quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Menores infratores: quadro assustador nas diversas unidades da federação

          O Conselho Nacional de Justiça, por meio do Programa Medida Justa, realizou, pela primeira vez, uma inspeção independente na rede de atendimento socioeducativo, em 20 unidades da federação. O levantamento revela condições gravíssimas nas unidades de internação de 19 estados e no Distrito Federal, onde educação e ressocialização são praticamente inexistentes para a maioria do 15 mil adolescentes infratores privados de liberdade.

          Conforme Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, juiz auxiliar do CNJ e um dos coordenadores do projeto uma série de falhas tem origem na falta de um projeto socioeducativo nos estados. "A ausência dessa política central e planejada leva o setor a não ter orçamento, a não ter corpo técnico, a não ter práticas estabelecidas", esclarece. "Sem um comando centralizado, cada local trabalha de um jeito e as interlocuções necessárias com outras áreas, como Secretaria de Educação e Saúde, Assistência Social ficam prejudicadas", afirma o magistrado. "O lado bom é que percebemos uma conscientização dos gestores da situação e um esforço para melhorar".

          Os dados coletados pelos magistrados ao longo de 2010 revelam um quadro assustador do sistema socioeducativo nas diversas unidades federativas. Eis alguns exemplos de irregularidades:
          Santa Catarina
  • Transferência de internos entre as unidades é feita sem qualquer comunicação com o Judiciário.
  • Castigos físicos e torturas constantes no Plantão Interinsitucional de Atendimento (Pliat), na capital e no Centro Educacional São Lucas, no município de São José, interditado recentemente.
  • Adolescentes urinam dentro de garrafas pet, no Pliat, porque oscagentes não abrem a porta para irem ao banheiro.
  • Em unidade de Chapecó, os sanitários dentro das celas estão entupidos, exalando odor fétido. Dos seis chuveiros elétricos, só um funciona.   
          Distrito Federal
  • Faltam profissionais para dar continuidade aos trabalhos educacionais. Escassez de matéria prima para oficinas profissionalizantes.
  • Superlotação no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje), onde havia 319 adolescentes em 160 vagas na ocasião da visita.
  • Adolescentes têm de colocar colchões no banheiro da cela para dormir. Têm banho de sol de apenas uma hora. Sem acesso à escola, os adolescentes já promoveram inúmeros atos de violência.
  • 21 adolescentes foram mortos dentro do Caje nos últimos 13 anos. 
         Goiás
  • Três centros funcionam dentro de quartéis da Polícia Militar, o que é considerado totalmente inapropriado.
  • Há 26 adolescentes detidos em cadeias públicas.
  • Internas dividem o mesmo ambiente que meninos, separadas apenas por dormitórios. Por isso, não participam das atividades.
  • Quadro funcional quase integralmente composto por trabalhadores temporários, que só podem ficar no cargo por no máximo dois anos.  
          Bahia
  • Número insuficiente de unidades: são só três, sendo duas na capital. A terceira é em Feira de Santana.
  • A concentração territorial das unidades obriga os adolescentes a ficarem longe da família.
  • Superlotação. Unidade com capacidade para 120 adolescentes oscila entre 230 a 280 internos.
  • Os adolescentes ficam em prisões comuns por meses, devido à distância entre suas cidades e as unidades.
  • Falta de um projeto pedagógico apovado pelos conselhos estaduais ou municipais, resultando em práticas diversas em cada unidade.
          Amazonas
  • Em unidade para mulheres, as internas são obrigadas a fazer as necessidades fisiológicas em garrafas de plástico, durante a noite, porque não há banheiros dentro do alojamento.
  • Adolescentes permanecem na cela da Delegacia da Criança e do Adolescente por mais de cinco dias, contrariando o ECA.
  •  As celas são sujas e fétidas. Comportamento claramente hostil entre monitores e servidores.
  • Uma unidade foi considerada modelo, por manter profissionais compromissados, espaços adequados, atividade pedagógica diária e alimentação adequada.
          Maranhão
  • Única unidade de internação definitiva fica em São Luiz. E 100% dos adolescentes internados lá moram fora de São Luiz, o que impede a convivência familiar.
  • Brigas internas por espaços nessa única unidade, resultando em homicídios.
  • Funcionários nomeados em cargos comissionados, com frequência elevada de trocas.
          Sergipe
  • Até um  ano atrás, era a Polícia Militar que cuidava dos adolescentes infratores, gerando animosidade entre os internos e a consequente perda da essência da medida socioeducativa.
  • Extintores de incêndio e dois bastões foram encontrados nas salas dos profissionais que fazem a vigilância de uma unidade. Os bastões, segundo a diretora do local, é acessório de segurança.
  • Alojamentos escuros e fétidos.
  • Relatos graves de maus tratos e espancamentos.
  • Hostilidade declarada entre profissionais e internos.
          Os exemplos listados só confirmam o quanto o Brasil ainda está distante de tratar com dignidade os menores infratores, objetivando ressocializá-los. No dizer do juiz Reinaldo Carvalho: "Não estamos reivindicando um hotel cinco estrelas, como muitos teimam em considerar. O que pedimos é um mínimo de dignidade para quem cumpre medida socioeducativa".

          O Distrito Federal, sede da capital da República, foi duramente criticado pelo CNJ, em decorrência das precárias condições do Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje), cuja interdição foi por ele recomendada. De acordo com o então secretário de Justiça do DF há um projeto pronto para construção de quatro novas unidades, com terrenos destinados, estudos ambientais feitos e plantas, bastando reservar verba orçamentária para 2011 para fazer a licitação.

          E isso ocorrerá?