segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Mediação combaterá lentidão do Judiciário

Marco legal para a mediação vai combater a lentidão

[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo desta sexta-feira (27/9)]
 
O Brasil vive momento especial, marcado por encruzilhadas decisórias que definirão os rumos e o tipo de país que queremos.
Somos impelidos a decidir se avançaremos na direção de uma nação desenvolvida ou se deixaremos que boas oportunidades de transformação sejam desperdiçadas.
Tal definição aplica-se ao sistema de Justiça, obrigando-nos a decidir se trilharemos o caminho de um Judiciário de fácil acesso, célere, inovador e moderno.
 
Nosso Judiciário é lento, de alta complexidade e difícil compreensão à sociedade. Os dados contundentes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) confirmam: há 90 milhões de processos, ou um para cada dois brasileiros, que demoram em média dez anos para serem concluídos.
Na raiz dessa situação, subsistem antigos problemas — do sistema processual eivado de possibilidades protelatórias à falsa impressão de que é preciso usar linguagem rebuscada em decisões longas. Fatores agravados por uma cultura de litigância ultrapassada.
 
É imprescindível adotar maneiras de dissolver essa velha cultura, para combatermos na origem os problemas que fazem da Justiça um serviço público ainda aquém do que o Brasil precisa.
A criação de uma comissão de especialistas para elaborar um marco legal de mediação, no âmbito da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, foi decisiva para um novo paradigma do sistema de Justiça, mais próximo da população brasileira.
 
Muitos processos que aguardam sentença poderiam ter sido resolvidos sem que precisassem chegar ao Judiciário. Os métodos de negociação, conciliação e mediação podem nos socorrer nessa valiosa tarefa, mas a inexistência de um marco regulatório atrasa e dificulta a disseminação de tais técnicas.
É preciso institucionalizar a mediação judicial e extrajudicial como instrumentos consensuais de realização da justiça.
 
Para tanto, a comissão se organizou em três frentes: mediação judicial, mediação extrajudicial e aspectos gerais de mediação, coordenadas, respectivamente, pela ministra Nancy Andrighi, pelo ministro Marco Aurélio Buzzi, ambos do Superior Tribunal de Justiça, e pelo então conselheiro do CNJ José Roberto Neves Amorim.
Trata-se de consolidar o sentimento da justiça consensual, reduzir o volume de processos que chegam diuturnamente aos tribunais e, assim, ampliar as condições para que o Judiciário exerça função predominantemente harmonizadora, apreciando processos mais complexos cujo desfecho só é possível por intervenção de um julgador.
Criar um arcabouço legal para a mediação permitirá também ao Brasil reduzir a distância em relação a outros países no tema.
 
As experiências de alguns tribunais, especialmente após a resolução nº 125 do CNJ, e na administração pública são salutares.
A Escola Nacional de Mediação e Conciliação (Enam) é iniciativa que atende a essa preocupação, e a elevada procura por cursos que organiza, seja da parte de juízes, procuradores, defensores, advogados ou servidores, mostra que há espaço e urgência na difusão de conhecimentos e práticas de mediação.
Os projetos que tramitam no Congresso Nacional constituem avanços. Mas os trabalhos da comissão de especialistas têm o condão de oferecer subsídios e melhorias à confecção de um marco regulatório moderno, que amplie a segurança jurídica e projete o Brasil como referência na resolução consensual de conflitos.
Aprovar o marco é, por fim, um passo crucial para um sistema de Justiça humanizado e que proporcione adequadamente a defesa dos direitos de cidadãs e cidadãos.
 
Nancy Andrighi é ministra do Superior Tribunal de Justiça.
José Roberto Neves Amorim é desembargador no Tribunal de Justiça de São Paulo, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, coordenador do Movimento pela Conciliação – CNJ.
Flávio Caetano é secretário nacional de Reforma do Judiciário.
Marco Aurélio Buzzi é ministro do Superior Tribunal de Justiça.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Petição eletrônica obrigatória no STJ

Petição eletrônica obrigatória no STJ começa terça

A partir da próxima terça-feira (1º/10) será obrigatória a petição eletrônica no Superior Tribunal de Justiça. A partir desta data, a unidade responsável pelo recebimento de petições está autorizada a recusar todos os documentos em papel referentes às classes previstas nesta primeira etapa.
Para possibilitar o peticionamento eletrônico, algumas medidas precisam ser tomadas pelos advogados: aquisição de um certificado digital, configuração adequada do computador e cadastro no sistema. O passo a passo pode ser encontrado no Espaço do Advogado, no portal do STJ.
A medida está regulamentada na Resolução 14/2013. Nessa primeira fase, a obrigatoriedade envolve os seguintes processos:
 Petições iniciais
 Conflito de Competência (CC) 
 Mandado de Segurança (MS)
 Reclamação (Rcl)
 Sentença Estrangeira (SE)
 Suspensão de Liminar e de Sentença (SLS)
 Suspensão de Segurança (SS)
O mesmo vale para as petições incidentais, dirigidas a processos em trâmite no STJ, nos casos de:
Petições incidentais
 Recurso Extraordinário (RE) 
 Contrarrazões ao Recurso Extraordinário (CR)
 Agravo em Recurso Extraordinário (ARE)
 Contraminutas em Agravo em Recurso Extraordinário (CmARE)
DúvidasCom a chegada da data limite, algumas dúvidas têm surgido. A principal delas é sobre o sistema operacional necessário para o acesso ao e-STJ. Todo o sistema foi desenvolvido para a plataforma Windows e várias melhorias já estão previstas. Porém, ainda não há previsão para o desenvolvimento da ferramenta em outros sistemas operacionais, como Linux ou Mac.
Outra dúvida recorrente é sobre os prazos processuais e indisponibilidade do sistema. A própria resolução já contém as determinações necessárias sobre isso. De acordo com a resolução, todos os atos gerados no sistema serão registrados com a identificação do usuário e a data e hora de sua realização, considerando-se o horário oficial de Brasília.
Os atos serão efetivamente praticados no dia e na hora do recebimento no e-STJ, de acordo com o recibo eletrônico de protocolo fornecido pelo sistema. Ou seja, os horários de conexão do usuário com a internet ou de acesso ao portal do STJ, assim como os horários de seus equipamentos, não serão considerados. Será considerado tempestivo o ato realizado até meia-noite do último dia do prazo processual estabelecido.
 
Prorrogação de prazosO e-STJ estará disponível ininterruptamente 24 horas por dia, menos durante os períodos de manutenção. A indisponibilidade do sistema só estará configurada quando os serviços de consulta aos autos digitais e transmissão eletrônica de peças (incluindo-se a petição) não puderem ser realizados por problemas no STJ. Erros de transmissão e nos equipamentos ou programas dos usuários não configuram a falha.
 
Todas as indisponibilidades ficarão registradas em relatório de interrupções de funcionamento, publicado na internet com discriminação dos serviços afetados e data, hora e minuto do início e término do período.
Quando a indisponibilidade for superior a 60 minutos, ininterruptos ou não, e acontecer entre 6h e 23h, os prazos que vencerem nestes dias serão prorrogados para o dia útil seguinte à retomada do funcionamento. A mesma prorrogação de prazo ocorrerá no caso de ser registrada indisponibilidade entre 23h e 24h.
 
Os casos ocorridos entre 0h e 6h dos dias de expediente forense, ou em feriados e fins de semana a qualquer hora, não interferem na contagem de prazo.
 
Responsabilidade do peticionárioPara o envio da petição eletrônica, o STJ disponibiliza o e-STJ. O sistema facilita e agiliza a vida do advogado, que não precisa mais se deslocar até o tribunal nem apresentar posteriormente os documentos originais ou cópias autenticadas.
São de responsabilidade exclusiva do peticionário: o sigilo da chave privada de sua identidade digital; a conformidade entre os dados informados no formulário eletrônico de envio e os constantes na petição; as condições das linhas de comunicação e a configuração do computador utilizado nas transmissões; a confecção da petição e de seus anexos em conformidade com os requisitos dispostos no portal do STJ quanto ao formato e tamanho do arquivo.
O peticionamento eletrônico só está previsto através do sistema e-STJ. O uso e-mail para tal fim é proibido pela resolução.
Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

STJ autoriza gravação de depoimento de criança vítima de abuso

STJ autoriza gravação com criança vítima de abuso

É correta, dependendo do caso, a gravação do depoimento de crianças que possam ter sido vítimas de abuso sexual, pois isso facilita o resgate da memória e dificulta o esquecimento ou bloqueio dos fatos. Esse foi o entendimento adotado pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça para rejeitar Habeas Corpus impetrado pela Defensoria Pública e autorizar a gravação do depoimento de uma criança de seis anos.
 
A Defensoria Pública pedia que fosse suspenso o andamento da Ação Penal contra a pessoa apontada como autora do crime.
 
 Relatora do caso, a ministra Laurita Vaz afirmou que a produção antecipada de provas é restrita aos casos de natureza urgente, que devem ser analisados de forma individual. Na situação em questão, a ministra se posicionou a favor da tomada do depoimento, para evitar o bloqueio e esquecimento dos fatos, providência natural em casos de trauma.
 
Ela negou a alegada incompetência do juízo da 1ª Vara da Infância e Juventude em relação ao caso, citando decisão recente do Supremo Tribunal Federal. Os ministros do STF, continua, determinaram que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul pode atribuir competência para analisar crimes sexuais contra crianças e adolescentes à Vara, por agregação. O TJ-RS também pode, segundo a relatora, atribuir competência a qualquer outro juízo que entender adequado.
 
Assim, não é possível falar em nulidade da ação penal por incompetência absoluta do juízo, concluiu Laurita Vaz, que foi seguida de forma unânime pela 5ª Turma. A Ação Cautelar de Produção de Provas foi ajuizada pelo Ministério Público gaúcho e rejeitada pela 1ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre.
No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acolheu Apelação e autorizou a gravação através do sistema Depoimento sem Dano.
 
 A conversa ocorrerá em uma sala especial, com auxílio de profissionais especializados, para evitar que o menor seja exposto a constrangimentos.
 Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
 

Defensoria Pública e participação popular

Defensoria Pública está aberta à participação popular

A abertura de instituições públicas para uma efetiva gestão democrática e transparente constitui pauta de importância crescente desde a redemocratização do país, mas que ganhou urgência com as manifestações que tomaram as ruas das principais cidades no final do último semestre.
Embora seja arriscado assinalar apenas um ou outro aspecto das manifestações, caracterizadas por uma miríade de reivindicações, parece seguro o diagnóstico de que a população, cada vez mais consciente de sua cidadania, requer serviços públicos de qualidade e maior aproximação e legitimidade das instituições e órgãos públicos de todas as esferas.
 
É nesse cenário que a Defensoria Pública paulista inaugurou neste mês de agosto a quarta edição de seu Ciclo de Conferências Públicas, realizado a cada dois anos.
Durante dois meses, as unidades da Defensoria em 19 cidades do Estado de São Paulo promoverão conferências públicas locais para que os cidadãos — destinatários do serviço de assistência jurídica gratuita — compareçam, apontem quais são as demandas que consideram prioritárias para a atuação da instituição, além de críticas e sugestões.
 
Os encontros adotam uma metodologia de trabalho participativa, que valoriza a interação entre defensores públicos e sociedade civil. Os debates são divididos por eixos temáticos: discussão sobre a política institucional e de ampliação da Defensoria, direitos humanos, proteção aos idosos, consumidores, mulheres vítimas de violência doméstica, habitação e urbanismo, situação carcerária, infância e juventude, combate à discriminação, entre outros.
Em cada encontro, delegados regionais são eleitos para integrarem uma Conferência Estadual, que será realizada em dezembro, na capital. Nessa oportunidade, serão analisadas e aprovadas as propostas finais que irão compor as diretrizes de gestão da Defensoria Pública, traduzidas em seu Plano de Atuação.
 
O Ciclo de Conferências tem demonstrado ser um instrumento fundamental para que a Defensoria Pública mantenha-se sensível e atenta às demandas reconhecidas como prioritárias pelos usuários de seus serviços. Contribui também para cultivar um diálogo constante e perene entre defensores públicos e a população carente, afastando o risco de uma instituição voltada apenas para si.
Em São Paulo, a realização desse Ciclo não é mera iniciativa de gestão ou liberalidade, mas exigência prevista na Lei Orgânica da Defensoria Pública do Estado.
 
Acreditamos que esse mecanismo, ao lado de outras iniciativas que buscam transparência na gestão pública, constitui uma importante experiência para as instituições do sistema de Justiça, que não podem nunca deixar de se enxergarem como prestadores de serviços públicos. É dever dos órgãos públicos abrir cada vez mais suas portas aos cidadãos.

Daniela Sollberger Cembranelli é defensora pública-geral de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 23 de agosto de 2013

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Voto de Celso de Melo sobre Embargos Infringentes

Celso de Mello decide que STF vai julgar Infringentes

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, deu na quarta-feira (18/9) voto favorável ao cabimento dos Embargos Infringentes na Ação Penal 470, o processo do mensalão, e assim fechou o julgamento em 6 a 5 pela admissibilidade do recurso. Último a votar na questão, o decano desempatou o julgamento, e assim garantiu a 12 réus o direito de ter parte de suas condenações revista pela corte.
Celso de Mello acompanhou a divergência aberta pelo ministro Luís Roberto Barroso e os votos do revisor, Ricardo Lewandowski, e dos colegas Dias Toffoli, Rosa Weber e Teori Zavascki. Ficaram vencidos o relator e presidente do STF, Joaquim Barbosa, e os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio.
 
Em seu longo voto de minerva, o decano reafirmou o que já havia dito no dia 2 de agosto do ano passado, quando reiterou que os Embargos Infringentes estão previstos no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e não foram, assim, suprimidos pela Lei 8038, de 1990.
Nos últimos dias, diversas manifestações na imprensa e da sociedade civil fizeram coro pela rejeição dos Embargos Infringentes.
 
 Alinhadas à tese do relator e presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, afirmam que a Lei 8.038 de 1990, que regulamentou o trâmite de processos no STF e no STJ, teria revogado implicitamente o dispositivo que trata dos Embargos Infringentes. O recurso está previsto no artigo 333 do Regimento Interno do STF e necessita de pelo menos quatro votos divergentes pela absolvição para ser admitido.
 
Celso de Mello disse que a corte não pode deixar se influenciar pelo clamor popular e nem pela pressão das multidões, sob pena de abalar direitos e garantias individuais.
"[Juízes] não podem deixar contaminar-se por juízos paralelos resultantes de manifestações da opinião pública que objetivem condicionar a manifestação de juízes e tribunais. Estar-se-ia a negar a acusados o direito fundamental a um julgamento justo. Constituiria manifesta ofensa ao que proclama a Constituição e ao que garantem os tratados internacionais", afirmou.
Celso também fez referência ao Pacto de São José da Costa Rica, que prevê o duplo grau de jurisdição como direito de todo réu. “O direito ao duplo grau de jurisdição é indispensável. Não existem ressalvas [quanto a isso] pela Corte Interamericana de Direitos Humanos", disse Celso de Mello.
 
Para demonstrar que o legislador reconheceu cabimento dos Embargos Infringentes e optou por sua manutenção, Celso de Mello lembrou que, em 1998 o presidente Fernando Henrique Cardoso enviou para o Congresso uma proposta que acabava com os infringentes. Os parlamentares, entretanto, rejeitaram a ideia.
 
Dos 25 condenados, 12 terão direito aos Infringentes: João Paulo Cunha, João Cláudio Genu e Breno Fischberg, no caso de suas condenações por lavagem de dinheiro; e José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino, Marcos Valério, Ramon Hollerbach, Cristiano Paz, Kátia Rabello e José Roberto Salgado, no caso de formação de quadrilha. Simone Vasconcelos poderá recorrer contra a condenação por formação de quadrilha, já prescrita, e contra as penas aplicadas pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
 
Ordem jurídica
O ministro começou se referindo às condições sob as quais a sessão de julgamento da  quinta-feira (12/9) foi encerrada. Os longos votos dos ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio foram atribuídos, por advogados e juristas que acompanharam o julgamento, como expediente para que o voto de desempate do decano fosse adiado. O presidente da corte, ministro Joaquim Barbosa, interrompeu a sessão apesar do pedido de Celso de Mello para votar.
 
O decano disse que o encerramento da sessão na semana passada, “seja qual foi sua causa”, teve sobre ele um “efeito virtuoso”, o levando a “aprofundar sua convicção” já firmada.  Conhecido por votos longos e minuciosos, o decano não fez concessões na sessão desta quarta. Atacou ponto por ponto dos votos dos colegas que se posicionaram contra a admissão dos embargos, abordando, para tanto, do Direito imperial português à teoria geral dos recursos.
 
Em resposta ao argumento de que a supressão implícita da norma regimental se daria por força de uma lei superveniente, observou aos colegas que o Legislativo, a quem compete exclusivamente a disciplina da matéria, já havia se manifestado por sua manutenção. Sobre a ideia da norma legal prevalecer sobre um dispositivo regimental, demonstrou que a Constituição é que estabelece quando uma ou outra predomina. Não poupou ainda argumentos e exemplos pinçados da jurisprudência afim de contrapor o voto do ministro Luiz Fux, que havia dito que o duplo grau de jurisdição era um mito e que o Brasil não precisava se submeter a tratados internacionais. Chegou até mesmo a explicitar a relevância formal da condição de quatro votos pela absolvição para a admissão do recurso em resposta à provocação do ministro Gilmar Mendes, que havia se referido a necessidade de quatro votos divergentes como um "número cabalístico".
 
Em uma fala que se estendeu por mais de duas horas, o ministro fez um apelo ao que chamou de prevalência da racionalidade jurídica, que não pode ser submetida “à mercê da vontade e do arbítrio” da coletividade. Antes de abordar a parte mais técnica do seu voto, Celso de Mello disse que, embora todo o poder emane do povo, a representação popular junto ao Poder Judiciário não é exercida diretamente e, portanto, não se dá no campo das escolhas políticas, mas da aplicação do Direito. “Só a ordem jurídica constrói”, disse ao defender o respeito incondicional às diretrizes do Direito.
Citando o juiz federal Paulo Mário Canabarro, o ministro criticou abertamente a manipulação do clamor público para se interferir em um processo que deve ser restrito ao ambiente institucional. “Assim como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem entendido qualificar‐se como abusiva e ilegal a utilização do clamor público como fundamento da prisão preventiva, esse ilustre magistrado federal, no trabalho que venho de referir, também põe em destaque o aspecto relevantíssimo de que o processo decisório deve ocorrer em ‘ambiente institucional que valorize a racionalidade jurídica’”, reiterou o ministro. 
 
Celso de Mello disse ainda que ninguém, independente da gravidade do crime cometido, pode ser privado das garantias fundamentais do direito de defesa, independente da vontade antagônica da coletividade. “O que mais importa, neste julgamento sobre a admissibilidade dos embargos infringentes, é a preservação do compromisso institucional desta Corte Suprema com o respeito incondicional às diretrizes que pautam o ‘devido processo penal’ e que compõem, por efeito de sua natural vocação protetiva, o próprio ‘estatuto constitucional do direito de defesa’, que representa, no contexto de sua evolução histórica, uma prerrogativa inestimável de que ninguém pode ser privado, ainda que se revele antagônico o sentimento da coletividade”, assinalou em seu voto.
O ministro fez uma defesa enérgica da atuação “independente e imune”  do tribunal frente ao que qualificou de “indevida pressão externa”. Para o decano, embora todos os cidadãos da República tenham o direito à livre e ampla liberdade de crítica, os julgamentos pelo Poder Judiciário não podem se deixar comprometer por pressões de qualquer ordem.
 
Reserva legal e procedimental
 O primeiro grande argumento do ministro para acolher a admissão dos Embargos Infringentes se embasou na conclusão de que a questão sobre a admissibilidade ou não desse tipo de recurso é de competência exclusiva da política legislativa. Celso de Mello referiu-se ao voto do ministro Teori Zavascki ao observar que compete ao Congresso Federal se pronunciar sobre o tema.   
“Não se presume a revogação tácita das leis”, disse criticando a ideia de que se pode subentender a revogação de uma norma  mesmo que uma lei não trate de sua supressão.
“Sob tal perspectiva e adstringindo-me ao atual contexto normativo ora em exame, tenho para mim [...] que ainda subsistem no âmbito do Supremo Tribunal Federal, nas Ações Penais originárias, os Embargos Infringentes que se referem o Artigo 333, Inciso 1º, do Regimento Interno da corte, que não sofreu no ponto, segundo entendo, derrogação tácita ou indireta em decorrência da superveniente edição da Lei 8038/1990,que se limitou a dispor sobre normas meramente procedimentais, concernentes às causas penais originárias”, disse.
 
Rejeitando as conclusões no sentido de que o silêncio da lei sobre o cabimento dos infringentes era “eloquente” sobre sua inadmissibilidade, Celso de Mello disse que o silêncio é, de fato, eloquente porque foi consciente e intencional, ou seja, o legislador se absteve, de forma voluntária, de disciplinar o que já estava regulado em sede regimental.
Para o ministro, o fato da Lei 8.038 não se referir ao cabimento dos infringentes, não pode, portanto, ser visto como uma lacuna normativa involuntária ou inconsciente. “ Não é um descuido ou inciência do legislador”, disse o ministro. Celso de Mello referiu-se  ainda à manifestação do ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Hamilton Carvalhido, que observou que a revogação tácita de uma norma só ocorre quando a nova lei regular inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
 
Para Celso de Mello, é falsa a ideia de que há uma hierarquia rígida entre a  reserva constitucional de lei e a reserva constitucional  dos regimentos dos tribunais, sendo que a primeira prevaleceria sobre segunda automaticamente.  Em referência a um voto do então ministro do STF Paulo Brossard, no julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a tensão normativa entre a regra legal e o procedimento regimental, o ministro observou  que não se pode afirmar sempre que a lei se sobrepõe ao regimento ou que este se sobrepõe aquela. “É preciso determinar os domínios temáticos que a Constituição traçou, estabeleceu e delineou”, disse. “Dependendo da matéria regulada, prevalece uma ou outra”, disse em referência ao voto de Brossard.
 
Mas o argumento mais incisivo do decano a favor da admissibilidade dos recursos foi o de que cabe ao Poder Legislativo decidir, com exclusividade, sobre a extinção ou não da norma. Para demonstrar que o legislador entendeu pela manutenção do dispositivo citado no Artigo 333 do Regimento do STF, Celso de Mello citou uma exposição de motivos encaminhada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, que resultou num projeto de lei enviado ao Parlamento e que previa mudanças no Código de Processo Civil, na Consolidação das Leis do Trabalho e na própria Lei 8038. Naquele momento, lembrou o ministro, o Executivo reconheceu que a lei de 1990 não tratou da extinção dos Embargos Infringentes nas ações penais originárias no STF, tanto que sugeriu sua supressão.
 
A proposta foi rejeitada pela Câmara dos Deputados, que usou como base o voto do então deputado federal pelo Rio Grande do Sul Jarbas Lima, que afastou, por sua vez, a abolição e supressão dos infringentes na corte suprema por entender que esse tipo de recurso representa um “importante canal tanto para a reafirmação ou modificação" do entendimento do colegiado.
 
Comprometimento internacional

O ministro Celso de Mello também abordou a questão do comprometimento do Estado brasileiro com tratados e decisões de cortes internacionais de direitos humanos.  Na semana passada, o ministro Luiz Fux havia afirmado que o Brasil, por questões de soberania, não precisava se submeter a princípios firmados por tribunais e tratados estrangeiros e que o duplo grau de jurisdição era um mito jurídico.
O decano disse que, embora não exista uma relação de hierarquia entre o sistema jurídico doméstico e o âmbito das cortes internacionais, há, sim, o compromisso legal que obriga o  Estado brasileiro acatar e adotar esses princípios. “Os jornais noticiaram que a República Bolivariana da Venezuela repudiou esse compromisso que assumira anteriormente, [compromisso] que o Brasil mantém íntegro”, disse.  
Clique aqui para ler o voto do ministro.
Veja abaixo o que pode mudar com os Embargos Infringentes. 
RéuEmbargos infringentes contraCondenaçãoComo pode ficar
José Dirceu
formação de quadrilha
10 anos e 10 meses - fechado
7 anos e 11 meses - semiaberto
Delúbio Soares
formação de quadrilha
8 anos e 11 meses  - fechado
6 anos e 8 meses - semiaberto
José Genoino
formação de quadrilha
6 anos e 11 meses - semiaberto
4 anos e 8 meses -
semiaberto
João Paulo Cunhalavagem de dinheiro9 anos e 4 meses - fechado6 anos e 4 meses - semiaberto
Marcos Valérioformação de quadrilha40 anos e 4 meses - fechado37 anos e 5 meses - fechado
Ramon Hollerbachformação de quadrilha29 anos e 7 meses - fechado27 anos e 4 meses - fechado
Cristiano Pazformação de quadrilha25 anos e 11 meses - fechado23 anos e 8 meses - fechado
Kátia Rabelloformação de quadrilha16 anos e 8 meses - fechado14 anos e 5 meses - fechado
José Roberto Salgadoformação de quadrilha16 anos e 8 meses - fechado14 anos e 5 meses - fechado
João Cláudio Genulavagem de dinheiro4 anos - abertoabsolvido
Breno Fischberglavagem de dinheiro3 anos e 6 meses - abertoabsolvido
Simone VasconcelosPode recorrer da condenação por quadrilha,
já prescrita, e conseguir redução das penas por lavagem de dinheiro e evasão de divisas
12 anos e 7 mesesPode ter a pena reduzida
   
 
 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

CNJ elabora minuta de Resolução sobre Processo Judicial Eletrônico

CNJ elabora minuta de resolução para PJe nos tribunais

O Conselho Nacional de Justiça concluiu o texto da minuta de resolução que definirá as regras para a implantação e o funcionamento do Processo Judicial Eletrônico (PJe) nos tribunais do país. A versão final, que será analisada pelo Plenário do CNJ, recebeu várias sugestões durante consulta pública que ocorreu no final do ano passado. Foram apresentadas 108 propostas de tribunais, escritórios de advocacia, defensores e advogados públicos, procuradores, empresas de tecnologia de informação e membros da Ordem dos Advogados do Brasil.
 
Todas as sugestões oferecidas foram avaliadas pela Comissão de Tecnologia da Informação e Infraestrutura do CNJ e cada uma das proposições foi respondida pela comissão. A partir daí, a equipe reformulou o texto que será apreciado pelos conselheiros. Entre as propostas acatadas está a possibilidade de acessar o sistema PJe por meio de identificação de usuário e senha, e não somente por assinatura eletrônica. Só não será possível, nesse tipo de acesso, assinar documentos e arquivos e atuar em processos sigilosos.
 
Outra modificação no texto após a consulta pública é a possibilidade de se peticionar em papel, no caso de o sistema ficar indisponível, e do envio de arquivos não assinados digitalmente, desde que a assinatura seja feita em até cinco dias, em uma analogia com o envio de fax. Em relação aos atos processuais, todas as citações, intimações e notificações serão feitas por meio eletrônico, inclusive da Fazenda Pública, do Ministério Público e da Defensoria Pública, conforme prevê a Lei 11.419/2006.
 
Pela proposta em estudo, o uso do PJe continuará facultativo, cabendo a cada tribunal decidir se adere ou não ao sistema. Já o modelo de interoperabilidade será obrigatório: todos os sistemas que forem desenvolvidos pelos tribunais terão necessariamente de seguir o padrão que permita o intercâmbio de informações com o PJe e outros sistemas do Judiciário, conforme determinado na Resolução Conjunta CNJ/CNMP 3.
 
A padronização do modelo tem como objetivo evitar a proliferação no Judiciário de sistemas incompatíveis com os de outros tribunais. Na ausência de parâmetros, os tribunais vinham implantando diferentes sistemas que não têm interoperabilidade, ou seja, cada tribunal é uma ilha. Com a interoperabilidade, os tribunais poderão trocar informações com todos os órgãos do Poder Judiciário e dos demais integrantes do sistema de Justiça, notadamente do Ministério Público.
 
Apesar de o prazo da consulta pública ter se encerrado em outubro do ano passado, o CNJ abriu novo canal para que advogados, tribunais, defensores e advogados participem da regulamentação do PJe. Por meio do e-mail pje.sugestoes@cnj.jus.br, as pessoas que farão uso do processo poderão apontar mudanças consideradas importantes e sugerir adaptações. Tais sugestões serão analisadas pelo CNJ e, na medida das possibilidades, respondidas.
Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.
Clique aqui para ler a minuta.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Judiciário: Julgamentos abaixo da meta do CNJ

Número de julgamentos está abaixo da meta do CNJ

A Justiça brasileira recebeu, até o dia 24 de julho deste ano, 9,168 milhões de novos processos e julgou 8,073 milhões, segundo relatório preliminar sobre o cumprimento das metas de 2013 feito pelo Departamento Gestão Estratégica do Conselho Nacional de Justiça. Esses números significam que o Poder Judiciário cumpriu o correspondente a 88,06% da Meta 1 de 2013, que prevê o julgamento até o final do ano de número igual ao de processos novos distribuídos no ano.
 
Com a Meta 1, a expectativa é que o Judiciário julgue maior número de processos do que recebe, de forma a inverter a tendência de crescimento constante do estoque de processos em tramitação. Em 2011, tramitaram em torno de 90 milhões de processos na Justiça, de acordo com o relatório Justiça em Números. Entretanto, mesmo com o esforço do Poder Judiciário, o resultado preliminar indica aumento de mais de um milhão no estoque, se até o fim do ano não for revertida a tendência de a Justiça resolver menos processos do que recebe.
 
Para enfrentar o grande volume de ações judiciais, são necessários mais investimentos em tecnologia, ampliar o uso de formas opcionais de solução de conflitos, além do empenho dos servidores e magistrados, comenta Ivan Bonifácio, diretor do Departamento de Gestão Estratégica, do CNJ.
No combate à morosidade da Justiça, os juizados especiais e suas turmas recursais demonstraram ser o ramo mais rápido: o processo não demora mais que três anos. De acordo com o relatório, o processo na Justiça do Trabalho não supera quatro anos em cada instância. Nos tribunais estaduais, a duração sobe para cinco anos em cada grau de jurisdição.
 
O relatório destaca, no entanto, a dificuldade na fase de execução das sentenças, principalmente na Justiça do Trabalho. "A execução trabalhista é considerada um dos grandes gargalos da Justiça, o que justifica a priorização de ações tendentes a dar maior impulso aos processos executórios", diz Ivan Bonifácio. Para ele, a Justiça do Trabalho, para ser efetiva, tem de aumentar em pelo menos 15% a quantidade de execuções encerradas.
 
Em números globais, o estoque de processos de execução fiscal aumentou de 23,5 milhões para 23,7 milhões neste ano. Já as execuções não fiscais registraram redução de 17,12%, de 7,4 milhões para 6,1 milhões de processos.
Além de estabelecer metas para aumentar a celeridade na tramitação dos processos, o Poder Judiciário determinou prioridade ao julgamento, em 2013, de processos por improbidade administrativa e de crimes contra a Administração Pública. O compromisso é julgar, até o fim do ano, todos os processos relativos a esses dois assuntos distribuídos até 2011, conforme determina a Meta 18.
 
Até o início de setembro, os tribunais cumpriram 45,91% da Meta 18 — julgaram 54.909 processos. Para atingir a meta, eles teriam de julgar mais 64.689 ações. Ivan Bonifácio diz que o resultado registrado até o momento está aquém do desejado, já que o objetivo é julgar todas as ações distribuídas até 2011. Entretanto, segundo ele, com o estabelecimento da meta, houve aumento na quantidade de processos de improbidade e contra a administração pública julgados, de 41,5 mil, no ano passado, para 54,9 mil até setembro deste ano.
Com informações da Assessoria de Imprensa  do CNJ

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Lei 8.038/90 não extinguiu Embargos Infringentes no STF

Lei 8.038/90 não extinguiu Embargos Infringentes

 
O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal prevê no seu artigo 333, inciso I, o cabimento de embargos infringentes contra a decisão não unânime do Plenário que julgar procedente a ação penal.
Também previstos, entre outras espécies, para a revisão criminal e o recurso ordinário em habeas corpus como recurso exclusivo da defesa (incisos II e V), os embargos infringentes da condenação na ação penal originária somente serão admissíveis quando houver divergência qualificada, qual seja, de, no mínimo, quatro votos, requisito especifico de todas as hipóteses da regra regimental, quando tratar-se de acórdão do Tribunal Pleno (artigo 333, parágrafo único).
 
Cuida-se de norma regimental, que reproduz norma regimental anterior, e antecedeu à Constituição de 1988, com a qual se harmoniza plenamente, em especial com a sua disciplina dos direitos fundamentais, fazendo-se indiscutível a sua recepção pela nova ordem constitucional. E foi recepcionada como norma materialmente legislativa, eis que editada pelo Supremo Tribunal Federal no exercício da competência para disciplinar o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou de recurso, que lhe foi atribuída, com exclusividade, pela Emenda Constitucional 1, de 1969.
 
A sua vigência, contudo, vem de alcançar atualidade como questão em processo de ação penal que flui no Supremo Tribunal Federal, em face da Lei 8.038, editada nos idos de 1990.
A questão, enquanto pura de Direito, não se submete a critérios outros que não os que se pode extrair da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que, no seu artigo 2º, parágrafo 1º, preceitua a revogação da lei anterior pela posterior, quando a lei nova expressamente o declare; quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (Decreto Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942).
 
Sendo essa a lei de regência do conflito de normas no tempo, a solução da questão é a da declaração positiva da vigência da norma regimental anterior, qual seja, a do cabimento dos embargos infringentes do acusado contra acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Federal, quando condenatório e assentado por maioria contra, no mínimo, quatro votos divergentes.
É que a Lei 8.038/90 não revogou expressamente o artigo 333, inciso I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal; nada dispõe em contrário à norma regimental e não disciplina inteiramente nem o processo da ação penal originária, nem taxativamente os recursos da competência do Excelso Pretório.
 
Com efeito, primeiro, a Lei 8.038/90, no seu artigo 44, revogou expressamente apenas os artigos 541 a 546 do Código de Processo Civil de 1973, e a Lei 3.396, de 2 de junho de 1958, referentes os primeiros aos recursos extraordinários e especial e a última aos artigos 863 e 864 do Código de Processo Civil de 1939 e 622 a 636 do Código de Processo Penal. Segundo, quanto ao Supremo Tribunal Federal e aos recursos da sua competência, apenas disciplinou o recurso extraordinário, assim nada dispondo em contrário ao artigo 333, inciso I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Por fim, tratou tão somente da fase de conhecimento do processo da ação penal originária e o fez não completamente, pois que também se remete ao Regimento do Tribunal, com vistas à disciplina do julgamento da causa.
 
Não é diverso o entendimento do Supremo Tribunal Federal, como exsurge, por todos, do voto condutor do acórdão no Agravo Regimental nos Embargos Infringentes no Habeas Corpus 77.664/SP, da lavra do ilustre ministro Carlos Veloso, relator, verbis: “no Supremo Tribunal Federal, os embargos infringentes são cabíveis da decisão não unânime do Plenário ou da Turma, que julgar procedente a ação penal, que julgar improcedente a revisão criminal, que julgar a ação rescisória, a ação direta de inconstitucionalidade e a decisão que, em recurso criminal ordinário for desfavorável ao acusado, sendo certo que, tratando-se de decisão do plenário, o cabimento dos embargos infringentes depende da existência, no mínimo, de quatro votos divergentes (RI/STF, art. 333, e seu Parágrafo Único)”.
 
É de se afirmar, portanto, a vigência da norma regimental que prevê os embargos infringentes como recurso oponível a acórdão condenatório não unânime, do Pleno do Supremo Tribunal Federal, com divergência de pelo menos quatro votos.
Trata-se, como convém averbar em remate, o artigo 333, inciso I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, de norma do devido processo legal, garantia individual, titularizada por todos os membros da Sociedade Civil, de observância absoluta, pena de irreparável ofensa ao Pacto Social ele mesmo. A exceção, que o atinja, jamais será individual ou particular, mas, por força de natureza, coletiva e geral, gravíssima e permanente, enquanto ofensa aos direitos fundamentais, com comprometimento intenso da sua efetividade.
 
Hamilton Carvalhido é advogado, ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior Eleitoral e presidente da Comissão de Reforma do Código de Processo Penal brasileiro.
Revista Consultor Jurídico, 10 de setembro de 2013

sábado, 14 de setembro de 2013

Defesa dos Embargos Infringentes pelos advogados

Advogados defendem Infringentes na AP 470

A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal decidir pela inadmissão dos Embargos Infringentes na Ação Penal 470, o processo do mensalão, mobilizou até advogados que não fazem parte do caso.
 
 Em carta aberta à corte, 19 advogados afirmam que, se o STF negar o recurso, irá “coroar um julgamento marcado pelo tratamento diferenciado e suscetível a pressão política e midiática”.
Entre os signatários estão advogados e professores de diversas áreas do Direito, como o professor emérito da PUC-SP Celso Antonio Bandeira de Mello; o presidente da OAB do Pará, Jarbas Vanconcelos; o vice-presidente da OAB do Rio de Janeiro, Ronaldo Cramer; o criminalista e ex-secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça Pierpaolo Botini; o membro da Comissão de Estudos Constitucional da OAB Pedro Serrano, entre outros.
 
No documento, afirmam que o voto de Joaquim Barbosa contrário aos infringentes retrocede no direito de defesa e contraria jurisprudência de 23 anos do STF. “Desde que a Lei 8.038 passou a vigorar, em 1990, regulando a tramitação de processos e recursos em tribunais superiores, a sua compatibilidade perante o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal nunca foi apontada como impedimento para apreciação de Embargos Infringentes. Em todos os casos analisados em mais de duas décadas, prevaleceu a força de lei do Regimento em seu artigo 333, parágrafo único.”
 
Eles dizem ainda que a condução do julgamento ignorou uma série de garantias constitucionais e que, durante o processo, o ônus da prova quase sempre coube aos réus. "Mudar o entendimento da corte sobre a validade dos Embargos Infringentes referendaria a conclusão de que estamos diante de um julgamento de exceção", diz a carta.
 
Regra universalO advogado Sergio Bermudes chegou a enviar um parecer por conta própria para o STF em defesa dos Infringentes. Para apoiar sua tese, o professor de Direito Civil recorre a uma regra universal do Direito: de que a lei posterior revoga a anterior apenas quando assim declarar de maneira expressa, quando for incompatível com a norma antiga ou quando regular totalmente a matéria da lei anterior.
“Salta aos olhos que a lei especial [a Lei 8.038/1990] não declarou revogado o art. 333 e seu parágrafo do Regimento Interno do STF, nada dispôs que com ele seja incompatível, nem regulou a matéria nele estatuída”, diz Bermudes.
O mesmo raciocínio ele utiliza ao tratar da Lei 8.950/1994, que alterou dispositivos do Código de Processo Civil relativos a recursos. Bermudes diz que, por não integrar o Código, a norma é uma Lei especial, e que ela não revogou o artigo 333 do Regimento Interno do STF, que trata dos Embargos Infringentes.
“Nada se vê nela [na Lei 8.950/1994] que pudesse levar a semelhante conclusão, incidindo, pois, na espécie, o parágrafo 2º do artigo 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, conforme o qual ‘a lei nova que estabeleça deposições em gerais ou especiais a par das existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.”
 
Clique aqui para ler a carta aberta dos advogados.
Clique
aqui para ler o parecer de Sergio Bermudes.
Elton Bezerra é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 11 de setembro de 2013

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Condenação de Dirceu está fundada em pressuposição

Pressuposição fundou condenação de José Dirceu

O Poder Judiciário, como toda e qualquer realização humana, está sujeito às mesma falências e imperfeições a que o ser humano está sujeito. Não é porque alguém é juiz, mesmo que da mais alta corte do país, que escapa das insuficiências, defeitos, paixões ou mesmo simples condicionantes capazes de virem a tisnar a atuação dos homens em geral e, por conseguinte, a do próprio Judiciário, interferindo com a isenção, equilíbrio e serenidade que deveriam caracterizar tal Poder.
 
Este é um motivo, embora não o único, pela qual o chamado duplo grau de jurisdição é importantíssimo para ao menos tentar prevenir ou minimizar a realização de injustiças, de decisões suscitadas por alguma destas indevidas causas prejudiciais ao cumprimento do Direito. Por isto, todos os povos civilizados consagram a obrigação de que os réus sejam submetidos a mais de uma instância de julgamento, sendo excepcionalíssimos os casos em que há dispensa desta exigência.
 
A Constituição brasileira não foge a este padrão. Assim, justamente por ser incomum a transgressão deste valioso principio, é que foi necessária a previsão constitucional do artigo 101, I, "b", para que titulares de certos cargos fossem diretamente julgados pelo Supremo Tribunal Federal, com o que ficaria suprimida pelo menos uma instância de apreciação da matéria. Sem embargo, ao arrepio dele, no julgamento da Ação Penal 470, vulgarmente conhecida, sob os auspícios da imprensa, como mensalão, todos os réus, mesmo quando não se enquadravam na hipótese deste dispositivo, foram privados desta garantia elementar. Nenhuma justificativa prestante de Direito foi apresentada para fundar tão esdrúxulo comportamento.
 
Ao serem apreciados os embargos interpostos pelos condenados, o STF volta a reconsiderar parcialmente a matéria, sem que se possa, contudo, falar em duplo grau, pois é o mesmo órgão que a apreciou originalmente e que por força de vias recursais volta a examiná-la. Dantes o julgamento esteve intoxicado por um clima emocional provocado não pela suposta “opinião pública”, como muitas vezes se diz, mas, na verdade pela “opinião publicada”, visto que é a ela que se atribui tal qualificativo.
 
Já agora, conquanto ainda não dissipada a mesma ambiência, pelo menos ela não tem mais a desabrida intensidade anterior. É de presumir, portanto, que o peso da vontade da imprensa não tenha a incomensurável força anterior. Não se pretende aqui rememorar as posições que vieram a ser adotadas em desacordo com nossa tradição jurídica, mas simplesmente focar um único caso, por ser, possivelmente, o mais extremado exemplo de descompasso com o que até então se tinha como óbvio. A saber: os réus devem ser considerados inocentes até prova em contrário. Ninguém poderá ser condenado meramente com base em suposições e muito menos por presunção de que a autoridade superior, apenas por sê-lo, deve ser considerada incursa em crime imputado a subordinados seus como se existira uma responsabilidade objetiva inculcável a quem ocupe a cúpula de um organismo público. Aliás, se este fosse o princípio adotável teria de ser levado, embora absurdamente, a suas últimas consequências.
 
Ora, foi precisamente uma pressuposição de tal ordem que fundou a condenação do ex-ministro José Dirceu. Com efeito, se algo existira contra ele, se alguma conduta reprovável lhe fosse direta e pessoalmente irrogável ela teria sido apontada e esmiuçada. O mero fato de sua condenação fundar-se na posição que ocupava e na suposição de que deveria conhecer os mal feitos apontados, vale como prova cabal de que nada foi contra ele encontrado. No mínimo, então, a penalização que se lhe atribuiu teria de ser muito mais leve e não equiparável a sanções que se aplicam em face de crimes gravíssimos. Este segundo exame da Corte Suprema, é pois, a ocasião adequada para corrigir-se o excesso e as singularidades que levaram um jurista ilustre e hoje membro daquela corte a mencionar o julgamento da Ação Penal 470 como “um ponto fora da curva”.
 
Celso Antônio Bandeira de Mello é advogado e professor emérito da PUC-SP.
Revista Consultor Jurídico, 9 de setembro de 2013
 

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Inoperância do Judiciário favorece a tortura

A prática recorrente da tortura na América do Sul tem, entre diversas causas, a inoperância do Poder Judiciário e do Ministério Público de cada país na investigação, punição e reparação às vítimas. O diagnóstico faz parte da Declaração de Buenos Aires, divulgada ao final da Primeira Jornada sobre Prevenção da Tortura no Cone Sul, realizada na capital argentina entre os dias 14 e 16 do mês de agosto.
 
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um dos signatários do documento, foi representado no evento pelo juiz auxiliar da Presidência Luciano Losekann, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF).  
 
A jornada teve a participação de instituições que combatem a tortura na Argentina, na Bolívia, no Brasil, no Chile, no Paraguai, no Peru e no Uruguai, além de representantes do Alto Comissariado das Organizações das Nações Unidas para os Direitos Humanos (EACDH) e da Associação para a Prevenção da Tortura (APT), organização internacional que promoveu o evento. Na ocasião, os participantes traçaram um diagnóstico dos principais desafios para a prevenção da tortura, trocaram experiências e definiram estratégias para reforçar o combate a todas as formas de maus-tratos no continente.
 
A Declaração de Buenos Aires enumera causas e possíveis soluções contra a prática da tortura, que geralmente ocorre em locais de privação de liberdade, como presídios, unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei e hospitais de custódia, entre outros. Além de críticas ao Judiciário e ao Ministério Público no Cone Sul, o documento aponta outros aspectos favoráveis a esse tipo de crime: impunidade administrativa dos agressores; legitimação social da mão forte do Estado e do encarceramento em massa; preconceito contra os setores mais fragilizados da sociedade; restrições ao trabalho de advogados, defensores públicos, médicos e outros profissionais; militarização das forças de segurança; crise nos sistemas carcerários; e deficiências na tipificação da tortura pelos respectivos legislativos.
 
Tipificação  O documento, que reitera ser responsabilidade do Estado proteger a integridade das pessoas privadas de liberdade, propõe, entre outras ações, a tipificação da tortura conforme os padrões internacionais. Além disso, a carta defende que o Judiciário e o Ministério Público atuem com mais celeridade na investigação das denúncias. Outra recomendação é pela criação de uma carreira profissional de caráter civil, no âmbito das forças de segurança, para atuar na defesa dos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade.
 
Os países participantes da Jornada também assumiram o compromisso de criar e pôr em execução os respectivos mecanismos de prevenção da tortura, conforme estabelecido pelo Protocolo Facultativo da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, das Nações Unidas. No Brasil, essa providência está prevista na Lei n. 12.847, sancionada no início do mês pela presidenta Dilma Rousseff.
 
O mecanismo, segundo a lei, consiste na estruturação de diversos órgãos do Executivo e no desenvolvimento de ações integradas com diferentes poderes, como, por exemplo, inspeções, sem aviso prévio, em qualquer instituição de privação de liberdade. Quando forem constatadas agressões, serão elaborados relatórios com recomendações aos diretores dessas unidades, que terão prazo determinado para adotar as providências devidas.   
Jorge Vasconcellos
Agência CNJ de Notícia

sábado, 7 de setembro de 2013

Lewandovski: STF agravou penas para evitar prescrição

Revisor diz que STF agravou penas para evitar prescrição

A pena fixada pelo Supremo Tribunal Federal para condenar oito réus na Ação Penal 470, o processo do mensalão, pelo crime de formação de quadrilha, foi aumentada de forma desproporcional com o objetivo de evitar a prescrição e garantir que, somada a outras condenações, alguns deles tivessem de cumprir pena em regime inicial fechado. Foi o que voltou a afirmar, nesta quinta-feira (5/9), no plenário do STF, o ministro Ricardo Lewandowski: “Claro que isso aqui foi para superar a prescrição, impondo regime fechado. É a única explicação que eu encontro”.
 
O ministro apresentou uma tabela para comprovar seu ponto de vista (veja abaixo). Pelos dados, enquanto para o crime de corrupção ativa a pena base fixada para José Dirceu e Delúbio Soares foi agravada em 20%, para condená-los por formação de quadrilha os ministros aumentaram a pena em 75% e 63%, respectivamente. O mesmo, segundo o ministro, aconteceu com José Genoíno, que teve a pena agravada em 15% na condenação de corrupção ativa e 63% para quadrilha.
A mesma coisa aconteceu com os réus Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Cristiano Paz, Ramon Hollerbach e Marcos Valério: foram aplicadas agravantes mais baixas para outros crimes e bastante altas para a formação de quadrilha — clique aqui para ver as tabelas compostas pelo ministro Lewandowski. Outros três ministros também votaram por alterar a pena dos oitos réus: Teori Zavascki, Dias Toffoli e Marco Aurélio. Mas ficaram vencidos pela maioria, que manteve as penas.
Na sessão desta quinta, o Supremo concluiu o julgamento dos Embargos de Declaração. E está julgando o cabimento de Embargos Infringentes, que, na prática, pode garantir um novo julgamento para 11 réus, 12 se considerado o caso de Simone Vasconcelos, que, embora condenada pelo crime de formação quadrilha, foi beneficiada com a prescrição. Em tese, a ré condenada poderia pedir para ter a inocência, neste delito, reconhecida.
 
O STF rejeitou também nesta quinta a tese divergente trazida no dia anterior pelo ministro Teori Zavascki, que propôs a redução de penas de todos os réus condenados por formação de quadrilha. O ministro retificou o voto na quarta-feira, depois que o Plenário reduziu a pena do réu Breno Fischberg, por reconhecer um erro de cálculo na dosimetria da pena do ex proprietário da corretora de valores Bônus Banval. 
O ministro Teori Zavascki afirmou que, até aquele momento, entendia que a corte trabalhava com um conceito mais restrito de Embargos de Declaração e por isso rejeitou os pedidos de reformulação das penas sob a justificativa de que aquele não era o meio processual adequado. Porém, frente ao entendimento do colegiado no caso de Breno Fischberg, o ministro disse sentir-se compelido a estender o entendimento às condenações por quadrilha já que as penas estabelecidas para réus diversos, condenados pelos mesmos crimes, estavam discrepantes entre si.
Apenas outros três ministros acompanharam Zavascki nesta quinta, mudando seus votos ao reduzir as penas dos oito réus, entre eles José Dirceu. Restaram vencidos, dessa forma, Ricardo Lewandowski, Teori Zavascki, Dias Toffoli e Marco Aurélio. 
 
Contradição por comparaçãoQuem se beneficiou de uma revisão de julgamento foi o ex-assessor do extinto PP, João Cláudio Genú. Depois de dois pedidos de vista (o primeiro por Luís Roberto Barroso há uma semana, e o segundo por Luiz Fux nesta quarta), o Plenário adotou a tese divergente proposta pelo segundo a partir de colocações do ministro Ricardo Lewandowski, que alertara para o fato de Genú ter sido punido com pena mais grave do que seus mandantes.
Barroso votou, desse modo, para que a pena de Genú fosse reduzida de cinco para quatro anos de prisão, o que abre a possibilidade de ser convertida em prestação de serviços comunitários ou ainda em prisão domiciliar. Restaram vencidos o presidente da corte e relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, e Luiz Fux. A ministra Rosa Weber também restou vencida isoladamente, porque acolheu o pedido de redução de pena, mas por meio de Habeas Corpus de ofício e não por embargo.
 
Fux justificou a negativa em acolher o recurso por entender que a discrepância entre as penas dos corruptores (parlamentares do PP) e seu funcionário (o assessor) é, de fato, o que chamou de “contradição por comparação” e não um equívoco de julgamento em si. “Não é erro judiciário, não é injustiça, é uma conclusão do grupo incumbido de julgar”, disse. O ministro rejeitou ainda o argumento de que a pena maior de João Cláudio Genú ofendia o argumento constitucional da isonomia.
Para tanto, Fux embasou sua conclusão em referências à doutrina germânica e  americana, mais especificamente em decisões do Senado alemão e em pareceres de acadêmicos e juristas norte-americanos. De acordo com Fux, a doutrina estrangeira rejeita o conserto de um suposto equívoco legal por meio de outro equívoco, isto é, não se pode, a pretexto de garantir a isonomia, o Estado corrigir uma decisão colegiada arbitrariamente, observou. Para o ministro, o resultado do julgamento expressa “o todo dos votos”, dos ministros, não configurando, portanto, um equívoco.
 
Luís Roberto Barroso disse, contudo, que a contradição que o convenceu a votar pela redução de pena de Genú não foi o princípio da isonomia, mas o fato da culpabilidade do réu ter sido reconhecida, de forma unânime, ser menor do que dos demais corréus. Barroso lembrou que Genú foi ainda beneficiado com atenuantes, mas, mesmo assim, teve a pena fixada em uma margem maior.
 
O ministro Teori Zavascki, a exemplo  do julgamento desta quarta, acolheu o voto de Barroso, mas estendeu seu efeitos ao caso de outro réu, Jacinto Lamas, assessor do PL. Enquanto o presidente do partido, deputado Waldemar Costa Neto teve a pena base agravada em virtude da continuidade delitiva em um terço da pena, Lamas, que seguia ordens, viu sua pena crescer em dois terços, observou Zavascki.
 
Barroso, porém, disse que não via semelhança entre a situação de Genú  e Lamas, porque, no segundo caso, a despeito da desproporção no cálculo, o réu ficou com uma pena menor do que a do dirigente do partido.
Referindo-se tanto ao caso de Genú quanto às condenações por quadrilha, o ministro Luiz Fux disse que, a despeito de corrigir supostas discrepâncias,  o Plenário da corte corria o risco de anular o princípio do colegiado. 
“Temos que ter cuidado para que o voto vencido não acabe fixando a pena, a despeito de ter prevalecido o voto do relator”, disse Fux. Ao que o ministro Gilmar Mendes respondeu: “É o que vai acabar acontecendo”.
 
ConstrangidaOs ministros também rejeitaram os recursos do advogado Rogério Tolentino, o último réu a ter os Embargos de Declaração analisados pela corte no julgamento do processo do mensalão. Por seis votos a cinco, o Plenário manteve a pena de seis anos e dois meses de prisão, além de multa de R$ 494 mil, pelos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
 
O ministro Ricardo Lewandowski foi quem abriu a divergência ao acolher o argumento da defesa de Tolentino, que sustentava  que os parlamentares corrompidos foram condenados com base na legislação mais branda enquanto Tolentino teve sua pena estabelecida de acordo com a lei mais severa, que entrou em vigor depois de novembro de 2003. Lewandowski conseguiu convencer o decano do tribunal, Celso de Mello e os ministros Teori Zavaski, Dias Toffoli e Marco Aurélio. Mas a maioria dos ministros acompanhou o relator, ministro Joaquim Barbosa.
 
A ministra Rosa Weber disse que, não só não via uma situação de manifesta ilegalidade no caso de Tolentino, como se sentiria desconfortável se o tribunal  procedesse “com toda uma outra dosimetria”. Weber observou que algumas das correções sugeridas nos embargos vinham, de fato, ao encontro de alguns de seus votos que acabaram vencidos, mas que “ficaria constrangida se de vencida se tornasse vencedora” por meio da análise de um recurso processualmente limitado, como são os Embargos de Declaração.
 
Rafael Baliardo é repórter da revista Consultor Rafael Balaiard é repórter da Revista Consultor Jurídico em Brasília.
Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 5 de setembro de 2013

terça-feira, 3 de setembro de 2013

STJ decide que Bancos podem cobrar taxa de cadastro para financiamento

A taxa de cadastro pode ser cobrada dos consumidores pelos bancos, pois é autorizada pelo Banco Central, por meio da Portaria 3.919, de novembro de 2010,  e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pode ser financiado por meio de terceiros. Com a decisão, tomada sob o rito dos recursos repetitivos, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça autorizou bancos e instituições financeiras a cobrar dos clientes taxas pela inscrição em serviços de financiamento.

O posicionamento do STJ era há muito aguardado por clientes e bancos. O impacto estimado dessa decisão é de R$ 530 milhões, considerandos os processos que estavam sobrestados nas instâcias anteriores que agora poderão ser julgados. A 2ª Seção do tribunal julgou recursos do Banco Volkswagen e da Aymoré Financiamento impetrados por dois consumidores que tiveram decisões favoráveis na Justiça Federal, que considerou a cobrança da taxa abusiva. Além do pagamento de taxa de cadastro, foram questionadas a legalidade da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e Tarifa de Emissão de Carnês (TEC).
As instituições financeiras alegam que o valor é cobrado para cobrir despesas para coletar informações cadastrais do cliente no início do contrato. No entanto, os ministros definiram que TAC e TEC só podem ser cobradas em contratos iniciados antes dezembro de 2008. A partir de então, uma norma do Banco Central entrou em vigor e proibiu a cobrança, mas as instituições financeiras mudaram o nome das taxas que passaram a ser proibidas e continuaram a cobrá-las.
 
O entendimento fixado pela 2ª Seção foi o de que a decisão da quarta só vale para a cobrança das tarifas TAC e TEC, quaisquer sejam os nomes que o mercado dê a elas, e para questões de tarifa de cadastro e financiamento do IOF. Não entram, portanto, discussões a respeito do valor das taxas ou sobre sua eventual abusividade.
 
Foram fixadas três teses: a primeira é a de que “nos contratos bancários celebrados até 30 de abril de 2008 (fim da vigência da Resolução CMN 2.303/96), era válida a contratação dessas tarifas, inclusive as que tivessem outras denominações para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame da abusividade em cada caso concreto”. A segunda foi que, “com a vigência da Resolução 3.518/07, em 30 de abril de 2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizada expedida pela autoridade monetária”.
Segundo a relatora, no dia 30 de abril de 2008, as taxas deixaram de ter respaldo legal, já que perdeu vigor a norma da CVM que autorizava a cobrança. No entanto, ficaram autorizadas as taxas de cadastro expressamente autorizadas por resolução normativa do órgão competente. E desde que devidamente pactuadas em contrato.
A terceira e última tese fixada pelo STJ foi a de que é permitido o financiamento, por meio de companhias financeiras, do IOF.
 
A decisão do STJ permitirá que 285 mil ações que tratam sobre a legalidade das cobranças possam voltar a tramitar nas instâncias inferiores da Justiça. Em maio deste ano, a ministra Isabel Gallotti, relatora dos recursos, suspendeu todos os processos sobre o assunto para aguardar a posição final da corte.
Com informações da assessoria de imprensa do STJ e da Agência Brasil. 

STJ criará comissão para analisar novo CPC

O presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Felix Fischer, deve criar uma comissão especial para analisar o projeto do novo Código de Processo Civil e oferecer sugestões. A ideia surgiu após reunião na quinta-feira (29/8) com o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), relator-geral da comissão de reforma do CPC, que contou com a participação de ministros de todas as Seções do STJ.

Além do presidente, estiveram presentes os ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Sidnei Beneti, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva, Sebastião Reis Júnior, Marco Buzzi, Assusete Magalhães, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa e Rogerio Schietti.
O objetivo da reunião era debater pontos específicos das alterações previstas no projeto. O deputado Paulo Teixeira apresentou o texto aos ministros e destacou pontos importantes nas alterações do CPC, relativos a questões como solução consensual de conflitos, valorização da jurisprudência, processo eletrônico, simplificação do sistema recursal, cooperação, penhora múltipla, remessa necessária e outros.
 
Recursos repetitivosAs questões relativas aos recursos repetitivos provocaram grande debate entre os participantes da reunião. O ministro Sebastião Reis Júnior levantou a questão da impossibilidade da decisão monocrática quando ainda não há jurisprudência, mas o caso é notoriamente uma demanda repetitiva. Para o ministro, o ponto contraria o ideal do novo CPC, pois atrasaria a prestação jurisdicional.
O debate levou o deputado federal a propor a criação de uma comissão formada pelos ministros para sugerir uma nova formulação, mais madura, a alguns pontos do texto. “Não podemos retroceder naquilo que o tribunal entende como um marco positivo”, afirmou Paulo Teixeira.
 
Ordem cronológicaOutro ponto discutido foi o julgamento por ordem cronológica obrigatória, excluídas algumas prioridades previstas por lei. Castro Meira citou a experiência que teve quando era juiz de instância inferior, quando um de seus colegas começou a julgar os feitos seguindo a cronologia.
Para o ministro, tentar solucionar o problema com essa medida talvez não seja o mais acertado. Os ministros aproveitaram para tirar dúvidas quanto à aplicabilidade da medida e a definição da data inicial — no caso, a conclusão ao julgador para decisão final — e sugeriram a exclusão de outros instrumentos processuais, como cautelares e outras medidas de urgência. Paulo Teixeira deixou claro que a ordem cronológica não se aplica aos recursos repetitivos e decisões monocráticas.
 
Vinculação verticalA ministra Assusete Magalhães mostrou-se preocupada com a situação do STJ hoje e o número crescente de processos, lembrando a súmula vinculante, que funcionou com o Supremo Tribunal Federal. “É preciso fazer algo para solucionar essa questão”, disse.
Em resposta, o deputado esclareceu que a jurisprudência de observância obrigatória tem como principal objetivo diminuir o número de causas. Ele ressaltou que o projeto inteiro foi estruturado para que a jurisprudência do STJ e do STF seja mais efetiva em relação às instâncias ordinárias.
O novo código disporá sobre detalhes da vinculação e sobre o contraditório, mas outras questões polêmicas foram levantadas, como a influência da regra na independência do juiz.
 
EmbargosPaulo Teixeira também solicitou a ajuda dos ministros no ponto que trata da alteração do sistema recursal. O projeto extingue os Embargos Infringentes e aperfeiçoa os Embargos de Declaração.
Os ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino apontaram o risco de mudanças que podem gerar demanda ainda maior que a anterior, como já houve no passado. O ministro Herman Benjamin sugeriu o aperfeiçoamento do texto, para deixar mais explícito o que está sendo determinado pela lei.
Ao final da reunião, o presidente Felix Fischer se comprometeu a criar o mais rapidamente possível a comissão que irá analisar os pontos levantados e sugerir as alterações necessárias.
Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.