domingo, 18 de abril de 2010

Crime em Luziânia: omissão do Estado na prestação da Justiça

        Com o objetivo de avaliar eventuais falhas do sistema criminal, o Presidente Nacional da OAB, Ophir Cavalcante, enviou ofício ao Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Gilson Dipp, requerendo informações sobre os procedimentos judiciais que levaram à progressão de regime e posterior libertação do pedreiro Adimar de Jesus, que sete dias após deixar o presídio, em 23 de dezembro passado, cometeu o primeiro crime, de uma série de seis, em menos de um mês, contra jovens na periferia de Luiziânia (Go).

        O que chama a atenção, no caso, é que todas as tentativas do Ministério Público no sentido de reavaliar as condições psicológicas de Adimar foram em vão. Sempre que chamado para se posicionar sobre a progressão do regime da pena, o MP destacou a necessidade de tratamento psicológico e psiquiátrico regular para o pedreiro de 40 anos, que confessou o assassinato de seis garotos no município goiano.

        Quem primeiro percebeu os distúrbios psicológicos de Adimar foi o juiz Gilmar Tadeu Soriano, da Segunda Vara de Taguatinga-DF. Na sentença em que condenou o pedreiro a 15 anos de reclusão em regime totalmente fechado o magistrado esclareceu: "possui personalidade voltada para o cometimento de crimes sexuais. Procura vítimas com tenra idade, induzindo-as a prática de crimes libidinosos. Tudo indica que o condenado necessite de acompanhamento psicológico.  Inobstante, somente em 10 de fevereiro de 2006, um ano e sete meses depois, foi enviado pedido pela Vara de Execuções Criminais à direção da Penitenciária do DF2, na Papuda para que Adimar fosse submetido a acompanhamento psicológico.

        Nessa mesma linha o MP, em manifestação de 09 de abril de 2008, é enfático: "diante da gravidade do delito cometido pelo condenado e dos traços de sua personalidade, o MP requer a realização de exame criminológico". Atendido o requerimento do Ministério Público, Adimar é submetido à avaliação criminológica, em 28.05.08, por três profissionais que, além de recomendarem avaliação psiquiátrica e tratamento psicológico semanal, concluiram: "entre suas características de destaque, citamos conflitos sérios que favorecem a prática de delitos sexuais. Há sinais inclusive de sadismo, uma perversão sexual em que a busca de prazer se efetua através do sofrimento do outro e de transtorno psicopatológico".  O grupo de profissionais ainda recomendou avaliação psiquiátrica e tratamento psicológico semanal.

        Embora o juiz Renato Magalhães Marques, tenha determinado, em 09 de março de 2009, (quase um ano depois), que Adimar fosse imediatamente sobmetido ao programa de acompanhamento psicológico com encontros no mínimo semanais, fixando o prazo de 30 dias para o envio do primeiro relatório, 9 dias depois (em 18.05.09), o relatório da médica Ana Cláudia Sampaio informa que Adimar foi avaliado por ela uma única vez e que demonstrava não possuir doença mental nem necessitar de medicação controlada.

        Coerente com a sua preocupação desde o início do processo o Ministério Público, por intermédio da promotora de justiça Cleonice Maria Resende Varalda pede nova avaliação psiquiátrica do preso para verificar se persistem os transtornos de sexualidade apontados no exame criminológico, para, só depois disso, o MP se manifestar sobre a progressão sobre o regime aberto. Isso em 09.11.09. Em 18.12.09 o juiz Luiz Carlos de Miranda concede a Adimar a progressão para o regime aberto alegando que o réu cumpriu o tempo necessário da pena para conquistar o benefício.

         Inegavelmente, a soltura do pedreiro, com divergência de entendimento quanto à avaliação de sua periculosidade, acentua o desaparelhamento do sistema judicial no Brasil, que no caso se mostrou inoperante. Na opinião do Ministro Gilmar Mendes:"Nesses crimes em ocorre desvio psicológico evidente, é preciso que haja realmente cuidado. Faltam equipes multidisciplinares e também a participação de setores outros da sociedade, como das universidades, na colaboração com os peritos judiciais". Já na opnião da perita da Justiça Federal  a psiquiatraThatiane Fernandes da Silva, um dos problemas existentes na lei brasileira hoje, é o fato de caber unicamente ao juiz a decisão final sobre a liberação ou não de um preso como Adimar, onde o juiz acaba sendo o perito dos peritos. 

        Na verdade, de posse da avaliação psicológica a que são submetidos os detentos com a sua característica, o magistrado pode acolhê-la, integralmente, parcialmente, ou descartá-la simplesmente, que foi o que ocorreu.

        Segundo a psiquiatra forense Thatiane, uma das justificativas para Adimar não ser solto seria o fato do exame crimonológico haver apontado que ele apresentava distúrbios psicopatológicos, pois para o fato de ele ser psicopata não há cura e a periculosidade não cessa nunca.

        A procuradora do Ministério Público de São Paulo Luiza Egib Eluf, especialista na área criminal em crimes sexuais, defende uma modificação na lei para obrigar o acompanhamento psiquiátrico dos presos, que tenham cometido crimes sexuais e de violência exacerbada. Esse acompanhamento deverá ser feito dentro e também fora da cadeia, pois quando sai às ruas o psicopata não consegue evitar o impulso de cometer o crime, embora possa ter tido um bom comportamento enquanto preso. A procuradora também é contra a retirada do exame criminológico dos presos antes do Juiz decidir pela progressão do regime. "Acabaram com a necessidade do laudo para o governo não ter que oferecer tratamento", diz ela, para quem "a progressão do regime estabelecida em lei não pode ser aplicada a todos os presos de forma linear".

      O fato é que, mesmo que se dificulte a liberação desses criminosos, aumentando o tempo do regime de progressão da pena e exigindo laudo criminológico como condição para a  sua soltura um grande problema permanece insolúvel: a assistência psicológica no presídio e a necessidade de o Estado ser obrigado a fazer o acompanhamento contínuo dos presos considerados perigosos e com grandes chances de cometer novos crimes.

       Para isso o Estado, que tomou para si o dever de prestar Justiça, tem que, obrigatoriamente, criar mecanismos para evitar a contínua prática de tais delitos por criminosos reincidentes, colocados em convívio social, sem tratamento adequado, com imenso risco à vida dos cidadãos. Assim agindo o Estado deixa de cumprir o seu dever constitucional, ferindo um dos direitos humanos fundamentais.