segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

A conciliação é a melhor alternativa para o Judiciário

Um dos grandes entusiastas das práticas autocompositivas no Judiciário brasileiro, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marco Aurélio Buzzi participa do Movimento da Conciliação desde a criação do grupo, em 2006, pela então presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Ellen Gracie. Recentemente, presidiu o grupo de trabalho instituído pelo presidente do CNJ, ministro Ricardo Lewandowski, que estabeleceu novos parâmetros curriculares para a formação de conciliadores e mediadores, buscando atender determinações do novo Código de Processo Civil.
Na última entrevista da série que comemora os cinco anos da Resolução 125, que instituiu a política judiciária nacional de solução de conflitos, o ministro do STJ faz uma avaliação da efetividade do ato normativo e as consequências de sua implantação para o Judiciário brasileiro.

O Poder Judiciário brasileiro precisava de uma política nacional de solução de conflitos, quando da instituição da resolução 125?
O Brasil é um dos países que, proporcionalmente, tem o maior número de processos no mundo. Quase um processo para cada dois habitantes. Temos também, proporcionalmente, o maior tribunal do mundo, que é o Tribunal de Justiça de São Paulo. Portanto, com esses dados todos, nós chegamos a uma conclusão de que realmente o índice de litigiosidade, a nossa mentalidade precisa ser modificada. Na época, em 2010, quando foi criada a Resolução 125, uma das grandes preocupações do professor Kazuo Watanabe, que liderava o grupo de juristas e colaboradores que deu ensejo a essa resolução, era montar núcleos e centrais de conciliação que pudessem dar essa alternativa aos jurisdicionados e aos operadores do Direito. Uma alternativa mais rápida, muito mais barata e em que os próprios interessados procurassem construir uma solução para os seus problemas e, com isso, a pacificação social passasse a ser muito mais intensa, pois quando as partes constroem o acordo são elas mesmas que estão elaborando as condições de solução do conflito. Então, quando você faz o acordo, a chance de você resolver o conflito sociológico que existe por trás de toda a lide é muito maior.

E o senhor acha que nesses cinco anos a Resolução cumpriu seu papel?
O processo judicial e a sentença, que são grandes conquistas da sociedade – e ninguém é contra o processo –, por via de regra solucionam a questão processual, e não o conflito que há por trás do processo. Por exemplo, numa ação possessória, a sentença resolve aquele conflito que foi trazido à Justiça, mas não pacifica as pessoas. Eu fui juiz do interior e tive várias demandas em que eu, muito inábil naquela época, dei uma belíssima sentença confirmada por todas instâncias superiores e que foram terríveis, muito inadequadas para o momento no aspecto do conflito sociológico. Mais tarde, eu aprendi que antes de proferir uma sentença dessa, eu deveria chamar as pessoas não só para tentar compor quanto à lide em si, mas também para explicar as possíveis soluções consequentes e que as pessoas teriam que continuar convivendo como vizinhos de modo pacífico e civilizado. Não precisam se transformar em melhores amigos, mas conviver civilizadamente. A Resolução 125 veio muito nesse direcionamento de buscar a solução do conflito e, se nós não conseguirmos essa solução, tentar pacificar os envolvidos dessa relação litigiosa. Na história recente, a Resolução 125, a meu ver, veio como passo número um de mudança de mentalidade. Tanto é que eu creio firmemente que é em razão da Resolução 125 que está vindo a lei 13.140, a lei da mediação, assim como o novo Código de Processo Civil.

O senhor que acompanha as mudanças nos tribunais do país, como avalia essa implementação?
Eu acho que temos dois enfoques a dar. O primeiro é que estamos numa fase de mudança de mentalidade. Então, há quem esteja mais convicto de que esse é o caminho e há quem não esteja muito entusiasmado. O segundo enfoque é que realmente os números são muito bons. Temos em São Paulo, por exemplo, que é o carro-chefe da economia do país, aproximadamente 175 Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) já instalados. E, em todos os estados já temos Cejuscs instalados, em alguns mais, outros menos, mas existem em todos. Minha avaliação é muitíssimo positiva. Estamos mudando a mentalidade e essas metas estão se concretizando. Em todo o Brasil, felizmente, estamos com operadores do direito engajados nisso, os juízes, os promotores os advogados e, agora, estamos com duas leis tratando da questão, Lei da mediação e o novo código de processo civil.

O senhor presidiu o Grupo de Trabalho que criou novos parâmetros curriculares na formação de mediadores e conciliadores. Essa unificação também pode ser vista como avanço?
Todas as regiões do Brasil já receberam cursos de conciliação e mediação. Agora, com os novos parâmetros curriculares estabelecidos, fixados pelo Grupo de Trabalho criado pelo ministro Lewandowski exatamente para esse fim, será feita uma formação uniforme em todo o país. A vantagem é que agora há parâmetros para orientar, havendo liberdade para ajustes por parte dos tribunais, desde que obedeçam esses parâmetros básicos. Hoje, temos no Brasil métodos muito diferentes de formação, que chegam a ser divorciados em alguns lugares no país.

No que o Brasil precisa ainda avançar nesse quesito?
Eu creio que a mudança de mentalidade é a principal questão e penso que o caminho está nas universidades. No ano que vem, muito provavelmente, teremos que dar uma atenção especial ao currículo das faculdades de Direito. Porque se antes era uma questão opcional, agora não. Para os alunos de faculdade temos que ensinar Direito e o Direito agora diz que a solução de conflitos é lei. Não se trata só de uma política do CNJ. Será que as faculdades não vão ensinar a nova Lei de Mediação e o novo Código de Processo Civil? Essa fase inicial de mudança de mentalidade, com muita convicção, foi vencida e as novas leis provam essa grande vitória. Em todos os tribunais já existem os Núcleos Permanentes de Solução de Conflitos, também previstos com muito mérito na resolução 125, que são a cabeça, a gerência dos Cejuscs de cada tribunal. O que precisamos agora é aperfeiçoar o sistema.
Qual o futuro da conciliação no Brasil?

Creio que se ela não é a alternativa, é uma das alternativas. Creio que essas práticas vão cada vez mais se aperfeiçoar, se instalar e ficar conhecidas. Porque é um método simples e barato para as partes e para o Estado em termos de tempo e de custos. Li numa revista nesta semana uma reportagem muito interessante sobre as empresas que estão ouvindo os consumidores e modificando suas estruturas internas para atender os usuários. É isso. Precisamos ter mais diálogo, troca positiva de impressões, fazer às vezes troca de posições para que um pense com a perspectiva do outro. Dessa forma, teremos cada vez mais não só a solução da lide, mas também do conflito. Teremos a pacificação social que se busca. Nós precisamos chegar lá para reduzir esse número de processos que temos no país.

Andréa Mesquita
Agência CNJ de Notícias

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Pareceres contestam pedido de impeachment contra Dilma
Dois novos pareceres se posicionam contra a decisão do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de aceitar o processo deimpeachment contra a presidente Dilma Rousseff (PT). Em um deles, os juristas Juarez Tavares e Geraldo Prazo afirmam que abrir o processo sem ouvir a presidente é inconstitucional.
No outro, a jurista Rosa Cardoso afirma que o pedido de impeachmentrecebido por Cunha não tem consistência. Para ela, a ação é uma retaliação ao apoio do PT à abertura de processo contra ele no Conselho de Ética.
Os dois pareceres foram elaborados a pedido da defesa da presidente Dilma, coordenada pelo advogado Flavio Crocce Caetano, ex-secretário de Reforma do Judiciário. Ele também foi o coordenador jurídico da campanha da reeleição de Dilma, em 2014.
Cunha deu seguimento à petição protocolada pelo advogado Helio Bicudo, ex-procurador de Justiça, ex-vice-prefeito da gestão Marta Suplicy em São Paulo e ex-petista. O ex-presidente do PSDB e advogado Miguel Reale Jr. também assina o documento. 
A base do pedido são as chamadas pedaladas fiscais: manobras do governo de atrasar repasses do Tesouro a bancos públicos, fazendo com que as instituições financeiras virem credoras da União, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
O Tribunal de Contas entendeu que a manobra, posta em prática em 2014, foi ilegal e deu parecer pela rejeição das contas de 2014, o que ainda não foi analisado pelo Congresso. Parecer do Ministério Público de Contas afirma que o mesmo mecanismo foi usado neste ano.
Audiência prévia
A peça elaborada pelos juristas Juarez Tavares e Geraldo Prado afirma que faltou obediência a regras constitucionais e legais. Eles avaliam, por exemplo, que Cunha só poderia ter decidido sobre a abertura do processo depois de ter promovido audiência prévia para ouvir a presidente, conforme o artigo 4º da Lei 8.038/1990 e da Lei 1.079/50.
“À partida o ‘juízo político’ seja um ‘processo político’ em sentido lato, as condições para o exercício do poder estão definidas pelo direito e se submetem ao direito não por mero capricho, mas porque de outra maneira não haveria como se controlar o exercício do poder e evitar seus abusos”, sustentam os juristas, que fizeram o parecer pro bono (sem custos).
Os autores do parecer afirmam ainda que “só haverá imputação de responsabilidade quando a atividade do agente político puser em alto risco a ordem administrativa e a democracia, centrada na própria Constituição e seus elementos específicos”. Nesse ponto, os juristas diferenciam perigo de risco à ordem constitucional, destacando que somente a ocorrência de um risco permanente e grave à Constituição se caracteriza como crime de responsabilidade.
No entendimento de Tavares e Prado, as chamadas pedaladas fiscais não constituem risco à ordem constitucional e, portanto, não são crime de responsabilidade. “Somente a ofensa grave — atentado — às leis orçamentárias previstas na Constituição autorizam cogitar do impedimento do Presidente. Não fosse assim, a violação a normas meramente infraconstitucionais, sem assento constitucional, conduziria à afirmação da prática de crime de responsabilidade”, afirmam.
Pedido inconsistente
Em outro parecer divulgado nesta segunda-feira (7/12), a jurista Rosa Cardoso afirma que só se configura crime de responsabilidade quando há dolo (intenção) de cometer o ato ilegal. Nesse sentido, é preciso que um pedido de impeachment aponte exatamente as ações presidenciais que levaram ao crime de responsabilidade, o que não foi feito no pedido aceito por Cunha.
“Crimes de responsabilidade não são puníveis a título de culpa. Crimes culposos precisam fazer referência expressa a esta modalidade, o que não acontece com os tipos invocados. Dolo exige consciência e vontade de realizar”, escreve a jurista. “As operações que foram questionadas pelo TCU [Tribunal de Contas da União] nunca foram consideradas e inscritas na Dívida Líquida do Setor Público, nem no resultado primário, porque o governo entendia que não constituíam operações de crédito.”
Segundo ela, “o TCU vinha acolhendo a operação sem criminalizá-la, porque a entendia aceitável frente à legislação vigente, isto é, [o TCU] admitira fatos correspondentes em anos anteriores, não se pode atribuir à Presidente a prática de ação dolosa”.
Na opinião da jurista, os atos fiscais praticados pelo governo se justificam pela necessidade de manter programas e ações consideradas importantes. A necessidade se caracteriza (Art. 24 do Código Civil)  pelos seguintes requisitos: existência de um perigo atual e inevitável, justificando a ação necessária; que o perigo não haja sido provocado pelo agente e que ele não tenha o dever legal de enfrentá-lo; que não seja exigível o sacrifício do bem ameaçado; e que a situação evidencie a ameaça de direito próprio ou alheio.
Assim, quanto à abertura de créditos suplementares, mediante decretos irregulares, incompatíveis com a obtenção da meta de resultado primário então vigente “a pertinência de invocar-se este tipo de excludente é clara”.
Clique aqui e aqui para ler os pareceres.
Revista Consultor Jurídico, 07 de dezembro de 2015

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Não há fundamento para o impeachment, conforme Dallari

Renomado jurista brasileiro, com atuação na Universidade de São Paulo (USP), Dalmo Dallari diz que o início do processo de impeachment de Dilma Rousseff não passa de uma tentativa desesperada do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB, de evitar a cassação do seu mandato, alvo de análise no Conselho de Ética do Legislativo.
Dallari rejeita a hipótese de paralisia do Brasil e de aprofundamento da crise econômica. Simpático ao PT, diz que o partido é vítima de perseguição e que, mesmo que haja provas de pilhagem na Petrobras, o impeachment não se sustenta por ausência de base jurídica.

Como avalia a decisão de Cunha em aceitar o impeachment no dia em que o PT decidiu votar contra ele no Conselho de Ética?

Antes de mais nada, tenho absoluta convicção de que não há qualquer fundamento jurídico para o impeachment. Examinei atentamente a Constituição, a legislação, e os argumentos dos que propuseram o impeachment, e cheguei à conclusão de que não há qualquer consistência jurídica. Esse processo é apenas um jogo político. É assim que classifico a decisão do presidente Eduardo Cunha. Ele está sendo fortemente pressionado, há dentro da Câmara um movimento muito forte contra o seu procedimento antiético e, por isso, propondo a cassação do seu mandato. Numa tentativa desesperada, ele faz jogo para tentar forçar uma negociação.

Quais as consequências para o país?

Não terá consequência prática. Dizer que acolhe o pedido e designar uma comissão é apenas o início de uma caminhada. Essa comissão (que será criada para analisar o impeachment, podendo acolher ou arquivar) terá de examinar, dar um parecer. Se essa comissão acolher o pedido, deverá ter (o impeachment) aprovação de dois terços do plenário da Câmara para depois ir ao Senado. É apenas uma tentativa de se proteger. Há um grande risco de que a maioria dos deputados decida pela cassação do mandato do Eduardo Cunha. Ele, não tendo outro caminho, apela à chantagem.

O senhor acredita que é uma vingança do Cunha ou tentativa de barganhar?

É uma tentativa desesperada de forçar a negociação. Ele diria que concorda com o arquivamento do pedido do impeachment e vocês (PT) não pedem a minha cassação. É isso que ele tenta negociar.

Há riscos para a democracia e sociedade?

Não se pode perder de vista que já está em campo aberto a disputa eleitoral. Isso faz parte dessa encenação e teatralização que vem sendo feita ultimamente. Estou tranquilo de que a nossa ordem democrática não corre risco porque é um processo sem consistência, não vai ter desdobramento sério.

No meio de uma severa crise econômica, da tentativa de emplacar um duro ajuste fiscal e com a base esfacelada no Congresso, o impeachment poderá paralisar o país e agravar o quadro?

Essa crise é, de certo modo, alimentada pela grande imprensa. A grande imprensa age mais como grande empresa. Existe obsessão contra o PT, doentia e injustificável. Não creio em paralisação do país. É apenas uma discussão superficial, uma encenação, um teatro, não vai ter consequência.

O saque de bilhões da Petrobras, que abasteceu o caixa do PT e dos seus aliados, não é motivo suficiente para um impeachment?

Não, de maneira alguma. A Constituição é expressa: para o impeachment, é preciso responsabilidade pessoal e direta do presidente, por meio de atos no exercício da sua função presidencial. Teriam de ser atos praticados agora.
"Cunha escreveu certo por linha tortas", diz Reale Junior sobre abertura de processo

E os recursos desviados da Petrobras e repassados às campanhas do PT, como se fossem doações oficiais, não caracterizam crime eleitoral?

Não tem crime eleitoral. A Constituição diz que, depois da diplomação, não há mais como questionar o mandato. E a Dilma já foi diplomada há muito mais do que 15 dias.

Leia a íntegra do pedido de impeachment

O Tribunal de Contas da União (TCU) reprovou as contas do governo Dilma por atrasar o repasse de dinheiro do Tesouro para que os bancos públicos pagassem diversos programas, entre eles os sociais. Fez isso para maquiar um superávit primário. Há previsão legal sobre a irregularidade deste ato.

Pedaladas fiscais são um jogo contábil. Ninguém nunca disse que isso traz benefício pessoal. Não houve desvio de recurso público. Tudo continua no patrimônio federal. Não houve o mínimo prejuízo para o patrimônio brasileiro.

Então, para o senhor, mesmo que exista prova definitiva de corrupção, como no caso da Petrobras, não serve como base para o impeachment?

Mesmo que haja comprovação, não serve de fundamento jurídico porque aConstituição exige expressamente que sejam atos praticados no exercício da presidência. E nenhum desses atos caracteriza isso.
Fonte: Zero Hora