quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Ações Coletivas têm preferência no Judiciário

Ações individuais só podem andar depois que as ações coletivas sobre o mesmo tema transitarem em julgado. A tese foi fixada nesta quinta-feira (12/12) pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça num recurso repetitivo. Portanto, se aplica a todos os casos semelhantes em tramitação na Justiça.
Ações coletivas têm preferência no Judiciário por tratarem de direitos individuais homogêneos de forma coletiva, afirma o ministro Luis Felipe Salomão
Gustavo Lima/STJ
De acordo com o relator, ministro Luis Felipe Salomão, autor da tese vencedora, ações civis públicas têm preferência por abranger direitos individuais homogêneos. Por meio delas, afirma o ministro, se reconhece o fato gerador comum a todos os pedidos de reparação para facilitar a defesa dos prejudicados em juízo.
“O legislador institui as referidas ações partindo da premissa de que são, presumivelmente, propostas em prol de interesses sociais relevantes ou, ao menos, de interesse coletivo, por legitimado ativo que se apresenta, ope legis, como representante idôneo do interesse tutelado”, explica, no voto.
Salomão também afirma que é possível assinar termos de ajustamento de conduta nas ações coletivas. Esse tipo de acordo só pode ser assinado pelo legitimado por lei a propor as ações, mas abrange todos os seus representados — ao contrário dos acordos individuais, que só envolvem as partes em litígio.
Para o ministro, a autocomposição nos direitos coletivos, nesses casos, proporciona a pacificação social por meio do Judiciário, o que a doutrina chama de mending justice.
Segundo Salomão, a suspensão das ações individuais não implica prejuízo à adoção de eventuais medidas de natureza cautelar pelo Juízo do feito coletivo, nitidamente facilita a celebração desse aludido acordo
“E também evita-se também, nos danos de magnitude, com potencial de ocasionar a insolvência do responsável, que apenas os primeiros sejam indenizados, em prejuízo dos que ajuízam a ação mais tardiamente (em regra, os mais vulneráveis)”, disse.
REsp 1.525.327
Revista Consultor Jurídico.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

CNJ Serviço: o que é e como pedir assistência judicial gratuita

O direito à justiça gratuita está previsto no artigo 5º da Constituição Federal, que atribui ao Estado a responsabilidade de “prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Daí é extraída, além da garantia de assistência jurídica integral e gratuita, que consiste no oferecimento de orientação e defesa jurídica prestada pela Defensoria Pública, em todos os graus, a quem precisa, também a garantia de gratuidade das despesas que forem necessárias para que a pessoa necessitada possa defender seus interesses em um processo judicial.
Anteriormente regulada pela Lei n. 1.060/1950, a gratuidade da justiça passou a ser tratada pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015, revogando quase toda a lei da década de 1950. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça.
A isenção pode ocorrer em nove tipos de despesas processuais: as taxas ou as custas judiciais; os selos postais; as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios; a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se estivesse em serviço; as despesas com a realização de exame de código genético (DNA) e de outros exames considerados essenciais.
O cidadão pode fazer o pedido de forma simples, por petição, na qual a pessoa deve informar que não possui condições de arcar com as custas e os honorários sem prejuízo próprio e de sua família. Segundo o CPC, a alegação de insuficiência apresentada por pessoa natural possui uma presunção de veracidade, sendo a pessoa natural, em regra, dispensada de comprovar a insuficiência de recursos. O mesmo não ocorre com as pessoas jurídicas, que devem demonstrar a necessidade da concessão da gratuidade.
O artigo 99 do CPC permite que o pedido seja feito a qualquer momento do processo, seja na petição inicial, na contestação, na petição de ingresso de terceiro ou mesmo no recurso. O pedido deve ser analisado por um juiz que pode conceder ou negar o pedido, caso haja elementos nos autos que comprovem a desnecessidade da gratuidade.
O pedido de gratuidade pode ser impugnado e, se o autor do pedido não conseguir produzir provas que comprovem a necessidade do benefício, pode ser negado. Essa decisão pode ser questionada por meio do recurso de agravo de instrumento, conforme prevê o CPC.
De acordo com o CPC, caso seja constatada a má-fé do beneficiário da justiça gratuita, ele pode ser condenado ao pagamento de multas que podem chegar a até 10 vezes o valor das despesas devidas (art. 100, parágrafo único, CPC).
Agência CNJ de Notícia

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Nem sempre é correta a dupla imputação por corrupção e lavagem

Personagens corriqueiros nos processos penais atuais, a corrupção e a lavagem de dinheiro andam de mãos dadas em denúncias e condenações. Sempre que algum servidor público recebe vantagem indevida por interpostas pessoas (esposa, mãe, irmão, sócio) ou empresas laranjas é acusado por ambos os crimes — corrupção pela vantagem indevida, e lavagem de dinheiro pelo recebimento dissimulado.
Nem sempre essa dupla imputação é correta.
Lavar dinheiro é ocultar ou dissimular recursos provenientes de infrações penais. O problema é quando a corrupção passiva é o crime antecedente, que gera o capital ilícito. Nesse caso o ato de ocultação ou dissimulação do dinheiro recebido está previsto no próprio tipo penal.
O artigo 317 do CP dispõe como crime o ato de
“Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.
O grifo no indiretamente é proposital.
Na corrupção passiva, o recebimento da vantagem indevida pode se dar de forma direta ou indireta. Quando direta, o próprio agente recebe a vantagem indevida. Quando indireta, o recebimento se dá por terceiros, por interpostas pessoas, físicas ou jurídicas. Assim, se um funcionário público recebe vantagens indevidas por intermediários, há corrupção passiva consumada.
Mas não há lavagem de dinheiro. Nesse caso, a ocultação mediante o recebimento de valores por interposta pessoa ou interposta empresa já é prevista no tipo penal da corrupção, está contida no tipo penal da corrupção através da expressão “receber indiretamente”. Entender esse recebimento indireto como lavagem de dinheiro também seria punir duas vezes alguém pelo mesmo fato.
O Supremo Tribunal Federal discutiu esse tema nos autos da Ação Penal 470, no caso de um servidor público que recebeu valores em razão do exercício de suas funções através de sua esposa, que buscou o dinheiro em espécie agência bancária. A Procuradoria-Geral da República ofereceu denuncia pela prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A corte afastou a incidência do segundo por entender que o uso de interposta pessoa para o recebimento de valores é parte, integra o tipo penal de corrupção passiva. Essa forma de ocultação, portanto, está contida no artigo 317 do Código Penal, de forma que o delito de lavagem de dinheiro é absorvido pelo crime antecedente[1]. Nesse sentido votaram o ministro Luis Barroso, o ministro Ricardo Lewandowski, a ministra Rosa Weber, dentre outros.
Ocorre que tal orientação não é exatamente aquela que vem sendo adotada em decisões judiciais recentes, em especial no âmbito da operação "lava jato". Em alguns casos concretos, reconheceu-se a existência de lavagem de dinheiro e corrupção quando o ato de ocultação foi mais sofisticado do que o mero uso de interposta pessoa. Segundo tais decisões, é o que ocorre nos casos em que o funcionário público recebe a vantagem indevida via contratos fraudulentos com empresas de fachada, ou em contas no exterior em nome de terceiros. Não se trataria mais de um ato singelo de encobrimento, como acontece nos casos de pagamento via terceiros, em dinheiro vivo. Nessa situação a dissimulaçãoseria mais elaborada que o mero recebimento indireto previsto no tipo penal da corrupção passiva, extrapolaria seu âmbito e não mais nele estaria contido. Seria possível aqui a punição pelos dois crimes.
Nesse sentido:
“O Supremo Tribunal Federal entendeu, acertadamente, naquele caso (Apn 470) que o pagamento de propina a interposta pessoa ainda fazia parte do crime de corrupção e não do de lavagem. Salta aos olhos primeiro a singeleza da conduta de ocultação naquele processo, a mera utilização da esposa para recebimento em espécie da propina. Também necessário apontar a relevante diferença de que, naquele caso, o numerário não foi recebido pela esposa e sucessivamente pelo ex-parlamentar já ocultado ou com aparência de ilícito. Pelo contrário, ao dinheiro em espécie, ainda é necessário, para a reciclagem, o emprego de algum mecanismo de ocultação e dissimulação. Já no presente feito, não se trata de mero pagamento a interposta pessoa mas, com a utilização de contas secretas no exterior, em nome de, um lado, uma off-shore, doutro lado, um trust, da realização de uma transação sub-reptícia, por meio da qual a propina é colocada e ocultada em um local seguro. Para o beneficiário, desnecessárias ulteriores providências para ocultar a propina, já que as condutas envolvidas na transferência foram suficientes para essa finalidade”[2].
Tal solução não parece adequada.
Em primeiro lugar, importante destacar que o STF não faz distinção entre atos singelos e complexos para reconhecer a lavagem de dinheiro[3]. Para a Corte, qualquer ocultação será típica, seja ela elaborada ou não.
Se a sofisticação do ato de ocultação é irrelevante para a consumação do tipo penal, tanto o encobrimento complexo quanto o rudimentar estão contidos na corrupção passiva, quando o ato revelar um meio indireto de recebimento da vantagem indevida. Não parece lógico negar a distinção entre dissimulação simples e elaborada para reconhecer o crime, e insistir nessa mesma distinção para afastar a consunção com a corrupção passiva.
Assim, se a ocultação ou dissimulação típica da lavagem de dinheiro se limitar ao recebimento “indireto” dos valores — por meio simples ou sofisticado —, haverá contingência entre os tipos penais de corrupção e lavagem de dinheiro, prevalecendo o primeiro e aplicando-se o instituto da consunção para o segundo. Haverá, por outro lado, concurso material entre lavagem de dinheiro e corrupção passiva se constatado no caso concreto outro ato de ocultação ou dissimulação para além do recebimento indireto, como, por exemplo, a simulação de negócios posteriores com a finalidade de conferir aparência lícita aos recursos recebidos. A menção ao recebimento indireto no tipo penal de corrupção passiva não implica salvo conduto para qualquer comportamento de ocultação posterior.
Em síntese, é possível reconhecer a prática conjunta de corrupção passiva e lavagem de dinheiro quando, após o recebimento da vantagem indevida, o servidor público realiza condutas autônomas para esconder ou dissimular os recursos ilícitos. Porém, se o ato de ocultação é simultâneo ao recebimento, se ocorre ao mesmo tempo, a lavagem de dinheiroé absorvida pela corrupção passiva, não importando sua complexidade ou sofisticação.

[1] Para uma analise mais detalhada do julgamento e dos votos, ver nosso Lavagem de dinheiro, em coautoria com Gustavo Badaró, RT, 2016.
[2] 13ª Vara Federal de Curitiba. Ap 5027685-35.2016.4.04.7000/PR, proferida em 25.05.2017
[3] STF, RHC 80.816-6/SP, 1.ª T., j.18.06.2011.Personagens corriqueiros nos processos penais atuais, a corrupção e a lavagem de dinheiro andam de mãos dadas em denúncias e condenações. Sempre que algum servidor público recebe vantagem indevida por interpostas pessoas (esposa, mãe, irmão, sócio) ou empresas laranjas é acusado por ambos os crimes — corrupção pela vantagem indevida, e lavagem de dinheiro pelo recebimento dissimulado.
Nem sempre essa dupla imputação é correta.
Lavar dinheiro é ocultar ou dissimular recursos provenientes de infrações penais. O problema é quando a corrupção passiva é o crime antecedente, que gera o capital ilícito. Nesse caso o ato de ocultação ou dissimulação do dinheiro recebido está previsto no próprio tipo penal.
O artigo 317 do CP dispõe como crime o ato de
“Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.
O grifo no indiretamente é proposital.
Na corrupção passiva, o recebimento da vantagem indevida pode se dar de forma direta ou indireta. Quando direta, o próprio agente recebe a vantagem indevida. Quando indireta, o recebimento se dá por terceiros, por interpostas pessoas, físicas ou jurídicas. Assim, se um funcionário público recebe vantagens indevidas por intermediários, há corrupção passiva consumada.
Mas não há lavagem de dinheiro. Nesse caso, a ocultação mediante o recebimento de valores por interposta pessoa ou interposta empresa já é prevista no tipo penal da corrupção, está contida no tipo penal da corrupção através da expressão “receber indiretamente”. Entender esse recebimento indireto como lavagem de dinheiro também seria punir duas vezes alguém pelo mesmo fato.
O Supremo Tribunal Federal discutiu esse tema nos autos da Ação Penal 470, no caso de um servidor público que recebeu valores em razão do exercício de suas funções através de sua esposa, que buscou o dinheiro em espécie agência bancária. A Procuradoria-Geral da República ofereceu denuncia pela prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A corte afastou a incidência do segundo por entender que o uso de interposta pessoa para o recebimento de valores é parte, integra o tipo penal de corrupção passiva. Essa forma de ocultação, portanto, está contida no artigo 317 do Código Penal, de forma que o delito de lavagem de dinheiro é absorvido pelo crime antecedente[1]. Nesse sentido votaram o ministro Luis Barroso, o ministro Ricardo Lewandowski, a ministra Rosa Weber, dentre outros.
Ocorre que tal orientação não é exatamente aquela que vem sendo adotada em decisões judiciais recentes, em especial no âmbito da operação "lava jato". Em alguns casos concretos, reconheceu-se a existência de lavagem de dinheiro e corrupção quando o ato de ocultação foi mais sofisticado do que o mero uso de interposta pessoa. Segundo tais decisões, é o que ocorre nos casos em que o funcionário público recebe a vantagem indevida via contratos fraudulentos com empresas de fachada, ou em contas no exterior em nome de terceiros. Não se trataria mais de um ato singelo de encobrimento, como acontece nos casos de pagamento via terceiros, em dinheiro vivo. Nessa situação a dissimulaçãoseria mais elaborada que o mero recebimento indireto previsto no tipo penal da corrupção passiva, extrapolaria seu âmbito e não mais nele estaria contido. Seria possível aqui a punição pelos dois crimes.
Nesse sentido:
“O Supremo Tribunal Federal entendeu, acertadamente, naquele caso (Apn 470) que o pagamento de propina a interposta pessoa ainda fazia parte do crime de corrupção e não do de lavagem. Salta aos olhos primeiro a singeleza da conduta de ocultação naquele processo, a mera utilização da esposa para recebimento em espécie da propina. Também necessário apontar a relevante diferença de que, naquele caso, o numerário não foi recebido pela esposa e sucessivamente pelo ex-parlamentar já ocultado ou com aparência de ilícito. Pelo contrário, ao dinheiro em espécie, ainda é necessário, para a reciclagem, o emprego de algum mecanismo de ocultação e dissimulação. Já no presente feito, não se trata de mero pagamento a interposta pessoa mas, com a utilização de contas secretas no exterior, em nome de, um lado, uma off-shore, doutro lado, um trust, da realização de uma transação sub-reptícia, por meio da qual a propina é colocada e ocultada em um local seguro. Para o beneficiário, desnecessárias ulteriores providências para ocultar a propina, já que as condutas envolvidas na transferência foram suficientes para essa finalidade”[2].
Tal solução não parece adequada.
Em primeiro lugar, importante destacar que o STF não faz distinção entre atos singelos e complexos para reconhecer a lavagem de dinheiro[3]. Para a Corte, qualquer ocultação será típica, seja ela elaborada ou não.
Se a sofisticação do ato de ocultação é irrelevante para a consumação do tipo penal, tanto o encobrimento complexo quanto o rudimentar estão contidos na corrupção passiva, quando o ato revelar um meio indireto de recebimento da vantagem indevida. Não parece lógico negar a distinção entre dissimulação simples e elaborada para reconhecer o crime, e insistir nessa mesma distinção para afastar a consunção com a corrupção passiva.
Assim, se a ocultação ou dissimulação típica da lavagem de dinheiro se limitar ao recebimento “indireto” dos valores — por meio simples ou sofisticado —, haverá contingência entre os tipos penais de corrupção e lavagem de dinheiro, prevalecendo o primeiro e aplicando-se o instituto da consunção para o segundo. Haverá, por outro lado, concurso material entre lavagem de dinheiro e corrupção passiva se constatado no caso concreto outro ato de ocultação ou dissimulação para além do recebimento indireto, como, por exemplo, a simulação de negócios posteriores com a finalidade de conferir aparência lícita aos recursos recebidos. A menção ao recebimento indireto no tipo penal de corrupção passiva não implica salvo conduto para qualquer comportamento de ocultação posterior.
Em síntese, é possível reconhecer a prática conjunta de corrupção passiva e lavagem de dinheiro quando, após o recebimento da vantagem indevida, o servidor público realiza condutas autônomas para esconder ou dissimular os recursos ilícitos. Porém, se o ato de ocultação é simultâneo ao recebimento, se ocorre ao mesmo tempo, a lavagem de dinheiroé absorvida pela corrupção passiva, não importando sua complexidade ou sofisticação.

[1] Para uma analise mais detalhada do julgamento e dos votos, ver nosso Lavagem de dinheiro, em coautoria com Gustavo Badaró, RT, 2016.
[2] 13ª Vara Federal de Curitiba. Ap 5027685-35.2016.4.04.7000/PR, proferida em 25.05.2017
[3] STF, RHC 80.816-6/SP, 1.ª T., j.18.06.2011.
Revista Consultor Jurídico, 3 de dezembro de 2018.