O Estatuto da Criança e do Adolescente, que completou 20 anos em 13.07.2010, passará por uma reforma para corrigir seu principal defeito: excesso de privação de liberdade. Estudo feito pela Universidade Federal da Bahia conclui que o Judiciário interna muitas vezes sem provas, sem fundamento legal e em audiências precárias.
A nova alteração do ECA buscará mudar a cultura do Judiciário, que opta pela reclusão, em vez de aplicar outras medidas como liberdade assistida (sem reclusão, mas com acompanhamento) ou semiliberdade (reclusão só a noite).
Levantamento de 2009 demonstra que, dos 17.856 jovens infratores que cumpriam medidas socioeducativas no país, 15.372 estavam atrás das grades (86% do total).
O estudo da UFBA, feito em seis estados: RJ, SP, PR, RS, BA e PE e no STJ (Superior Tribunal de Justiça), entre janeiro de 2008 e julho de 2009, elencou as principais violações do ECA:
a) A grande maioria das apelações dos adolescentes é rejeitada;
b ) Participação inexpressiva da Defensoria Pública;
c) Flexibilização dos prazos máximos de internação provisória;
d) Audiências muito rápidas e sem testemunhas de defesa;
e) Imposição da medida de internação fora das hipóteses legais previstas;
f) Insuficiência de provas na condenação.
Segundo o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da \Justiça, Felipe de Paula, o trabalho subsidiará discussão com o Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente) e outros órgãos como a Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
O ponto fundamental do estudo da UFBA é que os juízes não têm garantido aos adolescentes os direitos que o Código Penal garante a qualquer cidadão, como audiências presenciadas por testemunhas. Nas palavras de Maria Gabriela Peixoto, coordenadora-geral da equipe de direito penal do Ministério da Justiça, "você não pode criar um sistema que seja mais severo do que o do adulto".
Na opinião do desembargador Antônio Carlos Malheiros, coordenador da Infância e Juventude do TJ de São Paulo, quando manda o infrator para uma unidade de internação, o juiz responde ao clamor da sociedade, uma sociedade de pessoas que já foram assaltadas, que já foram molestadas. Segundo ele se houvesse plebiscito, a indicação da população seria clara no sentido de mandar o menor para a cadeia junto com os adultos e de rebaixar a maioridade penal.
Já para a a presidente da Fundação Casa, Berenice Gianella, o comportamento dos juízes mostra certa resistência ao ECA, que é lido de trás para a frente privilegiando as infrações e punições que estão nos artigos finais e não a parte inicial sobre direitos essenciais. Alega, ainda, que houve uma queda dos crimes graves e um aumento de tráfico de entorpecentes, que não é crime com previsão de internação pelo ECA, que só prevê internação para essa hipótese nos casos de reincidência. Diante desses dados a internação deveria diminuir e não aumentar, como vem ocorrendo.
Contudo, lutar pela redução das internações, de forma isolada, não resolve, porque conforme Ariel de Castro Alves do Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente), essa redução pressupõe a existência de programas como o de liberdade assistida e prestação de serviços comunitários implantados, o que nem sempre ocorre.
A ideia é discutir com os órgãos envolvidos: Conanda, Secretaria Especial de Direitos Humanos e com a sociedade civil e chegar a um consenso sobre a necessidade ou não de se encaminhar uma proposta de alteração legislativa do ECA.
Como o número de internações é alto algo precisa ser feito para que os menores não fiquem três anos encarcerados nos casos em que isso poderia ser evitado. Nos termos do ECA, a internação só se justifica para menores que efetivamente colocam a sociedade em risco.