defesa do Consumidor.

          Para ele, o princípio da harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo, tido como o mais importante de todos, remanesce como princípio esquecido e, como tudo que se esquece, desprezado na prática.

          A ordem econômica  que tem como princípio fundamental a livre iniciativa, tem também como um de seus princípios a defesa do consumidor. São interesses que não conflitam, mas concorrem para um mesmo fim. Este objetivo está no artigo 4º do CDC.

          De fato, o artigo 4º, item III do Código de Defesa do Consumidor,  estabelece como um dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo a “harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico... , sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”. O equilíbrio é, assim, o fim máximo do direito do consumidor.

         Sendo o Direito do Consumidor um instrumento de equilíbrio, de dosagem de forças em conflito no universo capitalista, conforme o autor, nasce para corrigir uma distorção que brota do balanço desigual de forças econômicas do mundo capitalista, mas, sua aplicação não passa, muitas vezes, de estratégia de distribuição de riqueza.

       Entretanto, se é assim, por que se costuma tropeçar em sentenças judiciais em que se afirma, com orgulho justiceiro, que se determinados modelos de negócio precisam deixar de existir para que consumidores sejam protegidos? Por que o noticiário frequentemente nos brinda com tentativas de Ministérios Públicos e Procons para banir ou desfigurar completamente negócios de que os consumidores se valem de forma massificada e nos quais, portanto, vêem virtudes? Onde estão os esforços harmonizadores dos aplicadores do direito?

      Nessa linha de raciocínio, o autor cita como um bom exemplo do esquecimento do princípio da harmonização dos interesses nas relações de consumo  a forma descuidada como operadores do Direito tratam prestadores de serviços de Internet. São modelos de negócio novos, larga e alegremente adotados pelos consumidores do século XXI e que, entretanto, para os operadores bem poderiam deixar de existir, unicamente porque seu manuseio requer certos cuidados ainda desconhecidos por uma parcela dos consumidores.

     "Ora, banir ou desfigurar tais ferramentas novas, impondo-lhes responsabilidades que, grosso modo, implicam em desconsiderar completamente o imperativo de se verificar o nexo de causalidade entre dano e atitude (ativa ou passiva) empresarial, não trabalha a favor do consumidor nem muito menos do equilíbrio nas relações de consumo. Além de tudo, tal medida despreza justamente a intenção do legislador de não coibir o avanço tecnológico e econômico, mencionada na mesma norma. A mesma dinâmica se pode enxergar em diversas atitudes hostis a outros modelos de negócio", diz. 

        Uma boa notícia é que uma das reformas ao Código de Defesa do Consumidor, proposta pela comissão de juristas é, justamente, a regulamentação das compras pela internet.

         Nesse sentido, foram apresentadas as seguintes sugestões:
  •  As empresas que vendem produtos ou serviços por meio de páginas na internet serão obrigadas a identificar informações básicas, como endereço físico, CNPJ e telefone de contato. Caso o consumidor tenha problema com aquela companhia, ele poderá localizá-la e será mais fácil acioná-la judicialmente, se for necessário.        
  • Todos os sites de compras também precisarão msnter um nível mínimo de segurança aos usuários.
  • Campos específicos para registrar arrependimento também deverão estar presentes no layout, para facilitar trocas ou devoluções (hoje o consumidor já dispõe de sete dias para declarar o arrependimento caso a compra tenha sido feita pela web).      
        Sobre a matéria, ver a postagem do meu blog de 15.10.11.
         

quinta-feira, 1 de março de 2012

Defensoria Pública de SP X Convênio com a OAB

          O Supremo Tribunal Federal julgou na quarta-feira (29/2) a Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de liminar, em que  a Procuradoria-Geral da República questionava a constitucionalidade do artigo 109 da Constituição de São Paulo e também do artigo 234 e alguns parágrafos da Lei Complementar estadual 988/2006, versando sobre a obrigatoriedade da celebração de convênio entre a Defensoria Pública de São Paulo e a seccional paulista da OAB.

         Por unanimidade, os 10 ministros que votaram concluiram que a obrigatoriedade de convênio entre a Defensoria Pública de São Paulo e a OAB de São Paulo, prevendo que só ela teria direito de prestar assistência judiciária aos cidadãos de baixa renda quando a Defensoria não puder atendê-los diante do seu parco quadro de defensores, fere a Constituição Federal.

       Antes dos votos dos ministros, o advogado constitucionalista Luís Roberto Barroso, em defesa da ADI, questionou, durante sua sustentação oral, a própria conceituação de “convênio” para descrever a situação entre a OAB-SP e a Defensoria local. Para Barroso, convênios não podem ser compulsórios, ao contrário, têm de ser legitimados pela concordância e condições de igualdade entre as partes que o assumem e o consagram. Barroso classificou ainda a exclusividade e obrigatoriedade que permeia o pacto estabelecido entre a Defensoria paulista e a OAB do estado como monopólio, afirmando, para tanto, que “monopólios são invariavelmente ruins por si só”. “A presença maciça da Ordem [no estado] já foi parte da solução, hoje é parte do problema”, afirmou Barroso.

       Abrindo a votação, o relator, ministro Cezar Peluso, formulou a ideia de que os dispositivos contestados “deturpam e descaracterizam o conceito de convênio”, uma vez que “não há espaço para a escolha dos partícipes”. O presidente da corte centrou sua argumentação no fato de que o que pesa é o choque “direto e frontal com a norma da autonomia” da Defensoria, sendo esta que tem de prevalecer na concorrência dos valores constitucionais presente no debate.

       Segunda a votar, a ministra Rosa Weber lembrou que, somente na pauta do dia, constavam cinco ADIs que versavam sobre o tema. Rosa observou que, em todos os processos, “a aspiração única”, era avaliar o correto posicionamento do papel e vocação das defensorias públicas estaduais.

       Foi então que, apesar do clima de concordância em relação a acatar a ADI em julgamento, o ministro Marco Aurélio, pedindo a palavra para uma questão de ordem, afirmou que o âmago do debate não era somente a autonomia da Defensoria, como postulou o presidente da corte, mas também a defesa da inflexibilidade no exercício do monopólio, pela Defensoria Pública, da assistência jurídica aos cidadãos economicamente desfavorecidos.

       De acordo com Marco Aurélio, a delegação de advogados para assistência legal a hipossuficientes, frente à carência de quadros, perverte em absoluto a missão constitucional da Defensoria Pública. Peluso rebateu o argumento, afirmando que o Plenário estava “diante de um dilema”, se a Defensoria pode recorrer a expedientes diversos para suprir deficiências de infraestrutura ou se a mesma devia “ser testada naquilo que lhe falta”.

         O ministro Gilmar Mendes criticou então o que entendeu por um desvio da questão básica, colocado por Marco Aurélio. Segundo ele, o cerne da discussão não era o convênio em si, mas a obrigatoriedade e a exclusividade do convênio com a OAB do estado de São Paulo. Para ele, a despeito da contrariedade com o que se entende por “pretensões de caráter corporativo”, as atividades de convênio deveriam ser estimuladas frente à gravidade da situação da Justiça no Brasil. Em um empréstimo e inversão do argumento do professor Luís Roberto Barroso, argumentou que não era preciso enfatizar tanto a questão do monopólio da assistência jurídica aos necessitados, porque monopólios têm um caráter controverso em si, como observara o constitucionalista.

        O ministro observou que o “monopólio” não constitui uma questão realista frente à “situação vergonhosa em que nos encontramos”. “Como suscitar um monopólio desse serviço, nessa extensão, [...] frente às inúmeras carências com que nos deparamos?”, disse. Para o ministro Gilmar Mendes, mesmo que houvesse um defensor público em cada penitenciária do país, ainda assim a busca por soluções como a celebração de convênios não poderia ser desestimulada. “Como colocar [a advocacia pro bono] na ilegalidade, colocá-la na inatividade se não é possível atender demandas tão grandes?”, questionou. “São 500 mil presos no Brasil, metade são presos provisórios e, sem dúvida, 90% destes, pessoas pobres. Os defensores públicos não passam de 500”, completou.

         Marco Aurélio foi o único que acatou a ADI em sua integridade por entender que a delegação de advogados não-defensores à assistência jurídica a cidadãos de baixa renda entra em conflito direto com dispositivos constitucionais. “Não imagino a mesma delegação [de terceiros] no exercício da defesa do Estado, no papel do Ministério Público, com um advogado fazendo às vezes do agente apontado pela Constituição”, disse Marco Aurélio.

         Os outros nove ministros seguiram o entendimento do relator. Cezar Peluso entendeu que o artigo 109 da Constituição paulista poderia ser mantido na ordem jurídica, desde que interpretado conforme a Constituição Federal. "Para compatibilizar-lhe o sentido normativo emergente com o preceito fundamental da Constituição da República, deve entender-se que seu texto enuncia apenas mera autorização ou possibilidade de celebração de convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil, seccional São Paulo, sem cunho de necessidade, nem de exclusividade, de modo a ficar garantida a Defensoria Pública em rigorosa consonância com sua autonomia administrativa, funcional e financeira a livre definição dos seus eventuais parceiros e dos critérios administrativo-funcionais de atuação", salientou.

         Ao final de seu voto,  Peluso observou que a realização de concurso público "é regra primordial para prestação de serviço jurídico pela administração pública, enquanto atividade estatal permanente". Segundo Peluso, é situação excepcional e temporária a hipótese de prestação e assistência jurídica à população carente "por profissionais outros que não defensores públicos estaduais concursados, seja mediante convênio com a OAB, seja mediante alternativas legítimas". O ministro Celso de Mello não participou da sessão.

         Para o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Aanadep), André Castro, o resultado reforça o entendimento da associação nacional de que a Defensoria Pública é a instituição responsável pela defesa do cidadão carente, devendo ficar a seu critério o estabelecimento de convênios para ampliação do atendimento jurídico gratuito. "É uma decisão histórica que assenta o entedimentop unânime de que a assistência jurídica estatal deve ser prestada pela Defensoria Pública, que a seu critério e repeitando sua autonomia administrativa pode, quando necessário e em caráter suplementar e provisório, firmar convênios."