domingo, 20 de março de 2011

Acesso à Justiça

          Para se permitir o acesso à Justiça a todos os cidadãos é necessário, primeiro, identificar os principais obstáculos que impedem ou limitam esse acesso.

          O primeiro deles é decorrente de ordem material: a Justiça, além de inacessível financeiramente para muitos, é, ainda, excessivamente formal. Assim, afasta aqueles que não reconhecendo os seus ritos, por não compreendê-los, não vê nela o caminho adequado para a solução dos seus conflitos e, aqueles que não tendo meios financeiros necessários deixam de buscá-la.

          Sem acesso à Justiça, esse grupamento social termina por resolver seus conflitos, ao seu modo, muitas vezes com violência.

          Há ainda aqueles que, por não acreditarem no sistema judiciário, buscam esquecer as injustiças sofridas, atribuindo-lhes um caráter inexorável.

          Ao marginalizar esse grupamento social, o Estado deixa de cumprir o seu papel constitucional de prestar Justiça, igualmente acessível a todos.

          Para Joaquim Falcão, " pouco a pouco se consolida a ideia de que fazer justiça, como dever do Estado, é um serviço público a ser oferecido como qualquer outro. O cidadão tem direito  à educação, saúde, segurança, transporte e à justiça também".

         É, ainda Falcão quem noticia  recente persquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) com Fernando Barbosa e Márcio Grijó (http://cpdoc.fgv.br/fgvopiniao/pesquisaspublicas), a respeito do índice de percepção carioca sobre a presença do Estado por meio da dimensão dos serviços públicos e da dimensão de cidadania. Os entrevistados foram divididos em três categorias: os moradores do morro do Alemão, os da Zona Sul e os das zonas Norte e Oeste. E  a pesquisa acompanhou os anos de 2010 e 2011, já sob os efeitos da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Os resultados sugeriram, fortemente, a necessidade de o Poder Judiciário ir às favelas. Abrir varas judiciais, abrir juizados especiais, tal como lá estão abrindo escolas, postos de saúde. A Rocinha, com cerca de 100 mil habitantes, já tem quatro escolas públicas, uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), mas não tem nenhuma vara judicial, nem um juizado especial. O mesmo ocorre no Morro do Alemão, onde a oferta da justiça é feita por policiais, como mediadores.

          Indagados se a lei e a Justiça protegem a todos igualmente, em todas as áreas, somente cerca de 30% dos cidadãos acreditam que sim. Se a Justiça ajuda a resolver os problemas dos moradores, menos de 50% concordam que sim.

          Sobre o tema do acesso à Justiça,  Gláucia Falsarella Foley, em sua dissertação de mestrado na Universiade de Brasília, assinala que o desafio republicano de construir caminhos para viabilizar o acesso à Justiça a todos os cidadãos impõe ao Estado o dever de impulsionar reformas no sentido de assegurar que o acesso à Justiça - não necessariamente ao sistema jurisdicional - seja efetivamente universal. Essa impulsão, em sua análise, pode ser efetivada por meio da articulação de quatro movimentos, que se comunicam e se complementam, sem qualquer ordem cronológica ou hierárquica de prioridade.

          O primeiro movimento objetivaria a superação das restrições impostas à parcela dos excluídos e dos já incluídos na Justiça formal e se daria mediante investimentos em reformas processuais para conferir maior celeridade, eficiência, acessibilidade ao sistema judiciário.

          O segundo movimento implicaria o fortalecimento das defensorias públicas, para que a população excluída fosse plenamente incluída no sistema jurisdicional formal, por meio de atendimento eficiente e de qualidade.

          O terceiro movimento seria caracterizado pela busca de mecanismos alternativos e democráticos de acesso à Justiça formal. As experiências já consolidadas de juizados especiais, juizados itinerantes, mediações forenses, juizados fluviais, justiça volante, entre outras, demonstram que, com criatividade, vontade política e baixo custo, é possível facilitar o acesso à Justiça e aproximar o Judiciário do povo.

          Por fim, o quarto movimento  estaria relacionado à democratização da própria realização da Justiça. Foley cita como modelo a Justiça Comunitária, operada na comunidade, para a comunidade e, sobretudo, pela comunidade. Informa que o Programa Justiça Comunitária, implementado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, criado com o objetivo de democratizar a realização da justiça, restituindo ao cidadão e à comunidade a capacidade de gerir seus próprios conflitos com autonomia, é, talvez, um dos caminhos mais efetivos e generosos para impulsionar, do ponto de vista local, o processo de universalização do acesso à Justiça. (Disponível em:  www.tjdf.gov,br/tribunal/insitucional/proj_justiça_comunitária/index.asp).

          Caminhos existem. Basta querer trilhá-los.