quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A mudança de postura do CNJ

          Ao assinar acordo com o governo do Estado do Rio de Janeiro e  com o Ministério da Justiça, além dos tribunais, defensorias e Ministério Público para levar  Justiça às favelas onde estão instaladas as UPPs (Unidades de Polícias Pacificadoras), emocionado, o Presidente do CNJ, ministro Cezar Peluso, afirmou: "Não é só o Brasil que faz Justiça. A Justiça também faz o Brasil". O papel do CNJ será o de dar o apoio necessário para integrar Núcleos e Acesso à Justiça instalados nas UPPs no Rio de Janeiro que prestam atendimento à população carente com os diversos ramos da Justiça.

          A atual postura do CNJ de levar Justiça à população carente, incentivando a autocomposição dos litígios, não só democratiza o acesso à Justiça, como ajuda a desafogar o tão combalido Poder Judiciário. Esse novo caminho do Judiciário ao encontro de formas alternativas de resolução das demandas fortalece a cultura da paz, permitindo o surgimento de novos paradígmas, em contraposição à cultura do litígio disseminada nos cursos de bacharelado e entre os operadores do direito.

          A realidade veio demonstrando que, no sistema processual tradicional brasileiro, o papel desempenhado pala conciliação, mediação e arbitragem sempre foi muito tímido, vindo a conciliação a se fortalecer, ultimamente, em decorrência dos mutirões do CNJ.

           Contudo, diversamente do Brasil, o caminho da auto composição há muito tem ganhado força nas doutrinas europeia e latino americana.

          No direito francês, a reforma do código de processo civil prestigiou a solução alternativa dos conflitos, por intermédio da conciliação e da mediação. Atualmente, a lei francesa, ao estabelecer as tarefas específicas do magistrado, não só ressalta a sua tarefa de conciliador, como torna obrigatório um auxiliar coadjuvante do juiz como conciliador. Mesmo quando frustrada a conciliação, ainda cabe ao juiz recorrer à ajuda de um conciliador.

          Em Portugal e na Itália, o código de processo civil instituiu a solução consensual dos conflitos, defendendo a conciliação prévia em seus julgamentos, sendo que na Itália, os conciliadores são compulsoriamente obrigados a promover a conciliação na primeira audiência.

          Na Polônia, um maior acesso dos cidadãos à Justiça decorre das Comissões de Arbitragem, que decidem as questões trabalhistas e das Cortes Sociais ou Comunitárias, formadas por membros da comunidade, ou constituídas por trabalhadores de uma fábrica ou cooperativa. Independentemente da vontade das partes, o código civil polonês permite a busca da conciliação em qualquer estágio do procedimento.

          Na América Latina,  a Argentina alterou o seu código de processo civil para instituir, em caráter obrigatório, a mediação prévia como solução extrajudicial da controvérsia. No México, via Juiz de Paz, o procedimento é caracterizado pela oralidade, facilidades no ato citatório, ampla liberdade do juiz na fase probatória, conciliação em qualquer fase da audiência, sem pagamento de custas, variando a duração de um julgado normal de quinze dias a um mês e meio.

          Embora tenha demorado um pouco, o Judiciário brasileiro vem se dando conta de que o modelo tradicional, sozinho, não consegue resolver os conflitos que lhe são submetidos, haja vista a sua sobrecarga.

          Conforme dados do CNJ, neste ano os 91 tribunais brasileiros cumpriram apenas 38% da meta 2, principal meta fixada pelo Conselho Nacional de Justiça para desafogar o Poder Judiciário: julgar até o final de 2010 todos os processos de conhecimento em 1º e 2º grau e tribunais superiores distribuídos até dezembro de 2006 e quanto aos processos trabalhistas, eleitorais, militares e da competência do tribunal do júri, os distribuídos até 31.12.2007.

          Meta prioritária 2 (dados do final de outubro)
          Cumprimento                37,77%
          Processos pendentes     1.283.000
          Processos julgados           526.000
         
          Cumprimento por segmento
          Tribunais Superiores              72,81%
          Tribunais Regionais Federais  40,47%
          Tribunais do Trabalho             50,28%
          Tribunais Estaduais                 24,38%

          Os dados só vêm reforçar o acerto da nova postura do CNJ de incentivar a conciliação, por intermédio da Política Nacional de Conciliação, firmando parcerias com entidades públicas e privadas para ações que venham auxiliar essa nova forma de resolução de demandas.

          A importância da conciliação é que, nela, as partes têm uma posição de maior destaque por participarem da solução do conflito. Como as partes atuam juntas e de forma cooperativa, trata-se de um método não adversarial com um procedimento muito mais rápido do que as formas tradicionais. Na maioria dos casos, basta uma reunião entre as partes e o conciliador.

          Ao priorizar a forma negocial, como meio de prevenção dos litígios, este novo enfoque não só contribuirá para descongestionar o sistema jurisdicional, mas permitirá a participação da sociedade na solução das contrivérsias, fortalecendo a cidadania e a cultura da paz.        

domingo, 12 de dezembro de 2010

Projeto do Novo Código de Processo Penal

          Aprovado pelo Senado Federal, no dia 07 deste mês, o projeto que altera o Código de Processo Penal, tido por alguns como o "código dos réus", traz inovações polêmicas.

          Uma das principais é a criação do juiz das garantias, que atuaria apenas na fase de investigação do processo, ficando impedido de julgar o caso, o que seria feito por outro juiz. Constam entre as atribuições do juiz de garantia: decretar prisão provisória e temporária, ou outra medida cautelar; decidir sobre a quebra de sigilos e sobre pedido de interceptação telefônica; decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas; prorrogar o prazo de duração do inquérito; determinar o trancamento do inquérito quando não houver fundamento razoável; solicitar documentos, laudos e informações ao delegado; julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia.

          Aqueles que defendem a separação de responsabilidades entre os juízes argumentam que, atualmente, ao participar da fase de produção de provas o magistrado acaba se "contaminando", o que interferiria na imparcialidade necessária ao juiz para o julgamento do caso. Também para a Ordem dos Advogados Brasil (OAB) o juiz das garantias é uma " homenagem à imparcialidade".

         Já para o presidente da Ajufe (Associação dos Juizes Federais), juiz Gabriel Wedy "é importante que o juiz responsável pela determinação da produção de provas e por ouvir os réus e testemunhas seja o mesmo a dar a sentença". Em seu entender é evidente que o magistrado que vai apenas decidir não terá amplo conhecimento do processo, uma vez que não terá ouvido o réu e as testemunhas, por exemplo, só tendo acesso aos registros. Receberá a prova de forma fria dentro do processo. Também o juiz federal criminal Odilon de Oliveira afirma, categoricamente, que: "Dois juízes, entre os poucos que existem para um processo penal é ideia de quem ignora também os aspecto geográfico do país. A grande maioria das quase 3.000 comarcas possui apenas uma vara e um magistrado, também porque a quantidade de processos não comporta mais de um juiz. Concluída a investigação, o juiz ficará impedido. O inquérito policial terá que ser remetido para outra comarca - mas os investigados e as testemunhas ficarão - ou outro magistrado deixará a sua comarca e deslocará, por várias vezes àquelourtra, recebendo diárias e atrasando os seus próprios processos". Para ele esse é mais um mecanismo de resistência no combate ao crime organizado, pois haverá morosidade, gastos, prescrição e impunidade.

          O relator do projeto senador Renato Casagrande, contudo, avalia que o dispositivo traz avanços, pois permitirá a especialização de juízes na parte da investigação. Como algumas comarcas contam com apenas um juiz não foi estipulado prazo para a sua implementação.

          Além do juiz das garantias, o projeto ainda propõe as seguintes alterações:

          a) Embargo de Declaração
          Hoje não há limite para oposição de embargo de declaração para esclarecer ponto obscuro, contraditório ou duvidoso na sentença. No projeto caberá apenas um embargo em cada instância;

          b) Inquérito Policial
           Iniciado o inquérito, o Ministério Público deverá ser imediatamente comunicado;
 
          c) Vítima
          A vítima será informada sobre os diferentes aspectos do processo, como da conclusão do inquérito e do oferecimento da denúncia, inclusive sobre a prisão ou soltura do suposto autor do crime, sobre o arquivamento da investigação e da condenação ou absolvição do acusado;

          d) Interceptação Telefônica
          Hoje o prazo de interceptação é de 15 dias, mas pode ser prorrogado indefinidamente. No projeto as interceptações só serão autorizadas nos casos de crimes cuja pena seja superior a 2 anos, exceto nos crimes de formação de quadrilha. O prazo de duração da interceptação não deverá exceder de 60 dias, em geral,  mas pode chegar a 360 dias, ou até mais, nos casos de crime permanente;

          e) Júri
          Os jurados poderão se comunicar uns com os outros, exceto durante a fase de instrução e dos debates. O voto de cada jurado continua secreto, mas o juri pode se reunir, reservadamente, por até  1 hora para discutir e deliberar a votação;

          f) Fiança
          Atualmente varia de 1 a 100 salários mínimos. Conforme o projeto, seu valor será fixado entre 1 a 200 salários mínimos para infrações cujo limite máximo da pena privativa de liberdade fixada seja igual ou superior a 8 anos. Nas demais infrações penais, o valor continua de 1 a 100 salários mínimos;

          g) Medidas Cautelares
          Para que o juiz disponha de alternativas na condenação e com o objetivo de desafogar os presídios o projeto estabelece, além da fiança, mais 15 tipos de medidas cautelares, como o recolhimento domiciliar e o monitoramento eletrônico, nos casos em que haja suspeita de uma possível fuga, suspensão do exercício da profissão, da atividade econômica ou da função pública e a suspensão das atividades de pessoa jurídica, entre outras;

          h) Prisão Especial
         O projeto acaba com a prisão especial para quem tem curso superior. Esse tipo de prisão permanecerá, apenas em caso de proteção da integridade física e psíquica de qualquer prisioneiro que estiver em risco de ações de retaliação;

          i) Prisão Preventiva
          No caso de prisão preventiva deverão ser obedecidas três regras: jamais será utilizada como forma de antecipação da pena; a gravidade do fato ou o clamor público não justifica, por si só, a sua decretação; só será imposta se outras medidas cautelares pessoais forem inadequadas ou insuficientes. Além disso, não poderá ultrapassar 180 dias se decretada no curso da investigação ou antes da sentença condenatória recorrível, ou de 360 dias se decrretada ou prorrogada por ocasião da sentença condenatória recorrível;

          j) Prisão Provisória
         A prisão provisória fica limitada a três modalidades: flagrante, preventiva e temporária.
         Será nulo o flagrante preparado e a prisão temporária continua com  o prazo máximo de 5 dias, admitida uma única prorrogação por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade;

          k) Sequestro e Alienação de Bens
         O sequestro de bens atualmente não é permitido na área criminal e a alienação só é permitida nos processos envolvendo tráfico de drogas. O projeto prevê as duas hipóteses. O acusado pode apresentar caução para levatar o sequestro;

          l) Interrogatório
          O interrogatório passa a ser tratado como meio de defesa e não mais de prova: antes o acusado deverá ser informado do inteiro teor dos fatos a ele imputados e reunir-se em local reservado com o seu defensor. Passa a ser permitido também o interrogatório do réu preso por videoconferência em caso de prevenir risco à segurança pública ou viabilizar a participação de réu doente;

          m) Prescrição
          Uma mudança importantíssima e que tem gerado polêmica, trazida pelo projeto, é a da regra que prevê o congelamento da contagem do tempo para a prescrição de crimes, enquanto o processo estiver pendente de julgamento de recursos em terceira instância (STJ e STF). Uns entendem como cerceamento do direito de defesa, outros acham importante porque evita que a defesa se utilize de recursos procrastinatórios para conseguir a prescrição.

          Em linhas gerais, essas são as principais alterações propostas pelo projeto do novo Código de Processo Penal, votado no Senado \Federal, cujo texto ainda precisará passar por aprovação na Câmara dos Deputados.
         

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O Conselho Nacional de Justiça e o incentivo à Conciliação

          Em cumprimento à promessa feita anteriormente de ampliar o projeto criado em  2006, priorizando a conciliação como forma de desafogar o Judiciário, o presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Cezar Peluso assinou dia 29.11, resolução que institui a Política Nacional de Conciliação no Judiciário brasileiro.

          A resolução do CNJ prevê a criação, em todos os estados do país, de núcleos permanentes de conciliação e de centros judiciários para atender juizados e varas da área cível, fazendária, previdenciária e de família. Referidos núcleos deverão ser criados pelos tribunais dentro de 30 dias. Já em relação aos centros judiciários, o CNJ estabeleceu prazo de quartro meses para que sejam instalados.

          De acordo com a resolução, os tribunais deverão criar e manter um banco de dados sobre as atividades de cada centro de conciliação. Essas informações coletadas serão compiladas e monitoradas pelo CNJ que, por sua vez, criará o "Portal da Conciliação", que será disponibilizado no seu site na internet.

          Nas palavras de Cezar Peluso: "Nós queremos criar mais um serviço organizado do Judiciário no sentido de resolver ou previnir litígios. O fundamental na resolução é criar uma mentalidade sobre tudo isso, uma cultura de que a conciliação também é uma coisa muito boa do ponto de vista social e, por consequência, também é muito boa do ponto de vista dos serviços estatais".

          A Política Nacional de Conciliação, conforme o CNJ, tem por objetivo a boa qualidade dos serviços jurisdicionais, buscando intensificar, no âmbito do Judiciário, a cultura de pacificação social. Nesse sentido, serão observadas a centralização das estruturas judiciárias, a adequada formação e treinamento de servidores, conciliadores e mediadores para essa finalidade, bem como o acompanhamento estatístico específico. O CNJ auxiliará os tribunais na organização dos trabalhos, firmando parcerias com entidades públicas e privadas para ações que venham auxiliar a conciliação. Com o objetivo de implantar a política da conciliação o CNJ estabelece que seja constitruída uma rede formada por todos os órgãos do Poder Judiciário, entidades parceiras, universidades e instituições de ensino.

          Para o CNJ, o trabalho permitirá o estabelecimento de diretrizes, para impantação de políticas públicas que tracem caminhos para um tratamento adequado de conflitos e, também o desenvolvimento de conteúdo programático e ações voltadas para a capacitação, em métodos consensuais de solução de conflitos por parte de servodores, mediadores e conciliadores.

          Nos termos dessa Resolução, o trabalho de conciliação será feito permanentemente, por intermédio dos núcleos de conciliação a serem criados em todos os estados da Federação e não apenas uma vez ao ano, como vinha sendo feito.

          Desde 2006, com o programa "Conciliar é legal", o CNJ já vinha incentivando a conciliação, promovendo anualmente a Semana Nacional da Conciliação que, neste ano, ocorreu em todo o País de 29 de novembro a 03 de dezembro. Nesta semana que atendeu mais de 700 mil pessoas e mobilizou em torno de 83.616 participantes entre magistrados, juizes leigos, conciliadores e servidores dos tribunais foram realizadas 375.000 audiências, com 40% de acordos. A Justiça Estadual realizou o maior número de audiências num total de 206.971, homologando 98.294 acordos. Em segundo lugar ficou a Justiça do Trabalho com 73.803 audiências e homologação de 28.914 acordos, seguida pela Justiça Federal que realizou 22.705 audiências e 13.017 acordos. Em relação a valores homologados, o primeiro lugar coube à Justiiça do Trabalho, que homologou acordos num total de R$ 446,8 milhões, seguida pela Justiça Estadual e Federal, que movimentaram R$242,6 milhões e R$108,6 milhões, respectivamente.

          A diferença é que, agora, a conciliação passará a ser feita permanentemente, o que sem qualquer sombra de dúvida muito contribuirá para a melhoria da prestação jurisdicional. Basta observar os números para ver o que se conseguiu com a conciliação em uma semana de mutirão.

          Outra boa nova é que na aberturra do 4º Encontro Nacional do Judiciário, que foi realizado no Rio de Janeiro entre os dias 06 e 07 deste mês, a juíza Morgana Richa, conselheira do CNJ, defendeu a introdução nos cursos de direito de uma área específica voltada para a conciliação como solução consensual para os conflitos de natureza diversa, seja por meio de mediação, conciliação ou até mesmo da arbitragem. Segundo ela, hoje o que canaliza a formação do profissional na área jurídica é justamente o litígio.

          A conciliação permanente e a mudança de paradígma nos cursos de direito incentivando a cultura do consenso, que são os dois caminhos apontados pelo CNJ, se forem de fato trilhados, indiscutivelmente contribuirão de forma eficaz para a melhoria do acesso à Justiça.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Projetos de lei que combatem a criminalidade

          De acordo com notícia do Correio Braziliense de 03 de dezembro, a 28 dias de assumir o cargo, José Eduardo Cardozo será pressionado pela atual equipe do Ministério da Justiça a colaborar pela aprovação - até o fim deste ano - de projetos de lei de interesse da pasta no combate à criminalidade.

          Entre eles está o PL nº 4.208/01, que estabelece novos critérios para medidas cautelares, como fiança, prisão preventiva e domiciliar. O texto final, definido em 2007, estabelece novas regras para os réus que cometeram crime de menor potencial ofensivo, aumentando o rol de medidas cautelares e prevendo penas como a retenção de passaporte, suspensão de funções públicas e atividades econômicas, ou apresentação regular do acusado ao forum, implicando o descumprimento em pagamento de fiança e prisão preventiva.

          A aprovação desse projeto é de grande importância pois ajudaria a desafogar o sistema penitenciário: 33% do total de 491.237 presos brasileiros (segundo o Infopen), ou seja 163.263, estão presos provisoriamente (não foram julgados e condenados). Mas embore tramite em regime de urgência,  o projeto de lei encontra-se paralisado na Câmara.

         Também está pendente o PL nº 6.578/08, já aprovado pelo Senado, que define organização criminosa como associação de três ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional.

         Outro projeto de suma importância é o PL 3443, que altera a Lei 9.613/98, de combate à lavagem de dinheiro, com o objetivo de facilitar a sua aplicação. Entre as principais alterações está a lista de crimes previstos como antecedentes à lavagem e o aumento da pena máxima. Ou seja, a legislação atual considera o tráfico de drogas e armas, o terrorismo e o seu financiamento, o contrabando e a extorsão mediante sequestro, entre outros, como aqueles crimes dos quais provêm o dinheiro sujo. O projeto prevê genericamente como sujo qualquer dinheiro vindo da prática de infração penal. Com isso, espera-se que seja mais fácil caracterizar os crimes de lavagem, que poderão ser relacionados, por exemplo, ao dinheiro do jogo do bicho, ou do comércio clandestino de obras de arte. Além disso, estabelece que a pena para lavagem de dinheiro será de 3 a 18 anos de reclusão (hoje pode ser no máximo de 10 anos).

          Outra alteração interessante é a dispensa da elaboração de documento de delação premiada nos casos de lavagem de dinheiro, para evitar que eventuais colaboradores tenham receio de represálias. Atualmente, é feito um documento com o depoimento e a assinatura do delator. O PL 6.578/09 também inclui diversas pessoas e empresas entre aquelas que devem manter cadastro de seus clientes. Essa exigência passará a valer para as pessoas físicas que exerçam atividades de corretagem imobiliária; para as juntas comerciais; para as empresas de transporte e guarda de valores; para as pessoas físicas ou jurídicas que prestem serviços de assessoria financeira ou atuem na negociação de direitos de transferência de atletas. Para a instituições que descumprirem as regras de manutenção de registro, e de comunicação de operações financeiras, a multa que atualmente é de 200 mil, passa para 20 milhões.

          É de se lamentar que projetos dessa natureza ainda não tenham sido votados pelo Congresso, não só porque contribuiriam para reduzir a impunidade de crimes graves, como a corrupção e a lavagem de dinheiro, mas também porque internacionalmente o Brasil se comprometeu a modificar a legislação nessa área. Conforme o GAFI (Grupo de Ação Financeira), o Brasil atualmente não consegue punir o chamado crime de lavagem de dinheiro, praticado por traficantes de drogas, corruptos e criminosos do colarinho branco.

          Enquanto isso, projetos que ajudariam a combater a criminalidade dormitam no Congresso Nacional.



         

        

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Alternativas contra a morosidade judicial

          As opiniões de vários juristas convergem no sentido de que, no Brasil, há uma cultura do conflito onde é o Judiciário quem resolve tudo. Também há uma coincidência de pensamento quanto à necessidade de se modificar a postura diante dos conflitos.

          Estas duas premissas levam à conclusão de que além de modernizar os seus recursos para atender à crescente demanda, as instâncias judiciárias devem incentivar a implementação de um sistema de resolução dos conflitos pelo consenso.

          Ou seja, de um lado desenvolver e trabalhar com a ideia de uma solução pacífica e negociada, mais preventiva do que curativa dos conflitos e, de outro, implementar mecanismos para atacar a crônica morosidade da Justiça.

          Como os modelos tradicionais encontram-se, em grande parte, esgotados para uma resposta eficaz aos conflitos sociais, uma forma de evitar a sobrecarga dos tribunais é o caminho das vias alternativas, que previniriam o conflito.

          A esse respeito, conforme já escrevi em meu blog postado em 23.10, merece atenção a proposta do ex-Secretário de Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça, Rogério Favreto, de um novo paradigma cultural com a política pública de"Redes de Mediação".

          No sentido oposto à cultura do bacharelismo, centrada no confronto, a proposta é trabalhar com uma solução pacífica e negociada, prevenindo os conflitos. A abordagem dar-se-ia em três momentos:

          a) introduzir nas grades curriculares do curso de direito matérias destinadas à formação no campo da mediação e composição dos conflitos, articuladas com os núcleos de prática jurídica;

          b) cursos de aperfeiçoamento em técnicas de mediação e composição de conflitos para os atuais profissionais do direito (magistrados, promotores de justiça, defensores públicos, advogados públicos e particulares);

          c) constituição de núcleos de justiça comunitária voltados à formação de agentes comunitários de mediação, na perspectiva de criar meios alternativos de resolução de conflitos.

          Estes são mecanismos que previniriam os conflitos, não permitindo que eles se instalassem.

          No que se refere aos mecanismos par atacar a crônica morosidade da Justiça, uma vez instalado o conflito, os dados de pesquisas apontam para a existência de dois grandes gargalos:

          a) a principal demanda ao Judiciário decorre do Poder Público federal, estadual e municipal;

          b) teses repetidas, com enorme quantidade de recursos protelatórios abarrotam os tribunais.

          Segundo estudo produzido pelo Banco Mundial (Bird), "Brasil: fazendo com que a Justiça conte", divulgado em 06.12.2007, em seminário promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), no Supremo Tribunal Federal, os juízes brasileiros têm alta produtividade. Mas a crescente demanda pela Justiça, especialmente em decorrência de disputa com os governos federal, estadual e municipal e o grande volume de recursos judiciais congestionam a Justiça no país. (Órgãos do governo têm o hábito de apresentar inúmeros recursos). Um dos maiores clientes dessas demandas é o INSS. Nos Tribunais Regionais Federais 50% dos processos estão relacionados a pensões.

          Também de acordo com dados do "Judiciário em Números" de 2003, 90% dos recursos ao Supremo Tribunal Federal naquele ano foram de recursos repetitivos. Ou seja, tratavam de questões sobre as quais o STF já tinha posição consolidada, mas o vencido, na maioria das vezes o Poder Público, recorreu para adiar o cumpriumento da sentença. Os dados demonstram, ainda, que 80% das causas, que tramitavam nos tribunais superiores e no STF, envolviam a administração pública, federal, estadual ou municipal.

          Para desobstruir esses gargalos o Judiciário já conta com alguns mecanismos que, infelizmente, são pouco utilizados, como a  Súmula da Repercussão Geral, Súmula Vinculante, litigância de má-fé e lide temerária.

          A Súmula Vinculante, que é restrita a matéria constitucional, destina-se a conter a multiplicação dos processos, impondo a sua observância aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (artigo 103-A, caput, da CF).  Essas Súmulas têm por objeto "a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual antre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica (art. 103-A, § 1º da CF),. Como a maioria dos processos que chegam a Supremo Tribunal é de recursos repetitivos (80%) e diz respeito aos interesses do Poder Público, as Súmulas Vinculantes impediriam, na origem, os recursos desnecessários, acelerando a tramitação dos processos. Mas até agora, o Supremo Tribunal estabeleceu apenas 13 Súmulas Vinculantes.

          Quanto à Súmula de Repercussão Geral, seu objetivo é impedir que processos sem relevância do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico cheguem ao Supremo, ficando a ele reservadas as decisões mais difíceis e de relevância para o país. Esse critério também é aplicado na Alemanha e nos EUA e poderia ser mais aplicado no Brasil, evitando-se com isso, a procrastinação das decisões.

         No que diz respeito aos recursos procrastinatórios e repetitivos, considerando o direito ao prazo razoável do processo, estabelecido como direito fundamental pela EC 45, faz falta uma vigorosa cultura judicial e doutrinária de sua implementação, fixando limites e critérios de sua aplicação, pois sucessivos recursos além de retardar os processos, inviabilizam a realização da Justiça.

          Outros mecanismos, cuja aplicação diminuiria a morosidade judicial, estão previstos no Código de Processo Civil: priorizar os casos que digam respeito à litigância de má-fé (quando alguém  se utiliza do processo judicial, com o evidente objetivo de prejudicar a parte contrária) e lide temerária (quando alguém propõe demanda sem qualquer fundamento), aplicando, com rigor, as penalidades previstas pela lei processual. Lamentávelmente estes mecanismos são subutilizados pela magistratura. Basta ver a sua diminuta jurisprudência.

          Finalmente, um outro caminho que, caso fosse trilhado pelo Poder Público, contribuiria sobremaneira para desafogar o Judiciário seria o das Súmulas Administrativas. Amparada na necessidade de defesa do erário e de redução de litigiosidade judicial, a administração pública poderia propor, no seu âmbito, referidas súmulas, incorporando posições já pacificadas na Justiça. Com essa postura, vez que é, de longe, quem mais demanda o Poder Judiciário,  estaria contribuindo de forma eficaz para combater a morosidade judicial.

        
         

domingo, 28 de novembro de 2010

Nova arma para agilizar a apuração dos crimes de corrupção

          Descoberto há quase uma década, o esquema das fraudes bilionárias contra a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), que consistia na aprovação de projetos fantasmas e superfaturamento de obras, as pessoas e empresas nele envolvidas seguem impunes.

          Das 481 ações, que somam mais de 4 bilhões,  a Justiça impôs apenas duas ou três condenações e nada foi devolvido aos cofres públicos. A morosidade do Judiciário e falhas nos inquéritos policiais inviabilizam a condenação dos empresários, servidores e políticos beneficiados. Recuperar o dinheiro após tantos anos torna-se cada vez mais difícil. Muitas empresas eram fantasmas, outras faliram. O dinheiro desviado já foi gasto, ou aplicado em outros negócios e enviado para o exterior. Procuradores correm contra o tempo, mas alegam que não serão recuperados nem cerca de 10% dos R$4.000.000.000,00, que teriam sido desviados (cerca de 80% do dinheiro emprestado pelo governo foi desviado).

          No Pará, embora haja mais de 200 denunciados em 70 processos, não houve nenhuma condenação. Em Tocantins, o Ministério Público tenta recuperar 270 milhões de 23 grandes empresas e só há duas condenações em primeira instância. Em 2009, das 10 ações civis públicas da Procuradoria da República do Tocantins, apenas em uma ação o pedido de quebra de sigilo bancário foi aceito pela Justiça. Em todas as outras foi indeferido, assim como os pedidos de indisponibilidade dos bens dos acusados.

          Na avaliação do próprio governo, o caminho para reaver recursos desviados ou utilizados indevidamente é complexo e demorado, com desfecho imprevisível.

           Diante disso, o governo enviou no início deste ano projeto de lei ao Congresso Nacional, que busca responsabilizar civil e administrativamente pessoas jurídicas que lesem a administração pública. A lógica do projeto foi desenvolvida a partir de estudo feito pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) para a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. O estudo da FGV conclui que "se a via penal sequer mostra-se eficaz para inibir determinadas condutas praticadas por pessoas naturais, parece ainda menos garantido que tal via possa ser eficaz para coibir práticas no âmbito das pessoas jurídicas". Pelo projeto, atos ilícitos de empresas poderão gerar multa de 1% a 30% do faturamento bruto do último ano do exercício, rescisão de contratos, cassação de licenças e declaração de inidoneidade, entre outras punições.

          Para o juiz federal Fausto Martin de Sanctis, o projeto de lei do governo para combater a corrupção é válido, mas totalmente insuficiente quando comparado a mecanismos propostos pela ONU (Organização das Nações Unidas) em convenções internacionais. Um desses mecanismos, que já foi implantado nos EUA, Inglaterra, Colômbia e Itália, é a ação civil de domínio, que objetiva receber valores de pessoas físicas - e poderia ser incluída a pessoa jurídica -  que obtiveram recursos com a corrupção. O Brasil também é questionado por autoridades estrangeiras porque a Constituição prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria de delito econômico e lavagem de dinheiro e o Brasil nada fez para implantá-la.

          No encontro anual da Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro), grupo que reúne mais de 60 instituições do Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e sociedade civil, que terminou dia 26 deste mês em Florianópolis (SC), a falta de capacitação de juízes para a condução e o julgamento de casos de crimes financeiros foi apontada como um dos principais problemas do país na atuação contra a lavagem de dinheiro. Um dos debatedores, ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça afirmou: "Temos poucas condenações em crimes financeiros no país e um dos motivos disso é a dificuldade de capacitação da magistratura brasileira para esses delitos, que, em geral, são complexos. A falta de conhecimento para o trato dessa matéria não ocorre só em relação aos juízes da primeira instância, mas também nas cortes superiores".

          A boa notícia é que, neste mesmo encontro, a Procuradoria Geral da República apresentou um novo  mecanismo intitulado Simba (Sistema de Investigação Bancária). que começa a ser usado pelas autoridades brasileiras no combate aos crimes financeiros, permitindo a transmissão de dados de quebra de sigilo bancário pela internet. Sua principal ferramenta é um software que permite a transmissão, via internet, de informações bancárias entre instituições financeiras e os órgãos investigadores.

          Segundo o perito criminal federal Renato Barbosa, um dos responsáveis pela implantação do novo sistema, "muitas apurações que levavam meses, e até anos, agora podem ser concluídas em poucas horas com o Simba. Antes, cada instituição financeira entregava as informações de seu jeito, o que atrasava muito o cruzamento de dados e outras investigações".

          Uma das metas do Enccla é disseminar o uso do Simba por órgãos públicos de investigação e fiscalização. Já foram assinados 16 convênios para fornecer o sistema gratuitamente.

          Vários são os percalços encontrados, quando se trata de recuperar o dinheiro desviado pela corrupção: complexidade dos processos, legislação inadequada (não há interesse do Congresso em votar as leis), despreparo da polícia, inexperiência e morosidade da Justiça. Enquanto isso, os corruptos seguem impunes e o dinheiro desviado não é recuperado para os cofres públicos.

         

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Meta prioritária do CNJ: julgamento dos crimes de homicídio

          Nesta semana foi lançado pela Corregedoria Nacional de Justiça o projeto Justiça Plena para monitorar o andamento de processos de grande repercussão social que tramitam no Judiciário brasileiro.

           No primeiro ano do programa, a Corregedoria Nacional de Justiça acompanhará 100 casos para verificar o motivo da demora na tramitação das ações e tomar as medidas necessárias para garantir maior celeridade ao andamento dos processos. Entre os casos que serão acompanhados estão os de homicídios, que levaram o Brasil a ser denunciado na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

          A preocupação da Corregedoria Nacional de Justiça com os crimes de homicídio se justifica porque conforme estimativa do Conselho Nacional de Justiça existem 500.000 casos de crimes contra a vida pendentes de julgamento. De 2000 a 2006, 337.213 homicídios foram registrados no país, conforme os dados mais atualizados do Mapa da Violência divulgado pelo governo federal.. Em 2006, foram 46.000 casos. A estimativa de 500.000 casos não julgados equivale a todos os homicídios ocorridos no país durante um período dez anos.

          Na fala de Rubens Curado, secretário-geral do CNJ: "O crime de homicídio passa a ser uma prioridade da prioridade, e passa a ser de três anos o prazo para julgá-lo. Ainda está longe do ideal, mas a ideia é diminuir esse prazo para um ano".

          Considerando o elevado número de processos que não são julgados e acabam engavetados nos tribunais, muitos casos prescrevem (o Estado perde o direito de punir). Conforme Higyna Bezerra, juíza que atua na Paraíba, em um dos tribunais do juri de João Pessoa mais de 40% dos processos prescreveram: 49 de um total de 115 casos.

          Em 26 de fevereiro deste ano, o então presidente do CNJ, ministro Gilmar Mendes divulgou 10 metas prioritárias a serem cumpridas pelo Poder Judiciário, até o final de 2010, que são as seguintes:

          1) Julgar quantidade igual à de processos de conhecimento distribuídos em 2010 e parcela do estoque, com acompanhamento mensal.

          2) Julgar todos os processos de conhecimento distribuídos (em 1º grau, 2º grau e tribunais superiores) até 31.12.2006 e, quanto aos processos trabalhistas, eleitoral, militar e da competência do tribunal do juri, até 31.12.2007.

          3) Reduzir a pelo menos 10% o acervo de processos na fase de cumprimento ou de execução e, em 20%, o acervo de execuções fiscais (referência: acervo em 31.12.2009).

          4) Lavrar e publicar todos os acórdãos em até 10 (dez) dias após a sessão de julgamento.

          5) Implantar método de gerenciamento de rotinas (gestão de processos de trabalho) em pelo menos 50% das unidades judiciárias de 1º grau.

          6) Reduzir a pelo menos 2% o consumo per capita (magistrados, servidores, terceirizados e estagiários) com energia, telefone, papel, água e combustível (ano de referência 2009).

           7) Disponibilizar mensalmente a produtividade dos magistrados no portal do tribunal, em especial a quantidade de julgamentos com e sem resolução de mérito e homologatórios de acordos, subdivididos por competência.

          8) Promover cursos de capacitação em administração judiciária, com no mínimo 40 horas, para 50% dos magistrados, priorizando-se o ensino à distância.

          9) Ampliar para 2 Mbps a velocidade dos links entre o tribunal e 100% das unidades judiciárias instaladas na capital e, no mínimo, 20% das unidades do interior.

          10) Realizar, por meio eletrônico, 90% das comunicações oficiais entre os órgãos do Poder Judiciário, inclusive cartas precatórias e de ordem.

          Conforme se pode verificar analisando as metas elencadas, no que se refere aos crimes contra a vida (de competência do tribunal do júri), fixou-se uma meta bastante ousada: todos os processos iniciados até 31 de dezembro de 2007 nos tribunais do júri deverão ser julgados até o fim deste ano.

          Agora é acompanhar o desempenho da Justiça e torcer para que a meta seja atingida até o final do ano e os crimes dolosos contra a vida (o mais grave cometido por um ser humano), possam ser julgados dentro do prazo, evitando com isso a impunidade e a insegurança dos cidadãos quanto à punição dos culpados. É necessário melhorar a imagem do Judiciário brasileiro. fazendo com que os cidadãos passem a acreditar mais na Justiça

        Não é sem razão que as 2.770 pessoas entrevistadas em todas as unidades da Federação pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em um estudo levando em consideração não só desempenho dos magistrados, mas também de defensores públicos e de membros do Ministério Público, classificaram a Justiça como desonesta, lenta, cara, parcial e injusta.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Excesso de encarceramento de menores

          O Estatuto da Criança e do Adolescente, que completou 20 anos em 13.07.2010, passará por uma reforma para corrigir seu principal defeito: excesso de privação de liberdade. Estudo feito pela Universidade Federal da Bahia conclui que o Judiciário interna muitas vezes sem provas, sem fundamento legal e em audiências precárias.

          A nova alteração do ECA buscará mudar a cultura do Judiciário, que opta pela reclusão, em vez de aplicar outras medidas como liberdade assistida (sem reclusão, mas com acompanhamento) ou semiliberdade (reclusão só a noite).

          Levantamento de 2009 demonstra que, dos 17.856 jovens infratores que cumpriam medidas socioeducativas no país, 15.372 estavam atrás das grades (86% do total).

          O estudo da UFBA, feito em seis estados: RJ, SP, PR, RS, BA e PE e no STJ (Superior Tribunal de Justiça), entre janeiro de 2008 e julho de 2009, elencou as principais violações do ECA:

         a)  A grande maioria das apelações dos adolescentes é rejeitada;  

         b )  Participação inexpressiva da Defensoria Pública;

         c)   Flexibilização dos prazos máximos de internação provisória;

         d)  Audiências muito rápidas e sem testemunhas de defesa;

         e)  Imposição da medida de internação fora das hipóteses legais previstas;

         f)   Insuficiência de provas na condenação.

          Segundo o secretário de  Assuntos Legislativos do Ministério da \Justiça, Felipe de Paula, o trabalho subsidiará discussão com o Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente) e outros órgãos como a Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

          O ponto fundamental do estudo da UFBA é que os juízes não têm garantido aos adolescentes os direitos que o Código Penal garante a qualquer cidadão, como audiências presenciadas por testemunhas. Nas palavras de Maria Gabriela Peixoto, coordenadora-geral da equipe de direito penal do Ministério da Justiça, "você não pode criar um sistema que seja mais severo do que o do adulto".

          Na opinião do desembargador Antônio Carlos Malheiros, coordenador da Infância e Juventude do TJ de São Paulo, quando manda o infrator para uma unidade de internação, o juiz responde ao clamor da sociedade, uma sociedade de pessoas que já foram assaltadas, que já foram molestadas. Segundo ele se houvesse plebiscito, a indicação da população seria clara no sentido de mandar o menor para a cadeia junto com os adultos e de rebaixar a maioridade penal.

          Já para a a presidente da Fundação Casa, Berenice Gianella, o comportamento dos juízes mostra certa resistência ao ECA, que é lido de trás para a frente privilegiando as infrações e punições que estão nos artigos finais e não a parte inicial sobre direitos essenciais. Alega, ainda, que houve uma queda dos crimes graves e um aumento de tráfico de entorpecentes, que não é crime com previsão de internação pelo ECA, que só prevê internação para essa hipótese nos casos de reincidência. Diante desses dados a internação deveria diminuir e não aumentar, como vem ocorrendo.

          Contudo, lutar pela redução das internações, de forma isolada, não resolve, porque conforme Ariel de Castro Alves do Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente), essa redução pressupõe a existência de programas como o de liberdade assistida e prestação de serviços comunitários implantados, o que nem sempre ocorre.

          A ideia é discutir com os órgãos envolvidos: Conanda, Secretaria Especial de Direitos Humanos e com a sociedade civil e chegar a um consenso sobre a necessidade ou não de se encaminhar uma proposta de alteração legislativa do ECA.

         Como o número de internações é alto algo precisa ser feito para que os menores não fiquem três anos encarcerados nos casos em que isso poderia ser evitado. Nos termos do ECA, a internação só se justifica para menores que efetivamente colocam a sociedade em risco.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O Estado brasileiro e a jurisdição

            A jurisdição, como uma das expressões do poder estatal, caracteriza-se pela capacidade que o Estado tem de decidir de forma imperativa, impondo aos cidadãos as suas decisões. Embora o Estado brasileiro, assuma a jurisdição, declarando-a em sua Constituição como direito fundamental do cidadão, não cumpre de forma satisfatória o dever de prestá-la.

            Em artigo de sua autoria, "A Reforma do Poder Judiciário", publicado em 1998, a ministra Carmen Lúcia leciona que para o cumprimento democrático da jurisdição é necessário vencer três etapas de um percurso estatal que vai do acesso assegurado ao cidadão ao órgão judicial competente, passa pela eficiência da prestação jurisdicional e se aperfeiçoa na eficácia da decisão judicial proferida.

            Infelizmente, o Judiciário brasileiro não consegue ser eficiente em nenhuma das três etapas.

            1ª etapa: acesso ao órgão judicial competente

            As dificuldades do acesso ao judiciário são inúmeras. A começar pelo modelo processual adotado pelo Brasil, que com seus formalismos e ritos, mantém o universo jurídico como um espaço de extremo poder, cujo ingresso não é confiado às pessoas comuns. Com linguagem rebuscada, estrutura burocrática das varas judiciais e a postura de seus escrivães e juízes, cria-se uma enorme barreira entre o mundo do direito e os cidadãos usuários em potencial da prestação jurisdicional. Outra barreira do acesso à jurisdição é a não instalação de Defensorias Públicas nos diversos estados da federação em número suficiente para atender à população carente. Além disso, contribui também para a dificuldade de acesso os custos. Embora o Estado pague os salários dos juízes e dos funcionários do judiciário e proporcione os prédios e outros recursos necessários aos julgamentos, as pessoas precisam suportar a maioria dos custos dispendidos com a solução de uma demanda, tais como, honorários advocatícios, custas judiciais e pagamento de exames periciais.

            Pesquisa do Ipea, divulgada nesta quarta-feira (dia 17.10), sobre a percepção dos brasileiros em relação aos serviços públicos, confirma a sua insatisfação no que se refere aos custos e à facilidade do acesso à Justiça. Nestes quesitos as notas foram, respectivamente, 1,45 e 1,48, ficando abaixo da média de 2 pontos estabelecida pela pesquisa para essa escala.

             2ª etapa: eficiência na prestação jurisdicional

            O direito à jurisdição compreende o direito de obter uma decisão judicial eficiente, produzida tempestivamente, capaz de recompor o direito violado ou ameaçado de violação e a segurança jurídica do demandado. Os efeitos da demora são devastadores, pois aumentam os custos para as partes e pressionam os economicamente fracos a abandonar as suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito. Neste aspecto a justiça brasileira deixa muito a desejar.

            A  confirmar a incapacidade do Judiciário, a mesma pesquisa do Ipea demonstra que no quesito rapidez nas decisões, a nota dada pelos cidadãos à Justiça foi de 1,18, também abaixo da média de 2 pontos.
            Leciona  Dinamarco, que os males da corrosão e frustação que o decurso do tempo pode trazer à vida dos direitos constituem ameaça à efetividade da tutela jurisdicional contida nas constituições modernas. Ameaça tão grave que em tempos modernos se vem afirmando que a garantia do acesso à Justiça só se considera efetiva quando for tempestiva.

            3ª etapa: a eficácia da decisão jurisdicional

            O direito à prestação jurisdicional do Estado não esgota o se conteúdo no direito de acesso ao Judiciário, nem se restringe a obter uma decisão sobre o mérito do litígio, mas inclui também o direito à execução da decisão, sob pena de ser esta privada de grande parte de sua efetividade. Nesse sentido, um grande exemplo da não efetividade das decisões judiciais é o seu não cumprimento pela pessoa pública. O precatório, que representa a dívida da União, dos estados e municípios reconhecida pela Justiça, torna o seu pagamento obrigatório. Entretanto, passou a ser utilizado pelo Poder Público para frustrar e não cumprir as decisões judiciais, acumulando dívidas milionárias e lesando os cidadãos que acreditaram na Justiça.

            Não é de se surpreender, pois, que quando avaliada de maneira geral, a Justiça recebeu nota 4,55 numa escala de 0 a 10, na referida pesquisa feita pelo Ipea, que entrevistou 2.770 pessoas nas 5 regiões do país. A margem de erro é de 5% e o grau de confiança é de 95%.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A novela dos precatórios

            Ao participar da reunião plenária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do dia 09 deste mês, onde foi aprovada a Resolução de nº 123, alterando dispositivos da Resolução nº 115, que dispõe sobre a Gestão de Precatórios no âmbito do Poder Judiciário, Ophir Cavalcante afirmou que a entidade  "é veementemente contrária à Emenda Constitucional nº 62/2009".  Esta emenda que estabeleceu novos mecanismos de pagamento das dívidas do Poder Público, "impôs um verdadeiro calote no cumprimento dos precatórios", em sua opinião.

            Afirmou também Ophir, que: "A emenda 62 está tendo um efeito devastador junto à sociedade brasileira, pois coloca em risco a segurança jurídica neste país".

            Como os tribunais não sabem como atuar com relação aos precatórios, desde que a emenda foi editada, os recursos financeiros que foram colocados à disposição para pagamento das dívidas estão permanecendo nos cofres do Judiciário, em suas diversas instâncias.

             A nova Resolução nº 123, aprovada em sessão presidida pelo Ministro Ayres Britto, veio complementar a Resolução nº 115, já anteriormente aprovada, no sentido de regulamentar como se dará toda a gestão de pagamento dos precatórios no país. Esta Resolução, segundo o próprio relator da matéria no CNJ, ministro Ives Gandra Martins Filho, será um rito de passagem para que as novas regras possam ser postas em prática, sob pena de "que a emenda se transforme em mais um calote constitucional", ou numa moratória permanente, como dito em um dos considerandos da Resolução.

            Para o presidente da OAB, essa resolução do CNJ deve funcionar como uma regra de transição, enquanto não for proferida a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a validade ou não da Emenda 62, que é objeto da Adin 4357, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB.

            Esta emenda, que começou a vigir a partir de dezembro de 2009, além de ampliar para 15 anos o prazo de pagamento dos precatórios, estabelece um percentual mínimo dos orçamentos para quitar as dívidas, permitindo que o detentor do precatório que oferecer maior desconto receba primeiro.

            Na verdade o precatório que deveria tornar obrigatório o pagamento da dívida da União, dos estados e municípios reconhecida pela Justiça, passou a ser um instrumento utilizado pelo Poder Público para frustrar e não cumprir as decisões judiciais.

            Na opinião de Ophir, em que pese a Emenda 62 ser manifestamente inconstitucional, impôs à sociedade uma situação kafkaniana, de um efeito tão nefasto, que nem a Justiça sabe como utilizar os recursos que estão disponíveis para o pagamento dos precatórios.

            Nesse sentido, a Resolução 123 do CNJ merece elogios, porquanto atende às conclusões do Encontro Nacional de Judiciário sobre Precatórios,  realizado em setembro último, com a participação de 56 tribunais brasileiros com precatórios a pagar, no sentido de se editar uma resolução transitória, viabilizando a satisfação dos créditos e com isso solucionar o vácuo existente enquanto a Emenda 62 estiver em vigor.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

CNJ pune juiz por negar aplicação à Lei Maria da Penha

            Em sessão do dia 09 deste mês, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, por 9 votos a 6, afastar por dois anos o juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues, de Sete Lagoas (MG) que considerava inconstitucional a Lei Maria da Penha, quando julgava ações movidas contra homens agressores de suas parceiras.

            Em 2007, o juiz proferiu sentenças, onde classificou a norma de "conjunto de regras diabólicas",  "monstrengo tinhoso" e em um de seus despachos afirmou que "as desgraças humanas começaram por causa da mulher".

            Em sessão plenária, os 15 conselheiros do CNJ foram unânimes quanto à necessidade de punir o magistrado, divergindo apenas quanto ao tipo de punição: seis deles votaram pela aplicação da censura, mas acabou prevalecendo o voto do relator Marcelo Neves no sentido de afastar o juiz de suas funções por usar em suas decisões uma linguagem discriminatória a preconceituosa. O relator comparou as declarações do juiz com o racismo: "Não se trata de um crime de racismo, mas há uma relação de analogia com esse tipo penal".

           Acompanhando o relator, o vice-presidente do CNJ, ministro Ayres Brito, foi enfático: "O juiz decidiu de costas para a constituição". Para o conselheiro Felipe Locke, o juiz mostrou ser uma pessoa "absolutamente preconceituosa" e "incompatível com o Estado democrático de direito". Argumentando sobre a falta de equilíbrio, a postura do magistrado também foi criticada pelo conselheiro Jeferson Kravchychyn. Já o conselheiro Marcelo Nobre disse lamentar que o magistrado "pense assim do gênero que lhe concedeu a vida".

            Com a decretação da pena de disponibilidade, prevista na Lei Orgânica da Magistratura, o juiz receberá no período salário proporcional ao tempo de serviço e poderá pleitear a volta ao trabalho após dois anos de afastamento.

            É de se lamentar, que após tanto esforço para a sua aprovação e apesar das medidas judiciais estabelecidas pela Lei Maria da Penha - classificada pelo Unifem (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher) como uma das melhores legislações do mundo - sua real aplicação ainda encontre resistência no sistema judiciário brasileiro.

            Esse comportamento vai na contra mão da postura mundial sobre o assunto, quando as causas e os efeitos da violência na vida das mulheres são questões de extrema preocupação e objeto de trabalho das Nações Unidas, redundando na recente criação da ONU Mulheres - Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres.

            Essa preocupação faz sentido também no Brasil onde o "Mapa da Violência 2010" feito pelo Instituto Sangari, registrou a média de dez assassinatos de mulheres por dia no Brasil, entre 1997 e 2007. De acordo com a Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), 45% das mulheres da região já foram ameaçadas, de alguma forma, por companheiros ou ex-companheiros.

             Na verdade, expostas às coações de seus agressores, as mulheres estão vulneráveis aos inoperantes mecanismos do Estado, que não lhes garante a proteção devida para que suas vidas sejam preservadas.

             A propósito, serve como exemplo o caso de Eliza Samudio, que, grávida, havia pedido proteção ao Estado 8 meses antes de desaparecer. Afirmando haver sido sequestrada por seu namorado, o goleiro Bruno, do Flamengo e temendo novas agressões, formulou pedido de proteção à Vara de Violência Doméstica em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. O pedido teve a seguinte  tramitação pela burocracia judiciária: de início, o caso foi considerado como não sendo de violência doméstica porque Bruno e Eliza não eram casados e foi enviado para a Vara Criminal. Remetido à Delegacia de Polícia, virou inquérito policial e foi ao Ministério Público, que deu o singelo despacho: "Junte-se aos autos". E assim, o caso continuou paralisado nos meandros da burocracia, até que a tragédia aconteceu. Indagado, o Delegado respondeu que não fora pedida urgência para o caso. E precisava?

             Esse triste exemplo, como tantos outros, mais uma vez demonstra o descaso com os pedidos de proteção para que a vida das mulheres sejam preservadas. O argumento de que não se tratava de violência doméstica não se sustenta. A Lei nº 11.340, de 2006 (Lei Maria da Penha), não foi criada apenas com o intuito de proteger a violência doméstica no sentido estrito. Seu artigo 5º é de uma clareza a toda prova ao esclarecer que "é considerada violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, praticado não apenas no âmbito da família ou da unidade doméstica, como também em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coação".

            Não deixa de ser louvável a atitude do CNJ ao punir o juiz, que além de se recusar a aplicar a lei fez contra ela críticas descabidas e preconceituosas, mas para o fim da violência contra as mulheres  torna-se  necessário uma mudança de postura da sociedade, principalmente dos homens.

            Nas palavras de Rebecca Reichmann Tavares, representante do Unifem Brasil e Cone Sul, "a violência contra as mulheres é inaceitável, indesculpável e intolerável".

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A manipulação do Judiciário pelos planos de saúde

            Anthony Pereira, PhD em Harvard, estudioso do Brasil desde 1984, em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, de 03 de outubro deste ano, página A9, afirmou que: "A ditadura militar brasileira, que teve um alto grau de judicialização se comparada às do Chile e da Argentina, deixou como um dos mais fortes legados a manutenção do autoritarismo no Judiciário. Para ele: "Não há Estado de Direito. Isso por causa das desigualdades extremas em termos de tratamento das pessoas dentro da lei. É uma espécie de autoritarismo social, não somente em termos de sistema político".

            Indagado se o autoritarismo no Judiciário é um legado da ditadura, respondeu que o Judiciário autoritário é o legado mais forte; que as Forças Armadas e o Judiciário não mudaram sendo preservados durante a transição e que certamente há uma insatisfação grande com a Justiça.

            No que se refere à relação entre o autoritarismo e ineficiência da Justiça, disse que o frustrante para os brasileiros é a observação de que as pessoas com poder econômico, advogado talentoso, podem manipular o sistema.

            A confirmar as palavras do brasilianista, notícia do mesmo jornal, de 06.10.10, informa que, embora o ressarcimento ao SUS (Sistema Único de Saúde) esteja previsto no artigo 32 da Lei 9.656, de 1998, os planos de saúde têm recorrido a ações judiciais para não fazerem o reembolso, quando se utilizam dos seus serviços. Argumentam que a lei é inconstitucional, já que a saúde é um "direito de todos" e um "dever do Estado". Segundo a notícia, só um escritório de advocacia de São Paulo já ajuizou 5.000 ações a favor de operadoras de várias regiões do Brasil, utilizando-se destes argumentos.

            O inusitado é que desde 1998, a Confederação Nacional de Saúde ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin 1931) contra a aplicação da lei, mas o Supremo Tribunal, passados 12 anos, não a julgou até hoje.

            Valendo-se dessa indefinição, as operadoras dos planos de saúde,  têm ajuizado inúmeras ações, abarrotando o Judiciário, para não ressarcirem o SUS, nos casos em que a lei determina.

             Embora sete ações, envolvendo sete diferentes operadoras, já tenham sido julgadas pelo Supremo determinando aos planos de saúde que reembolsem o SUS (Sistema Único de Saúde), o fato é que não foi elaborada nenhuma Súmula Vinculante sobre o assunto, o que obrigaria as instâncias inferiores a decidirem no mesmo sentido.

             Sem o Supremo Tribunal Federal se utilizar da Súmula Vinculante, mecanismo que lhe foi assegurado pela Emenda Constitucional nº45 e que tem por objeto "a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre os órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica" e sem julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade, o impasse continua. Com isto, segundo o Tribunal de Contas da União, os planos de saúde deixaram de pagar R$2,6 bilhões ao SUS entre 2003 e 2007, valor suficiente para comprar os remédios do programa brasileiro de Aids por quase três anos. Isso sem falar nos ônus trazidos aos serviços do SUS, em detrimento daqueles que, de fato, deles necessitam.

            Esta postura do Judiciário e dos planos de saúde, infelizmente, só faz reforçar a conclusão de Anthony Pereira: " No Judiciário brasileiro, as pessoas com poder econômico, advogado talentoso, podem manipular o sistema".

sábado, 6 de novembro de 2010

O Direito e a pacificação da convivência social

          Em artigo de sua autoria, no Correio Braziliense de 19.10.10, sob o título "A sociedade do conflito", a desembargadora Mônica Sifuentes do TRF - 1ª Região, enfatiza: " Nas escolas se aprende que o direito é algo produzido pelo homem para atender uma necessidade básica da convivência social: viver em paz", daí porque para alcançar essa finalidade se propõe a resolver, pela composição ou pela imposição, os conflitos de interesses que se configurarem nas relações sociais.

          Chamando a atenção para o fato de que antes de ser um agente conformador da convivência social, o direito deve ser um assegurador dessa convivência, afirma que esses conceitos, que séculos de civilização construíram, soam vazio de significado quando confrontados com os números exorbitantes de processos judiciais em tramitação nos cartórios por este Brasil afora.

          Depois de esclarecer que só em seu gabinete dão entrada, mensalmente, de 800 a 1.000 processos novos, esclarece que " não há medida extraodinária nem reforma processual que dê conta daquilo que os processualistas já chamaram de 'explosão de litigiosidade' e que vem a ser essa impressionante sociedade conflitual em que vivemos".

          Afirmando que o litígio, pela lógica do nosso sistema judiciário, deveria ser a exceção não a regra, a desembargadora conclui que o problema da litigiosidade não se resolve apenas com novas formas de agilizar a resolução do conflito, mas evitando o próprio conflito.

          Sua postura não é nova e encontra eco em todos aqueles que procuram caminhos para resolver o problema da lentidão no Poder Judiciário. Entre tantas sugestões apresentadas, uma forma de evitar a litigiosidade, seria incentivar a resolução dos conflitos pela própria comunidade.

          Em sua obra "Acesso à Justiça", Cappelletti noticia a tendência nos Estados Unidos, já à época, para instalar "tribunais vicinais de mediação", com o objetivo de resolver querelas do dia a dia, notadamente questões de pequenos danos à propriedade ou delitos leves, que ocorrem entre indivíduos em qualquer agrupamento relativamente estável de trabalho ou de habitação.
  
       Como exemplo importante, o departamento de justiça americano desenvolveu, em 1977, uma experiência piloto de 18 meses com três "Centros Vicinais de Justiça". Cada Centro deveria ser um escritório numa comunidade, ao qual as pessoas acorressem com os mais variados problemas (problemas criminais e civis de vizinhança, família, habitação e consumo). O Centro ofereceria mediação, e, caso isso falhasse, a arbitragem, por intermédio de um determinado número de membros da comunidade treinados para a mediação e o arbitramento. A tônica dessas instituições está no envolvimento da comunidade, na facilitação de acordos sobre querelas locais e, de modo geral, na restauração de relacionamentos permanentes e de harmonia na comunidade.

          No Brasil, podem ser citadas duas experiências interessantes de solução de conflitos pela própria comunidade: a do Balcão de Direitos do Viva Rio e o Projeto Justiça Comunitária, de iniciativa do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

          O Balcão de Direitos Viva Rio, atua nas favelas do Rio de Janeiro, com cinco balcões instalados em prédios comunitários onde estudantes e outros voluntários atendem a comunidade. Inúmeros atendimentos já foram feitos, a partir de cálculos trabalhistas, mediação, conciliação, passando por orientações jurídicas em processos judiciais. Nos primeiros anos, em torno de 25% dos serviços demandados se relacionavam com ações judiciais, depois o número caiu para 15%. Isto demonstra que na medida em que a comunidade cria seus próprios meios de resolução de conflitos, a procura pelo Judiciário tende a ser menor.

          O Projeto Justiça Comunitária, de iniciativa do TJDF, é uma experiência em que agentes comunitários, escolhidos pela própria população, tem a responsabilidade de mediar conflitos. Ao contrário da conciliação, que opera com mecanismos de negociação voltados à eliminação do conflito pontual, a mediação comunitária possibilita que as partes em conflito construam, sob a ética da alteridade, as bases de uma relação social futura pautada no respeito e na solidariedade, diz Gláucia Foley, juíza coordenadora do programa. Trata-se de um processo no qual um membro da comunidade, sem qualquer poder de decisão, facilita que as partes em conflito construam, uma solução que tenha impacto social positivo, reelaborando o conflito.

          A conclusão é que um espaço onde seja facilitado o reestabelecimento do diálogo, com a resolução dos conflitos voltados à construção do consenso não só diminuiria a demanda ao Judiciário, mas, em contraposição à litigiosidade,  incentivaria a cultura da paz, principal razão da convivência social e finalidade última do Direito.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O direito ao prazo razoável do processo

          A Constituição Federal diz em seu artigo 5°, inciso LXXVIII, que  " a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

          Esse vem sendo o desafio do Judiciário atualmente: assegurar a razoabilidade do prazo processual, pois até o momento não existem dados estatísticos do Conselho Nacional de Justiça que permitam avaliar a real duração dos processos na Justiça.

          Os efeitos da demora são devastadores, pois, além de aumentar os custos para as partes, pressionam os economicamente mais fracos a abandonar as suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito.

          Afirma Carnellutti que: "O valor que o tempo tem no processo é imenso e em grande parte desconhecido. Não seria imprudente comparar o tempo a um inimigo, contra o qual o juiz luta sem trégua". Para o Judiciário surge o novo conceito do "tempo inimigo" e dos "males do retardamento", que constituem o fundamento de todas as queixas que contra ele se erguem, conforme Cândido Dinamarco.

          A preocupação pela tempestividade, ou oportunidade da tutela jurisdicional, tem sido objeto de disposições internacionais, seja no continente europeu, seja no sistema interamericano de direitos humanos. A Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, no artigo 6° parágrafo 1°, dispõe que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de "um prazo razoável", termina sendo uma Justiça inacessível. O Pacto de São José da Costa Rica, que integra a ordem jurídica brasileira desde a edição do Decreto n°678, de 06 de novembro de 1992 (Constituição, art. 5º, § 2º), inclui entre as garantias judiciais a de um julgamento em prazo razoável (seja em matéria penal, seja civil).

         Um fato é incontestável: por mais que o Judiciário tenha se esforçado atualmente, não consegue decidir com a rapidez com que a sociedade demanda. É como se estivesse em crescimento uma bolha cheia de sentenças contidas que, à medida que cresce, diminui a confiança dos cidadãos na Justiça.

          O que se verificca pelo Relatório do Justiça em Números 2009, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é que houve crescimento de 25% no total de processos acumulados nos tribunais, de 2008 para 2009: 70,1 milhões de ações para 86,6 milhões. (Não entraram no levantamento dados dos Tribunais Superiores e da Justiça Eleitoral).  Embora 25,5 milhões de casos tenham chegado aos tribunais no ano de 2009, somente 29% dos processos pendentes foram julgados de forma definitiva.

          Também pesquisas feitas pelo CNJ e IC Brasil FGV,( embasadas em dados referentes ao terceiro trimestre de 2009, colhidos até 18 de dezembro desse ano e enviados pelos próprios tribunais Estaduais, Federais e do Trabalho), demonstram que apenas 53% dos 5,1 milhões de processos, distribuídos antes de dezembro de 2005, foram julgados em todas as esferas.

          Essa mesma pesquisa conseguiu identificar algumas das razões que impediam o andamento dos processos, estando a principal na primeira instância (local em que se iniciam as demandas), onde os juízes estão sobrecarregados e sem infraestrutura, enquanto alguns gabinetes de desembargadores contam com até 30 servidores. A eficiência não está diretamente relacionada com a quantidade de verbas no orçamento, demonstrando a falta de gestão e planejamento nos tribunais brasileiros. Sem que os juízes liderem um processo de modernização e gestão no Judiciário, dificilmente será prestada a jurisdição num prazo razoável.

          Outro impedimento ao prazo razoável do processo é decorrente da postura dos órgãos públicos ou prestadores de serviço de natureza pública. Nesse sentido, dados de outra pesquisa "Judiciário em Números", de 2003, demonstram que 90% dos 140.000 recursos recebidos pelo STF naquele ano foram de recursos repetitivos (já havia posição consolidada do tribunal sobre a matéria) e tinham como vencido, na maioria das vezes o Poder Público, que recorreu para adiar o cumprimento da sentença. Os dados revelam, ainda, que 80% das causas que tramitavam nos tribunais superiores envolviam a administração pública federal, estadual ou municipal.

          Em artigo publicado publicado na Folha de São Paulo, sob o título "Drama do prazo razoável", Walter Ceneviva  informa que, de acordo com estatística do Tribunal de Justiça de São Paulo, também naquele Estado, onde tramita o maior número de ações do país, a maioria dos processos, cuja decisão toma tempo mais do que razoável, é de órgãos públicos ou prestadores de serviço de natureza pública. Na capital a telefônica tem um saldo de 4.547 processos enfrentados. No interior a estatística é liderada pela Nossa Caixa, agora sob o controle do Banco do Brasil, seguida pelo Bradesco. Em segunda instância a Fazenda do Estado tem 255.388 processos contra 136.032 do INSS.  Os dados evidenciam que sem combater a taxa de recorribilidade (recursos repetitivos) e a postura do Poder Público (recorrer para protelar o cumprimento de suas obrigações) dificilmente se prestará jurisdição num prazo razoável.

         Como não existe uma única, mas várias causas para que a prestação jurisdicional não ocorra em prazo razoável, poder-se-ia começar combatendo as duas principais causas apontadas pelas pesquisas: choque de gestão  no Judiciário e elevada taxa de recorribilidade, principalmente pelo Poder Público.

         Já seria um bom começo!




sábado, 30 de outubro de 2010

As inéditas decisões do STF e do STJ

               Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça proferiram três decisões inéditas:

                A primeira foi do Supremo Tribunal Federal na quarta-feira, dia 27.10,  em que examinando o recurso de Jader Barbalho contra a decisão do TSE, finalmente se pronunciou sobre a aplicabilidade para estas eleições do artigo 2º, alínea k da Lei Complementar nº 135 (Lei da Ficha Limpa), que assim estabelece: "É proibida a candidatura dos membros do Congresso Nacional que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito subsequentes ao término da legislatura".

               Ao examinar o mérito do recurso, os ministros, como da vez anterior em que julgaram o recurso de Joaquim Roriz, empataram o julgamento, votando contra a aplicaçãodo dispositivo da lei para estas eleições Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso e a favor da aplicação o relator Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Carmen Lúcia e Ellen Gracie.

               Diante do impasse, alegando haver refletido longamente sobre a matéria, o ministro Celso de Mello, propôs se aplicar à hipótese, por analogia, o seguinte dispositivo do Regimento Interno do Supremo: "Havendo votado todos os ministros, salvo os impedidos e licenciados por período remanescente superior a três meses, prevalece o ato impugnado". Isso significava que, como não havia quorum suficiente para considerar a lei inconstitucional, ficaria mantida a decisão proferida pelo TSE, que considerou válida a aplicação do dispositivo para estas eleições. Aceita a sugestão por mais cinco ministros, por seis votos a quatro ficou mantida a decisão do Superior Tribunal Eleitoral. Considerando  a Repercussão Geral, atribuída à hipótese, significa dizer que,  em  todos casos em que houve renúncia de mandato para fugir da cassação, a lei da ficha limpa vale para estas eleições.

              A segunda decisão do Supremo, que chama a atenção pelo seu ineditismo, foi tomada na 5ª-feira, dia 28.10, no julgamento do deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO), determinando que processos contra políticos que renunciarem ao cargo para perder o foro privilegiado e assim escapar de um julgamento, não mais serão devolvidos à primeira instância e terão desfecho no próprio STF. Até então, em decorrência do julgamento do processo do ex-deputado Ronaldo Cunha Lima, o entendimento do STF era de que, com a renúncia, o parlamentar perdia o foro privilegiado e seu caso não poderia mais ser julgado pela Corte.

              A decisão proferida na 5ª-feira, por 8 votos a 1, representa uma importante mudança na jurisprudência e terá impacto em diversos casos, como o do  chamado mensalão, que só era mantido no tribunal por ter entre os réus alguns deputados que ainda têm mandato. Integrantes do Supremo temiam que o caso não fosse julgado por eles, pois esperavam uma série de renúncias assim que fosse marcado o julgamento do processo. Se prevalecesse a decisão anterior, o processo se deslocaria para a primeira instância, começando do zero, e muitos crimes investigados prescreveriam - o Estado perderia o prazo legal para julgá-los.

              Outra decisão inédita  foi do Superior Tribunal de Justiça, que pela primeira vez aplicou o chamado IDC (Incidente de Deslocamento de Competência), criado pela Emenda Constitucional 45 (Reforma do Judiciário), cuja aplicação pressupõe a constatação de grave violação de direitos humanos e a possibilidade de responsabilização internacional por conta de obrigações assumidas pelo país em tratados internacionais.

              Em decisão exemplar, aplicando o IDC, o STJ determinou que a investigação e o julgamento do assassinato de Manoel Mattos, advogado e militante dos direitos humanos, que denunciou a atuação de crimes de extermínio em Pernambuco e na Paraíba, passassem a ser feitos pela Justiça Federal da Paraíba e não mais pela Justiça Estadual. Após a denúncia dos crimes de extermínio, o advogado passou a ser perseguido e ameaçado de morte, sendo executado, a tiros, em 2009, na Paraíba.

              As ameaças contra o advogado Manoel Mattos chamaram a atenção da ONU e da OEA, que chegaram a cobrar do Brasil medidas de proteção. Embora não tenha evitado a sua morte, a repercussão do caso entre os organismos internacionais com certeza contribuiu para a federalização da investigação e julgamento, abrindo precedente para a federalização em outras hipóteses de violação dos direitos humanos.