quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A descaracterização dos Juizados Especiais

          Os Juizados Especiais, inicialmente chamados de Juizados de Pequenas Causas,  foram criados em 1985 pelo então Ministério da Desburocratização, nascido com a missão de simplificar a atuação do Estado, principalmente em questões de pouca complexidade. 

          Inspirados em experiências internacionais, tais como as das "Small Claim Courts" do direito americano,  do "Bezirgsrerich" do direito austríaco, do "Tribunal d'Instance", do direito francês, do "pretor", do direito italiano e a "Corte Sumária" do direito japonês, o então chamado Juizado de Pequenas Causas, tinha como propósito descentralizar a produção judicial, criando, na prática, uma Justiça de bairro, em que o cidadão ajuízava o processo  tendo o seu pedido julgado numa única audiência perante o juiz, na qual todos os atos processuais seriam praticados. Não deveria haver recurso contra a sentença, porque, ao se admitir que as causas eram de baixa complexidade, se preferiu valorizar a celeridade processual em detrimento de outras garantias processuais.

         Entretanto como afirma  Waldir Damous, em artigo publicado na revista Consultor Jurídico:" os nossos Juizados distanciaram-se muito de sua fonte de inspiração. Os problemas por que hoje passam os Juizados estão, efetivamente, desqualificando a existência dessa Justiça Especial.

          Nem se diga que a causa de todos os males é o grande volume de ações em andamento nos Juizados. Sabia-se, desde o início, que o objetivo dos Juizados é facilitar o acesso ao Judiciário, estimulando a entrada de demandas que não seriam propostas na Justiça Comum. Logo, era óbvio que haveria, como há cada vez mais, um elevado número de processos em curso nos Juizados. O Estado, sobretudo o Poder Judiciário, deveria ter se preparado para essa realidade".

        Nesse sentido, em artigo publicado no Suplemento "Direito e Justiça" do Correio Braziliense de 26 de abril de 2010, o desembargador Antônio Pessoa Cardoso aponta a desfiguração dos juizados especiais, criados com o objetivo de desburocratizar a Justiça, ao ponto de quem se serviu deles nos primeiros tempos não os reconhecer atualmente.

        A oralidade, uma das características desse juizado, já não existe, pois o início e a movimentação das reclamações acontecem sempre por meio de petições escritas, às vezes longas, feitas por advogados. A formalidade substituiu a informalidade. O conciliador e o juiz leigo, personagens fundamentais do sistema, foram substituídos pelo juiz e pelo advogado, exatamente como na justiça formal. O julgamento, que deveria ser imediato, tem demorado mais do que na justiça comum, pois os tribunais, que não deveriam interferir no sistema, passaram a receber recursos dele oriundos.

        Na opinião do desembargador, com a qual concordo inteiramente, os juizados não foram inventados para serem comandados por juízes, nem para facilitar o acesso à Justiça aos poderosos. O sistema foi imaginado para ser conduzido pelo povo, para ser usado pelo povo e para ter decisões entendidas pelo povo.
        Diferentemente disso, os juizados estão entregues em mãos de juízes formais, tornando-se uma extensão da justiça comum e o povo está ficando cada vez mais dele distante.

         Para Damous," os problemas que assolam os Juizados têm três naturezas:
 
         Em primeiro lugar, o tratamento legislativo não foi adequado. A Lei 9.099/1995, apesar de partir da ideia de um procedimento marcado por duas audiências, prevê um rito ainda muito formal, que não condiz com os princípios da informalidade, celeridade e economia processual que regem os Juizados. Basta dizer que o processo dos Juizados não é apenas oral, como ocorre nas Small Claim Courts, e há cabimento de recursos para o segundo grau de jurisdição e, até mesmo, para o Supremo Tribunal Federal.

         Atente-se, inclusive, que o procedimento processual dos Juizados é praticamente igual ao da ação sumária da Justiça Comum. Na prática, tem-se constatado que uma ação sumária pode ser mais rápida do que um processo proposto nos Juizados. Definitivamente, o legislador poderia ter previsto um procedimento bem mais simplificado do que o atual.

         O segundo problema é estrutural. Enquanto as sedes de Tribunais estão ficando cada vez mais suntuosas, os Juizados têm, na maioria dos casos, instalações improvisadas, que carecem de condições mínimas para receberem a população. Não são raros os casos de Juizados que ocupam lojas de subsolo, segundo andar de academias de ginástica, terraços de centros comerciais, enfim, lugares que, por todos os motivos, não podem receber um órgão judicial.

         Para piorar o cenário, percebe-se ainda que há insuficiência de serventuários e, principalmente, de juízes. Muito embora a Lei permita que, além de magistrados, juízes leigos conduzam o processo, não se vê esforço nenhum do Judiciário em preparar pessoas para exercerem essa função.

         Diante desse quadro, impõe-se agir, tanto no âmbito legislativo quanto no administrativo, para que os Juizados - que são, de fato, uma ótima ideia - tornem-se viáveis e deem a resposta que a sociedade espera.
Não se pode perder de vista que os Juizados foram idealizados para serem a Justica da cidadania, pois são gratuitos, informais e mais próximos, inclusive fisicamente, do jurisdicionado.

        Por tudo isso, não podemos negligenciar com os Juizados. A prioridade do Judiciário deveria ser o aparelhamento desses órgãos. Antes de reformar com luxo as suas sedes, os Tribunais deveriam melhorar e capacitar a estrutura dos Juizados. Eles não podem ser mais tratados como o patinho feio da organização judiciária.

        A OAB está atenta a isso e cobrará resultados", conclui Damous.

        É de se lamentar que um juizado criado para facilitar o acesso à Justiça, venha dificultando cada vez mais esse acesso aos cidadãos brasileiros!