quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Mediação X Mudança na cultura do litígio

Sem mudança na cultura do litígio, mediação não basta, dizem professores da USP


A mediação não deve ter o objetivo de desafogar o Judiciário, mas de mudar a cultura do litígio. A opinião é o do professor Kazuo Watanabe, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, crítico da forma como a modalidade de solução de conflito vem sendo implementada no Brasil.
A avaliação foi feita durante o seminário sobre mediação e arbitragem, promovido pelo Conselho da Justiça Federal, em Brasília, na sexta-feira (21/11). No painel conduzido pelo ministro Marco Buzzi, do Superior Tribunal de Justiça, o professor Kazuo Watanabe  discutiu o tema “Aspectos gerais do marco legal” com a também professora da USP Ada Pellegrini Grinover.
“O Judiciário ainda está utilizando a mediação e a conciliação como meio alternativo para reduzir estoque de processos. É preciso adotar uma nova cultura, que encontre meios adequados de solução de conflitos, e não alternativos”, afirmou Watanabe.
A professora Ada Pelegrini criticou incisivamente o Projeto de Lei 7.169/2014. “A tardia ressurreição das nossas práticas conciliativas está ameaçada. O marco regulatório da mediação judicial não é esse projeto de lei”, disse. Para ela, a proposta que tramita na Câmara dos Deputados entra em conflito com as regras inseridas no projeto do novo Código de Processo Civil referentes ao tema.
Para os dois acadêmicos, o marco ideal era a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, cuja ideia era exemplar, mas que teve falhas em sua implementação. Os centros de solução de conflitos, segundo eles, nunca saíram do papel em muitos tribunais, e os que foram criados carecem de estrutura básica para funcionar.
Lentidão e desconfiança
No debate “Temas Controvertidos na Futura Lei de Arbitragem”, os palestrantes apontaram que a lentidão do sistema judicial brasileiro é uma das razões para a ampliação das práticas de conciliação, mediação e arbitragem no país. O debate foi mediado pelo ministro do Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça, e contou com as participações do diretor da Faculdade de Direito da USP, professor José Rogério Cruz e Tucci, e do professor de Direito Civil Otávio Luiz Rodrigues Júnior, também da USP.

Os dois professores concordam que o pacto da mediação pode ser utilizado em inúmeras situações, envolvendo agências reguladoras, seguradoras de planos de saúde e  administração pública. Com a nova legislação, que ainda precisa ser aprovada no Congresso, o processo de arbitragem pode estar presente nas relações de consumo e nas trabalhistas e ser utilizada mais amplamente na área societária.
O professor Rodrigues Júnior lembrou que o Brasil passou por um processo similar a vários países quanto à aceitação da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), em fases oscilantes de confiança e desconfiança. Ele acrescentou que, apesar disso, a lei se faz necessária.
Quando foi criada a atual Lei de Arbitragem, em 1996, o Brasil estava num contexto em que se discutia a inserção do país na política neoliberal. Os críticos aventavam uma possível privatização do Poder Judiciário, lembra Rodrigues Júnior. “Hoje percebemos que o projeto se ajusta claramente a uma necessidade social, independentemente de ideologias”, disse.
Para que a nova Lei de Arbitragem funcione, o professor Tucci entende que deve haver uma mudança cultural e de paradigma em relação ao comportamento do brasileiro diante do Judiciário. Mesmo diante de um crescente número de demandas resolvidas por arbitragem, no estágio atual ele acredita que não seria um mecanismo capaz de diminuir de fato o volume de causas levadas aos tribunais.
 “Enquanto continuarem sendo levadas aos tribunais questões que de antemão já se reconhece o resultado, não haverá solução para a lentidão. Nosso problema não é de legislação, mas de gestão e de cultura”, diz.
Experiência estrangeira
A discussão sobre o marco regulatório da mediação prosseguiu no debate mediado pelo ministro do STJ Mauro Campbell Marques. A experiência internacional na mediação foi apresentada pela advogada Juliana Loss de Andrade, que trabalha com mediação na Europa, onde faz doutorado na Universidade Paris-Sorbonne.

Segundo ela, embora a mediação esteja mais avançada na Europa, com legislação em vigor, muitos países enfrentaram os mesmos entraves do Brasil. Juliana Loss aponta que ter um marco legal é muito positivo e que, quando aprovado, isso vai refletir no maior uso da mediação.
No mesmo painel, a advogada Roberta Rangel, mestre em direito tributário, discorreu sobre as dificuldades de mediação com o poder público. Como a administração pública é parte em mais de 70% das ações que tramitam na Justiça, a tributarista reclama que muitos conflitos são simples e poderiam ser resolvidos por meio de mediação, ainda em âmbito administrativo.
 Com Informações da Assessoria de Imprensa do CJF.

Resposta de Moro ao STF

Juiz da "lava jato" rebate acusação de que escondeu dados do Supremo

O juiz federal Sergio Fernando Moro, responsável pelos processos da operação "lava jato", definiu como “fantasiosa” a afirmação de que estaria ocultando o nome de agentes políticos para manter o caso em suas mãos. A afirmação aparece em despacho desta terça-feira (25/11) depois que o advogado Fábio Tofic Simantob criticou o juiz, em petição enviada ao Supremo Tribunal Federal.
Segundo o defensor de Gerson Almada, vice-presidente da Engevix (uma das empreiteiras suspeitas de ilegalidades com a Petrobras), o juiz deixou de informar a ligação de deputados federais com o doleiro Alberto Youssef para que o caso ficasse na primeira instância. Investigações e processos envolvendo pessoas com prerrogativa de foro devem tramitar no STF.
O ministro Teori Zavascki, relator de ações sobre a Lava Jato no Supremo, acabou questionando Moro sobre as alegações do advogado. O juiz (foto) respondeu que o objeto dos casos analisados por ele “não envolve o crime de corrupção de agentes políticos, mas sim crimes licitatórios, de lavagem e, quanto à corrupção, apenas dos agentes da Petrobras”.
“Se o dinheiro supostamente desviado da Petrobras foi, depois de lavado, usado para pagar vantagem indevida a agentes políticos, trata-se de outro crime que não é objeto deste feito”, afirmou. “Não há agentes políticos aqui investigados, nem haverá, perante este juízo, Ação Penal tendo no polo passivo agentes políticos ou por objeto crimes de corrupção de agentes políticos.”
Outros advogados já haviam questionado a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba. Em maio, Zavascki determinou que fossem soltos 12 presos da operação lava jato por entender que Moro errou ao ter enviado ao Supremo apenas parte das investigações, quando citavam agentes com foro. O ministro atendeu na época reclamação do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. No mês seguinte, porém, avaliou que a identidade de deputados só foi confirmada depois da operação.
Investigações em capítulos
A novela da "lava jato" começou em março com uma operação da Polícia Federal que apontou suposto esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas que seria comandado pelo doleiro Alberto Youssef com empresas de fachada. Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, acabou aparecendo na trama porque ganhou de Youssef um veículo de R$ 250 mil, de acordo com o Ministério Público Federal.
Segundo Moro, as planilhas e os repasses feitos a Costa por empresas supostamente controladas por Youssef “abrangem período no qual ele ainda ocupava o cargo de diretor de Abastecimento”. A relação entre os dois deu origem a investigações sobre contratos da Petrobras. Depois de firmar acordo de delação premiada, Costa assumiu irregularidades em contratos na Petrobras e disse que partidos dividiam parte do dinheiro que entrava no caixa.
No dia 14 de novembro, a PF deflagrou um novo capítulo da operação, com a prisão de representantes de empreiteiras suspeitas de pagar propina para conseguir contratos com a empresa.
Clique aqui para ler o despacho do juiz.
5073475-13.2014.404.7000

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Justiça Restaurativa

JUSTIÇA RESTAURATIVA, O QUE É


Em funcionamento há cerca de 10 anos no Brasil, a prática da Justiça Restaurativa tem se expandido pelo País. Conhecida como uma técnica de solução de conflitos que prima pela criatividade e sensibilidade na escuta das vítimas e dos ofensores, a prática tem iniciativas cada vez mais diversificadas e já coleciona resultados positivos.


Em São Paulo, a Justiça Restaurativa tem sido utilizada em dezenas de escolas públicas e privadas, auxiliando na prevenção e no agravamento de conflitos. No Rio Grande do Sul, juízes aplicam o método para auxiliar nas medidas socioeducativas cumpridas por adolescentes em conflito com a lei, conseguindo recuperar para a sociedade jovens que estavam cada vez mais entregues ao caminho do crime. No Distrito Federal, o Programa Justiça Restaurativa é utilizado em crimes de pequeno e médio potencial ofensivo, além dos casos de violência doméstica. Na Bahia e no Maranhão, o método tem solucionado os crimes de pequeno potencial ofensivo, sem a necessidade de prosseguir com processos judiciais.

A Justiça Restaurativa é incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por meio do Protocolo de Cooperação para a difusão da Justiça Restaurativa, firmado em agosto com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). 

Pioneiro na implantação do método no País, o juiz Asiel Henrique de Sousa, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) explica, na entrevista abaixo, como funciona essa prática e compartilha alguns bons resultados da aplicação da Justiça Restaurativa no Distrito Federal.

O que significa Justiça Restaurativa?

Costumo dizer que Justiça Restaurativa é uma prática que está buscando um conceito. Em linhas gerais poderíamos dizer que trata-se de um processo colaborativo voltado para resolução de um conflito caracterizado como crime, que envolve a participação maior do infrator e da vítima. Surgiu no exterior, na cultura anglo-saxã. As primeiras experiências vieram do Canadá e da Nova Zelândia e ganharam relevância em várias partes do mundo. Aqui no Brasil ainda estamos em caráter experimental, mas já está em prática há dez anos. Na prática existem algumas metodologias voltadas para esse processo. A mediação vítima-ofensor consiste basicamente em colocá-los num mesmo ambiente guardado de segurança jurídica e física, com o objetivo de que se busque ali um acordo que implique na resolução de outras dimensões do problema que não apenas a punição, como, por exemplo, a reparação de danos emocionais.

Quem realiza a Justiça Restaurativa?

Não é o juiz que realiza a prática, e sim o mediador que faz o encontro entre vítima e ofensor e eventualmente as pessoas que as apoiam. Apoiar o ofensor não significa apoiar o crime, e sim apoiá-lo no plano de reparação de danos. Nesse ambiente se faz a busca de uma solução que seja aceitável. Não necessariamente o mediador precisa ter formação jurídica, pode ser por exemplo uma assistente social.

A Justiça Restaurativa só pode ser aplicada em crimes considerados mais leves?

Não, pode também ser aplicado aos mais graves. No Brasil temos trabalhado ainda, na maioria das vezes, com os crimes mais leves, porque ainda não temos uma estrutura apropriada para os crimes mais graves. Em outros países até preferem os crimes mais graves, porque os resultados são melhor percebidos. A diversidade de crimes e de possibilidades a serem encontradas para sua resolução é muito grande. Vamos supor que, após um sequestro relâmpago, a vítima costuma desenvolver um temor a partir daquele episódio, associando seu agressor a todos que se pareçam com ele, criando um “fantasma” em sua vida, um estereótipo. Independentemente do processo judicial contra o criminoso, como se retoma a segurança emocional dessa pessoa que foi vítima? Provavelmente se o ofensor tiver a oportunidade de dizer, por exemplo, porque a vítima foi escolhida, isso pode resolver essa insegurança que ela vai carregar para o resto da vida. 

Mas a Justiça Restaurativa implica no não cumprimento da pena tradicional?

Não, as duas coisas podem ser e frequentemente são concomitantes. O mediador não estabelece redução da pena, ele faz o acordo de reparação de danos. Pode ser feito antes do julgamento, mas a Justiça Restaurativa é um conceito muito aberto. Há experiências na fase de cumprimento da pena, na fase de progressão de regime, etc. Mas nos crimes de pequeno potencial ofensivo, de acordo com artigo 74 da lei 9.099 de 1995, o acordo pode inclusive excluir o processo legal. Já quando falamos de infrações cometidas pelo público infanto-juvenil há outras possibilidades como a remissão ou a não judicialização do conflito após o encontro restaurativo e o estabelecimento de um plano de recuperação para que o adolescente não precise de internação, desde que o resultado gere segurança para a vítima e reorganização para o infrator. Em São Paulo e no Rio Grande do Sul, por exemplo, há juízes com larga experiência na Justiça Restaurativa com adolescentes, por meio de um processo circular e desritualizado, mais lúdico.

Qual é a diferença da Justiça Restaurativa e da conciliação?

Em comum, podemos dizer que não são processos dogmáticos. No entanto, a conciliação é mais voltada para resolver questões de interesse econômico, os conciliadores se permitem conduzir um pouco o processo para resultados mais efetivos; a conciliação acontece com hora marcada na pauta do tribunal. Já na mediação realizada pela Justiça Restaurativa não é possível estabelecer quando vai acabar, pode demorar dias, meses, até se construir uma solução. Na medida em que você tem um conflito de maior gravidade, que traz uma direção maior de problemas afetados, é preciso dedicar mais tempo. A vítima tem espaço para sugerir o tipo de reparação. O crime gera uma assimetria de poderes: o infrator tem um poder maior sobre a vítima, e a mediação que fazemos busca reequilibrar esses poderes, mas não invertê-los. Os envolvidos podem ir com advogados, embora ao advogado seja reservado um papel muito mais de defesa da voluntariedade de participação e dos limites do acordo, para que este represente uma resposta proporcional àquela ofensa.

O senhor poderia nos contar um caso interessante aqui do TJDFT?

Há um caso recente que ocorreu em uma zona rural aqui do DF, que era relativamente simples: dois vizinhos que brigavam em relação aos limites da terra ajuizaram um processo que foi resolvido na vara cível, confirmado no tribunal, mas depois continuaram a brigar pelos limites das águas de uma mina. Aquele conflito terminou desenvolvendo para a morte de alguns animais de uma das chácaras, feita supostamente por um dos vizinhos, além de ameaças, e decidimos encaminhá-lo para a Justiça Restaurativa. A solução foi muito interessante. A equipe entendeu por chamar para participar a Agência Nacional de Águas (ANA) e a ONG ambiental WWF, que trouxe como sugestão um programa chamado apadrinhamento de minas. Então aqueles dois confrontantes terminaram fazendo um acordo de proteção pela mina e ficaram plenamente satisfeitos com a solução. Tratava-se de um conflito que já estava na Justiça há mais de dez anos e que, embora com a solução já transitada em julgado, as coisas estavam se encaminhando para um desfecho trágico. Ou seja, a Justiça tradicional resolveu apenas um espectro do problema, o jurídico, mas as demais questões em aberto continuaram se acumulando, até que foi feito esse acordo criativo pelo Programa Justiça Restaurativa do TJDFT.

Então a Justiça Restaurativa não retira o direito da pessoa recorrer à Justiça tradicional?

A intervenção restaurativa é suplementar: de par com o processo oferecemos um ambiente para resolver demais problemas relacionados com o conflito. Nada impede que você tenha uma iniciativa, como com adolescentes infratores, que exclua o processo. Primeiro buscamos uma persuasão, depois dissuasão e só depois mecanismos de interdição, que seria a internação. Persuasão significa abrir o ambiente para uma negociação direta entre as partes. Se isso não for alcançado, usamos mecanismos dissuasórios, que seriam um misto de acordo com possibilidades de uma resposta punitiva e, se isso tudo não funcionar, daí sim partimos para outros mecanismos.

Qual é o maior benefício da Justiça Restaurativa?

Em muitos casos, essas iniciativas alcançam a pacificação das relações sociais de forma mais efetiva do que uma decisão judicial. 

Luiza de Carvalho
Agência CNJ de Notícias


sábado, 22 de novembro de 2014

Pedidos de vista X Perdidos de vista

A perder de vista

Tribunais precisam definir regras claras para impedir que ministros atrasem processos com base em critérios desconhecidos
Talvez o assunto parecesse de somenos aos olhos dos ministros das cortes judiciais brasileiras, mas advogados sempre se incomodaram, ainda que em geral de forma discreta, com uma excrescência dos chamados pedidos de vista.
A ferramenta, é claro, tem seu valor. Durante julgamentos colegiados, qualquer um dos juízes tem a opção de retirar um processo de pauta a fim de estudá-lo melhor. Evitam-se assim, ao menos em tese, decisões tomadas sem um nível satisfatório de informação.
Como seria natural, a apreciação da causa fica interrompida; para evitar excessos, os regimentos internos dos tribunais estipulam um prazo em torno de 20 dias.
Ocorre que, tanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ) como no Supremo Tribunal Federal (STF), esse intervalo de tempo tem sido solenemente ignorado. Não por acaso há quem se refira ao mecanismo como "perdido de vista".
De acordo com o estudo "O Supremo e o Tempo", da FGV Direito Rio, dos quase 3.000 pedidos de vista feitos pelos ministros do STF de 1988 a 2013, apenas 22,6% foram devolvidos dentro do prazo.
Para piorar, a grande quantidade de atrasos nem constitui o maior absurdo; este fica por conta da intensidade com que os ministros violam a regra regimental. A depender do tipo de ação, a interrupção do julgamento dura, em média, mais de três anos --o recorde é de uma execução fiscal de 1989, cujo pedido de vista tomou 20 anos.
O STJ vive situação semelhante. Levantamento apresentado pelo ministro Luis Felipe Salomão aponta uma média de quase três anos para a duração dos 6.080 pedidos de vista nos últimos seis anos.
A situação é kafkiana; adia-se o fim do processo de forma indefinida e sem nenhuma explicação. A única coisa que se sabe é por que isso acontece: não existe, na prática, meios de impedir o atraso.
Por essa razão, o STJ estuda mudanças em seu regimento interno. As discussões a esse respeito começaram nesta semana e devem continuar em meados de dezembro.
Espera-se que a maioria dos ministros não ofereça resistência. Trata-se de medida de modernização do Judiciário, não apenas pelo que possa representar para a celeridade na tramitação, mas sobretudo por seu significado em termos de transparência e segurança.
A Justiça não pode conviver com tantos fatores de imprevisibilidade, deixando quem dela depende sem saber se sua ação sumirá da vista por anos a fio.
Tampouco deve aceitar que continue válida esta pergunta impertinente: a quem interessa que certos processos tenham seu desfecho adiado muito além do que as regras republicanas permitiriam?
    Transcrito do jornal Folha de São Paulo de 22.11.2014
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sexta-feira, 21 de novembro de 2014

CNJ monitorará dados sobre desvio de dinheiro público

CNJ investirá em monitoramento de dados sobre desvio de dinheiro público

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reforçará métodos para coleta e sistematização de dados sobre os processos envolvendo corrupção, lavagem de dinheiro e improbidade administrativa. A meta foi definida nesta sexta-feira (21/11) no encerramento da 12ª Reunião Plenária da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), realizada em Teresina (PI).


O CNJ começou a trabalhar essas estatísticas ainda em 2010, como resultado de uma das ações da Enccla para 2011. Os números foram publicados até 2013, relativos ao ano de 2012. A proposta de dar continuidade ao projeto, tornando as estatísticas permanentes, partiu da atual representante do CNJ na Enccla, conselheira Luiza Frischeisen.

Coordenada pelo CNJ, a Ação 15 terá a colaboração do Conselho Nacional do Ministério Público, da Controladoria-Geral da União, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, do Tribunal de Contas da União, do Conselho da Justiça Federal, do Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas, de órgãos das polícias federal e civil e de entidades de classe da magistratura. 

Colaborador – O CNJ também será colaborador em duas metas estabelecidas pela Enccla para 2015. A Ação 4 pretende cobrar o cumprimento da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), especialmente em relação à transparência de dados. A Ação 9 foca em medidas para garantir a execução das recomendações do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi), organização intergovernamental com ação nacional e internacional. 

A Enccla definiu uma série de prioridades legislativas para 2015, como necessidade de tipificação dos delitos de terrorismo e de seu financiamento; racionalização do sistema processual e recursal; edição de legislação relativa ao denunciante de boa fé e à atividade de lobistas; aprovação dos projetos de lei sobre extinção de domínio e sobre criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos; aperfeiçoamento da Lei da Improbidade Administrativa; e aplicação plena da Lei Anticorrupção. 

O grupo também recomenda a adoção de critérios que privilegiem idoneidade e capacidade técnica dos gestores públicos nomeados para cargos comissionados, fortalecimento dos órgãos de inteligência, investigação, fiscalização e controle da administração pública, além de promoção de transparência para atuação proativa do cidadão no controle do dinheiro público.

Enccla – Criada em 2003, a Enccla articula órgãos, entidades, instituições e associações envolvidas no enfrentamento da criminalidade. Fazem parte da Estratégia mais de 60 órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, dos Ministérios Públicos e da Sociedade Civil. Os integrantes reúnem-se anualmente para elaborar e aprovar ações voltadas à prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.

Veja aqui as ações pautadas pela Enccla para 2015 e a Carta de Teresina.

Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias


terça-feira, 18 de novembro de 2014

100% de acordo usando técnica alemã


No interior da Bahia, um juiz tem conseguido evitar que conflitos familiares e pessoais transformem-se em processos judiciais com a utilização de uma técnica de psicologia antes das sessões de conciliação. Com ajuda da chamada Constelação Familiar, dinâmica criada pelo teólogo, filósofo e psicólogo alemão Bert Hellinger, o magistrado Sami Storch conseguiu índice de acordo de 100% em processos judiciais onde as partes participaram do método terapêutico.


Durante a Semana Nacional da Conciliação deste ano, que ocorrerá entre os dias 24 e 28 de novembro em todo o País, já estão agendadas 29 audiências cujas partes participaram da vivência de Constelação Familiar. Para o magistrado, o método contribui fortemente para o fim do conflito impactando tanto os atores diretos quanto os envolvidos indiretamente na causa, como filhos e família. 

Este ano, a técnica vem sendo direcionada aos adolescentes envolvidos em atos infracionais, processos de adoção e autores de violência doméstica. Na Vara Criminal e de Infância e Juventude de Amargosa, a 140 km de Salvador, onde atualmente o juiz Sami Storch dá expediente, o índice de reincidência desses jovens ainda não foi mensurado, mas o magistrado acredita que, se fosse medido, esse número seria com certeza menor. 

“Um jovem atormentado por questões familiares pode tornar-se violento e agredir outras pessoas. Não adianta simplesmente encarcerar esse indivíduo problemático pois se ele tiver filhos que, com as mesmas raízes familiares, apresentem os mesmos transtornos, o problema social persistirá e um processo judicial dificilmente resolve essa realidade complexa. Pode até trazer algum alívio momentâneo, mas o problema ainda está lá”, afirma. 

O que é Constelação Familiar – A sessão de Constelação Familiar começa com uma palestra proferida pelo juiz sobre os vínculos familiares, as causas das crises nos relacionamentos e a melhor forma de lidar com esses conflitos. Em seguida, há um momento de meditação, para que cada um avalie seu sentimento. Após isso, inicia-se o processo de Constelação propriamente dito. Durante a prática, os cidadãos começam a manifestar sentimentos ocultos, chegando muitas vezes às origens das crises e dificuldades enfrentadas.

Em 2012 e 2013, a técnica foi levada aos cidadãos envolvidos em ações judiciais na Vara de Família do município de Castro Alves, a 191 km de Salvador. A maior parte dos conflitos dizia respeito a guarda de filhos, alimentos e divórcio. Foram seis reuniões, com três casos “constelados” por dia. Das 90 audiências dos processos nos quais pelo menos uma das partes participou da vivência de constelações, o índice de conciliações foi de 91%; nos demais, foi de 73%. Nos processos em que ambas as partes participaram da vivência de constelações, o índice de acordos foi de 100%.

Para Sami Storch, a Constelação Familiar é um instrumento que pode melhorar ainda mais os resultados das sessões de conciliação, abrindo espaço para uma Justiça mais humana e eficiente na pacificação dos conflitos. 

Semana Nacional da Conciliação ocorre todo ano e envolve a maioria dos tribunais brasileiros. Os tribunais selecionam os processos que têm possibilidade de acordo e intimam as partes envolvidas a tentar solucionar o conflito de forma negociada. A medida faz parte da meta de redução do grande estoque de processos na Justiça brasileira – atualmente em 95 milhões, segundo o relatório Justiça em Números 2014.


Agência CNJ de Notícias

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Soluções extrajudiciais de conflitos


Temos urgência em estimular soluções que dispensem intervenção do juiz

José Renato Nalini

O Brasil ingressou no século XXI como se fora um imenso tribunal. Quase 100 milhões de processos estão em curso, pelos 97 tribunais do país. É como se toda a população litigasse, o que nos garantiria o ranking da nação mais beligerante sobre a face da Terra.
Há quem ache saudável esse fenômeno: vive-se uma Democracia! Há juízes para ouvir todos os reclamos. Ampliou-se o acesso à Justiça. Hoje ninguém se constrange de estar em juízo.
Mas essa não é a única leitura. Será que todos os problemas humanos precisam ser levados à apreciação de um juiz? As pessoas se deram conta de que litigar nem sempre é a melhor solução? E porque isso é preocupante?
O Brasil escolheu um modelo muito sofisticado de Justiça. Talvez porque também possui mais faculdades de Direito do que a soma de todas as faculdades de Direito do planeta! Resultado disso é que elaboramos um sistema de cinco Justiças: duas comuns — Estadual e Federal — e três especiais: Trabalhista, Militar e Eleitoral. E de tanto apreço ao duplo grau de jurisdição — a possibilidade de reexame daquilo que já foi decidido — chegamos ao quádruplo grau de jurisdição: os processos começam no juiz singular, passam por um dos Tribunais de 2ª instância — TJ, TRT, TRF, TRE, TJM — chegam a uma terceira instância — STJ, TSE, TST, STM — e, não raro, atingem uma 4ª instância: o Supremo Tribunal Federal, cúpula do Poder Judiciário.
Isso faz com que os processos possam durar de 10 a 20 anos para a solução definitiva. Ao menos em parte, porque depois pode começar outra luta com a execução da decisão. E um número enorme de processos termina com julgamento meramente procedimental. Não se chega ao âmago do conflito, mas a resposta é processual.
Consequência desse quadro é que o equipamento estatal encarregado de dirimir controvérsias cresce a cada dia, torna-se burocratizado, pesado e custoso. O povo é quem suporta esse gasto. Mas vai chegar um dia em que a sociedade não terá condições de sustentar uma estrutura que é atravancada e lenta. Soterrada de questões que poderiam ser efetivamente solucionadas à mesa do diálogo. Mediante um protagonismo que a cidadania não tem no Judiciário.
Embora o direito processual chame a parte, eufemisticamente, de sujeito, na verdade ela é um objeto da vontade do Estado-juiz. O litigante não tem condições de narrar, perante o juiz, tudo aquilo que o atormenta e que o levou a juízo. A cena judiciária é técnica, formalista, não admite espontaneidade. Não é raro que o interessado sequer entenda o que aconteceu com sua demanda, quando a solução é meramente formal, procedimental ou processual. Daí a insatisfação generalizada em relação ao funcionamento da Justiça. Precisamos reverter esse quadro.
A começar dos advogados, que obtiveram tratamento muito especial por parte do constituinte de 1988. A advocacia é essencial à administração da Justiça: artigo 133 da CF/88. Mas administração da Justiça não significa, inevitavelmente, ingressar em juízo. A formação jurídica é anacrônica. Obedece aos padrões de Coimbra que, ao ser transplantada para o Brasil, quando da fundação das duas primeiras faculdades (1827), por D. Pedro I — São Francisco e Olinda — já era modelo superado. Inspirara-se na Faculdade de Bolonha, criada no ano 800...
Por isso é que a primeira resposta para qualquer problema é propor uma ação. E se o processo é considerado, pela ciência jurídica tradicional, a maneira mais civilizada de se resolver o conflito, nem por isso é a mais rápida, a mais simples e a menos dispendiosa.
Precisamos renovar a cultura jurídica. O advogado já tem dois deveres em seu Estatuto, que impõem priorizar a conciliação e dissuadir seu cliente a ingressar com lides temerárias. Ou seja: enfrentar as dificuldades do processo, com a quase certeza de que não conseguirá o reconhecimento de seu direito.
Por isso, temos urgência em estimular todas as fórmulas de solução de problemas que prescindam da intervenção do juiz. Elas já existem. O Tribunal de Justiça de São Paulo incentiva a criação de CEJUSCS, centros de conciliação extrajudicial e de cidadania, agradece aos advogados que implementam em suas comarcas o projeto OAB Concilia, propôs a mediação, conciliação e negociação a cargo dos cartórios extrajudiciais e aplaude a criatividade que, em cada município paulista, mostre à população de que, assistida por advogado, ela pode resolver mais rápida e eficazmente as questões de desinteligência convivencial.
Isso, não apenas para aliviar o Judiciário de carga excessiva de processos, da qual não dará conta e isso é constatável ao se verificar o reclamo de quem espera longos anos para obter uma solução, que nem sempre é aquela pela qual o injustiçado aspira. Mas o principal é, com o auxílio do advogado, que deve ser um profissional da prevenção, da conciliação, da pacificação e da harmonização, despertar na cidadania a vontade de assumir as rédeas de seu destino. Quando as pessoas aceitam dialogar, orientadas por seus advogados, e chegam a um acordo legítimo passam a entender o que realmente ocorre. Compreendem, ao menos em parte, o ponto de vista contrário. E se chegam a acordo — transigindo parcialmente de suas pretensões — este ajuste é mais assimilado do que a decisão judicial.
O juiz, por mais boa vontade que tenha em acertar, é sempre um terceiro, um estranho, a vontade do Poder Judiciário a intervir na vida privada das pessoas. Enquanto que a conciliação é a participação direta do interessado no encaminhamento da solução. Se a cidadania aprender a negociar, a conversar, a acertar seus interesses no diálogo com o adverso, aprenderá a participar da Democracia prometida pelo constituinte: a Democracia Participativa, que fará do Brasil uma Nação com a qual sonhamos e temos o direito de sonhar.
É esse exame de consciência e essa reflexão que esperamos surta efeitos em cada município deste magnífico, esplêndido, pujante e complexo Estado de São Paulo.
Revista Consultor Jurídico, 12 de novembro de 2014

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Para 81% dos brasileiros, desobedecer às leis é fácil

A desconfiança diante das instituições públicas do país faz com que 81% dos brasileiros concordem com a afirmação de que é "fácil" desobedecer às leis. O mesmo porcentual de pessoas também tem a percepção de que, sempre que possível, os brasileiros escolhem "dar um jeitinho" no lugar de seguir as leis.
Os dados são de uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e revelam ainda que 32% da população confia no Poder Judiciário. Já a confiança na polícia fica um ponto porcentual acima, com 33%. Apesar de baixos, esses índices já foram menores - 29% e 31% respectivamente - em pesquisa anterior.
O levantamento mostra ainda que a ruptura entre os cidadãos e as instituições públicas ligadas à Justiça leva 57% da população a acreditar que "há poucos motivos para seguir as leis do Brasil", segundo o levantamento. "Isso está relacionado à desconfiança que as pessoas têm no comprimento das leis", explica a pesquisadora da FGV Luciana Ramos.
O Índice de Confiança na Justiça Brasileira (ICJBrasil) está em sua 8ª edição e será apresentado, nesta terça-feira (11). Ele faz parte do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A pesquisa ouviu 7.100 pessoas em oito Estados, de abril de 2013 a março de 2014. Elas foram convidadas a assinalar desde "discordo muito" a "concordo muito" nas afirmações propostas.
Os moradores do Distrito Federal foram os que mais disseram acreditar na saída do "jeitinho" como regra nas relações. No total, 84% dos brasilienses disseram concordar ou concordar muito com a afirmação. Quem menos acredita no desrespeito às regras são os baianos, mas ainda assim, a porcentagem é alta: 71% deles responderam que concordavam com a percepção de que todos dão "um jeitinho", sempre.
A pesquisa também fez um corte por renda. Quanto maior o rendimento da pessoa, mais alta é a sensação de que as leis não são cumpridas. De acordo com o estudo, 69% dos entrevistados que ganham até um salário mínimo concordaram que o "jeitinho" é a regra, porcentual que cresce para 86% na população que ganha mais de oito salários mínimos.
Já sobre a polícia, a renda não influencia a má avaliação. Entre as pessoas que ganham até um salário mínimo, 52% concordam que "a maioria dos policiais é honesta". Para quem ganha oito salários ou mais, o porcentual é de 50%.
Luciana, no entanto, lembra que nem Justiça nem polícia são bem avaliadas. "Se a polícia faz algo muito errado, isso reflete rapidamente na população, na confiança que se tem da polícia. No Judiciário, como as coisas são muito mais demoradas, esse erro demora mais, não tem reflexo imediato na confiança. Na minha opinião, acho que isso é o que conta."

Impunidade

Para o aposentado Carlos Afonso Santos, de 87 anos, a impunidade faz com que as pessoas também passem a desafiar as leis. "Se não tem punição para dar exemplo e fiscalização, a sensação para quem faz algo errado é de que nada vai acontecer", afirmou Santos. As informações são do jornal "O Estado de S. Paulo".
Fonte: UOL.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Humanização na resolução de conflitos

Quando os primeiros objetos voaram pela janela do apartamento para, em seguida serem despedaçados na calçada, parecia o final de uma amizade de anos. A briga, motivada pela divisão das contas do imóvel, foi parar na Justiça e, dependendo do resultado, ameaçava o emprego de ambas as partes. Mas, graças ao trabalho de mediação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), o processo por danos morais e materiais foi solucionado amigavelmente, com o fortalecimento da relação social preexistente ao conflito. 

“O gatilho para a reconciliação foi lembrar o quanto uma pessoa havia sido importante na vida da outra, principalmente em momentos delicados”, lembra o servidor do TJDFT Júlio Cesar Rodrigues de Melo, que mediou o caso. “Aquilo causou uma mudança na perspectiva para as partes, aproximando-as, que é o objetivo da mediação. Quando a pessoa está irritada, magoada ou chateada, ela vê o outro da pior forma possível. Ao se trabalharem os sentimentos gerados pela situação conflituosa, resgatando a confiança inicialmente existente, essa percepção muda. É resolução de conflitos por intermédio da humanização da Justiça”, disse.

O caso exemplifica como a mediação – método voluntário de solução de disputa, no qual uma terceira pessoa conduz a negociação, mas sem interferência direta, cabendo a decisão das partes – pode ser eficiente para resolver ações judiciais complexas. A metodologia para resolução de conflitos de forma não litigiosa está prevista na Resolução n. 125 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre a Política Nacional de Conciliação.

“Tem processos que se arrastam durante anos na Justiça, mas acabam se resolvendo com algumas sessões de mediação”, destaca Melo. “Em muitos casos, a solução jurídica não é o melhor caminho, que poderia ser alcançado se as partes simplesmente conversassem”. 

No ano passado, houve acordo em 160 dos 379 processos mediados – ou seja, 54% do total – nos centros judiciários coordenados pelo Núcleo Permanente de Mediação e Conciliação (Nupemec) do Distrito Federal. 

Diferenças – Ao contrário da conciliação, que se dedica a questões pontuais que podem ser resolvidas em uma única sessão, a mediação trata de ações complexas, de relação continuada, como conflitos familiares ou criminais.

A complexidade do trabalho de mediação em relação ao de conciliação fica clara com uma visita ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania de Brasília (Cejusc-BSB), que funciona no TJDFT. O tribunal disponibiliza 11 salas para conciliação e apenas três para mediação. 

No final de outubro, por exemplo, foram realizadas apenas duas sessões de mediação no local, sendo uma de manhã e outra à tarde, enquanto diversas audiências de conciliação aconteciam simultaneamente nas demais salas do centro.

A sala de mediação, contudo, é significativamente maior do que a de conciliação. E também mais confortável. Medindo aproximadamente 4 metros por 6, é bem iluminada e resfriada por ar-condicionado. Dispõe de uma mesa redonda central, onde as partes se sentam lado a lado e se olham a todo momento. Na parede há um quadro para anotações. No canto da sala há uma garrafa de café e outra de água, além de um pote repleto de balas de morango.

O caminhoneiro Adriano Pereira de Souza, 42 anos de idade, participou da sessão de mediação à tarde. Ele cobrava o ressarcimento pelo investimento de R$ 30 mil em uma casa, no Riacho Fundo, região administrativa do Distrito Federal, que começou a pagar há dez anos. 

Sem receber o imóvel, após seis anos, entrou na Justiça para reaver o dinheiro pago às cooperativas responsáveis pela construção da casa. Após duas horas de mediação, o negócio só não foi concluído porque uma das cooperativas faltou ao encontro.

“A mediadora deixou todos muito confortáveis, o que facilitou ouvir o lado de cada um”, afirma Pereira. “A construtora e as duas cooperativas presentes fizeram oferta de pagamento parcelado. Porém, como a cooperativa ausente era a que devia a maior parte, não tive como aceitar. Se estivessem todos aqui, teríamos chegado a um acordo”. 

No ano passado, o Nupemec contou com a colaboração de 30 mediadores, entre voluntários e servidores, nos centros judiciários de solução de conflitos de Brasília e Taguatinga/DF. No período, foram realizados dois cursos básicos de mediação judicial, que somaram 48 participantes; um curso de mediação avançada, para 35 alunos; um curso de mediação de família, para 24 pessoas; e dois cursos de formação de supervisores de conciliação, que capacitaram 36 servidores.

“O curso de mediação básica tem 40 horas, mas esta é uma formação que, na verdade, implica desenvolvimento pessoal para uma vida inteira”, explica o mediador Júlio Cesar Rodrigues de Melo, que também atua como instrutor do Curso de Formação de Supervisores em Mediação do CNJ. “Para aproximar as partes, ajudando-as a encontrar suas próprias soluções, é preciso ser hábil na tarefa de acessar as pessoas. Isso, o processo tradicional, que foca a apuração de culpa e a atribuição de responsabilidade, fica impossibilitado de fazer”, observou.

Fred Raposo

Agência CNJ de Notícias

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Novos caminhos para penas alternativas

RESTRIÇÃO DE DIREITOS

Oportunidade para debater novos caminhos para as penas alternativas


Ouvi, certa vez, que os japoneses podem ser condenados à proibição do uso de aparelhos celulares. Uma solução bastante inventiva do ponto de vista do direito penal, não é mesmo? De fato, para algumas pessoas seria um suplício ter de se afastar do seu smartphone.
Do lado de cá do mundo, nós outros costumamos associar a ideia das penas alternativas ao pagamento de cestas básicas.
No próximo ano, completam-se 20 anos da Lei dos Juizados Especiais, norma que gerou o primeiro movimento de aplicação em massa de penas e medidas alternativas no Brasil. Estima-se que mais de 800 mil pessoas estejam cumprindo sanções dessa natureza. Outras 145 mil estão em prisão domiciliar. Pouco a pouco, sem alarido, as alternativas ao cárcere tornaram-se realidade.
Obviamente, números dessa ordem trazem muitos problemas, a exemplo da dificuldade de fiscalização.
Pergunto-me antes, porém, por que ainda existe tanta resistência e desconfiança em relação às penas alternativas, seja na sociedade, seja no seio da própria comunidade jurídica. Com essa reflexão, quero sugerir que o problema das penas alternativas coloca-se tanto no plano simbólico quanto no operacional.
Se uma coisa não se pode negar à prisão, é justamente o fato de que o seu mecanismo de sofrimento é de fácil compreensão. O confinamento, o tempo perdido, o distanciamento dos familiares e amigos, a alienação para o mundo, a institucionalização e o estigma, enfim, são elementos poderosos no imaginário coletivo que prescidem de explicações.
O mesmo não se passa com as penas alternativas. Como se pulverizaram em várias modalidades de restrição de direitos, ressentem-se de uma referência.
Considerando que o Senado vem discutindo um novo Código Penal (PLS 236/2012), temos a oportunidade de uma profunda reforma do sistema de penas e medidas alternativas, que poderia seguir três principais caminhos.
Primeiro, dotá-las de uma forte identidade simbólica. Nesse sentido, a “prestação de serviços à comunidade” é a pena que melhor cumpriria tal papel. Nela, estão embutidos o trabalho, o tempo e a utilidade social, contrapartidas relevantes impostas a alguém que tenha praticado crime de menor ou médio potencial ofensivo.
Segundo, simplificá-las. No lugar dos múltiplos labirintos jurídicos que as cercam, fórmulas mais concisas. Como afirma o professor italiano Carlo E. Paliero, a relação entre o número de penas alternativas e sua eficiência é inversamente proporcional.
Terceiro, garantir-lhes autonomia. O Código em vigor fala em “substituição” da prisão por penas restritivas de direitos (art. 44). É como se essas nascessem da costela da pena privativa de liberdade. A centralidade do modelo punitivo continua na prisão. Se, e somente se, preenchidos certos requisitos objetivos e subjetivos, aceita-se a conversão. Restam, assim, sempre incertezas no tocante à concreta aplicação das penas alternativas.
Esse desenho está ultrapassado. Já não consegue responder aos desafios que se põem a esse setor da penalidade. Melhor seria o Código dizer se determinados crimes são punidos diretamente com penas restritivas de direitos (furto, injúria, ameaça, por exemplo). Afinal, não há por que nos envergonharmos das penas alternativas nem escondê-las do grande público.
 é conselheiro do CNJ (2013/2015). Doutor em Direito pela UFMG. Consultor Legislativo do Senado Federal.
Revista Consultor Jurídico, 4 de novembro de 2014.