segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Supremo absolve juiz que recusa aplicar a Lei Maria da Penha

          Em julgamento ocorrido na semana passada, o Supremo Tribunal decidiu tornar sem efeito a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, por 9 votos a 6, afastara de suas atividade,  por dois anos, o juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues, de Sete Lagoas (MG), que se negava a aplicar a Lei Maria da Penha, quando julgava ações movidas contra homens agressores de suas parceiras.

          A decisão do CNJ, ora tornada sem efeito pelo STF, embasada no voto do relator Marcelo Neves, havia sido no sentido de afastar o juiz de suas funções, por usar em suas decisões uma linguagem discriminatória e preconceituosa contra as mulheres, chegando mesmo a afirmar que "as desgraças humanas começaram por causa da mulher". O relator chegou  a comparar as declarações do juiz com o racismo: "Não se trata de um crime de racismo, mas há uma relação de analogia com esse tipo penal".

          O Supremo Tribunal, contudo, entendeu que embora a postura do juiz em negar aplicação da lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) fosse passível de recurso, não era motivo suficiente para o seu afastamento, sob pena de se ferir o princípio da autonomia e independência dos magistrados.

          Entretanto, o que é questionável é se a autonomia e independência  do magistrado para julgar permite-lhe atitude preconceituosa e incompatível com o Estado democrático de direito. Ao classificar a lei em suas sentenças como "conjunto de regras diabólicas", "monstrengo tinhoso", afirmando, ainda, que "as desgraças humanas começaram por causa da mulher" o juiz mostrou total desequilíbrio e falta de isenção para julgar.

          A Lei Maria da Penha na verdade só foi votada, após pressão internacional, por força de denúncia apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Em decorrência, o governo brasileiro sofreu uma advertência, em agosto de 1999, e, em  abril de 2001, a Comissão tornou público o relatório sobre o caso Maria da Penha, responsabilizando o Estado brasileiro por não tomar providências para punir o agressor da biofarmacêutica.
         
         O Brasil foi ainda acusado de ser conivente com a violência contra a mulher. Diante desses fatos, em março de 2002, em uma nova audiência na OEA, o Brasil se comprometeu a cumprir as recomendações da Comissão, entre elas concluir a tramitação do processo contra o agressor de Maria da Penha e adotar medidas para coibir a violência de gênero no País.

          É de se lamentar, que após tanto esforço para a sua aprovação e apesar das medidas judiciais estabelecidas pela Lei Maria da Penha - classificada pela Unifem (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher) como uma das melhores legislações do mundo - sua real aplicação ainda encontre resistência no sistema judiciário brasileiro.

          Na verdade, expostas às coações de seus agressores, as mulheres ainda estão vulneráveis aos inoperantes mecanismos do Estado, que não lhes garante a proteção devida para que suas vidas sejam preservadas.

          No Brasil, conforme o "Mapa da Violência 2010, feito pelo Instituto Sangari, foi registrada a média de dez assassinatosa de mulheres por dia, entre 1997 e 2007. De acordo com a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), 45% das mulheres da região já foram ameaçadas, de alguma forma, por companheiros ou ex-companheiros.

          Embora o artigo 5º da Lei nº 11.340, de 2006 (Lei Maria da Penha) estabeleça claramente que "é considerada violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, praticado não apenas no âmbito da família ou da unidade doméstica, como também em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido, independentemente de coação", muitos juízes relutam em aplicá-lo, ou o aplicam apenas para as mulheres casadas (caso de Eliza Samúdio).

          Apesar de crescerem as denúncias de agressão contra as mulheres, apenas 3,59% delas resultam em punição aos culpados, conforme pesquisa feita em Minas Gerais pela Sedese (Secretaria de Estado e Desenvolvimento Social). Levantamento feito na 13ª Vara do Forum de Lafaiete em Belo Horizonte, especializada na Lei Maria da Penha, onde tramitava 26.000 processos contra agressores, 65% eram relacionados à lesão corporal, 30% referentes a ameaças e 0,5% referentes a estupro. Em média, conforme o juiz substituto Nilceu Buarque de Lima, são protocolados dez processos por dia. Esse número ainda seria maior se fosse assegurada maior proteção às vítimas.

          É importante registrar que qualquer tipo de discriminação ou violência  contra a mulher é intolerável e indesculpável, mormente quando praticada por um magistrado!