Os integrantes da comissão, que trata da elaboração do novo Código Penal, entregarão na quarta-feira da semana que vem (dia 27/06), o texto de 300 páginas ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). A partir daí, será iniciado o debate entre os parlamentares.
Segundo eles, entre as sugestões propostas, a maior batalha será senadores e depois deputados aprovarem mudanças na legislação dos temas considerados religiosos, como o aumento de hipóteses em que o aborto deixa de ser crime. Pela proposta, uma gestante de até 12 semanas poderá interromper a gravidez desde que um médico ou um psicólogo ateste que a mulher não tem condições de arcar com a maternidade. Atualmente, a prática é crime, exceto nas hipóteses em que a gravidez acarreta risco para a vida da mãe ou é resultado de estupro.
A comissão também inovou ao criar o crime de enriquecimento ilícito nos casos de servidores ou autoridades públicas que não conseguirem comprovar a origem de determinado bem ou valor. Também sugeriu que a cópia de um CD de música ou de um livro didático para uso pessoal, sem qualquer objetivo de lucro, deixe de ser considerado crime de violação de direito autoral.
De acordo com o presidente, ministro Gilson Dipp, a comissão partiu de duas premissas. A primeira foi não
deixar de lado nenhum tabu. “Teríamos de enfrentar todas as questões
necessárias, independentemente de seu potencial de causar polêmica. Nem se fosse
para chegar a determinado ponto e reconhecer que certo tipo penal não seria
oportuno de ser criado ou modificado”, afirmou o ministro. A segunda diretriz
foi fazer do Código Penal o centro do sistema penal brasileiro.
Como diz o ministro, o
essencial foi adaptar o Código Penal à Constituição de 1988 e aos tratados e
convenções internacionais no âmbito penal dos quais o Brasil é signatário. “O
Código Penal tem 72 anos. Alguns brincam que já deveria ter sido atingido pela
aposentadoria compulsória”.
Outra diretriz foi fazer
do Código Penal o centro do sistema penal brasileiro, principalmente na parte
especial. Nesse período, foram aprovadas 140 leis especiais ou extraordinárias
tratando de matéria penal, de crimes. Mais de 50 modificaram pontualmente o
Código Penal. E dois terços dessas pouco mais de 50 leis foram sancionados
depois da Constituição de 1988. Isso revela a necessidade de atualização do
Código. Um dos objetivos é deixar no Código Penal apenas as condutas que são
realmente lesivas à sociedade. Uma parte da comissão fez o levantamento de todas
as leis penais para esse trabalho ser bem realizado.
Na visão do ministro, "
a lei que define crimes de colarinho branco, por exemplo, é completamente
defasada, mal feita. As penas previstas são muito pequenas. Tanto que há vários
condenados por esses crimes, mas ninguém preso. Também passam a integrar o Código Penal a lei dos crimes ambientais, de lavagem de
dinheiro, a que tipifica organizações criminosas, a de abuso de poder, as que
definem crimes de trânsito. Outro trabalho é o de reapreciar todos os tipos
penais existentes e a necessidade de criação de tipos novos. Essa é a política
".
Em relação ao aborto, o
ministro esclarece que foram aumentadas as possibilidades do aborto legal. Hoje
é permitido o aborto apenas em caso de estupro e grave risco de vida da mãe.
A comissão substituiu grave risco de vida da mãe por grave risco à saúde, o que amplia as
hipóteses. E permitimos a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos mesmo
antes da decisão do Supremo. O aborto continua tipificado como crime, mas as
hipóteses de aborto legal foram ampliadas.Será permitido o aborto não só de
fetos anencéfalos, mas de todo feto portador de graves e irreversíveis anomalias
atestadas com segurança por laudos médicos fundamentados, evidentemente. É
prevista também a possibilidade do aborto decorrente de técnica de reprodução
assistida e não consentida. E mais, que certamente gerará polêmica, há a
previsão de que em toda gravidez poderá ser feito o aborto até a décima segunda
semana nos casos em que a mãe não tenha a menor condição de criar os filhos.
Outra mudança que gerará
polêmica é a tipificação da eutanásia como homicídio autônomo e não como causa
de atenuante. É um homicídio privilegiado. Não é a redação definitiva, mas vai
dar uma clareza maior ao tema. Eutanásia é o homicídio privilegiado que é aquele
em que o autor do crime age por piedade, a pedido do paciente terminal,
imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de
doença grave, irreversível, atestado por dois médicos. Esse atestado não é um
atestado puro e simples, deve ser um laudo maior.
Em relação ao tráfico de
drogas o objetivo da comissão foi deixar bem claro o que é o traficante, o que é
o dependente e o que é o usuário. O caso do dependente, hoje, não é crime, mas
tem pena. Qual é a pena? É o tratamento médico, psicológico, que o juiz
determina. Mas em varas do interior, até em capitais, o juiz dá uma advertência
e solta o sujeito sem tutela do médico, sem acompanhamento psicológico ou
internação se for o caso. Nós estamos tratando disso, mas estes pontos ainda não
estão definidos.
Indagado de o código
penal vai englobar a execução penal, Dipp respondeu: " Na parte geral, estamos
modificando a lei de execução. Criamos um regime alternativo de progressão da
pena. A progressão se dará com um sexto, um terço, três quintos e até metade da
na dependendo do crime, da reincidência etc. Estamos modificando totalmente,
esclarecendo, a chamada dosimetria da pena. Grande parte dos pedidos de Habeas
Corpus questiona a dosimetria da pena. Então, é uma aritmética que ninguém sabe
fazer. Vamos deixar uma margem maior para o juiz, inclusive o juiz da execução
poderá em certos casos modificar a pena fixada na sentença
condenatória"
Sobre o tempo de cumprimento
da pena disse que a tendência é manter os 30 anos, com uma progressão mais
rígida dependendo da gravidade do crime. Dados mostram que houve mais de 2,5 mil
manifestações de pessoas com sugestões feitas no site do Senado. E 90% das
manifestações populares são pelo endurecimento das penas. É a questão da
segurança pública e a sensação de impunidade. Então, o que o povo pensa? Tem que
endurecer! Mas não adianta. É possível endurecer algumas coisas, mas tem que
haver alguma concorrência de todos os órgãos de segurança pública para aplacar a
sensação de impunidade, senão nada adianta. Polícias mais bem aparelhadas,
polícias técnicas, salários melhores de policiais, preparo, Ministério Público
mais eficaz, Judiciário mais ágil. Isso é um complexo de fatores que gera a
impunidade. O aumento de pena não é garantia de punição. O aumento da
criminalidade se dá pela certeza da impunidade".
Outra novidade, é a
exigência de reparação de dano. Por exemplo, no regime aberto, não haverá mais
casa de albergado. A progressão já começará com a prestação de serviços à
comunidade ou reparação de danos. A reparação de dano está prevista como pena,
inclusive, perda de bens, perda de valores, reparação de dano ao erário.
Também foi trazido para o
Código o conceito de organização criminosa, que é o tipo penal. Delação
premiada, infiltração de agente policial em ação criminosa, ação controlada,
tudo isso são métodos modernos de investigação, meios de prova. Isso fica na lei
especial. Para diferenciar do tipo penal antigo de formação de bando e
quadrilha, foi usado um termo mais moderno, que é associação criminosa, que não
tem a periculosidade da organização criminosa, que é aquela que está na
convenção da ONU contra o crime organizado, a Convenção de
Palermo.
Sobre o enriquecimento
ilícito Gilson Dipp afirma a necessidade de integrá-lo ao código penal, embora haja o entendimento de que não
é necessário porque existe a Lei de Improbidade, que é civil, apesar de os tipos
serem todos tipicamente penais. O enriquecimento ilícito é o patrimônio
adquirido pelo funcionário público, lato sensu, desproporcional à sua
remuneração e que ele não possa fundamentadamente justificar. Isso também deverá
ser aplicado às PPEs - Pessoas Publicamente Expostas, que é uma determinação de
Convenções Internacionais. Pessoas que sejam politicamente expostas, como
governadores, deputados estaduais, federais, membros do Ministério Público, do
Poder Judiciário, devem ter suas contas monitoradas. Tem de tipificar porque isso é uma convenção
internacional. O Senado aprovou por Decreto Legislativo a aplicação da
convenção. Estamos tentando redigir um tipo penal palatável.
Também foram criados tipos específicos para os crimes cibernéticos. Sobre a Lei Seca,
disse:"Tiramos a dosagem específica para caracterizar a embriaguez. O texto está
assim: Conduzir veículo automotor na via pública sobre influencia do álcool ou
substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial, não à segurança de
outrem, mas à segurança viária,a pena é de um a três anos, sem prejuízo da
responsabilização por qualquer outro crime cometido. A infração poderá ser
demonstrada mediante qualquer meio de prova no direito admitido. Isso quer
dizer, prova testemunhal, o depoimento da autoridade policial, o exame clínico,
o exame médico, o vídeo.
A seguir, os 23 principais tópicos propostos:
1. Aborto
No caso do aborto, são sugeridas a diminuição das penas e o aumento nas hipóteses de descriminalização. A principal inovação é que a gestante de até 12 semanas poderá interromper a gravidez desde que um médico ou psicólogo ateste que a mulher não tem condições de arcar com a maternidade
2. Ortotanásia
Deixa de ser um homicídio comum, com pena máxima de 20 anos para até 4 anos de prisão. A prática não será considerada crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente, a doença é grave e for irreversível, atestada por dois médicos, com consentimento do paciente ou da família.
3. Enriquecimento ilícito
Servidores públicos e agentes políticos dos três Poderes que não conseguirem comprovar a origem de um determinado bem ou valor poderão ser presos por até cinco anos. O Estado poderá se apossar do bem de origem duvidosa. Atualmente, ter patrimônio a descoberto não é crime por si só.
4. Jogo do bicho
A prática deixaria de ser contravenção, delito de menor potencial ofensivo, para se tornar crime, com pena de até 2 anos de prisão. Ao contrário do que ocorre hoje, os apostadores não estariam sujeitos a penas.
5. Furto
Uma pessoa que devolva um bem furtado pode ter a pena contra si extinta. A vítima tem de concordar expressamente com a restituição do produto, antes ou no curso do processo. A anistia valeria também para os reincidentes na prática.
6. Progressão de regime
Dificulta a progressão de regime para quem tenha sido condenado ao praticar crimes de forma violenta, sob grave ameaça, ou que tenham acarretado grave lesão social.
7. Abuso de autoridade
O servidor público poderá ser punido com até 5 anos de prisão. Pela lei atual, de 1965, a pena máxima é de 6 meses de prisão. Foi mantida a previsão para a pena de demissão para quem tenha praticado a conduta.
8. Crimes hediondos
Embora tenha excluído a corrupção do rol de crimes hediondos, o colegiado acrescentou outros sete delitos ao atual rol: redução análoga à escravidão, tortura, terrorismo, financiamento ao tráfico de drogas, tráfico de pessoas, crimes contra a humanidade e racismo. Os crimes hediondos são considerados inafiançáveis e não suscetíveis de serem perdoados pela Justiça, tendo regimes de cumprimento de pena mais rigorosos que os demais crimes.
9. Crime de terrorismo
Foi sugerida a criação do tipo penal específico para crimes ligados ao terrorismo, com pena de 8 a 15 anos de prisão. A proposta prevê ainda revogação da Lei de Segurança Nacional, de 1983, usada atualmente para enquadrar práticas terroristas. A conduta não será considerada crime se tiver sido cometida por movimentos sociais e reivindicatórios.
10. Bebida a menores
De acordo com a nova proposta, passaria a ser considerado crime vender ou simplesmente oferecer bebidas alcoólicas a menores, ressalvadas as situações em que a pessoa seja do convívio dele.
11. Anistia a índios
Teriam redução de pena ou simplesmente seriam anistiados os índios que praticarem crimes de acordo com suas crenças, costumes e tradições. A previsão só valerá para situações em que haja um reconhecimento de que o ato não viole tratados reconhecidos internacionalmente pelo País e ficará a critério da decisão do juiz. O oferecimento de bebida a índios dentro das tribos passaria a ser crime, com pena de até 4 anos de prisão.
12. Organização criminosa
Cria o tipo penal, com penas de até 10 anos de prisão. Hoje, por inexistência de previsão legal, a conduta é enquadrada em formação de quadrilha, com pena máxima de 3 anos.
13. Máquina eleitoral
Poderá ser punido com pena de até 5 anos de prisão o candidato que tenha se beneficiado pelo uso da máquina pública durante o período eleitoral. Hoje, a pena é de 6 meses. O colegiado enxugou de 85 para apenas 14 os tipos de crimes existentes no Código Eleitoral. Entre as sugestões, estão o aumento de pena para crimes eleitorais graves, como a compra de votos e a coação de eleitores, e a descriminalização de algumas condutas, como a boca de urna.
14. Empresas criminosas
Uma empresa pode ser até fechada, caso tenha cometido um crime. Ela responderá a processo se tiver cometido crimes contra a economia popular, contra a ordem econômica e contra a administração pública, que é o caso de corrupção. Atualmente, há previsão na Constituição para esse tipo de sanção penal, mas na prática apenas as que atuam na área ambiental estão sujeitas a penalização.
15. Informação privilegiada
Cria o tipo penal para quem se vale de uma informação reservada de uma empresa que potencialmente pode aumentar as ações dela, tem a obrigação de não a revelar ao mercado, mas a utiliza para obter privilégios.
16. Cópia de CD
Deixaria de responder a processo por "violação do direito autoral" quem fizer uma cópia integral de uma obra para uso pessoal, desde que não tenha objetivo de lucro. Ou seja, copiar um CD de música ou um livro didático para uso próprio deixaria de ser crime. Atualmente, a pena para os condenados pela conduta pode chegar a até 4 anos.
17. Meio ambiente
Seria aumentada de 1 ano para 3 anos a pena máxima para quem tenha sido condenado por realizar obra ou serviço potencialmente poluidor sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes.
18. Abuso de animais
Passaria a ser crime abandonar animais, com pena de até 4 anos de prisão e multa. Foi aumentada a pena para quem tenha cometido abuso ou maus tratos a animais domésticos, domesticados ou silvestres, nativos ou exóticos. A pena subiria de 3 meses a 1 ano de prisão para 1 ano a 4 anos.
19. Discriminação
Aumentariam as situações em que uma pessoa pode responder na Justiça por discriminar outra. Pelo texto, poderá ser processado quem praticar discriminação ou preconceito por motivo de gênero, identidade ou orientação sexual e em razão da procedência regional. Pela legislação atual, só podem responder a processo judicial quem discrimina o outro por causa da raça, da cor, da etnia, da religião ou da procedência nacional. Os crimes continuariam sendo imprescritíveis, inafiançáveis e não sujeitos a perdão judicial ou indulto. A pena seria a mesma de atualmente, de até 5 anos de prisão.
20. Embriaguez ao volante
Foi retirado qualquer obstáculo legal para comprovar que um motorista está dirigindo embriagado. Passaria a ser crime dirigir sob efeito de álcool, bastando como prova o testemunho de terceiros, filmagens, fotografias ou exame clínico.
21. Drogas sem crime
Pela proposta, deixaria de ser crime portar drogas para consumo próprio. Não haveria crime se um cidadão for flagrado pela polícia consumindo entorpecentes. Atualmente, a conduta é considerada crime, mas sujeita apenas à aplicação de penas alternativas. Mas há uma ressalva para a inovação: consumir drogas em locais onde haja a presença de crianças e adolescentes continua sendo crime. A venda - de qualquer quantidade que seja - é crime. O plantio - se for para consumo próprio - não seria mais considerado crime.
22. Delação premiada
O delator poderia ter redução de pena e até ficar livre da prisão caso colabore com a Justiça.
23. Crimes cibernéticos
Cria o tipo penal para tipificar crimes contra a inviolabilidade do sistema informático, ou seja, aqueles cometidos mediante uso de computadores ou redes de internet, deixando de serem considerados crimes comuns. Passaria a ser crime o mero acesso não autorizado a um sistema informatizado.