terça-feira, 29 de maio de 2018

Direitos para quem perdeu o voo por causa da greve dos caminhoneiros

A greve dos caminhoneiros mudou a rotina dos brasileiros. Os cancelamentos e atrasos de voos preocupam aqueles que têm viagem marcada para os próximos dias, sejam as férias programadas há meses, um compromisso profissional de última hora ou até mesmo quem está preso em conexão, em outra cidade. Nesses casos, conhecer as obrigações das companhias aéreas em relação a atrasos e cancelamentos é fundamental para reivindicar direitos.
De acordo com a advogada especialista em direito do consumidor, Ildecer Amorim, o país vive um estado de anormalidade, mas a greve não isenta as companhias aéreas de prestarem assistência aos passageiros. “Quem está em conexão em outra cidade, por exemplo, precisa de assistência. As indenizações, talvez, a justiça não acate porque podem ser encaradas como um fato de terceiro, ou seja, sem culpa das companhias aéreas. O ressarcimento vai depender do entendimento do juiz, depende do caso analisado.”
Agencia Nacional de Aviacao Civil (Anac) estabelece algumas obrigações às empresas, como manter o passageiro informado a cada 30 minutos quanto à previsão de partida dos voos atrasados; informar imediatamente a ocorrência do atraso, do cancelamento e da interrupção do serviço; oferecer gratuitamente, de acordo com o tempo de espera, assistência material; oferecer reacomodação, reembolso integral e execução do serviço por outra modalidade de transporte, cabendo a escolha ao passageiro, quando houver atraso de voo superior a horas, cancelamento ou preterição (negativa) de embarque.
Com uma hora de atraso, a empresa tem que fornecer comunicação, como celular ou internet. A partir de duas horas, a alimentação deve ser providenciada de acordo com o horário. A partir de quatro horas, a hospedagem também deverá ser oferecida, mas somente em caso de pernoite no aeroporto e transporte de ida e volta. Se você estiver na sua cidade, a empresa poderá oferecer apenas o transporte para sua residência e de sua casa para o aeroporto.
Assistência
A assistência material é outra obrigação das empresas. Ela deve ser oferecida gratuitamente pela empresa aérea, de acordo com o tempo de espera, contado a partir do momento em que houve o atraso, cancelamento ou preterição de embarque. A assistência material é devida independentemente do motivo do atraso, cancelamento ou preterição e se aplica tanto para os passageiros aguardando no terminal quanto aos que estejam a bordo da aeronave, com portas abertas. A empresa poderá suspender a prestação da assistência material no caso de embarque imediato.
Com a greve dos caminhoneiros, no entanto, os cancelamentos e atrasos são uma realidade e a Anac recomenda que os passageiros acompanhem a disponibilidade do voo. “Passageiros com voos marcados para os próximos dias devem consultar as empresas aéreas antes de se deslocarem para os aeroportos até que a situação se normalize”, informa, em nota. De acordo com o órgão, os cancelamentos causam transtornos para os passageiros, mas também para as empresas aéreas e aeroportos, além de acarretarem custos extras para todos.
Na sexta-feira, o aeroporto de Brasília teve 14% dos voos do dia cancelados. No sábadp, somente na parte da manhã, foram registrados 40 cancelamentos de voos, sendo 31 na chegada e nove, na partida, além de 13 atrasos, de acordo com a Inframerica, concessionária que administra o Aeroporto de Brasília. “Para que as operações voltem ao normal, é imprescindível a liberação dos caminhões bloqueados no protesto de motoristas”, assinala a empresa, em nota.
Remarcação
Quem vai viajar pela Avianca e teve o voo cancelado pode remarcar as passagens para novos voos até 5 de junho, sem cobrança de taxa ou pagamento de diferenças tarifárias. “A empresa ressalta que os cancelamentos realizados foram necessários para garantir, acima de tudo, a segurança das operações”, afirma.
De acordo com a Azul, a maioria dos cancelamentos de seus voos tem origem em Recife, Confins e Brasília. “A companhia disponibiliza o cancelamento ou a remarcação do bilhete para voar até dia 31 de maio para os clientes impactados pela greve. As alterações devem ser realizadas pelo telefone.”
Os passageiros que voariam pela Latam com partidas, chegadas ou conexões domésticas programadas nos aeroportos de Brasília, Confins, Goiânia, Maceió e Uberlândia também podem alterar seus voos sem a cobrança de taxa de remarcação e das diferenças tarifárias da passagem para nova data. “A companhia flexibilizará suas regras até que a situação seja normalizada. Os passageiros podem entrar em contato e estão recebendo toda a assistência necessária. Os demais clientes podem verificar e confirmar a situação de seus voos diretamente na página Status de Voos”, explica, em nota.
A empresa lamenta os inconvenientes e o desconforto que essa situação “alheia à sua vontade” pode causar aos clientes. “A companhia avalia com atenção todos os impactos dessa contingência nos aeroportos e em sua operação aérea e atualizará oportunamente seus passageiros sobre qualquer nova alteração”, acrescenta.
A Gol reconheceu que as centrais de atendimento estão com volume acima do normal e se desculpou por eventuais atrasos no atendimento para remarcação das passagens. “A empresa reitera que está trabalhando para manter sua operação dentro da normalidade e ressalta que segue os mais rigorosos padrões de Segurança, valor número um da companhia.”
Para saber sobre a possibilidade de cancelamento do voo, o ideal é consultar a disponibilidade de combustível na origem e no destino do voo programado. Por enquanto, os aeroportos mais afetados são os de Brasília, Confins (MG), Goiânia (GO), Maceió (AL), Uberlândia (MG), Carajás (PA), São José dos Campos (SP), Ilhéus (BA), Palmas (TO), Juazeiro do Norte (CE), Recife (PE), Joinville (SC) e João Pessoa (ES).
A Infraero diz que está em contato com órgãos públicos relacionados ao setor aéreo para garantir a chegada dos caminhões com combustível de aviação aos aeroportos administrados pela empresa. “Aos passageiros, a Infraero recomenda que procurem suas companhias para consultar a situação de seus voos”, alerta. Em nota, informa que segue monitorando o abastecimento de querosene de aviação por parte dos fornecedores que atuam nos terminais e já alertou aos operadores de aeronaves que avaliem seus planejamentos de voos para que cada um possa definir sua melhor estratégia.

A greve dos caminhoneiros sob o enfoque jurídico

A greve dos caminhoneiros sob o enfoque jurídico

Por Vladimir Passos de Freitas

O Brasil foi pego de surpresa pela maior de todas as mobilizações sociais, com consequências diretas na vida das pessoas. Não se trata de servidores públicos querendo reajustes salariais, mas, sim, de greve dos caminhoneiros, motivada pela alta do preço do diesel. A paralisação resultou na interrupção de fornecimento de gasolina, voos aéreos, aulas, distribuição de alimentos, remédios e outros bens e atividades.
Explicitamente, quer o movimento a redução de tributos que encarecem o frete, ou seja, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), o PIS e a Cofins (ambos federais) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS – estadual), bem como o fim do pedágio para o eixo suspenso (quando caminhões circulam vazios).
O movimento alastrou-se e diversas atividades foram suspensas, com ou sem razão. Apanhado de surpresa, o governo federal buscou uma composição amigável. Entrou em acordo com 10 dos 11 sindicatos que representam a categoria, reduzindo em 10% o preço do diesel proposto pela Petrobras e a zero a alíquota da Cide. Registre-se que não cabe ao Poder Executivo Federal deliberar sobre o ICMS devido aos estados nem sobre o pedágio nas rodovias estaduais.
Paralelamente, a Advocacia-Geral da União ingressou com inúmeras ações na Justiça Federal, e 26 liminares (DF, SP, RJ, AM, SC e outros) foram concedidas, determinando a desobstrução de rodovias. Na sexta-feira (25/5), a questão chegou ao STF, onde o ministro Alexandre de Moraes concedeu liminar, autorizando o governo a utilizar as forças de segurança pública para desbloquear rodovias ocupadas pelos caminhoneiros e arbitrou “uma multa de R$ 100 mil por hora às entidades que interditarem as vias e de R$ 10 mil por dia aos motoristas que não liberarem as estradas”1.
No entanto, expressiva parte dos caminhoneiros não seguiu a orientação de seus líderes e continuou a obstruir as principais rodovias do país, deslegitimando seus sindicatos. Em outras palavras, o movimento tornou-se autônomo, e o acordo celebrado com o Poder Executivo não gerou os efeitos esperados.
Esta revolta de toda a classe, que não é ideológica, mas, sim, uma luta de empregadores e empregados, estes afirmando seu direito à própria sobrevivência, certamente tem fortes justificativas. Por outro lado, é alimentada pelo amplo conhecimento das falcatruas feitas em órgãos públicos, reveladas após a Ação Penal 470 (o chamado mensalão) no Supremo Tribunal Federal e que nem mesmo as diversas prisões de políticos e empresários consegue aplacar.
As consequências econômicas da movimentação, independentemente da existência de razão, são desastrosas. A começar pela Petrobras, que perde R$ 47,2 bilhões em valor de mercado e busca recuperar-se economicamente após desastrosa administração em tempos recentes2. No total, as estimativas preveem um prejuízo em torno de bilhões de reais.
Quais as consequências jurídicas desta greve? São muitas e variadas.
As multas diárias impostas em parte das ações judiciais parecem não intimidar os réus. É que, se descumpridas, serão cobradas judicialmente no futuro. Os brasileiros não têm o hábito de levar o futuro em conta, nem mesmo nas suas decisões pessoais. Portanto, o poder de intimidação é reduzido.
Alguns municípios determinaram estado de calamidade pública. Porto Alegre, Brusque (SC), São Paulo, Teófilo Otoni (MG), Caruaru (PE) e outros. Em Santa Vitória do Palmar, no extremo sul do Brasil, o município recebe 10 mil litros de combustível por semana. Com a interrupção, suspendeu o transporte coletivo e de 15 linhas escolares que servem às suas 24 escolas3.
O estado de calamidade pública permite, em caso de perigo público, a requisição da propriedade particular (artigo 5º, inciso XXV), instituto rarissimamente utilizado. Portanto, esses municípios podem confiscar o combustível onde quer que ele se encontre, cabendo ao proprietário valer-se, posteriormente, do direito à indenização.
Do ponto de vista administrativo, o Código de Trânsito Brasileiro estabelece ser infração gravíssima estacionar os veículos nas rodovias (artigo 181, inciso V). A pena é de multa e a condição de gravíssima resulta em multa de R$ 293,47 e 7 pontos na carteira (artigo 258, inciso I).
Sob a ótica da responsabilidade civil, a situação é mais complexa. Os danos são vultosos. O direito de manifestação é assegurado pela Constituição (artigo 5º, inciso IV). Evidentemente, pressupõe-se que ele será exercido sem causar dano a terceiros. É dizer, se a ação extrapolar dos limites do permitido, se vier a tornar-se ilícita, surgirá o dever de indenizar (artigos 186, 187 e 927 do Código Civil). Evidentemente, no futuro ações indenizatórias serão propostas, com altos valores. Só o tempo dirá os que serão apontados como responsáveis (sindicatos, União ou outros).
Finalmente, a responsabilidade penal, a chamada ultima ratio. O Código Penal estabelece, no artigo 262, ser crime impedir o transporte público, punindo tal conduta com pena de 1 a 2 anos de detenção. Portanto, a consumação só se dará com relação aos ônibus, pois automóveis, à exceção de táxis ou de aplicativos, são particulares. A pena máxima de 2 anos remete o caso ao Juizado Especial Criminal da Justiça estadual.
Por outro lado, o artigo 15 da Lei de Segurança Nacional considera delito praticar sabotagem nas vias de transporte, fixando a pena entre 3 e 10 anos de reclusão. Sabotar, segundo o Pequeno Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa, consiste, entre outras coisas, em “dificultar ou impedir (qualquer serviço ou atividade) por meio de resistência passiva”4.
É difícil entrever na conduta inicial dos caminhoneiros uma sabotagem que ponha em risco a segurança nacional. No entanto, a depender da evolução dos fatos, do eventual risco de convulsão social, das consequências que afetem a saúde pública ou outros valores coletivos significativos, não se tem como afirmar, de plano, a impossibilidade de denúncia. Nessa hipótese, a competência será da Justiça Militar Federal.
Mas, ainda que o foco aqui sejam os reflexos jurídicos, na verdade eles estão mesclados com os aspectos políticos. O movimento, ao que tudo indica legítimo, pode sair do controle. A desobediência às lideranças sindicais, mesclada com interesses em utilizar o conflito para as eleições presidenciais, podem levar a consequências imprevisíveis.
O Comando das Forças Armadas reuniu-se na sexta-feira para discutir o assunto5. Na sequência, fuzileiros navais chegaram ao Porto de Santos, para manutenção da ordem6. Se sobrevier o caos, tudo será possível.
Só nos resta esperar que o bom senso prevaleça.

1 Consultor Jurídicohttps://www.conjur.com.br/2018-mai-25/moraes-autoriza-uso-forcas-seguranca-desbloquear-rodovias. Acesso em 26/5/2018.
2 O Estado de S. Paulo, 25/5/2018, B7.
3 O Estado de S. Paulo, 25/5/2018, B7.
4 Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, Pequeno Dicionário Brasileiro de Língua Portuguesa. São Paulo: Ed. Civilização Brasileira, 1969, p. 1.076.
5 https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2018/05/25/comando-do-exercito-se-reune-para-decidir-acao-na-greve-de-caminhoneiros.htm. Acesso 26/5/2018.
6 http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/cidades/navio-patrulha-com-fuzileiros-navais-chega-a-santos/?cHash=68b6ea6653768f190259ece6dd01e535. Acesso 26/5/2018.

 é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.
Revista Consultor Jurídico, 27 de maio de 2018,