quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A Desjudicialização da Execução Fiscal

Em pauta, a desjudicialização da execução fiscal


Com mais de 29,2 milhões de execuções fiscais em tramitação no Poder Judiciário, o grupo de trabalho criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para estudar o aperfeiçoamento da primeira instância apresenta a desjudicialização do procedimento como uma importante proposta. A validade da medida será debatida por especialistas na audiência pública que o CNJ realizará nos dias 17 e 18 de fevereiro, em Brasília, com transmissão pelo Youtube. O objetivo é aferir os reais benefícios para o primeiro grau caso mudanças legislativas ocorram no principal instrumento disponível ao Poder Público para cobrar o pagamento de seus tributos.

A quantidade de execuções fiscais em tramitação corresponde a 32% do total de 92,2 milhões de ações no Judiciário, segundo mostrou o relatório Justiça em Números de 2012, divulgado pelo CNJ no ano passado. De acordo com o estudo, a Justiça Estadual seria responsável por 25,6 milhões de cobranças em curso em 2012. A Justiça Federal, 3,5 milhões.

Cada execução fiscal tem duração média de oito anos e dois meses, de acordo com um estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), referente ao ano de 2011. Segundo a pesquisa, somente a citação do devedor leva cinco anos para ser realizada e a penhora de algum bem, pelo menos mais um ano. Isso significa que apenas a localização do patrimônio do devedor para a satisfação do crédito público, objetivo maior do processo de execução, tem duração média seis anos.

Essas estimativas se encontram em um relatório com sugestões de medidas para valorizar a primeira instância, entregue pelo grupo de trabalho em dezembro último, ao presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Joaquim Barbosa. Entre as propostas, está a que visa fazer com que o CNJ edite uma nota técnica favorável a desjudicialização da execução fiscal, a fim de incentivar o debate sobre a necessidade de alterações nas leis que regulam o instrumento.

“Com efeito, o grupo de trabalho propõe a edição de nota técnica em apoio ao aprimoramento, por meio de alteração legislativa, do modelo atual de cobranças de dívidas ativas pelo Poder Executivo, no objetivo de tornar mais efetiva a recuperação de ativos e mais racional o uso do Judiciário nesse tipo de demanda”, afirma o relatório entregue a Barbosa.

No documento, o grupo de trabalho explica que a execução fiscal é o modelo atualmente disponível à Fazenda Pública dos Estados e da União para cobrar os débitos inscritos na dívida ativa. De acordo com o relatório, o problema é que o processo é iniciado independentemente da análise da viabilidade da cobrança e sem a indicação de qualquer bem passível de penhora.
“Como resultado desse ajuizamento incondicionado, nem a Fazenda Pública e nem o Poder Judiciário conseguem administrar o grande volume de processos em curso, resultando em elevados custos de cobrança e baixo retorno arrecadatório”, afirma o estudo apresentado.

Para o Conselheiro Rubens Curado, coordenador do referido grupo de trabalho, esse cenário evidencia a completa ineficiência e ineficácia do modelo atual de cobrança. Uma das propostas de alteração legislativa feita pelo grupo que coordena visa antecipar, para a fase administrativa, a identificação do devedor e dos bens e direitos passíveis de penhora, assim como de indícios de movimentação financeira ou atividade produtiva do executado que justifique o ajuizamento da execução fiscal.

“O objetivo dessa medida é evitar a chegada ao Judiciário de cobranças sabidamente ineficazes, na linha preconizada pelo projeto de lei nº 5.080/2009, em tramitação em regime de prioridade na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, apensado ao projeto de lei nº 2.412/2007”, afirma o relatório.
 
Congestionamento – O grupo de trabalho instituído para estudar melhorias na primeira instância foi criado pelo CNJ por meio da Portaria nº 155/2013. O objetivo é encontrar soluções para sanar a sobrecarga existente nas varas e juizados do país.

Segundo o Relatório Justiça em Números, dos 92,2 milhões de processos que tramitavam no Judiciário brasileiro em 2012, 90% encontravam-se no primeiro grau de jurisdição. Destes, apenas 28% foram baixados ao longo do ano. A taxa de congestionamento neste segmento chegou a 72% – 26 pontos percentuais acima da taxa do segundo grau, que foi de 46%.
Agência CNJ de Notícias

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

STF e a mídia

Juízes do Supremo Tribunal Federal são midiáticos

A atuação dos Tribunais Superiores, em especial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, é tema recorrente nesta coluna.
Os leitores dos textos publicados por aqui já notaram meu entusiasmo com a ideia de se criar uma corte constitucional para o Brasil, assim como a preocupação com as propostas de emenda à Constituição que modificam a competência do STF e do STJ e deturpam a razão de ser desses Tribunais.

O papel dos Tribunais Superiores, no entanto, não é algo que deve ser estudado apenas a partir do que dispõe o texto constitucional acerca de sua competência. Há assuntos que passam ao largo das muitas propostas de emenda à Constituição relacionadas ao STF e ao STJ.
Interessa discutir, por exemplo, sobre a técnica de elaboração dos votos, a identificação da tese adotada no julgamento dos casos, a função das audiências públicas, a participação dos amici curiae, etc.
Talvez este seja um bom momento, também, para se debater sobre a transmissão ao vivo dos julgamentos realizados pelos órgãos colegiados dos tribunais.[1]

Tramita, no Congresso Nacional, projeto de lei que tem por finalidade impedir as transmissões ao vivo de sessões do STF e dos demais Tribunais Superiores (PL 7004/2013).
Mas o assunto não é novo.
Há alguns anos, a transmissão ao vivo dos julgamentos do Supremo mereceu a atenção de vários juristas e professores, como Carlos Velloso, Gustavo Binenbojm, Virgílio Afonso da Silva e Conrado Hübner Mendes, entre outros. Recentemente, também Dalmo Dallari escreveu a respeito, e o ministro Joaquim Barbosa proferiu palestra sobre o tema.

Alguns afirmam que os julgamentos transmitidos ao vivo são mais democráticos e transparentes – como se o que estivesse em jogo fosse o caráter de cada um dos ministros, que deveriam ser fiscalizados. Mas, se assim fosse, todos os julgamentos, realizados por todos os tribunais, deveriam ser televisionados. Não me parece que deva ser assim. Segundo Orozimbo Nonato, que foi ministro do Supremo entre 1941 e 1960, “não importa que a vulneração se mostre velada pelo silêncio do julgador ou se aninhe oculta nas dobras e refego da sentença. Não montaria até que a sentença proclamasse e anunciasse fieldade e obediência ao texto malferido”.[2] A violação à Constituição, assim, pode ser dissimulada por um discurso que aparente que à mesma se esteja dando efetividade, esteja o juiz diante da TV, ou não.
Até aqueles que são favoráveis à transmissão em tempo real dos julgamentos afirmam que tal fato interfere no modo como atuam os ministros do Supremo. Mesmo o ministro Joaquim Barbosa reconheceu que a exposição ao vivo “repercute na maneira como certos ministros deliberam e sobre o conteúdo de algumas decisões”.

Lembro-me de um artigo do professor Barbosa Moreira, publicado há quase 20 anos, em que ele se refere às condições externas capazes de interferir no julgamento realizado pelos tribunais.[3] Diz o professor e desembargador aposentado que, “votando coram populo, o juiz pode sem dúvida ver-se tentado a ‘jogar para a platéia’”.
Se tal estado de coisas fazia sentido àquela época, hoje manifesta-se de modo ainda mais agudo, não apenas pelo fato de as transmissões dos julgamentos poderem ser realizadas ao vivo através da TV Justiça ou do canal do STF no Youtube, mas, também, pelo fato de imediatamente haver repercussão a respeito em todas as mídias e redes sociais, que se retroalimentam e inevitavelmente acabam sendo ouvidas pelos ministros. A influência exercida pelas redes sociais e pela imprensa geral, assim, não pode ser desprezada, e é mais potencializada se mais expostos estão o Tribunal e seus juízes à mídia.

Nesse contexto, o caso brasileiro sugere o debate sobre questões interessantes, que extrapolam a discussão sobre modelos de deliberação interno ou externo – isso é, de saber se os julgadores devem convencer os demais integrantes do colegiado ou o “público”.
Em determinado momento, o juiz passa a ocupar-se da imagem que transmite de si mesmo, no decorrer de um dado julgamento. Ciente da repercussão que sua atuação terá – não apenas em relação às partes ou aos demais atores institucionais (como, p.ex., os legisladores) –, o juiz cuida de sua própria performance, do modo como se porta (gestos, entonação de voz) ao transmitir suas ideias etc.
Há o risco, assim, de preponderar, na atuação do magistrado, uma maior preocupação com a imagem que é transmitida de si mesmo que com a substância do que está sendo julgado. Parece que estão certos aqueles que afirmam que isso repercute na qualidade, no conteúdo e na extensão dos votos dos ministros. É de se indagar, por exemplo, sobre a maior possibilidade de o juiz se manifestar sobre uma questão extrajurídica (p.ex., eminentemente política ou, até, moral) se o julgamento for transmitido ao vivo. Seriam os votos menos técnicos, juridicamente, pelo fato de o julgamento estar sendo televisionado? Para exemplificar, a frase “o juízo de 1º grau não tem competência para julgar”, por exemplo, é dita do mesmo modo, num julgamento restrito a juízes e advogados e num julgamento televisionado?
Os juízes do Supremo são midiáticos, não num sentido pejorativo do termo, mas pelo fato de, querendo ou não, estarem na mídia. Tudo o que dizem e fazem acaba sendo considerado importante. Os julgamentos transmitidos pela TV Justiça acabam revelando o lado demasiadamente humano dos juízes que têm suas falas, imagens e trejeitos exibidos. Negar que eles desconsideram tal aspecto seria negar sua própria humanidade. Na verdade, seria mesmo muito estranho se os ministros do Supremo não se preocupassem com isso.

Disso podem decorrer vários problemas, alguns muito graves.
Parece certo que não há, entre nós, preocupação em buscar uma uniformidade de julgamento das questões constitucionais. Ou, dizendo-se de outro modo, os ministros que compõem o Supremo podem, todos, afirmar que determinada lei é inconstitucional, mas cada um deles pode fazê-lo a seu modo, e por motivos diferentes, ainda que isso não fique muito claro. Assim, ainda que os votos concluam em um mesmo sentido (“a lei x é inconstitucional”), o fazem por razões diversas. Fica-se sem saber, assim, o que o Supremo, como instituição, pensa sobre uma determinada questão.
Mas – e perdoe o leitor, se aqui vai uma impressão equivocada deste que ora escreve – às vezes parece que vai-se a algo extremado, em que não há apenas manifestação discordante de ideias, mas uma disputa inflamada de egos superlativos. Não raro, as discussões entre os ministros, em tempos recentes, extrapolaram aspectos jurídicos e disseram respeito ao modo como se comportam este ou aquele ministro (há exemplo recente disso). Nesse contexto, facilmente argumentos de razão cedem em favor de argumentos de autoridade. É de se investigar em que medida a transmissão de julgamentos ao vivo estimula ou reprime tal comportamento.

A esse aspecto se agrega um fator importante: quanto mais agudas as características pessoais dos juízes do tribunal manifestadas à mídia, mais esta tende a dar primazia à performance em si que ao trabalho substancialmente realizado pelo juiz, que fica em segundo plano. Afirmações de um ministro sobre o outro, assim, deixam de ser feitas diretamente e passam a ser realizadas através da imprensa.
Não é bom que seja assim. O estado ideal de coisas é aquele em que os juízes do tribunal preocupem-se em buscar uma solução coesa, que construa, gradativamente, uma jurisprudência íntegra sobre questões constitucionais.

Se o excesso de exposição na mídia, agravado pela transmissão ao vivo das sessões de julgamento, impede ou prejudica o desempenho do STF em sua missão constitucional, algo deve ser feito a respeito, e os ministros do Supremo devem ser os primeiros a tomar alguma medida com relação a isso.
Alterações no modus operandi das sessões de julgamento não dependem, necessariamente, de reformas na Constituição ou na Lei – seja a referente à TV Justiça ou a própria lei processual. Sequer modificações regimentais seriam necessárias, caso os ministros mudassem sua postura nas sessões de julgamento – estejam ou não diante das câmeras de TV.
Se desejamos que o Supremo Tribunal Federal torne-se algo mais próximo de uma corte constitucional, devemos dar passos decisivos nesse sentido.
 

[1] Há muito a se investigar, quando se trata da exposição, em tempo real, das sessões realizadas pelo Supremo. Aqui, pretendo apenas levantar algumas questões, que poderão vir a ser objeto de nova análise em outros textos, no futuro.
[2] Citado por José Afonso da Silva, na obra Do recurso extraordinário no direito processual brasileiro, Ed. Revista dos Tribunais, 1963, p. 197.
[3] Notas sobre alguns fatores extrajurídicos no julgamento colegiado, Revista de Processo, vol. 75, p. 7, jul.1994.

Revista Consultor Jurídico, 27 de janeiro de 2014. 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

CNJ prorroga prazo para os Tribunais identificarem processos do período da ditadura

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) prorrogou o prazo para que os tribunais brasileiros apontem os processos relacionados às violações de direitos humanos que ocorreram no período de 1946 a 1988 – com ênfase, sobretudo, na época da ditadura militar, a partir de 1964. A data limite para o envio dos dados passou do dia 31 de janeiro para 15 de fevereiro. Essas informações são importantes para o registro público dos fatos ocorridos em um dos períodos mais obscuros da história do Brasil.
O repasse de documentos e dados sobre os processos está previsto no Termo de Cooperação Técnica nº 022, assinado pelo CNJ e a CNV em outubro do ano passado. O acordo visa à disponibilização de documentos e informações úteis à finalidade da comissão de esclarecer as graves violações de direitos humanos durante a ditatura. 
Os documentos e informações podem abranger registros administrativos ou processuais. Os dados ajudarão os integrantes da Comissão da Verdade na produção do relatório com esclarecimentos do que ocorrera na época, assim como na construção de um acervo que, posteriormente, ficará disponível no Arquivo Nacional.
Janaina Penalva, Diretora do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, explicou que a prorrogação do prazo para que os tribunais encaminhem ao Conselho as informações justifica-se pela grande quantidade de processos que fazem parte dos acervos históricos dessas cortes. Ela conta que os tribunais ainda serão notificados quanto à nova data.
“Os Tribunais, em especial os setores de arquivo e museu, manifestaram grande interesse em colaborar nesse processo. Além da importância do projeto para a democracia brasileira, o trabalho reforça o valor da gestão documental, além de dar visibilidade aos acervos históricos do Poder Judiciário”, afirmou.
Janaina esclareceu que as bases para a realização da pesquisa foram fornecidas pela própria Lei nº 12.528/2011, que criou a Comissão Nacional da Verdade. “A norma cita as graves violações de direitos humanos, como mortes, torturas, ocultação de cadáver; assim como documentos correlatos, como habeas corpus, ações de indenização e mandados de segurança. Foram tomadas também como referências o trabalho do Proname (Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário, do CNJ) e os assuntos da tabela de temporalidade de guarda de documentos criada pela iniciativa”, afirmou a pesquisadora.
Após os tribunais apontarem os processos, o CNJ compilará as informações e as enviará para a Comissão Nacional da Verdade. Em paralelo, os tribunais se preparam para receber os pesquisadores da CNV que farão consultas aos documentos em cada tribunal.
“O acordo tem relevância por permitir a sistematização do acervo de todo o Judiciário referente ao período autoritário no Brasil, ação inédita até o momento. Também têm importância por fazer um resgate da história da atuação do próprio Poder Judiciário no período e recuperar a história de milhares de pessoas que recorreram à Justiça para garantir seus direitos na época. O projeto também serve para dar visibilidade à grande quantidade de informações que o Judiciário pode fornecer como fonte de pesquisa documental sobre a história do país, seus costumes e tradições jurídicas e políticas”, afirmou a diretora do DPJ.
Comissão da verdade – São objetivos da Comissão Nacional da Verdade promover o esclarecimento dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres, bem como a autoria dessas práticas, ainda que tenham ocorrido no exterior. Também é objetivo do órgão identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionadas à prática de violações de direitos humanos e encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e qualquer informação obtida que possa auxiliar na localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos na época da ditadura.
O órgão ainda tem a missão de colaborar com todas as instâncias do poder público na apuração de violação de direitos humanos, assim como o dever de recomendar a adoção de medidas e políticas públicas que possam prevenir a violação de direitos humanos, promover a efetiva reconciliação nacional e reconstruir a história dos casos de graves violações de direitos humanos.

Giselle Souza
Agência CNJ de Notícias


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Brasil deve apostar em alternativas de resolução de conflitos

Brasil deve apostar em alternativas de resolução de conflito

Por José Renato Nalini

A experiência com a injustiça é dolorosa. Mesmo em doses homeopáticas, a injustiça mata. Mas a experiência com a Justiça também pode doer. Principalmente quando o acúmulo de processos impede o Judiciário de dar a resposta oportuna. Administrar 93 milhões de processos num Brasil de 200 milhões de habitantes é acreditar que se vive no país mais beligerante do planeta. Será que é assim?

Não é verdade que todos os brasileiros sejam hoje clientes do Judiciário. Este é prioritariamente procurado pelo próprio Estado. União, por si e pela administração indireta, por suas agências, organismos, entidades e demais exteriorizações, é uma litigante de bom porte. Por reflexo, o estado-membro e os municípios também usam preferencialmente da Justiça.
Um exemplo claro disso é a execução fiscal. Uma cobrança da dívida estatal pretensamente devida pelo contribuinte. Por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, todos os anos milhões de certidões de dívida ativa são arremessadas para o Judiciário, que fica incumbido de receber tais créditos. Sabe-se que o retorno é desproporcional ao número de ações. Os cadastros são deficientes, muitos débitos já estão prescritos ou são de valor muito inferior ao custo da tramitação do processo.

Mas o governo é também bastante demandado em juízo. Gestões estatais podem vulnerar interesses e uma legião de cidadãos entra em juízo para pleitear ressarcimento de seus direitos. Outros clientes preferenciais são os prestadores de serviços essenciais, que nem sempre atendem de forma proficiente os usuários. São lides repetitivas, às vezes sazonais, mas atravancam foros e tribunais.

O brasileiro precisa meditar se vale a pena utilizar-se exclusivamente do processo convencional ou se não é melhor valer-se de alternativas de resolução de conflito que dispensem o ingresso em juízo. Os norte-americanos, ricos e pragmáticos, só recorrem ao Judiciário para as grandes questões. As pequenas são resolvidas por conciliação, negociação, mediação, transação e outras modalidades como o "rent-a-judge", que nós ainda não usamos. Ganha-se tempo e eles sabem que "time is money", motivo por que o ganho é duplo.

O mais importante é que a solução conciliada ou negociada é uma resposta eticamente superior à decisão judicial. Esta faz com que o chamado "sujeito processual" se converta, na verdade, em "objeto da vontade do Estado-juiz". Enquanto que nas alternativas de resolução de conflitos o sujeito é protagonista, discute os seus direitos com a parte adversa, se vier a chegar a um acordo, será fruto de sua vontade, sob a orientação de um profissional do direito. Mas nunca será mero destinatário de uma decisão heterônoma, que prescindiu do exercício de sua autonomia.

É de se pensar se este não seria um caminho redentor da Justiça brasileira e, simultaneamente, construtor de um cidadão apto a implementar a ambicionada Democracia Participativa, que o constituinte prometeu em 1988.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Superpopulação carcerária X Defensores Públicos

ONU aponta a falta de defensores públicos entre as causas da superpopulação carcerária no Brasil

A escassez de defensores públicos no país prejudica o acompanhamento dos processos dos detentos e é uma das principais causas da superlotação das prisões brasileiras, atesta relatório preliminar do Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária das Nações Unidas (GTDA/ONU), que realizou visita oficial ao país em março de 2013. A ampliação do número de defensores públicos está entre as mais frequentes recomendações feitas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) durante os mutirões carcerários.

A convite do governo brasileiro, integrantes do GTDA estiveram no País no período de 18 a 28 de março, ocasião em que entrevistaram detentos de unidades prisionais de Brasília, Campo Grande (MS), Fortaleza (CE), Rio de Janeiro e São Paulo. Eles também tiveram audiências com diversas autoridades estaduais e federais, incluindo representantes do CNJ.

Segundo o relatório, defensores públicos que oferecem assistência legal gratuita podem ter de lidar com até 800 casos de uma só vez. “Isso impacta negativamente no direito do detento à equidade e julgamento justo. Mesmo nos estados da Federação onde há um sistema de defensoria pública, comumente as áreas rurais não possuem defensores públicos para defender os detentos”, informa o documento.

Os inspetores da ONU apontam, no documento, que o deficiente acesso dos detentos à Justiça leva muitos deles, sobretudo os que não podem pagar por um advogado, a permanecer presos por tempo superior ao necessário. Foram verificados casos de detenções provisórias que duravam meses, até anos. “Durante este período, o detento não sabia o que estava acontecendo com o seu caso”, critica o documento.

Sem isonomia - Segundo o GTDA, a deficiência na assistência jurídica gratuita é uma das razões para o Brasil registrar alto índice de presos provisórios (ainda não julgados), da ordem de 40% da população carcerária. Além disso, a escassez de defensores impede que haja isonomia no tratamento aos presos.
“A maioria daqueles que estão nas prisões é de jovens homens negros, que são de famílias de baixa renda e não podem pagar por advogados particulares. O grupo de trabalho observou que, em geral, a maioria dos desfavorecidos no sistema de justiça criminal, incluindo adolescentes e mulheres, é de pobres e não pode pagar pela defesa legal”, aponta o relatório.

O GTDA conclui também que os mutirões carcerários do CNJ são importantes para diagnosticar as deficiências no sistema de Justiça brasileiro. “O atraso na obtenção de uma ordem judicial para iniciar o processo foi um tema frequente levantado ao longo da visita. O grupo de trabalho notou que a libertação em massa de prisioneiros por meio do Conselho Nacional de Justiça nos últimos dois anos é uma evidência de que o sistema de justiça criminal é severamente deficiente ao prover assistência legal efetiva e adequada, que poderia ajudar a dar seguimento aos casos dos detentos”, diz o relatório.

Desprivilegiados - O GTDA informa ter identificado muitos casos de detentos que, embora com direito a benefícios como progressão de regime de cumprimento de pena, não podiam desfrutá-los devido à falta de assistência legal adequada. “A natureza arbitrária desses casos é posteriormente exemplificada pelo fato de que aqueles qualificados, para serem libertados ou receberem benefícios, são os economicamente desprivilegiados, que não conseguem pagar pela assistência legal para ajudar em seus casos”, observa o documento.

O Grupo de Trabalho da ONU, ao citar as causas da superpopulação carcerária no Brasil, aponta também o excessivo uso da prisão, a lentidão na tramitação dos processos judiciais e a baixa aplicação, pelo Poder Judiciário, de medidas cautelares substitutivas à prisão e de penas alternativas.
O Conselho Nacional de Justiça tem feito reiteradas recomendações às autoridades estaduais com vistas à solução dos mesmos problemas apontados pelo GTDA. No mutirão carcerário aberto no Amazonas em 17 de setembro de 2013, o  CNJ conseguiu que o governo local anunciasse a nomeação de 60 novos defensores públicos para atuar no interior amazonense, que não contava com esse tipo de serviço.


Agência CNJ de Notícias 

domingo, 19 de janeiro de 2014

O que é a Corte Internacional de Justiça

Corte Internacional de Justiça

É o principal órgão judiciário da ONU e foi criado em 1946, em substituição à Corte Permanente de Justiça Internacional (Sociedade das Nações).
A CIJ foi instaurada com base no artigo 92 da Carta das Nações Unidas e possui competência para julgar litígios entre Estados soberanos.
A Corte é composta de 15 juízes eleitos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança da ONU, escolhidos entre pessoas que gozem de alta consideração moral e que reúnam as condições necessárias para o exercício das mais altas funções judiciais em seus respectivos países, ou que sejam jurisconsultos de reconhecida competência na área do direito internacional.
Os magistrados são eleitos para um mandato de nove anos, com possibilidade de reeleição, e o exercício das funções se dá em caráter exclusivo, vedada qualquer outra ocupação de caráter profissional.

A competência da CIJ se estende a todos os litígios submetidos pelos Estados e a todos os assuntos previstos na Carta das Nações Unidas ou nos tratados e convenções em vigor.
Para a solução das controvérsias a Corte Internacional de Justiça deverá aplicar:
ü As convenções internacionais, gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
ü O costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita como direito;
ü Os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
ü As decisões judiciais e as doutrinas dos publicitários de maior competência das diversas nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.

A CIJ possui como idiomas oficiais o inglês e o francês.
O procedimento instaurado perante a Corte tem duas fases, uma escrita e outra oral.
Os representantes dos Estados litigantes gozarão dos privilégios e imunidades necessários para o livre desempenho de suas funções. Os trabalhos da CIJ serão públicos, salvo se a Corte dispuser em contrário, ou quando as partes peçam que o público não seja admitido.
A Corte determinará as providências necessárias para o curso do processo, decidirá a forma e meios a que cada parte deva ajustar seus processos e adotará medidas necessárias para a exposição das provas.
A sentença produzida será motivada e lida em sessão pública depois de notificada aos agentes que representarem os litigantes.
A sentença é definitiva e inapelável. Em caso de desacordo sobre o sentido ou desfecho da decisão a Corte interpretará a solicitação de qualquer das partes.

A CIJ também poderá emitir opiniões consultivas sobre qualquer questão jurídica, sob solicitação de organismo autorizado para isso pela Carta das Nações Unidas.
As questões objeto de opinião consultiva serão expostas à Corte mediante solicitação por escrito, juntamente com todos os documentos necessários ao esclarecimento da questão.
A Corte pronunciará suas opiniões consultivas em audiência pública, com prévia notificação ao Secretário Geral das Nações Unidas e aos representantes dos Membros das Nações Unidas, de todos os outros Estados e das organizações internacionais diretamente interessadas.

Artigo de autoria de Roberto Caparroz, Doutor em Direito do Estado (PUC/SP), publicado no site Jus Brasil, de 15.01.2014.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Deficit brasileiro no sistema prisional é de 200 mil vagas

O Brasil tem hoje um deficit de 200 mil vagas no sistema penitenciário. Um levantamento feito pelo G1 com os governos dos 26 estados e do Distrito Federal mostra que a população carcerária atual é de 563.723 presos. Só há, no entanto, 363.520 mil vagas nas unidades prisionais do país.
O número de presos é mais de quatro vezes o registrado há 20 anos. Atualmente, há 280 detentos por 100 mil habitantes. Em 1993, a proporção era de 85 para cada 100 mil.

Os dados obtidos pela reportagem são os mais atualizados disponíveis, referentes ao fim de 2013 e ao início de 2014. O Ministério da Justiça, por exemplo, só tem os relativos a 2012. Na comparação, é possível constatar, em um ano, o aumento de quase 14 mil presos.

A superpopulação carcerária é um dos motivos apontados para o caos no sistema prisional do Maranhão. O estado, que tem um deficit de 1,2 mil vagas, vive uma onda de ataques a ônibus e delegacias após ordens que partiram de dentro do Complexo de Pedrinhas, em São Luís, onde brigas de facções já provocaram mais de 60 mortes desde o ano passado.
Nesta semana, a Justiça determinou que o governo do Maranhão construa, no prazo de 60 dias, novos estabelecimentos prisionais em conformidade com os padrões previstos nas normas jurídicas, sobretudo nas cidades do interior do estado. A governadora Roseana Sarney prometeu criar 2,8 mil vagas no sistema carcerário do Maranhão e disse não ver necessidade de uma intervenção federal.

São Paulo e o maior deficit do país

O estado de São Paulo é o que possui o maior deficit carcerário do país. Com 206,9 mil presos e 123,4 mil vagas, há uma sobrecarga de 83,5 mil detentos. Segundo a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) do estado, o aumento da população nas prisões é resultado do combate ao crime feito pela "polícia que mais prende no Brasil".
A SAP diz, ainda, que possui um plano de expansão dos presídios paulistas, mas que muitos municípios têm dificultado a implantação das unidades. 


Por causa de São Paulo, o Sudeste concentra 55% do deficit prisional do país – faltam 110,1 mil vagas na região. O Nordeste vem em segundo lugar, com 38,8 mil vagas a menos que o necessário, seguida pelo Centro-Oeste (19,6 mil), pelo Norte (16,2 mil) e pelo Sul (15,3 mil).

Para tentar lidar com o "boom" de presidiários, quase todos os estados brasileiros têm criado mais vagas nas penitenciárias. Em um ano, foram implantadas 42,2 mil novos lugares, de acordo com o levantamento feito pelo G1. Em apenas dois estados, o número permaneceu o mesmo (Piauí e Roraima) e só em três houve diminuição (Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Pernambuco).
No Espírito Santo, o governo diz que a expectativa é zerar o deficit de 1,8 mil vagas até dezembro de 2014, com a construção de mais oito unidades prisionais e a criação de 2.892 novas vagas. O custo estimado dos projetos é de R$ 85,5 milhões.
Em Mato Grosso do Sul, que tem quase 6 mil presos a mais que sua capacidade, estão em fase final de projeto três unidades penais em Campo Grande. No interior, duas penitenciárias estão sendo ampliadas: a de Brilhante a de Corumbá. Um estabelecimento penal de regime semiaberto em Dourados também está em obras.
No Pará, segundo o último relatório estatístico, com dados de 2013, há dez unidades prisionais em construção. A estimativa do governo é que o estado termine 2014 com 3 mil novas vagas. Com 11,6 mil detentos e 7,4 mil lugares nas prisões, o Pará tem um deficit atual de 4,2 mil vagas no sistema penitenciário.
A maioria dos estados consultados também diz ter planos de construir mais unidades prisionais. Para o coordenador nacional da Pastoral Carcerária, padre Valdir João Silveira, esse não é o caminho.

"Nenhum estado que construiu mais presídios está dando conta do deficit de vagas. O que é preciso que ocorra é o que está na lei. Isto é, os presos que aguardam julgamento devem ser julgados no tempo certo e os que estão no semiaberto não devem ficar no fechado. Hoje, 40% dos detentos estão aguardando julgamento. A culpa não é só do Executivo, mas do Judiciário, que tem a obrigação de fiscalizar e acompanhar o sistema prisional. Se [a situação] está como está, é porque não foi feito esse trabalho", analisa.


Além disso, segundo Silveira, em muitos casos não é dada a devida possibilidade de defesa aos detentos, o que faz inchar o número de pessoas nas prisões.
"Grande parte dos presos depende da Defensoria Pública ou de advogados conveniados do Estado. E aí é fácil entender por que tantos presos com pequenos delitos são condenados. Eles só conhecem seu defensor na hora do julgamento em boa parte das vezes. É um absurdo. A qualidade da defesa fica comprometida", aponta.
O coordenador da Pastoral diz que "o sistema prisional nunca cumpriu o que está na lei, que é ressocializar" o indivíduo.
"Para recuperar os presos, devia haver um grande quadro técnico, com psicólogos, assistentes sociais, pedagogos. Isso não existe. Basta ver também o índice de detentos que estudam ou trabalham. Hoje, a pessoa é jogada no presídio e depois esquecem dela. E a superlotação faz com que haja problemas em um lugar feito para determinado número de pessoas. Isso porque o número de presos aumenta, mas não aumentam os funcionários. O material de higiene e toda a demanda também não acompanham", destaca Silveira.

VEJA A LISTA DOS NÚMEROS DE DETENTOS E VAGAS POR ESTADO (balanço mais recente divulgado por estado)
Estado      Detentos      Vagas
AC              4.379             2.381       
AL               5.195             2.615
AP               2.436            1.138
AM              8.500             3.880
BA             11.470             8.347
CE            19.392            15.602
DF             12.422             6.719
ES             15.187           13.340
GO            17.000           13.000
MA              4.663             3.421
MT             10.121            6.038
MS             12.306           6.446
MG             49.431        31.487
PA              11.612           7.451
PB               9.040           5.600
PR              28.027        24.209
PE              29.967        10.500
PI                 3.155           2.238
RJ              33.900        27.069
RN              6.700           4.200
RS             28.046        22.407
RO              7.840           4.928
RR              1.586           1.106
SC             17.200        11.300
SP           206.954      123.448
SE               4.300          2.500
TO               2.894          2.150

 Publicado no site G1 em 15.01.2014

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Direito à herança pode ser defendido por apenas um dos herdeiros

Por ser uma universalidade, a herança pode ser defendida por apenas um dos herdeiros, sem que haja posicionamento dos demais. A decisão é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No caso, já enfrentado anteriormente pelo STJ e reanalisado pela Turma após embargos de divergência, doação efetuada pelo pai foi questionada por uma das herdeiras.
Três meses antes de falecer, o proprietário doou 100% de um apartamento, seu único bem, a sua companheira. Após o falecimento, a filha entrou com uma ação anulatória de doação. Em seu pedido, solicitou a nulidade da doação no tocante a 50% do imóvel, uma vez que existiam herdeiros necessários.

O juiz de primeiro grau reduziu a doação para 25% do valor do imóvel. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro considerou que a doação seria válida e eficaz com referência a 75% do valor do bem doado, perdendo sua validade nos 25% que seriam de direito da filha do doador. Segundo o TJRJ, a autora não seria parte legítima para defender os interesses do irmão, também herdeiro necessário.

Meação

Ao analisar o caso pela primeira vez, o então relator, ministro Jorge Scartezzini, levou em consideração o direito à meação decorrente de união estável, o que restringiria o alcance de doação a 50% de imóvel. A outra parte do bem já seria da companheira. Porém, o fundamento da meação não foi apreciado nas instâncias originárias, o que justificaria a reanálise da questão.

Para o ministro Raul Araújo, atual relator do processo, a controvérsia a ser analisada nos autos diz respeito a duas questões: a pretensão da filha na redução da doação à metade do bem, excluído o percentual indisponível que cabe aos herdeiros necessários, e a redução a 25%, uma vez que só um dos filhos reclamou a sua parte.
O relator esclareceu que, de acordo com o Código Civil de 1916, em vigor na época dos fatos, e de ampla jurisprudência, o doador poderia dispor de apenas 50% de seu patrimônio e não de sua totalidade, uma vez que existem herdeiros necessários.


Legitimação concorrente

Para o ministro, a tese de que a filha pode requerer a nulidade da doação apenas sobre sua parte, vinculando a impugnação do percentual destinado a seu irmão a um questionamento deste, também não pode ser acolhida.
Segundo Raul Araújo, trata-se de legitimação concorrente, ou seja, o direito de defesa da herança pertence a todos os herdeiros, não exigindo a lei reunião de todos eles para reclamá-lo judicialmente contra terceiro.
Sendo a herança uma universalidade, sobre ela os herdeiros têm partes ideais, não individualizadas em relação a determinados bens ou parte destes, até a partilha, de maneira que, ainda que não exerça posse direta sobre os bens da herança, cada herdeiro pode defendê-los em juízo contra terceiros, sem necessidade de agir em litisconsórcio com os demais herdeiros, esclareceu.
Com a decisão, o primeiro acórdão foi modificado. A doação foi considerada válida e eficaz no tocante a 50% do imóvel.
Superior Tribunal de Justiça
Criado pela Constituição Federal de 1988, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal.

Curso para formação de Defensores Públicos

Associação cria curso para formação de defensores públicos

A Associação Paulista de Defensores Públicos e o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos promovem, ao longo deste ano, o I Curso Popular de Formação Jurídica Complementar. O objetivo da iniciativa é democratizar o acesso dos interessados em atuar como defensores públicos, além de capacitar tais profissionais com conteúdo técnico-jurídico com base na realidade social. Destinado a bacharéis e alunos que cursam o último ano de Direito, o curso reservará vagas para pessoas com deficiência, afrodescendentes, índios e profissionais indicados por movimentos populares ou entidades que atuem na área de direitos humanos.
O início do curso foi marcado para 14 de fevereiro, e seu encerramento ocorrerá em 13 de dezembro. As aulas ocorrerão quinzenalmente, entre 18h30 e 22h30 de sexta-feira e das 8h às 16h de sábado, na sede do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, localizada na Rua Dom Rodó, 140, na Ponte Pequena, em São Paulo. Será cobrada mensalidade de R$ 50, mas o valor pode ser reduzido em até 100% caso o aluno prove que não pode arcar com o valor.
As inscrições para as 40 vagas disponíveis — sem pagamento de mensalidade — seguem até 27 de janeiro, pelo e-mail curso@apadep.org.br ou na sede da Apadep, na Avenida Liberdade, 65, conjunto 303, em São Paulo, de segunda a sexta-feira, entre 9h e 18h. É necessário entregar ou enviar por e-mail a ficha de inscrição que pode ser encontrada no site da Apadep, além de cópias da carteira de identidade, CPF, certificado de conclusão do curso de Direito — no caso dos bacharéis — e de um comprovante de residência.
A lista de inscritos será divulgada no site da associação em 31 de janeiro. Os interessados em atuar como docentes no curso devem se inscrever até 27 de janeiro, indicando as matérias em que podem lecionar e as atribuições relacionadas à atuação como defensores públicos. Neste caso, a inscrição ocorrerá pelo e-mail curso@apadep.org.br.

Com informações da Assessoria de Imprensa da Apadep.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Prisões para quem?

Transcrito do Jornal Folha de São Paulo de hoje
Prisões para quem?
Sistema carcerário brasileiro não cumpre sua missão; país precisa aprofundar debate sobre função das penas privativas de liberdade
Para que servem as prisões?
A pergunta precisa ser levada a sério. Deveria ser o ponto de partida de toda discussão a respeito do sistema carcerário brasileiro. De sua resposta depende o encaminhamento de soluções para monstruosidades como as registradas em Pedrinhas, maior penitenciária do Maranhão.
Até o século 18, prevalecia a noção de que a finalidade das sanções penais era fazer o criminoso pagar por seus atos delituosos. Regras como "olho por olho, dente por dente" ou os castigos físicos impingidos nas masmorras medievais constituíam somente desdobramentos dessa tese.
Desse ponto de vista, quem ainda hoje nega direitos humanos a delinquentes talvez entenda que ninguém deveria se preocupar com a selvageria dentro das cadeias; os maus-tratos seriam espécie de bônus não previsto no Código Penal.
Mas entre os 548 mil indivíduos entulhados em 310 mil vagas sob a custódia do Estado brasileiro, 195 mil são presos provisórios --sem condenação definitiva. Além disso, calcula-se que mais de 5% estejam indevidamente encarcerados.
Mesmo que sevícias ainda fossem aceitáveis nas democracias atuais, seria forçoso reconhecer que, nas penitenciárias brasileiras, o suplício não preserva nem pessoas que podem ser inocentes.
A humanidade, felizmente, avançou muito desde o final da Idade Média. O Estado moderno não abre mão --ao menos em teoria-- de proteger os direitos humanos de todos, indistintamente.
No que respeita às sanções penais, também houve notáveis progressos. Ao caráter punitivo acrescentaram-se três funções: evitar novos danos à sociedade; dissuadir outros cidadãos de cometer um delito; ressocializar o criminoso.
Não é preciso esforço para notar que o sistema carcerário brasileiro é mais medieval do que moderno.
As punições, no cotidiano prisional, extrapolam o aceitável e não guardam proporção com o crime cometido. Há muito tempo o horror das cadeias é descrito em relatórios da ONU e do Conselho Nacional de Justiça, mas o vídeo divulgado por esta Folha com imagens de Pedrinhas mostrou que qualquer adjetivo é mero eufemismo.
Chega a ser surreal esperar ressocialização após uma temporada numa instituição mais propensa a retirar dos prisioneiros o que lhes resta de humanidade. As penitenciárias são antes escolas do crime, e estima-se que mais de 60% dos detentos retornem a elas.
Diante de reincidência tão elevada, soa pueril falar em dissuasão. De resto, a certeza da condenação presta-se mais a esse propósito do que a gravidade da pena. No Brasil, porém, menos de 10% dos homicídios resultam em prisão.
Sobraria ao cárcere a função de afastar bandidos do convívio social, protegendo os demais cidadãos. Mas nem isso ocorre. Partem, de dentro das celas, ordens de comando para ações criminosas nas ruas, como o ataque cruel que matou Ana Clara, 6, na região metropolitana de São Luís.
As prisões, como se vê, têm servido para muito pouco, ou nada.
O momento é oportuno para discutir uma reorientação radical do sistema. Esta Folhatem defendido há mais de uma década que as penas privativas de liberdade deveriam ser reservadas apenas a infratores que empreguem violência ou grave ameaça em seus crimes.
A tese pode causar surpresa, mas seu fundamento é racional. Baseia-se no princípio de que o encarceramento só é necessário a fim de apartar indivíduos violentos da sociedade, interrompendo a ameaça que representam; nos demais casos, as funções da pena deveriam ser atendidas com medidas de natureza menos medieval.
A punição pode ocorrer na forma de multa, restrições de direitos (impedimento de viajar ou de exercer uma atividade, por exemplo) e sanções alternativas --desde que suficientemente duras e proporcionais ao delito.
Além de implicarem uma retribuição social inexistente na prisão, as alternativas penais, segundo diversos estudos, são muito mais eficientes para prevenir novas infrações, com índice de reincidência oscilando entre 5% e 12%.
O custo também é muito menor. Um preso comum não sai por menos de R$ 24 mil/ano (sem contar a construção de presídios, que demanda R$ 33 mil por vaga); o gasto anual com pena alternativa pode ficar abaixo de R$ 500 por pessoa.
Some-se ainda outra vantagem: a diminuição da população carcerária, tornando mais fácil monitorar os prisioneiros. Como consequência, facções criminosas seriam afetadas, já que a superlotação é benéfica para elas. Hoje, indivíduos pouco perigosos terminam, voluntariamente ou à força, servindo aos interesses dos chefes dentro das cadeias.
Não há, portanto, razão para manter o sistema prisional brasileiro inalterado. Dos pontos de vista pragmático e filosófico ou da perspectiva dos direitos humanos, sobram motivos para o país iniciar um novo debate sobre o tema.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O Brasil abandonou a ideia de recuperação social dos presos

A violência vista nos últimos meses no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, não é uma exclusividade do estado, muito menos do Brasil. De acordo com o relator especial sobre tortura da Organização das Nações Unidas (ONU), Juan Ernesto Méndez, este tipo de violência é parecida com a encontrada em outros países, principalmente na América Latina.

Em entrevista ao jornalista Leandro Colon, do jornal Folha de S.Paulo, ele afirma que o modelo de sistema prisional nesses países dá muita liberdade aos presos e acaba gerando um descontrole. Para Méndez, uma solução para o problema não é simples e exige que o Brasil crie medidas para regenerar os presos, o que segundo o relator da ONU foi abandonado no país.
“Muitos países, como o Brasil, abandonaram a ideia de recuperação. Todos deveríamos pensar que é um grande erro abandonar a ideia de recuperação social e moral deles. Há esperança, não podemos perdê-la, senão mais tragédias como essa do Maranhão vão ocorrer”, aponta.
Para o relator da ONU, a justificativa de que faltam recursos não é válida para explicar a situação em que se encontram as penitenciárias brasileiras. “Há bastante experiências em políticas penais que se pode compartilhar. Não depende de recursos, porque há países que têm sistema penitenciário exemplar e decente e sem dinheiro”, afirma.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista publicada neste domingo (12/1). A íntegra pode ser lida no blog do jornalista Leandro Colon.

Na sua função na ONU, tem encontrado situações parecidas em outros países?
Lamentavelmente sim, principalmente na América Latina, onde a situação é: coloca a pessoa presa e fecha a porta. No interior das prisões há muita liberdade e essa liberdade também vira muito caos e descontrole. Em lugares como Honduras, México, Brasil e Venezuela, temos encontrado muitos episódios de violência, em alguns casos motins, outros entre facções.


Há solução a curto prazo?
Temos que ter uma bateria de soluções. A experiência demonstra que, quanto mais se cria presídios, mais se enche as prisões. É preciso criar medidas de regeneração, baixar as penas, melhorar acesso à liberdade condicional. As soluções não são simples, mas têm que atacar as razões a fundo, como pessoas bem treinadas nas penitenciárias, com normas mais claras de disciplinas, de forma concreta. E aprofundar o estudo de quem não deveria estar preso, porque não é violento, já cumpriu parte da pena ou nunca foi condenado.


O senhor citou medidas para regenerar o preso. É possível a essa altura avançar nesse sentido?
É fundamental e isso faz parte da regra mínima de tratamento dos prisioneiros, de necessidade de restabelecê-los. Muitos países, como o Brasil, abandonaram a ideia de recuperação. Todos deveríamos pensar que é um grande erro abandonar a ideia de recuperação social e moral deles. Há esperança, não podemos perdê-la, senão mais tragédias como essa do Maranhão vão ocorrer.


Temos no Brasil a imagem de que o preso sai pior do que entrou. O senhor concorda?
Exatamente. Creio que a imagem é correta, mas é derrotista pensar que não se pode fazer nada. Há bastante experiências em políticas penais que se pode compartilhar. Não depende de recursos, porque há países que têm sistema penitenciário exemplar e decente e sem dinheiro. Na África, por exemplo, as condições físicas são ruins, mas o tratamento dos presos não é tão mal, há uma boa intenção em relação a eles.


Como controlar as facções que dominam presídios, criando um estado paralelo, com leis próprias?
O Estado tem a obrigação de controlar e fazer a separação física daqueles propensos a violência entre si. Ao mesmo tempo, não se pode cair no vício extremo contrário, como nos Estados Unidos, onde se há alguma suspeita de ligação com algum grupo, permita-se que as autoridades os coloquem em isolamento solitário por tempo indefinido. Isso é gravíssimo. A separação e o controle da disciplina são uma obrigação permanente das autoridades, mas não significa medidas arbitrárias, como colocar em isolamento sem razão.


Temos no Brasil um debate sobre intervenção federal no Maranhão, qual sua opinião?
Não entro nas relações entre estados e governo federal. Do ponto de vista de direito internacional, o governo federal é responsável na comunidade internacional por tudo que passa no Maranhão e em outros estados e tem que tomar medidas para acabar com o que acontece no momento.


Quantos presos há no mundo?
A população carcerária no mundo se calcula em oito milhões de pessoas, mas varia muito, porque em alguns países não temos dados concreto, como China e Índia. Essa cifra de oito milhões é permanente nos últimos quatro, cinco anos. Nos Estados, há 25% da população carcerária mundial, com 1 milhão de presos.


Há algum países que são exemplos de recuperação?
Talvez os países nórdicos, mas alguns deles têm problemas com detenção prolongada em condições isolamento, mas a condição física é exemplar, embora seja importante lembrar da relação com a queda da criminalidade nesses países.
  

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Tribunais devem informar CNJ sobre julgamento de crimes de corrupção

Tribunais têm até dia 30 para informar julgamento de crimes de corrupção

Os tribunais têm até o próximo dia 30 para informar ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) os dados finais sobre o cumprimento da Meta 18 de 2013, que estabeleceu prioridade para o julgamento de todos os processos de improbidade administrativa e de crimes contra a administração pública distribuídos até o final de 2011.  Somente após o  recebimento dos dados, o CNJ fechará o balanço de 2013, informou Ivan Bonifácio, diretor do Departamento de Gestão Estratégica do CNJ.
De acordo com os dados disponíveis até o momento, os tribunais cumpriram apenas 54,51% da meta, indicando que parte dos processos que deveriam ser julgados em 2013 ficou para este ano. Dos 37 órgãos envolvidos na meta, 8 superaram 75% de cumprimento.

Ivan Bonifácio comentou que, segundo as informações prestadas pelos Tribunais, em números relativos a Justiça Federal teve melhor desempenho que a Justiça Estadual, uma vez que julgou em média 70% (21.659)  do acervo pendente de Julgamento, com destaque para o TRF da 3ª Região, que cumpriu  87% da meta,  representando a solução de 4.828 processos. Esse Tribunal abarca os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.

A Justiça Estadual, por sua vez,  julgou em média apenas 50% dos processos pendentes, mas solucionou mais casos que a Federal: 38.666. Entre os Tribunais de pequeno porte, o destaque, até o momento, é o TJ do Amapá, que cumpriu 95% da meta, solucionando 744 feitos. O TJ do Rio de Janeiro é o que figura com melhor desempenho entre os Tribunais de grande porte, ao julgar mais de 4 mil processos em 2013, cumprindo 73% da meta.
A Justiça Militar Estadual apresentou melhor performance relativa, julgando 95% dos processos contemplados pela meta, com a resolução de 705 ações judiciais.

Em 2014, a meta inclui o compromisso de julgar os processos de improbidade e contra a administração pública distribuídos até 2012, e passou a ser denominada Meta 4.

Agência CNJ de Notícias.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

A crônica das decapitações anunciadas

Transcrevo na íntegra artigo de Paulo Sérgio Pinheiro, publicado na folha de São Paulo de hoje:

Os Estados da federação brasileira, depois do fim das detenções arbitrárias na ditadura militar e do retorno à democracia, banalizaram a pena de reclusão.
Com cerca de 500 mil presos, o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, atrás em número apenas dos Estados Unidos (2,2 milhões), da China (1,6 milhão) e da Rússia (740 mil).
Hoje, no mundo, a maioria das vítimas de detenções arbitrárias é composta por presos comuns que passam muitos anos atrás das grades, muitas vezes pela simples razão que a administração da Justiça em seu país não funciona.

Em novembro de 2009, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) anunciou que, do total de casos que havia revisado até então, um em cada cinco presos provisoriamente estava irregularmente encarcerado, o que sugere que o problema já fosse extremamente sério em todo o país.

Há mais de 9 milhões de prisioneiros comuns no mundo. Grande parte é mantida em condições que correspondem a tratamento desumano ou degradante, o que constitui uma violação de vários direitos civis, políticos e econômicos, sociais e culturais, assegurados por tratados internacionais que o Brasil ratificou.
Em muitos países, como no nosso, e não apenas no hemisfério Sul, as prisões estão superlotadas, sujas, infectadas por doenças contagiosas. Faltam as instalações mínimas necessárias para satisfazer uma existência digna, a qual o Estado democrático é obrigado a garantir.
Todo esse diagnóstico corresponde em detalhes ao "Mutirão Carcerário, Raio-X do Sistema Penitenciário Brasileiro", realizado pelo CNJ, na gestão de Cezar Peluso.

Certamente, o Estado do Maranhão não ganha o prêmio da originalidade, mas o que está sucedendo hoje já havia sido prenunciado. A penitenciária de São Luís foi palco da maior rebelião em 2010, que durou 30 horas e teve 18 mortes. "Com a concentração dos estabelecimentos penais em São Luís, a rixa entre presos da capital e do interior é característica do sistema prisional maranhense, resultando em um ambiente de horror regado a crimes bárbaros", diagnosticou o CNJ.

Em fevereiro de 2011, a cena de barbárie se repetiu na delegacia regional de Pinheiro, a pouco mais de 300 quilômetros da capital, em que seis presos foram assassinados, sendo que quatro tiveram suas cabeças decepadas e penduradas nas grades. Um olho humano foi jogado para fora da cela como pressão para as autoridades "negociarem".

Não há nenhuma dúvida de que o Executivo maranhense, por sua omissão, tem enorme responsabilidade por esses crimes cometidos por presos sob custódia do Estado.
Mas é inegável, como aliás aponta Janio de Freitas na coluna "Sentença dupla" ("Poder", 7/1), haver uma responsabilidade primária, subsidiária, compartilhada das autoridades diretamente responsáveis pelo sistema de Justiça, como o juízes, os promotores de Justiça, desembargadores e procuradores do Ministério Público Federal no Estado.

A situação denunciada em 2012 foi se agravando diante dos narizes de todas essas autoridades, que deveriam ser responsabilizadas pelas famílias dos presos assassinados, esfolados, decapitados.
As condições do cumprimento de pena em termos de segurança são políticas suicidas pois, em vez de transformarem os condenados em cidadãos, alimentam a brutalidade.
A maioria das prisões no Brasil é um atentado à dignidade humana. Meio século depois do golpe de Estado de 1964 e 25 anos depois do retorno à constitucionalidade democrática, não há mais como adiar o enfrentamento desse legado autoritário. Mas, como dizia meu colega hoje psicanalista Roberto Gambini, tudo no Brasil já era rápido de mais.

Todos estamos horrorizados pelas barbaridades da temporada de decapitações no Maranhão, que aliás ocorrem e ocorreram, sob configurações diferentes, em todas as prisões do Brasil sob todos os governos. Mas o horror durará apenas alguns dias, até a próxima decapitação.

PAULO SÉRGIO PINHEIRO, 70, é presidente da comissão internacional da ONU de investigação sobre a Síria. Foi secretário de Estado de Direitos Humanos (governo FHC)

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Novo CPC impõe mudanças em antigas práticas

Por ter participado da comissão que elaborou o anteprojeto do novo Código de Processo Civil, praticamente tudo o que escrevo ou falo a respeito é visto com reservas: se elogio, é porque estou enaltecendo algo de que participei; se critico, é porque alguma de minhas sugestões não foi aceita. Mas são ossos do ofício. Ainda que de maneira contida, não é possível deixar de falar sobre tema. Acredito que é no processo que se revelam não apenas questões do direito substantivo, mas também as deficiências do Estado, as mazelas da sociedade e a miséria humana.

Difícil saber se, em 2014, a Câmara dos Deputados finalmente votará o projeto de novo CPC e o devolverá, com as muitas emendas que fez, ao Senado Federal. Uma de minhas “resoluções” para o Ano Novo foi a seguinte: não aguardar mais a lamentável lentidão com que o Congresso Nacional lida com esse projeto. Espero ser surpreendido com alguma boa notícia a respeito. Confesso que será mesmo uma surpresa, para mim, se o projeto for aprovado logo, neste semestre, ou neste ano... Aguardemos!

O projeto de novo CPC, de todo modo, já rendeu muitos frutos interessantes. Tenho lido cada vez mais obras e artigos doutrinários que refletem sobre as características do processo civil moderno que vieram a ser incorporadas no projeto. Gradativamente, os ideais contidos no projeto começam a fazer parte do discurso jurídico e, com o tempo — espero —, o discurso deve se converter em prática.

O processo novo, contudo, é um processo profundo e integral. Há muito ainda que se dizer e explorar em torno desses conceitos. Falemos um pouco, a respeito.
Durante muito tempo, a atuação jurisdicional foi considerada pelos teóricos como o centro do processo, como se o processo servisse à jurisdição estatal. Paradoxalmente, esse discurso gerou um efeito curioso: o Estado vê-se a si mesmo como algo que está acima do processo, ou mesmo fora dele. Ver os resultados apenas como “números” é uma das consequências desse ponto de vista.

 Mas não é assim que deve ser. O Estado não existe para servir a si mesmo, assim como o processo não existe para servir ao Estado. A prestação jurisdicional deve passar a ser vista também como serviço público prestado pelo Estado ao cidadão. Evidentemente, isso não expurga todas as teorias que foram concebidas para explicar a jurisdição, mas exige que, ao se pensar na prestação jurisdicional, considere-se sobretudo aquele a que o Estado deve servir. No processo velho, estudamos o processo como algo servil ao Estado. Assim considerado, o processo é superficial. No processo novo, o Estado é um dos elementos — importantíssimo, evidentemente —, mas não o principal ou único foco. O levar a sério os fins do processo impõe uma consideração profunda que tenha em vista os outros elementos que compõem o processo.

Não deixam de ser animadoras, nesse contexto, notícias como a recentemente publicada em vários jornais, que informam que o novo presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini, pretende “descentralizar” o tribunal, criando unidades de segunda instância no interior do estado, facilitando o acesso das partes ao tribunal. Esse é um problema que não aflige apenas a Justiça paulista. Como já mencionei em outro texto, na Justiça Federal e em muitos outros estados às sedes dos tribunais encontram-se muito distantes da comarca ou subseção judiciária, o que torna dispendioso o deslocamento do advogado da parte para acompanhamento da causa. Evidentemente, quem mais sofre com esse estado de coisas é o litigante que tem poucas condições de arcar com tais despesas.

Aqui, toca-se na ideia de que, além de profundo, o processo novo deve ser integral. Isso compreende o que tenho chamado de jurisprudência integral ou íntegra, mas vai além. A ideia de que a Justiça deve ser acessível a todos é amplamente compreendida, embora nem sempre realizada concretamente. A demora na implementação das Defensorias Públicas em vários cantos do país é exemplo disso. Mas, além de acessível a todos, é necessário que a todos seja dado acesso a toda a Justiça. Nesse contexto, a criação de obstáculos injustificáveis ao acesso aos tribunais — a odiosa prática da “jurisprudência defensiva” — revela que ainda temos muito o que caminhar, nesse sentido.

Os problemas da jurisdição estatal acabam impelindo as partes a outros meios de solução de conflitos. Não deveria ser assim. A opção pela conciliação ou pela mediação, ou, ainda, pela arbitragem, deveria ser vista como alternativa posta à disposição do cidadão, que poderiam escolher um desses caminhos por vê-lo como mais adequado à solução do problema, e não para fugir das mazelas do processo judicial.
O processo novo tem tudo a ver com os princípios consagrados no projeto do novo CPC, mas a eles não se limita.

Tornar concreto tudo o que envolve a ideia de processo novo exige, sobretudo, que alteremos nossa praxis. Que consigamos dar passos nesse sentido é o que desejo, para este ano de 2014.


Revista Consultor Jurídico, 6 de janeiro de 2014

sábado, 4 de janeiro de 2014

Boas perspectivas para conciliação e mediação

Um dos preceitos básicos de boa gestão na Administração Pública consiste em verificar se há razoável equilíbrio entre a demanda e a oferta dos serviços públicos. Atualmente, de acordo com o relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça, a cada ano, de dez novas demandas ingressadas no Judiciário brasileiro, apenas três são resolvidas. As outras sete são postergadas para os anos seguintes. Grosseiramente, isto significa que são necessários três anos e quatro meses de atividade do poder Judiciário para proporcionar a resolutividade necessária para um ano. Por outro lado, já uma tradição no poder Judiciário brasileiro, a Semana Nacional de Conciliação proporciona em apenas uma semana cerca de 300 mil acordos. Novamente de forma aproximada, se fosse possível a designação de nove SNCs em um único ano, toda a demanda anual do Judiciário estaria absorvida exclusivamente nessas nove semanas. As demais 43 semanas do ano poderiam ser direcionadas a reduzir o acervo de mais de 92 milhões de feitos que aguardam resolução.

Naturalmente, além do problema quantitativo, há o problema qualitativo — muitas conciliações ainda são pressões inoportunas para que o jurisdicionado abra mão de direitos — o que não é sequer legítimo ou legal, pois em muitos casos viola os princípios do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal. Ainda quanto ao problema quantitativo, cumpre destacar também que nem toda demanda é conciliável e, principalmente, ainda não temos cultura jurídica, estruturas e recursos humanos para a organização de "nove SNCs" por ano.

Todavia, cultura jurídica se constrói mediante incentivos apropriados, estruturas se consolidam com adequados investimentos — obtidos também por meio da demonstração efetiva de resultados — e recursos humanos se formam ante modelos pedagógicos racionalmente estruturados. O ano de 2013 não proporcionou tudo isso, entretanto, alguns avanços importantes foram realizados - muitos pela iniciativa privada outros pelo próprio poder público.

O ano de 2013, no âmbito da mediação judicial e da conciliação, foi marcado pela consolidação do entendimento de que não é aceitável um modelo de poder público se permitir ser tão deficitário no que concerne ao seu índice de congestionamento quando já existem no Brasil soluções possíveis. Merecem destaque os seguintes fatos: 
i) a aprovação, no Senado, do projeto de lei de mediação do senador Ricardo Ferraço, em tramitação desde 2011; 
ii) a organização da I Conferência Nacional de Conciliação e Mediação Judicial e da I Conferência Nacional de Mediação de Família e Práticas Colaborativas; 
iii) a continuação da formação de instrutores em mediação judicial e conciliação pelo CNJ;
iv) A organização do I Curso Básico de Mediação Judicial que atendeu 2 mil alunos de todo o Brasil e
v) o estimulo pelo CNJ a magistrados que encaminhem demandas litigiosas em varas de família a mediadores de família para atuarem, de forma remunerada quando possível, como auxiliares da justiça (artigo 139 do CPC) e o encaminhamento a oficinas de parentalidade e divórcio – uma prática voltada a educar pais divorciando a resolverem melhor seus conflitos.


A aprovação, no Senado, do projeto de lei 517 de 2011.
O projeto de Lei do Senado de no. 517 de 2011 do senador Ricardo Ferraço, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça em 12 de dezembro de 2013, foi um importante passo para a consolidação de uma ampla cultura de mediação de conflitos na sociedade brasileira. Isto porque, por este projeto, que ainda segue para análise na Câmara dos Deputados, a mediação, ainda que não seja obrigatória (artigo 2º, parágrafo único do PLS 517/11), deverá ser fortemente estimulada. Por este projeto o encaminhamento de feitos para a mediação judicial passa a ser um desdobramento natural da propositura da demanda (artigo 25 do PLS 517/11). Com a atual redação, após recebimento da inicial o magistrado deverá, quando mediável o feito, encaminhá-lo ao mediador judicial. Este, por sua vez, poderá ou não ser do quadro de servidores do poder Judiciário. Na hipótese de mediadores que não são do quadro, ressalvados os contextos de gratuidade da justiça, a mediação deverá ser remunerada.



A I Conferência Nacional de Conciliação e Mediação Judicial e a I Conferência Nacional de Mediação de Família e Práticas Colaborativas.
Mais do que reunir especialistas na área de Resolução Apropriada de Disputas, essas duas conferências foram sede importantes definições em políticas públicas em conciliação e mediação judicial. Na I Conferência Nacional de Conciliação e Mediação Judicial, que ocorreu em 28 de junho, definiu-se a necessidade de uma lei de mediação que tornasse mais natural o encaminhamento de feitos diretamente à mediação antes da fase de instrução. 

Constatou-se que em países em que não há encaminhamento compulsório de feitos à mediação a redução de congestionamento no Poder Judiciário foi insignificante. O projeto de lei que mais se aproximou do referido ponto, do senador Ricardo Ferraço, até então apenas determinava que o juiz "recomendasse" a mediação judicial (artigo 12 da redação original do PLS 517/11). Após esta conferência, foram organizadas duas comissões para definição desse marco legal com habilidosa condução pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão, Marco Aurélio Buzzi, Fátima Nancy Andrighi, pelos conselheiros do Conselho Nacional de Justiça José Roberto Neves Amorim e Emmanoel Campelo e, pelo secretário Flávio Crocce do Ministério da Justiça. As duas comissões contaram com a participação de diversos especialistas interessados na construção de uma Justiça Consensual eficiente e culminaram em uma redação de encaminhamento à mediação judicial após a distribuição do feito. Como mencionado acima, pelo texto atual, a participação na mediação não é obrigatória mas estimulada e as partes podem, a qualquer momento, rejeitar a mediação.


Por outro lado, a I Conferência Nacional de Mediação de Família e Práticas Colaborativas proporcionou também ganhos na consolidação de políticas públicas com um rico debate sobre a possibilidade de se aplicar o art. 139 do Código de Processo Civil ("são auxiliares do juízo, além de outros, cujas atribuições são determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador e o intérprete") para o encaminhamento de disputas familiares para mediadores de família. A experiência de juízes do TJ-SP e do TJ-GO foram ouvidas. Esta prática foi estimulada pelo conselheiro Emmanoel Campelo do CNJ e pelo ministro Marco Buzzi do STJ. Ambos constataram também que o encaminhamento de disputas para mediadores de família demanda acompanhamento pelos magistrados e gerenciamento para que demandas complexas não sejam encaminhadas para mediadores menos experientes.


A continuação da formação de instrutores em mediação judicial pelo CNJ.
A despeito dos esforços dos últimos 3 anos pelo CNJ o número de instrutores em mediação e conciliação no país ainda permanece reduzido. Considerando a crescente demanda, e a perspectiva de que a demanda crescerá exponencialmente nos próximos anos o CNJ tem envidado esforços para para multiplicar o número de instrutores em mediação e conciliação no Brasil, visando a formação de efetivos facilitadores que desempenhem suas funções satisfatoriamente para a população. Como mencionado em outra oportunidade[1] as aulas tem sido ministradas para servidores dos tribunais de Justiça e voluntários, com a condição de já possuírem ampla experiência em mediação. Os novos instrutores, para receber seus certificados, devem lecionar cinco cursos básicos de mediação — sem custo aos tribunais ou aos participantes — e são também avaliados pelos seus próprios alunos. Nesses cursos, parte-se da premissa de que é possível uma abordagem mais pluralista dentro do próprio oder Judiciário, ou seja: podem existir diversas respostas concomitantemente corretas (e legítimas) para uma mesma questão levada a juízo. Nesse contexto, cumpre às partes construírem a solução para suas próprias questões e, assim, encontrarem a resposta que melhor se adeque às suas necessidades – sejam estas juridicamente tuteladas ou não. Nesses treinamentos, abandona-se a perspectiva de que, no poder Judiciário, as partes necessariamente estão em lados opostos. Isto porque adota-se a visão de que estas podem estar do mesmo lado. Assim, utiliza-se progressivamente a perspectiva de que o poder Judiciário é essencialmente um órgão de aproximação de pessoas em conflito — ou um “hospital de relações sociais”.



A organização do I Curso Básico de Mediação Judicial que atendeu 2 mil alunos de todo o Brasil.
Este curso representou um dos maiores desafios desde o início do Movimento pela Conciliação no Conselho Nacional de Justiça em 2007: transpor um curso eminentemente prático com enfoque em técnicas e competências para um ambiente não presencial. Esta adaptação demandou grandes esforços dos cursistas e dos tutores, pois os participantes precisavam gravar em vídeo (e realizar upload para o Youtube) segmentos de mediação em que demonstravam conhecimento de técnicas. Os tutores, por sua vez examinavam os vídeos e apresentavam sugestões de melhoria da técnica. Pelo esforço de gravação e revisão das técnicas, o curso foi considerado pelos alunos como muito demandante. Nesse sentido, os participantes compreenderam que mediar demanda grande esforço não apenas das partes mas também do próprio mediador no que tange também à sua formação.



O estimulo ao encaminhamento, por magistrados, de demandas litigiosas em varas de família a mediadores de família para atuarem, de forma remunerada quando possível, como auxiliares da justiça (art. 139 do CPC) e o encaminhamento a oficinas de parentalidade e divórcio – uma prática voltada a educar pais divorciando a resolverem melhor seus conflitos.

Alguns magistrados há anos têm encaminhado feitos a mediadores com base no art. 139 do Código de Processo Civil. Esta prática foi estimulada pelo presidente da Comissão de Acesso à Justiça do CNJ, conselheiro Emmanoel Campelo, em sua abertura da I Conferência Nacional de Mediação de Família e Práticas Colaborativas. No entanto, a seleção do mediador para atuar em um caso específico, nos termos do artigo 139 do CPC, consiste em decisão do magistrado, que pode e deve ser tomada a partir de critérios objetivos. Um desses critérios sugeridos no encontro foi o formulário de satisfação do usuário de mediação, que permite mensurar os parâmetros básicos de condução da mediação.


Outra prática de magistrados que este ano recebeu forte incentivo foi a organização de oficinas de parentalidade e divórcio. A pratica oferece encontros dos pais e dos filhos em grupos separados, com duração média de duas a quatro horas, e com a participação de psicólogos, pedagogos e juízes. O par parental é separado em grupos mistos, composto por homens e mulheres e nos quais se abordam os efeitos que os conflitos podem acarretar nos filhos. Parte-se da premissa de que o divórcio não é o grande fator de prejuízo para os filhos e para o par parental mas sim os próprios conflitos mal administrados. Além de auxiliar pais a resolverem melhor seus conflitos, as oficinas de parentalidade, já em funcionamento em diversos tribunais brasileiros, tem proporcionado índices de conciliação de 70%.

Como muito bem indicado pelo conselheiro Emmanoel Campelo, o poder Judiciário em 2013 se antecipou às alterações legislativas e tem buscado soluções preparatórias para o novo modelo de encaminhamento de feitos para mediadores proposto no PLS 517/11 e no projeto do Novo Código de Processo Civil. Isso decorre de mudanças significativas quanto expectativas quantitativas e qualitativas do Poder Judiciário, deixando de ser um ambiente em que se tolera o monstruoso congestionamento de 70% quando já existem soluções mais satisfatórias para o jurisdicionado — como a mediação, a conciliação, as oficinas de parentalidade entre outras – e que, por envolverem maior participação ou contribuição da sociedade, são também mais democráticas.
Diante da democratização e da consensualização da justiça não há como deixar de concluir que, para a conciliação e mediação judicial, 2013 foi um bom ano. Que 2014 permita a continuação desse amadurecimento da nossa sociedade...
[1] http://www.conjur.com.br
Transcrito da Revista Consultor Jurídico.