segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Finalista do Innovare ajuda comunidades a lutarem por seus direitos

Enquanto 400 pessoas de uma comunidade do norte de Minas Gerais negociam com empresários o território para retomar a agricultura familiar, um núcleo de assessoria jurídica popular de Ribeirão Preto/SP consegue dar fim ao processo de reintegração de posse que ameaçava uma população de 150 moradores. Ao mesmo tempo, no Ceará, uma entidade não governamental tenta garantir o direito à educação no sistema socioeducativo, que em 2015 teve 60 episódios de rebeliões. Todas essas ações fazem parte do projeto “Edital Litigância Estratégica, Advocacy e Comunicação para a Promoção de Direitos Humanos”, do Fundo Brasil de Direitos Humanos, que tem como objetivo criar estratégias para transformar a realidade de dez comunidades em situação de vulnerabilidade e sem acesso à Justiça, em quatro regiões do país.
O projeto foi finalista do 13º Prêmio Innovare, importante reconhecimento de ações na Justiça brasileira. O Edital foi lançado em 2014, e foram recebidos 234 projetos que tinham por foco a litigância estratégica, ou seja, o fortalecimento de ações relacionadas a casos emblemáticos e que levem à transformação social, influenciem a atuação do Estado, promovam a revisão ou implementação de políticas públicas e o aprimoramento da legislação. Destes, foram selecionados dez projetos em defesa dos direitos de populações em nove estados de quatro regiões do país – Rondônia, Bahia, Ceará, Piauí, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo e Rio Janeiro.
O Fundo Brasil de Direitos Humanos é uma fundação independente, sem fins lucrativos, e tem como proposta construir mecanismos para canalizar recursos destinados aos defensores de direitos humanos. A ideia é estimular atividades de pessoas e organizações não governamentais voltadas à defesa dos direitos no país, por meio de apoio a projetos que incentivem o investimento social e desenvolvam a filantropia nacional voltada para a justiça social.
Foram distribuídos mais de R$ 1 milhão entre as iniciativas. As organizações apoiadas receberam 50% do valor na assinatura do contrato, enquanto os outros 50% são vinculados à entrega dos relatórios de atividades e financeiro parciais e à aprovação dos mesmos. As iniciativas são permanentemente acompanhadas pela fundação.
Comunidade mineira – Um dos projetos beneficiados pelo Edital envolveu a luta de comunidades tradicionais do Vale das Cancelas, no Norte de Minas Gerais, para a demarcação de seus territórios. Conforme explica o advogado André Alves de Souza, do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, que desenvolveu o projeto, até os anos 70, comunidades indígenas, quilombolas, geraizeras (originárias) e de apanhadores de flor viviam da agricultura familiar na região do vale, que abrange três municípios (Grão-Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis). “Era uma terra coletiva, que as comunidades utilizavam para extrativismo e gado”, definiu André. Mas naquela década, o governo do Estado arrendou as terras para empresas que realizaram a monocultura do eucalipto, o que acabou por destruir nascentes de rios e dizimar muitas comunidades.
A partir da década de 1990, com o fim do contrato entre o Estado e as empresas, as comunidades começaram a tentar retomar o local em que viviam e recuperar o cultivo da terra, mas, sem sucesso. Por meio do projeto beneficiado pelo edital do Fundo Brasil de Direitos Humanos, em 2014, as comunidades conseguiram entrar em negociação com as empresas, ainda sem a necessidade de judicializar o conflito. “O projeto contribuiu muito para a organização e conscientização da comunidade, e a realização do acordo que está em andamento”, contou André. De acordo com ele, com a ajuda de idosos da comunidade e antropólogos foi possível traçar uma estratégia de autodemarcação do território, buscando reconstituir o cenário antes da intervenção estatal. “Mais de 400 pessoas foram beneficiadas pelo projeto”, afirmou.
Sistema socioeducativo – Em 2015, ocorreram 60 episódios de rebeliões e motins no sistema socioeducativo cearense. O Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca-CE), que tem por objetivo garantir o direito à educação no sistema socioeducativo de internação do estado, um dos projetos beneficiados pelo edital, realizou várias ações para tentar melhorar esse cenário. De acordo com Nadja Furtado Bortolotti, assessora jurídica do Cedeca-CE, o sistema encontrava-se em estado de barbárie, com elevado número de fugas, episódios de tortura coletiva, direitos negligenciados e falta de qualquer atividade, obrigando os adolescentes a ficarem 24 horas trancafiados nas celas. Em relação ao acesso à educação, os adolescentes só contavam com o Ensino de Jovens e Adultos (EJA), modalidade considerada inadequada à faixa etária, que deveria realizar o ensino fundamental e ensino médio regulares. “Não é possível oferecer uma política socioeducativa se a educação não é ofertada”, disse Nádja.

Houve a mobilização de órgãos e instâncias nacionais e internacionais sobre a violação ao direito à educação dos adolescentes internos, que resultou na concessão de medidas cautelares pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos contra o Brasil por graves violações aos direitos dos menores. Outra atividade desenvolvida foi a elaboração de uma proposta de resolução conjunta regulamentando o direito à educação escolar nas unidades de internação para apresentação junto ao Conselho Estadual de Educação e Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Uma conquista importante, de acordo com Nadja, foi uma mudança feita pelo governo do Ceará em relação à estrutura de gestão do sistema socioeducativo, que passará a contar, a partir de 2017, com uma superintendência com autonomia administrativa e financeira. “Agora será possível acompanhar a execução dos recursos dessa política”, afirmou. Além disso, algumas atividades de educação profissionalizante passaram a ser oferecidas aos internos em parceria com universidades e houve a reforma de parte dos estabelecimentos. Para Nadja, o sistema socioeducativo do Ceará saiu de um estado de barbárie. “Mas ainda estamos na expectativa de que saia agora da situação de cárcere e passe para socioeducativo”, observou.
Reintegração de Posse – Outro projeto beneficiado pelo edital foi realizado pelo Núcleo de Assessoria Jurídica Popular de Ribeirão Preto (Najurp), que tem como uma das suas frentes de atuação o trabalho de assessoria jurídica popular à comunidade João Pessoa, em Ribeirão Preto/SP. Os 150 moradores da comunidade vivem sob a ameaça de remoção por causa da expansão e internacionalização do Aeroporto Leite Lopes. Com a assessoria do Najurp, os moradores conseguiram recentemente a extinção em primeira instância do processo de reintegração de posse que os ameaçava. A extinção foi motivada por irregularidades encontradas no processo. O trabalho foi realizado em parceria com a Defensoria Pública, que representou judicialmente a comunidade.
Prêmio Innovare – O Prêmio Innovare reconhece e dissemina práticas inovadoras realizadas por magistrados, membros do Ministério Público estadual e federal, defensores públicos e advogados públicos e privados de todo Brasil. Criado em 2004, o Prêmio identifica as boas ideias encontradas e desenvolvidas no sistema de Justiça brasileiro que possam ser aplicadas em outras localidades.
A realização é do Instituto Innovare, integrado pelos seguintes órgãos: Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Associação de Magistrados Brasileiros, Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Nacional dos Procuradores da República e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), com o apoio do Grupo Globo.
Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias