segunda-feira, 8 de junho de 2015

STF: pedidos de vista de processos

No STF só 20% dos pedidos de vista são devolvidos no prazo

Veto a doação de empresas a políticos está entre as 217 ações interrompidas
Prerrogativa de ministro parar julgamento para estudar o processo tem servido para obstruir decisões do plenário
FREDERICO VASCONCELOSDE SÃO PAULOO desrespeito às normas internas do STF (Supremo Tribunal Federal) por parte dos próprios ministros naturalizou-se quando o assunto é pedido de vistas --a possibilidade de o magistrado paralisar um julgamento para estudar melhor o processo.
Levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que só 1 de cada 5 pedidos desse tipo é devolvido no prazo regimental de duas sessões ordinárias. Segundo o STF, há hoje 217 ações com julgamento interrompido por vistas.
Alguns casos têm mais de uma década de espera. No sistema de distribuição de processos do tribunal, vários ainda estão associados a ministros que nem estão mais na corte, como Nelson Jobim, que saiu em 2006, ou Menezes Direito, morto em 2009 (confira no gráfico abaixo).
Em alguns casos, o pedido de vistas tem servido de pretexto para obstruir decisões importantes do plenário.
"Os ministros criaram uma prerrogativa para si que consiste no poder individual de vetar o julgamento de qualquer processo que seja submetido a votação pelo colegiado", diz o pesquisador Ivar Hartmann, da FGV Direito-Rio, coordenador do projeto "Supremo em Números".
Entre os julgamentos interrompidos há questões de grande relevância e interesse social. Em abril de 2014, o ministro Gilmar Mendes pediu vista no julgamento em que o plenário, por 6 votos a 1, caminhava para proibir o financiamento empresarial de campanhas eleitorais.
O caso está parado em seu gabinete até hoje. Mendes alega que a demora permitiu um maior debate sobre o tema, e fala da hipótese de colegas mudarem o voto.
Desde maio de 2012 está no gabinete de Luiz Fux uma ação em que a Procuradoria-Geral da República questiona a constitucionalidade de uma lei estadual do Rio que cria privilégios para magistrados cariocas, benefícios não previstos na Loman, a lei orgânica da magistratura.
Entre as regalias estão o pagamento de auxílio-saúde, auxílio pré-escolar, auxílio-alimentação e até um dispositivo apelidado de "auxílio-divórcio", pois permitiria licença do magistrado por motivo de afastamento do cônjuge.
Fux, carioca, alega que essa ação depende de aprovação pelo plenário do projeto do Estatuto da Magistratura, que substituirá a Loman.
Trata-se de um conjunto de sugestões do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, cujo espírito corporativista foi reforçado por propostas de Fux. Incluem, por exemplo, o pagamento de 17 salários por ano aos magistrados e a concessão de recursos públicos para o funeral dos juízes.
ABUSOS
Alguns membros do STF alegam sobrecarga de trabalho para justificar a demora na devolução dos pedidos de vista. "Mas os próprios ministros reconhecem que não há mecanismos para coibir abusos e, portanto, o poder é ilimitado", diz Hartmann.
Também estão paradas no STF --há cinco anos-- ações que tratam da aposentadoria especial de servidores públicos sujeitos a atividades prejudiciais à saúde. Calcula-se que há cinco milhões de servidores públicos estatutários. Eles pautam o STF com muitos processos sobre o tema.
Outro caso sem decisão final --paralisado em agosto de 2011 por Mendes-- é o recurso extraordinário sobre a execução extrajudicial de dívidas de financiamento habitacional. Em jogo, a possibilidade de o devedor ser submetido a expropriação do imóvel sem acesso imediato ao Poder Judiciário.
Já o julgamento de uma ação de 2001 da Confederação Nacional do Comércio sobre alterações à Lei Kandir foi suspensa naquele ano por pedido de vista de Ilmar Galvão, que se aposentou em 2003. Envolve ICMS, tributo estadual, com possibilidade de bilhões em perdas ou ganhos.
O caso foi herdado pelo gabinete de Marco Aurélio --um dos que menos pedem vista.
"Qualquer prazo sem um mecanismo real para estimular seu cumprimento é inútil", diz Hartmann. "É necessário criar um mecanismo real de coerção [no STF]."
Transcrito do Jornal Folha de São Paulo, de 07.06.2015.