domingo, 2 de outubro de 2011

CNJ: Um conselho que incomoda

          A  criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi motivada pela necessidade de suprir a falta de punição dentro do Poder Judiciário e pela necessidade de se ter um órgão que pudesse articular a gestão dentro deste Poder, delineando as linhas básicas da gestão dos tribunais, com maior racionalização dos serviços e redução dos custos.

          A partir de sua criação, o CNJ começou a incomodar segmentos resistentes, conservadores dentro da magistratura, que, mesmo antes de sua atuação, entendiam não ser da competência do Conselho disciplinar questões que deveriam permanecer no âmbito dos próprios tribunais.

          Ao ocupar o espaço que lhe fora reservado, notadamente, quando, partir de 2008, por iniciativa do então ministro corregedor-geral Gilson Dipp, começou a realizar inspeções e audiências públicas, em diversas unidades do Judiciário, tornou "transparente aos olhos da opinião pública o que gerava odor podre em um corpo que necessita ser saudável tanto para a consolidação do regime democrático como para o fortalecimento dos direitos individuais e coletivos", como afirmou a cientista política Maria Tereza Sadeck, em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, em agosto.

          A cientista política ressaltou, ainda, que "ao assumir a Corregedoria Nacional de Justiça em setembro de 2010, em postura pouco comum aos nossos administradores, a ministra Eliana Calmon não só manteve a política de transparência de seu antecessor, como ainda procurou aprimorá-la  por meio de parcerias com a Receita Federal, Controladoria-Geral da União, Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), tribunais de contas e outrros órgãos de controle".

          Quanto mais a fiscalização foi se tornando eficiente, mais passou a se tornar incômoda. Quando de sua posse como presidente do CNJ, o ministro Cezar Peluso afirmou que "durante a sua gestão, colocaria o CNJ nos eixos".
          Em entrevista concedida hoje, (02.10), à Folha de São Paulo, Peluso volta a insistir que os juízes devem ser investigados no seu Estado. Para ele o CNJ pode investigar juízes, mas deve priorizar as corregedorias locais nos Estados. Em suas palavras: "Uma das razões da criação do CNJ foi a ineficiência ou a inoperância das corregedorias locais. Para remediar esse mal deve apurar a responsabilidade das corregedorias".
          Esta sua postura vai de encontro aos anseios dos corregedores, que na "Carta de Recife", elaborada em 15 de abril, pelo Colégio de Corregedores-gerais de Justiça dos Tribunais de Justiça, pede que a atuação do CNJ só ocorra em caso de "leniência" dos estados, ou "solicitação expressa" dos presidentes dos tribunais. Nessa perspectiva, o CNJ teria uma função subsidiária e supletiva.
          Entretanto, relatórios de inspeção nos estados, feitos pelo Conselho Nacional de Justiça, demonstram o loteamento de corregedorias com servidores terceirizados e indicações para as unidades de fiscalização o que redunda em total faltas de controle dos processos nos estados. Assim é que no Piauí o CNJ encontrou procedimentos administrativos paralisados indevidamente, porquanto havia possibilidade de improbidade administrativa e prevaricação por parte dos magistrados. No Amazonas foi cobrada sindicância para apurar a responsabilidade de juízes por paralisação de processos. Na ocasião da inspeção pelo CNJ, em 2008, procedimentos que investigavam fraudes na distribuição de processos, em primeira e segunda instância, estaam parados há mais de seis meses. No Ceará alguns processos ficaram na gaveta por cinco anos, sem nenhuma providência. Em alguns casos ocorreu prescrição, até mesmo numa acusação de abuso sexual. No Maranhão, ao menos  nas 120 representações apresentadas em 2007 contra magistrados, nenhuma sanção havia sido aplicada, em razão da morosidade da Corregedoria. Na Paraíba houve arquivamento indevido de processos. No Espírito Santo foram encontrados processos disciplinares sem qualquer investigação e não cobrança de respostas às diligências determinadas.
           Os fatos só demonstram o interesse corporativista e a total falta de propósito desta proposta das Corregedorias, encapada pelo atual presidente do CNJ, ministro Cezar Peluso. Os juízes como integrantes de um dos poderes da república, prestam serviço público e devem também prestar contas à sociedade de sua atuação, como qualquer outro servidor público. Acobertar sob o manto do corporativismo a impunidade, não parece ser um bom caminho. Exigir que o CNJ somente atue, após aguardar a atuação ou mais propriamente a não atuação das corregedorias, é esvaziar a sua função, prestigiando os magistrados corruptos. Felizmente apenas 1%, conforme declaração da ministra Eliana Calmon, mas que mancham e denigrem a imagem do Poder Judiciário perante os cidadãos.
         Ao ver de Maria Tereza Sadek, os defensores do interesse corporativo, no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 3.367-1 não convenceram o Supremo Tribunal Federal, que afirmou ser constitucional a criação do CNJ, ficando registrado no voto condutor do acórdão a inoperância das corregedorias locais. Perplexos com a faxina feita pela Corregedoria Nacional de Justiça, agora reabrem a discussão do tema, tentando fazer prevalecer, a todo custo, o entendimento de que o CNJ só pode punir juiz corrupto, após o julgamento da corregedoria do tribunal ao qual está vinculado.

         A esse respeito, Sadek assim se pronuncia: "Um conselho, criado justamente porque os meios de controle existentes até a década passada eram ineficazes e parciais, não pode ter a sua atuação condicionada ao prévio esgotamento dos meios de que os tribunais há muito tempo dispõem e que, na prática, pouco ou nunca utilizaram para corrigir os desvios de seus integrantes".

        Sobre o assunto, ver as postagens do meu blog do dia 17.08.11, 23.03.11, 12.03.11 e 07.10.10.