segunda-feira, 18 de abril de 2011

STJ anula provas da Operação Castelo de Areia

          A sexta turma do Superior Tribunal de Justiça, por 3 votos a 1, anulou todas as provas obtidas a partir das interceptações telefônicas da Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal, tida como uma das mais amplas investigações de corrupção em obras públicas no país, por entender que apenas uma denúncia anônima motivou a autorização judicial de interceptação telefônica. Deflagrada pela Polícia Federal, em março de 2009, a operação tinha como objetivo investigar supostos crimes financeiros cometidos por diretores da Camargo Correa.

          A ministra Maria Thereza de Assis Moura, relatora do processo, e os ministros Celso Limongi e Haroldo Rodrigues afirmaram em seus votos que embora a denúncia anônima sirva para que a autoridade policial comece a buscar provas, não serve para respaldar a quebra do sigilo. Para eles, a permissão do juiz Fausto de Sanctis para a instalação dos grampos ocorreu de forma indiscriminada, genérica e sem a devida fundamentação.

          O ministro Celso Limongi, para quem os grampos provocaram "verdadeira devassa" na vida dos suspeitos, afirmou em seu voto: "Se a Polícia Federal desrespeita a norma e se o Ministério Público passa por cima da irregularidade, não pode nem deve o Judiciário conceder beneplácitos a violações de leis".

          O ministro Og Fernandes que votou pela legalidade das provas e pela continuidade da ação penal, afirmou que o acesso a dados telefônicos era indispensável para a investigação e que não só a denúncia anônima motivou a operação. Antes de pedirem as escutas e a quebra de sigilo, os agentes da Polícia Federal realizaram diligências preliminares.

          A decisão do STJ, que reformula entendimento até então adotado por aquele tribunal e até mesmo pelo Supremo Tribunal Federal, compromete pela raiz a investigação de executivos da construtora Camargo Correa, acusados de envolvimento em crimes financeiros, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, fraudes em licitações, pagamento de propinas a agentes públicos e doações clandestinas a políticos.

          Caso prevaleça a decisão do STJ (ainda sujeita a recurso), devem ser desconsiderados diálogos telefônicos entre investigados e dados obtidos com quebras de sigilos bancário e telefônico, além de material apreendido nas buscas. Só as provas que não tenham amparo na denúncia anônima permanecerão válidas.

          Referida decisão fortalece a corrente jurídica que entendendo o sigilo como absoluto prega a ilegalidade de interceptações telefônicas, a partir de denúncias anônimas. Contudo, em várias situações, o Supremo tribunal já legitimou interceptações após denúncias anônimas e prorrogações de interceptações por longos prazos.

          Para o desembargador Fausto Martin de Sanctis, o sistema criminal do país vive uma situação de "dualidade de tratamento" entre ricos e pobres. Afirma o desembargador: "Há uma total desorientação da jurisprudência com relação aos trabalhos de apuração, porque a jurisprudência sempre permitiu interceptações por tempo indeterminado, denúncias anônimas e ações controladas". Em suas palavras: "A Justiça tem um compromisso, pois ela serve de estímulo ou desestímulo para outros órgãos de poder. Não se pode comprometer a imagem da Justiça como uma Justiça dual, que trata diferentemente pobres e ricos. O grande desafio do Judiciário brasileiro é reafirmar o princípio da igualdade e não fazer reafirmações que passam de forma concreta a ideia de que o crime compensa para alguns. A dualidade de tratamento já foi discutida no passado e os países desenvolvidos já superaram essa fase. Mas parece que o Brasil não superou ".

          No lançamento de convênio objetivando melhorar a fiscalização dos recursos federais, assinado entre a Procuradoria Geral da República e a Controladoria Geral da União, os representantes desses órgãos, Roberto Gurgel e Jorge Hage, criticaram as garantias que a lei brasileira prevê para os acusados em casos de corrupção, que na prática impedem a sua punição.

          O ministro Jorge Hage, da CGU, afirmou que, com  atual legislação, o Brasil é um dos países que mais permitem protelar os processos. Por isso a maioria dos casos prescreve, deixando impunes os criminosos de colarinho branco. Isso leva à ineficácia da Justiça e alimenta a sensação de impunidade.

          Já o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, ao pedir mudanças legais, afirmou haver  um garantismo exacerbado da legislação: "Claro que deve haver a preocupação com o direito daqueles que são acusados de algum crime, mas é preciso haver uma preocupação igual com a efetividade da tutela penal".

          O Brasil tem sido criticado internacionalmente por não conseguir punir o chamado crime de lavagem de dinheiro, praticado por traficante de drogas, corruptos e criminosos de colarinho branco. Uma das principais causas apontadas é a dos recursos excessivos, uma vez que o Brasil possui um entendimento muito liberal sobre os direitos do réu: uma condenação de primeira instância, mesmo mantida por um tribunal superior, não é suficiente para a execução da pena, como ocorre na maior parte do mundo. As outras duas são: a dificuldade de se obter a quebra de sigilo (visto por alguns juízes como direito absoluto) e a inexperiência das cortes superiores (os casos de lavagem de dinheiro tendem a ser mais complexos que outros tipos de delito).

          O Brasil também é questionado por autoridades estrangeiras porque a Constituição prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria de delito econômico e lavagem de dinheiro e o Brasil nada fez para implantá-la.

          Vários são os percalços encontrados quando se trata de recuperar o dinheiro desviado para a corrupção: complexidade dos processos, legislação inadequada (não há interesse do Congresso em votar as leis), despreparo da polícia, inxperiência da Justiça. Enquanto isso, os corruptos seguem impunes e o dinheiro desviado não é recuperado pelos cofres públicos.