quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Ações Coletivas têm preferência no Judiciário

Ações individuais só podem andar depois que as ações coletivas sobre o mesmo tema transitarem em julgado. A tese foi fixada nesta quinta-feira (12/12) pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça num recurso repetitivo. Portanto, se aplica a todos os casos semelhantes em tramitação na Justiça.
Ações coletivas têm preferência no Judiciário por tratarem de direitos individuais homogêneos de forma coletiva, afirma o ministro Luis Felipe Salomão
Gustavo Lima/STJ
De acordo com o relator, ministro Luis Felipe Salomão, autor da tese vencedora, ações civis públicas têm preferência por abranger direitos individuais homogêneos. Por meio delas, afirma o ministro, se reconhece o fato gerador comum a todos os pedidos de reparação para facilitar a defesa dos prejudicados em juízo.
“O legislador institui as referidas ações partindo da premissa de que são, presumivelmente, propostas em prol de interesses sociais relevantes ou, ao menos, de interesse coletivo, por legitimado ativo que se apresenta, ope legis, como representante idôneo do interesse tutelado”, explica, no voto.
Salomão também afirma que é possível assinar termos de ajustamento de conduta nas ações coletivas. Esse tipo de acordo só pode ser assinado pelo legitimado por lei a propor as ações, mas abrange todos os seus representados — ao contrário dos acordos individuais, que só envolvem as partes em litígio.
Para o ministro, a autocomposição nos direitos coletivos, nesses casos, proporciona a pacificação social por meio do Judiciário, o que a doutrina chama de mending justice.
Segundo Salomão, a suspensão das ações individuais não implica prejuízo à adoção de eventuais medidas de natureza cautelar pelo Juízo do feito coletivo, nitidamente facilita a celebração desse aludido acordo
“E também evita-se também, nos danos de magnitude, com potencial de ocasionar a insolvência do responsável, que apenas os primeiros sejam indenizados, em prejuízo dos que ajuízam a ação mais tardiamente (em regra, os mais vulneráveis)”, disse.
REsp 1.525.327
Revista Consultor Jurídico.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

CNJ Serviço: o que é e como pedir assistência judicial gratuita

O direito à justiça gratuita está previsto no artigo 5º da Constituição Federal, que atribui ao Estado a responsabilidade de “prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Daí é extraída, além da garantia de assistência jurídica integral e gratuita, que consiste no oferecimento de orientação e defesa jurídica prestada pela Defensoria Pública, em todos os graus, a quem precisa, também a garantia de gratuidade das despesas que forem necessárias para que a pessoa necessitada possa defender seus interesses em um processo judicial.
Anteriormente regulada pela Lei n. 1.060/1950, a gratuidade da justiça passou a ser tratada pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015, revogando quase toda a lei da década de 1950. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça.
A isenção pode ocorrer em nove tipos de despesas processuais: as taxas ou as custas judiciais; os selos postais; as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios; a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se estivesse em serviço; as despesas com a realização de exame de código genético (DNA) e de outros exames considerados essenciais.
O cidadão pode fazer o pedido de forma simples, por petição, na qual a pessoa deve informar que não possui condições de arcar com as custas e os honorários sem prejuízo próprio e de sua família. Segundo o CPC, a alegação de insuficiência apresentada por pessoa natural possui uma presunção de veracidade, sendo a pessoa natural, em regra, dispensada de comprovar a insuficiência de recursos. O mesmo não ocorre com as pessoas jurídicas, que devem demonstrar a necessidade da concessão da gratuidade.
O artigo 99 do CPC permite que o pedido seja feito a qualquer momento do processo, seja na petição inicial, na contestação, na petição de ingresso de terceiro ou mesmo no recurso. O pedido deve ser analisado por um juiz que pode conceder ou negar o pedido, caso haja elementos nos autos que comprovem a desnecessidade da gratuidade.
O pedido de gratuidade pode ser impugnado e, se o autor do pedido não conseguir produzir provas que comprovem a necessidade do benefício, pode ser negado. Essa decisão pode ser questionada por meio do recurso de agravo de instrumento, conforme prevê o CPC.
De acordo com o CPC, caso seja constatada a má-fé do beneficiário da justiça gratuita, ele pode ser condenado ao pagamento de multas que podem chegar a até 10 vezes o valor das despesas devidas (art. 100, parágrafo único, CPC).
Agência CNJ de Notícia

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Nem sempre é correta a dupla imputação por corrupção e lavagem

Personagens corriqueiros nos processos penais atuais, a corrupção e a lavagem de dinheiro andam de mãos dadas em denúncias e condenações. Sempre que algum servidor público recebe vantagem indevida por interpostas pessoas (esposa, mãe, irmão, sócio) ou empresas laranjas é acusado por ambos os crimes — corrupção pela vantagem indevida, e lavagem de dinheiro pelo recebimento dissimulado.
Nem sempre essa dupla imputação é correta.
Lavar dinheiro é ocultar ou dissimular recursos provenientes de infrações penais. O problema é quando a corrupção passiva é o crime antecedente, que gera o capital ilícito. Nesse caso o ato de ocultação ou dissimulação do dinheiro recebido está previsto no próprio tipo penal.
O artigo 317 do CP dispõe como crime o ato de
“Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.
O grifo no indiretamente é proposital.
Na corrupção passiva, o recebimento da vantagem indevida pode se dar de forma direta ou indireta. Quando direta, o próprio agente recebe a vantagem indevida. Quando indireta, o recebimento se dá por terceiros, por interpostas pessoas, físicas ou jurídicas. Assim, se um funcionário público recebe vantagens indevidas por intermediários, há corrupção passiva consumada.
Mas não há lavagem de dinheiro. Nesse caso, a ocultação mediante o recebimento de valores por interposta pessoa ou interposta empresa já é prevista no tipo penal da corrupção, está contida no tipo penal da corrupção através da expressão “receber indiretamente”. Entender esse recebimento indireto como lavagem de dinheiro também seria punir duas vezes alguém pelo mesmo fato.
O Supremo Tribunal Federal discutiu esse tema nos autos da Ação Penal 470, no caso de um servidor público que recebeu valores em razão do exercício de suas funções através de sua esposa, que buscou o dinheiro em espécie agência bancária. A Procuradoria-Geral da República ofereceu denuncia pela prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A corte afastou a incidência do segundo por entender que o uso de interposta pessoa para o recebimento de valores é parte, integra o tipo penal de corrupção passiva. Essa forma de ocultação, portanto, está contida no artigo 317 do Código Penal, de forma que o delito de lavagem de dinheiro é absorvido pelo crime antecedente[1]. Nesse sentido votaram o ministro Luis Barroso, o ministro Ricardo Lewandowski, a ministra Rosa Weber, dentre outros.
Ocorre que tal orientação não é exatamente aquela que vem sendo adotada em decisões judiciais recentes, em especial no âmbito da operação "lava jato". Em alguns casos concretos, reconheceu-se a existência de lavagem de dinheiro e corrupção quando o ato de ocultação foi mais sofisticado do que o mero uso de interposta pessoa. Segundo tais decisões, é o que ocorre nos casos em que o funcionário público recebe a vantagem indevida via contratos fraudulentos com empresas de fachada, ou em contas no exterior em nome de terceiros. Não se trataria mais de um ato singelo de encobrimento, como acontece nos casos de pagamento via terceiros, em dinheiro vivo. Nessa situação a dissimulaçãoseria mais elaborada que o mero recebimento indireto previsto no tipo penal da corrupção passiva, extrapolaria seu âmbito e não mais nele estaria contido. Seria possível aqui a punição pelos dois crimes.
Nesse sentido:
“O Supremo Tribunal Federal entendeu, acertadamente, naquele caso (Apn 470) que o pagamento de propina a interposta pessoa ainda fazia parte do crime de corrupção e não do de lavagem. Salta aos olhos primeiro a singeleza da conduta de ocultação naquele processo, a mera utilização da esposa para recebimento em espécie da propina. Também necessário apontar a relevante diferença de que, naquele caso, o numerário não foi recebido pela esposa e sucessivamente pelo ex-parlamentar já ocultado ou com aparência de ilícito. Pelo contrário, ao dinheiro em espécie, ainda é necessário, para a reciclagem, o emprego de algum mecanismo de ocultação e dissimulação. Já no presente feito, não se trata de mero pagamento a interposta pessoa mas, com a utilização de contas secretas no exterior, em nome de, um lado, uma off-shore, doutro lado, um trust, da realização de uma transação sub-reptícia, por meio da qual a propina é colocada e ocultada em um local seguro. Para o beneficiário, desnecessárias ulteriores providências para ocultar a propina, já que as condutas envolvidas na transferência foram suficientes para essa finalidade”[2].
Tal solução não parece adequada.
Em primeiro lugar, importante destacar que o STF não faz distinção entre atos singelos e complexos para reconhecer a lavagem de dinheiro[3]. Para a Corte, qualquer ocultação será típica, seja ela elaborada ou não.
Se a sofisticação do ato de ocultação é irrelevante para a consumação do tipo penal, tanto o encobrimento complexo quanto o rudimentar estão contidos na corrupção passiva, quando o ato revelar um meio indireto de recebimento da vantagem indevida. Não parece lógico negar a distinção entre dissimulação simples e elaborada para reconhecer o crime, e insistir nessa mesma distinção para afastar a consunção com a corrupção passiva.
Assim, se a ocultação ou dissimulação típica da lavagem de dinheiro se limitar ao recebimento “indireto” dos valores — por meio simples ou sofisticado —, haverá contingência entre os tipos penais de corrupção e lavagem de dinheiro, prevalecendo o primeiro e aplicando-se o instituto da consunção para o segundo. Haverá, por outro lado, concurso material entre lavagem de dinheiro e corrupção passiva se constatado no caso concreto outro ato de ocultação ou dissimulação para além do recebimento indireto, como, por exemplo, a simulação de negócios posteriores com a finalidade de conferir aparência lícita aos recursos recebidos. A menção ao recebimento indireto no tipo penal de corrupção passiva não implica salvo conduto para qualquer comportamento de ocultação posterior.
Em síntese, é possível reconhecer a prática conjunta de corrupção passiva e lavagem de dinheiro quando, após o recebimento da vantagem indevida, o servidor público realiza condutas autônomas para esconder ou dissimular os recursos ilícitos. Porém, se o ato de ocultação é simultâneo ao recebimento, se ocorre ao mesmo tempo, a lavagem de dinheiroé absorvida pela corrupção passiva, não importando sua complexidade ou sofisticação.

[1] Para uma analise mais detalhada do julgamento e dos votos, ver nosso Lavagem de dinheiro, em coautoria com Gustavo Badaró, RT, 2016.
[2] 13ª Vara Federal de Curitiba. Ap 5027685-35.2016.4.04.7000/PR, proferida em 25.05.2017
[3] STF, RHC 80.816-6/SP, 1.ª T., j.18.06.2011.Personagens corriqueiros nos processos penais atuais, a corrupção e a lavagem de dinheiro andam de mãos dadas em denúncias e condenações. Sempre que algum servidor público recebe vantagem indevida por interpostas pessoas (esposa, mãe, irmão, sócio) ou empresas laranjas é acusado por ambos os crimes — corrupção pela vantagem indevida, e lavagem de dinheiro pelo recebimento dissimulado.
Nem sempre essa dupla imputação é correta.
Lavar dinheiro é ocultar ou dissimular recursos provenientes de infrações penais. O problema é quando a corrupção passiva é o crime antecedente, que gera o capital ilícito. Nesse caso o ato de ocultação ou dissimulação do dinheiro recebido está previsto no próprio tipo penal.
O artigo 317 do CP dispõe como crime o ato de
“Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”.
O grifo no indiretamente é proposital.
Na corrupção passiva, o recebimento da vantagem indevida pode se dar de forma direta ou indireta. Quando direta, o próprio agente recebe a vantagem indevida. Quando indireta, o recebimento se dá por terceiros, por interpostas pessoas, físicas ou jurídicas. Assim, se um funcionário público recebe vantagens indevidas por intermediários, há corrupção passiva consumada.
Mas não há lavagem de dinheiro. Nesse caso, a ocultação mediante o recebimento de valores por interposta pessoa ou interposta empresa já é prevista no tipo penal da corrupção, está contida no tipo penal da corrupção através da expressão “receber indiretamente”. Entender esse recebimento indireto como lavagem de dinheiro também seria punir duas vezes alguém pelo mesmo fato.
O Supremo Tribunal Federal discutiu esse tema nos autos da Ação Penal 470, no caso de um servidor público que recebeu valores em razão do exercício de suas funções através de sua esposa, que buscou o dinheiro em espécie agência bancária. A Procuradoria-Geral da República ofereceu denuncia pela prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A corte afastou a incidência do segundo por entender que o uso de interposta pessoa para o recebimento de valores é parte, integra o tipo penal de corrupção passiva. Essa forma de ocultação, portanto, está contida no artigo 317 do Código Penal, de forma que o delito de lavagem de dinheiro é absorvido pelo crime antecedente[1]. Nesse sentido votaram o ministro Luis Barroso, o ministro Ricardo Lewandowski, a ministra Rosa Weber, dentre outros.
Ocorre que tal orientação não é exatamente aquela que vem sendo adotada em decisões judiciais recentes, em especial no âmbito da operação "lava jato". Em alguns casos concretos, reconheceu-se a existência de lavagem de dinheiro e corrupção quando o ato de ocultação foi mais sofisticado do que o mero uso de interposta pessoa. Segundo tais decisões, é o que ocorre nos casos em que o funcionário público recebe a vantagem indevida via contratos fraudulentos com empresas de fachada, ou em contas no exterior em nome de terceiros. Não se trataria mais de um ato singelo de encobrimento, como acontece nos casos de pagamento via terceiros, em dinheiro vivo. Nessa situação a dissimulaçãoseria mais elaborada que o mero recebimento indireto previsto no tipo penal da corrupção passiva, extrapolaria seu âmbito e não mais nele estaria contido. Seria possível aqui a punição pelos dois crimes.
Nesse sentido:
“O Supremo Tribunal Federal entendeu, acertadamente, naquele caso (Apn 470) que o pagamento de propina a interposta pessoa ainda fazia parte do crime de corrupção e não do de lavagem. Salta aos olhos primeiro a singeleza da conduta de ocultação naquele processo, a mera utilização da esposa para recebimento em espécie da propina. Também necessário apontar a relevante diferença de que, naquele caso, o numerário não foi recebido pela esposa e sucessivamente pelo ex-parlamentar já ocultado ou com aparência de ilícito. Pelo contrário, ao dinheiro em espécie, ainda é necessário, para a reciclagem, o emprego de algum mecanismo de ocultação e dissimulação. Já no presente feito, não se trata de mero pagamento a interposta pessoa mas, com a utilização de contas secretas no exterior, em nome de, um lado, uma off-shore, doutro lado, um trust, da realização de uma transação sub-reptícia, por meio da qual a propina é colocada e ocultada em um local seguro. Para o beneficiário, desnecessárias ulteriores providências para ocultar a propina, já que as condutas envolvidas na transferência foram suficientes para essa finalidade”[2].
Tal solução não parece adequada.
Em primeiro lugar, importante destacar que o STF não faz distinção entre atos singelos e complexos para reconhecer a lavagem de dinheiro[3]. Para a Corte, qualquer ocultação será típica, seja ela elaborada ou não.
Se a sofisticação do ato de ocultação é irrelevante para a consumação do tipo penal, tanto o encobrimento complexo quanto o rudimentar estão contidos na corrupção passiva, quando o ato revelar um meio indireto de recebimento da vantagem indevida. Não parece lógico negar a distinção entre dissimulação simples e elaborada para reconhecer o crime, e insistir nessa mesma distinção para afastar a consunção com a corrupção passiva.
Assim, se a ocultação ou dissimulação típica da lavagem de dinheiro se limitar ao recebimento “indireto” dos valores — por meio simples ou sofisticado —, haverá contingência entre os tipos penais de corrupção e lavagem de dinheiro, prevalecendo o primeiro e aplicando-se o instituto da consunção para o segundo. Haverá, por outro lado, concurso material entre lavagem de dinheiro e corrupção passiva se constatado no caso concreto outro ato de ocultação ou dissimulação para além do recebimento indireto, como, por exemplo, a simulação de negócios posteriores com a finalidade de conferir aparência lícita aos recursos recebidos. A menção ao recebimento indireto no tipo penal de corrupção passiva não implica salvo conduto para qualquer comportamento de ocultação posterior.
Em síntese, é possível reconhecer a prática conjunta de corrupção passiva e lavagem de dinheiro quando, após o recebimento da vantagem indevida, o servidor público realiza condutas autônomas para esconder ou dissimular os recursos ilícitos. Porém, se o ato de ocultação é simultâneo ao recebimento, se ocorre ao mesmo tempo, a lavagem de dinheiroé absorvida pela corrupção passiva, não importando sua complexidade ou sofisticação.

[1] Para uma analise mais detalhada do julgamento e dos votos, ver nosso Lavagem de dinheiro, em coautoria com Gustavo Badaró, RT, 2016.
[2] 13ª Vara Federal de Curitiba. Ap 5027685-35.2016.4.04.7000/PR, proferida em 25.05.2017
[3] STF, RHC 80.816-6/SP, 1.ª T., j.18.06.2011.
Revista Consultor Jurídico, 3 de dezembro de 2018.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

CIDH recomenda que Brasil amplie o acesso de "comunidades carentes" à Justiça


A Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH) alerta para a falta de acesso à Justiça para familiares e vítimas de violações de direitos humanos no Brasil. De acordo com relatório preliminar de relatório sobre a visita da entidade ao país, o Brasil apresenta altos índices de impunidade.
A visita aconteceu entre os dias 5 e 12 de novembro deste ano e o relatório preliminar foi divulgado na segunda-feira (26/11). É a segunda vez que a CIDH visita o país.
A CIDH afirma que o Estado brasileiro precisa investir na luta contra a impunidade e ampliar o acesso da população carente à Justiça. O diagnóstico aponta a necessidade urgente de recursos financeiros e humanos para fortalecer os quadros das defensorias públicas, que têm atribuição constitucional de defender pessoas pobres.
O relatório também pede que o país se abstenha de "aprovar legislação que reduza o gozo efetivo dos direitos humanos reconhecidos pelo Estado brasileiro em tratados internacionais".
O texto aborda temáticas como os direitos dos indígenas e afrodescendentes, além dos trabalhadores que ainda são submetidos a regimes análogo à escravidão e às pessoas que vivem em situação de pobreza no país. Foram incluídas recomendações sobre presos, imigrantes e segurança pública.
A primeira visita da Comissão foi feita em 1995, quando a entidade observou que entre os principais desafios do país no âmbito dos Direitos Humanos estavam relacionados à violência urbana e rural, como a aplicada contra ocupantes de terras improdutivas, como o trabalho escravo e o uso da força policial como método de investigação. Três tópicos ainda presentes 23 anos depois.
Eis o relatório. 
Observações preliminares da visita in loco da CIDH ao Brasil Rio de Janeiro 
- A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) fez uma visita in loco ao Brasil, que ocorreu de 5 a 12 de novembro de 2018, em função de convite do Estado brasileiro realizado em 29 de novembro de 2017. O objetivo desta visita foi observar a situação dos direitos humanos no país. A delegação que realizou a visita in loco ao Brasil foi chefiada pela Presidenta Margarette May Macaulay e integrado pelo primeiro vice-presidente, Comissário Esmeralda Arosemena de Troitiño; Comissário Francisco Eguiguren Praeli; Comissário Joel Hernández García; e a Comissária Antonia Urrejola Noguera, Relatora Nacional para o Brasil. Da mesma forma, a delegação foi integrada pela Secretária Executiva Adjunta, María Claudia Pulido; a Chefe do Gabinete da Secretária Executiva, Marisol Blanchard Vera, o Relator Especial para a Liberdade de Expressão, Edison Lanza; a Relatora Especial para os Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DESCA), Soledad García Muñoz; e especialistas da Secretaria Executiva da CIDH. A Comissão Interamericana realizou reuniões com autoridades federais, como o Ministério dos Direitos Humanos, Ministério das Relações Exteriores, Conselho Nacional de Direitos Humanos, ProcuradoraGeral da República, Procurador Federal dos Direitos dos Cidadãos, Defensoria Pública da União, o Ministério Público Federal, Supremo Tribunal Federal e várias autoridades estaduais; assim como representantes e da sociedade civil, movimentos sociais, moradores de favelas, pessoas defensoras de direitos humanos, autoridades indígenas e de comunidades quilombolas, bem como agências internacionais do sistema das Nações Unidas e representantes do corpo diplomático. Da mesma forma, coletou depoimentos de vítimas de violações de direitos humanos e seus familiares. A CIDH visitou várias cidades e estados do Brasil, incluindo Brasília, Minas Gerais, Pará, São Paulo, Maranhão, Roraima, Bahia, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro; e visitou várias instituições estatais, incluindo centros de detenção; centros de atendimento para pessoas em situação de rua; centros de recepção e assistência a migrantes e refugiados e o centro de acolhimento de migrantes em Pacaraima, Roraima. Também visitou quilombos, territórios de comunidades indígenas e bairros periféricos. Igualmente, teve a oportunidade de assinar acordos de cooperação tanto com o Ministério Público Federal quanto com o Conselho Nacional do Ministério Público. A Comissão agradece ao Governo e às autoridades federais e estaduais, bem como ao povo do Brasil, por todo o apoio e facilidades proporcionados durante sua visita, que se traduziram em um diálogo construtivo e franco. Também agradece as informações fornecidas pelo Estado, organizações da sociedade civil, defensores de direitos humanos e organizações internacionais. A Comissão valoriza e aprecia os esforços das vítimas de violações de direitos humanos e suas famílias para apresentar testemunhos, reclamações e comunicações. A seguir, a Comissão apresenta suas observações preliminares a sua visita in loco ao Brasil. É importante destacar que, considerando a extensão e complexidade do país em temas relativos de direitos humanos, estas observações têm caráter preliminar e não exaustivo. Portanto, serão complementadas com a análise aprofundada da informação coletada durante a visita e posteriormente a ela, que se apresentará por ocasião da publicação do Relatório final de país nos próximos meses. Esta visita in loco é a segunda que a CIDH está realizando ao Brasil. A primeira foi realizada pela Comissão entre 27 de novembro e 9 de dezembro de 1995, quando, dividida em quatro delegações, observou a situação em Brasília e no Rio de Janeiro; em São Paulo; nos estados da Bahia e Pernambuco; e nas do Pará e Roraima. Ao final da visita, a CIDH reuniu-se no Rio de Janeiro e fez suas observações preliminares, nas quais identificou que os principais desafios do Brasil na área dos direitos humanos estavam relacionados com a violência urbana e rural, e a falta de segurança dos direitos humanos. pessoas; violência contra ocupantes de terras rurais improdutivas; a situação de servidão forçada dos trabalhadores rurais; a existência de grupos de extermínio; a violência policial e sua impunidade e tortura como método de investigação; a competência dos tribunais militares para julgar crimes comuns cometidos pelas polícias estaduais ("militares"); violência contra mulheres, meninas e adolescentes; discriminação racial; a situação da população indígena; os problemas das crianças em situação de rua; a situação do sistema penitenciário; e a situação da administração da justiça, incluindo o Ministério Público. Vinte e três anos se passaram desde a primeira visita in loco da CIDH ao Brasil. A CIDH observa que, nos anos seguintes à visita, houve avanços significativos no fortalecimento das instituições democráticas e dos direitos humanos no país, que serviram para abordar e avançar alguns dos desafios que a CIDH havia identificado anteriormente por meio de seu monitoramento e verificado durante a visita de 1995. No entanto, através do monitoramento realizado continuamente após sua visita e, neste momento, a CIDH observou com grande preocupação a adoção de uma série de medidas que tendem à redução de políticas, leis e instituições responsáveis pela garantia dos direitos humanos no país. Uma série de anúncios se somam a essas medidas com relação a projetos de lei e outras iniciativas públicas que poderiam enfraquecer conquistas e as instituições fundamentais para garantir os direitos humanos. A discriminação histórica e a concentração da riqueza resultaram na exclusão histórica de certos grupos da população como pessoas de afrodescendentes, povos indígenas e trabalhadores rurais, que permanecem em situação de extrema vulnerabilidade ao longo dos anos. Essa situação de vulnerabilidade é baseada na origem étnico-racial desses grupos, e se agrava quando coincide com a situação de pobreza e de rua. A normalização das enormes diferenças salariais e alta concentração dos meios de produção são características distintivas da sociedade brasileira desde a formação do seu modelo produtivo, de origem agrícola e baseado principalmente na monocultura de grandes extensões de terra, que também se caracterizou pelo trabalho escravo, exploração e baixo custo da mão de obra de afrodescendentes. Além do exposto, há também evidências de limites históricos nas políticas de reforma agrária que permitam que setores da população rural tenham acesso a terras produtivas. Nesse sentido, a Comissão observa que a distribuição de terras extremamente desigual levou a conflitos pela terra e violações dos direitos humanos contra pessoas afrodescendentes, quilombolas, povos indígenas, camponeses e trabalhadores rurais, bem como defensores do meio ambiente. Frequentemente, esses grupos são frequentemente despejados e violentamente deslocados de suas terras. Um dos principais problemas associados aos conflitos por terra e deslocamentos forçados tem a ver com assédio, ameaças e assassinatos contra essas pessoas. A CIDH observa com preocupação que a impunidade em relação a esses atos de violência rural contribui para sua perpetuação e aumento. A CIDH também pôde observar que, nas cidades e nos contextos urbanos, persistem obstáculos para o acesso às regiões centrais das cidades para a população pobre, que é marginalizada nas áreas periféricas. Em muitos casos, tanto no campo quanto nas cidades, as forças de segurança do Estado servem mais para intensificar a repressão e a criminalização de grupos historicamente vulneráveis, fracasso em para protegê-los e garantir seus direitos. A Comissão observa que a pobreza e a desigualdade no Brasil têm profundas raízes históricas e é agravada pela discriminação múltipla que sofrem por causa da sua condição económica, assim como por sua raça, etnia, idade, sexo ou orientação sexual. A situação de pobreza tem vários impactos na vida diária da população, traduzindo-se particularmente nas condições de moradia e acesso a serviços públicos básicos e o gozo efetivo dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. O caráter multidimensional da pobreza e o impacto particular com relação aos grupos em situação de vulnerabilidade ou discriminação histórica são suficientemente comprovados por dados estatísticos, sendo particularmente notórios em relação às pessoas afrodescendentes e indígenas. A pobreza e a desigualdade no Brasil são endêmicas, situação que requer uma profunda transformação por meio de políticas públicas com enfoque em direitos humanos. A esse respeito, a CIDH observa com preocupação que as medidas em matéria de políticas fiscais não parecem apontar para a modificação desse cenário. Neste sentido, através da adoção de Emenda Constitucional nº 95 de 15 de dezembro, 2016, popularmente conhecido como "teto de gastos", o chamado novo regime fiscal, que limitou os orçamentos públicos para despesas sociais para os próximos vinte anos. Tendo em mente que um dos objetivos da Constituição da República Federativa do Brasil é a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, a CIDH observa um risco com a redução progressiva da recursos proporcionalmente necessários para a garantia dos direitos sociais no Brasil. Em particular, essas medidas podem ter um impacto negativo no gozo efetivo de direitos como moradia, saúde e educação, associados à distribuição historicamente desigual de renda e riqueza, o que leva a um cenário que não visa redução das desigualdades sociais, mas sim para o seu aprofundamento e perpetuação. A CIDH também observa que o sistema jurídico-criminal brasileiro é marcado por uma duplicidade: por um lado, a crônica impunidade dos crimes cometidos contra as populações mais vulneráveis; e, por outro, o impacto desproporcional do aparato repressivo do Estado contra essas mesmas populações. Permanecendo impunes, as violações cometidas por agentes de segurança pública atingem um caráter sistemático em todo o país, enquanto o encarceramento em massa dos mais pobres produz uma superlotação nas prisões. Assim, a chamada política de "guerra às drogas" é traduzida na prática em um processo de criminalização de uma ampla camada da população negra e pobre e das pessoas que vivem nas áreas periféricas do país. A Comissão monitorou com especial atenção a situação dos direitos humanos no Brasil, e constatou que persiste um cenário de séria desigualdade social e discriminação estrutural contra grupos como os afrodescendentes, indígenas, trabalhadores rurais, pessoas que vivem na pobreza ou em situação de rua. Na opinião da CIDH, a discriminação estrutural ou sistêmica se manifesta por meio de comportamentos discriminatórios em detrimento de pessoas em função de sua afiliação a grupos historicamente e sistematicamente discriminados tanto pelas instituições e quanto pela sociedade. Isso se reflete em normas, regras, rotinas, padrões, atitudes e padrões de comportamento, tanto de jure como de facto, que geram uma situação de inferioridade e exclusão contra um grupo de pessoas de forma generalizada, que são perpetuadas ao longo tempo e até por gerações, ou seja, não são casos isolados ou esporádicos, mas sim uma discriminação que surge como consequência de um contexto histórico, socioeconômico e cultural. Por meio do monitoramento realizado ao longo dos anos, bem como com base nas informações coletadas durante a visita, a CIDH observa com grande preocupação que esses grupos populacionais foram vítimas de violações múltiplas e contínuas de seus direitos humanos, tanto durante os anos da ditadura como nos períodos democráticos. Uma grande parte dessas violações dos direitos humanos permaneceu impune, o que representa um desafio fundamental em termos de justiça. Neste contexto, é necessário fortalecer e avançar na investigação, julgamento e punição dos autores materiais e intelectuais desses crimes, bem como na reparação das vítimas. A impunidade promove a sistematização da violência, afetando principalmente as comunidades mais vulneráveis. A CIDH também recebeu informações abundantes sobre tentativas de desacreditar, ameaças, assédio, criminalização e diversas formas de violência contra pessoas que defendem os direitos humanos nas cidades. Os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes demonstram claramente esse desafio estrutural, expondo a resistência à inclusão de pessoas historicamente marginalizadas nas estruturas de participação política e social. A CIDH considera que é imperativo concluir as investigações, punir os responsáveis e impedir que permaneçam impunes. Além do exposto e para garantir a reparação integral desses fatos, a CIDH considera necessário que a memória da vítima e de sua família seja respeitada de acordo com os valores defendidos por Marielle Franco. Durante a visita, a CIDH recebeu informações de organizações da sociedade civil, movimentos sociais e da imprensa sobre uma redução progressiva do espaço da sociedade civil para expressar demandas e defender os direitos humanos. A este respeito, a Comissão foi informada sobre o uso da força para dissipar manifestações e protestos das forças de segurança; a abertura de processos penais por desacato e difamação contra pessoas defensoras dos direitos humanos, manifestantes e jornalistas; bem como a estigmatização contra aqueles que são percebidos como ativistas sociais. Além disso, vários setores expressaram sua grave preocupação com a iniciativa chamada "escolas sem partido", promovido no Congresso por setores políticos e religiosos para restringir a liberdade acadêmica e científica dos professores, que também seriam perseguidos nas escolas, acusados de politizar ensinando Uma restrição desse tipo também afeta o direito das meninas, meninos e adolescentes de receberem uma variedade de informações e ideias para seu treinamento, bem como o direito de expressar suas opiniões sem pressão. Quanto à questão religiosa, embora a Constituição brasileira defina o país como secular, garantindo a separação do Estado das organizações religiosas e a liberdade religiosa de todos de forma igualitária, a CIDH observa com preocupação a emergência de projetos de leis e iniciativas de políticas públicas que teriam uma forte orientação religiosa. A liberdade religiosa, incluindo todas as religiões, é um direito fundamental que deve ser garantido de maneira abrangente. Seu exercício não deve ser invocado como impedimento ao exercício ou garantia de outros direitos humanos. A Comissão salienta que estas observações preliminares refletem a indivisibilidade e interdependência das violações registradas no Brasil com relação aos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Tais direitos são um todo indivisível; portanto, a Comissão recorda que o exercício efetivo da democracia e do Estado de direito em todo Estado tem como pressuposto indispensável o pleno exercício de todos os direitos e liberdades fundamentais de seus habitantes. INSTITUCIONALIDADE DEMOCRÁTICA O Brasil é um estado democrático de direito, de natureza federativa. Os membros da federação são a União federal, os 26 estados e o distrito federal e 5.570 municípios. Os poderes executivo, legislativo e judiciário são estabelecidos em diferentes níveis e, juntos, formam uma arquitetura institucional complexa. As competências e atribuições dos diferentes poderes e entes federados são definidas em seus contornos fundamentais na Constituição Federal de 1988, promulgada após a redemocratização do país. A Constituição de 1988 lançou as bases para o estabelecimento de um Estado que fez avanços na garantia de direitos com o objetivo de promover a inclusão social. Desde a última visita da CIDH ao Brasil, observamos um processo importante, contínuo e crescente de fortalecimento institucional na área de direitos humanos. Durante os anos que se passaram, registramos cada etapa institucional como a criação de uma secretaria de direitos humanos em 1997, o fortalecimento do papel do Ministério Público Federal para a defesa da cidadania, a ampliação e a autonomia das defensorias públicas, a surgimento de varas judiciais especializadas em diferentes questões de direitos humanos e delegacias especializadas em defesa das minorias. Nos diferentes estados e em nível federal, a Comissão destaca a instalação de comitês de defesa estaduais e nacionais em várias áreas de defesa dos direitos humanos, o desenvolvimento de planos nacionais e estaduais para a promoção e proteção dos direitos humanos, a implementação de políticas sociais paradigmáticas e, principalmente, a ampliação de espaços de participação da sociedade civil na gestão pública, possibilitando o controle social da administração pública por meio de conselhos e conferências. Nas últimas décadas, o Brasil tem sido um país de referência e um exemplo da manutenção e melhoria das políticas de direitos humanos por diferentes governos, mantendo a linha institucional como compromisso de um Estado e sua Constituição Política. Esta continuidade e maturidade crescente é fundamental para o desenvolvimento nacional. O estabelecimento de uma política externa que prioriza os direitos humanos foi uma das principais conquistas do período desde 1988, conforme estabelecido em sua Constituição. A CIDH observa com preocupação a diminuição de intensidade no processo de fortalecimento institucional na área dos direitos humanos. Em particular, retrocessos significativos na implementação de programas, políticas públicas e na garantia de orçamentos em áreas essenciais, como verificado nas visitas e entrevistas realizadas durante a visita ao país. No âmbito das instituições democráticas em matéria direitos humanos, participação e controle social, a Comissão observa com preocupação o enfraquecimento de instituições como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Durante a visita aos Guaranis Kaiowá da reserva Tey'i Kue, no Mato Grosso do Sul, a Comissão pôde observar uma dependência da FUNAI sem recursos adequados e foi informada sobre sucessivos cortes orçamentários e condições inadequadas de trabalho. Além disso, em relação ao Programa de Proteção de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, a Comissão foi informada pelo Ministério dos Direitos Humanos que o programa recebeu reforços orçamentários em nível federal até o final de 2019, além de haver quase triplicado o orçamento das redes estaduais do programa. De acordo com as informações compartilhadas naquela reunião, até o momento nove convênios foram assinados para sua implementação em nível estadual, embora nem todos estejam válidos no momento. A CIDH saúda este progresso e insta o governo federal e os estados a agilizar este reforço e dotar o programa o mais cedo possível de estrutura suficiente programa para acompanhar e fornecer uma proteção eficaz e abrangente para pessoas defensoras dos direitos humanos que são acolhidas pelo programa. Em particular, de acordo com as informações recebidas durante a visita, é essencial que o programa atinja uma implementação efetiva em áreas rurais e áreas distantes dos centros urbanos, onde ocorre a maioria dos atos de violência relatados. Da mesma forma, em reunião realizada com o Ministério Público Estadual do Pará, foi apontada a necessidade urgente de avançar em uma melhor coordenação do programa de proteção com os diferentes órgãos de segurança responsáveis pela implementação das medidas de proteção. Finalmente, organizações e defensores dos direitos humanos informaram a Comissão sobre as deficiências orçamentárias do programa no nível estadual, dotadas de recursos por meio da assinatura de convênios anuais. A CIDH faz um chamado ao Estado do Brasil em geral e aos diferentes poderes, entes federados e órgãos autônomos, em particular para que adotem as medidas necessárias para fortalecer as instituições democráticas, o acesso à justiça e as políticas públicas em direitos humanos. Em particular, destaca o importante papel que os órgãos autônomos do sistema de justiça podem desempenhar na defesa dos direitos humanos, como os Ministérios Públicos Estaduais e o Ministério Público Federal, as Defensorias Públicas Estaduais e a Defensoria Pública Federal. A Comissão também insta o Brasil a não aprovar projetos de lei que representem retrocessos na promoção e proteção dos direitos humanos, levando em conta também o princípio da progressividade e não regressividade na área dos direitos econômicos, sociais e culturais. Além disso, insta o Estado a fornecer os recursos humanos necessários à Defensoria Pública da União, bem como à Procuradoria Federal para os Cidadãos. VIOLÊNCIA NO CAMPO: ACESSO À TERRA E DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS QUE AFETAM O MEIO AMBIENTE Durante os últimos anos, a Comissão vem reiterando os problemas relativos à falta de demarcação dos territórios indígenas, a ausência de titulação dos territórios das comunidades tradicionais de ascendência africana, bem como a ausência de políticas públicas eficazes destinadas à reforma agrária e acesso à terra que tiveram a finalidade de enfraquecer os direitos desses grupos. No marco do reconhecimento dos povos indígenas ao acesso à terra, a Constituição Federal do Brasil reconheceu o direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas por estes povos. Além disso, o art. 69, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), do Estado brasileiro, tem garantido a titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas e tradicionais afrodescendentes. No mesmo sentido, a Constituição brasileira previu a função social da propriedade, autorizando a expropriação de terras improdutivas e sua destinação para projetos de reforma agrária. No entanto, durante a presente visita, a Comissão Interamericana recebeu relatos das diversas dificuldades, bem como dos longos prazos para que esses grupos tenham acesso efetivo à propriedade dos territórios. Tais dificuldades fazem com que as terras de propriedade estatal destinadas para tais fins estejam sujeitas à ocupação por proprietários de terras e empresas extrativistas privadas, gerando conflitos, como despejos, deslocamentos, invasões e várias outras formas de violência. De acordo com os registros da Comissão Pastoral da Terra (CPT), durante o ano de 2017, foram contabilizados 21 trabalhadores rurais sem-terra; 11 membros das comunidades quilombolas; e 6 indígenas vítimas de violência por conflitos relacionados com a terra. Da mesma forma, a CPT apontou que apenas 8% desses assassinatos foram investigados. A esse respeito, a Comissão manifesta sua profunda preocupação com o aumento da violência no campo e o sério problema enfrentado por dezenas de milhares de famílias rurais que, ano após ano, são expulsas das terras que ocupam. Diante dessa situação, a CIDH instou o Estado a tomar, de forma imediata e urgentemente, todas as medidas necessárias para garantir o direito à vida, à integridade e à segurança dos defensores do direito à terra e ao meio ambiente no Brasil, com especial ênfase política e orçamentária para a implementação do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. A esse respeito, a CIDH recebeu vasta informação sobre a forma violenta utilizada nos despejos forçados em virtude das ações de agentes do Estado e de grupos relacionados a grandes proprietários de terra. Nesse respeito, a Comissão recebeu o testemunho de um dos sobreviventes do massacre ocorrido na fazenda Santa Maria em Pau D'Arco, que reconheceu a atuação de policiais no extermínio das pessoas ali instaladas. Assim, a CIDH insta as autoridades a continuar investigando esses e outros atos de violência contra camponeses sem terra, assentados, indígenas e quilombolas, com a devida diligência, a fim de identificar e punir os responsáveis e, assim, combater a impunidade e evitar a repetição de eventos similares. Da mesma forma, a Comissão insta o Estado brasileiro a abordar as causas estruturais relacionadas aos conflitos relacionados à luta pela reforma agrária. A CIDH ainda observa que, nos últimos anos, o Brasil vem implementando um modelo de desenvolvimento baseado em mega-empreendimentos e atividades empresariais de grande escala, como atividades monoculturas, pecuária extensiva e expansão de pastagens; a derrubada de madeiras de lei; mineração de metais e ligas não-metálicas; hidrelétrica e extração arqueológica. A esse respeito, a CIDH recebeu informações sobre pelo menos 13 projetos que geram impactos negativos sobre os direitos individuais, em particular sobre direitos como moradia, alimentação, água, trabalho decente, integridade cultural, a vida, território ou consulta prévia, livre e informada. Além disso, a CIDH teve a oportunidade de receber informações sobre os impactos negativos ao meio ambiente gerados pelo sistema de "hidrografia de consenso" no contexto da operação de funcionamento da usina hidrelétrica de Belo Monte. De acordo ao informado, o planejamento do represamento de água para abastecer as turbinas da usina, que foi aprovado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e pela Agência Nacional de Águas (ANA) do Brasil, foi feito sem a realização adequada de consulta prévia com as populações locais diretamente afetadas pelo projeto. Como consequência desse projeto, existem denúncias que o nível de água no rio Xingu foi reduzido, afetando, por conseguinte, os ecossistemas da região e impactando a subsistência e a economia das pessoas pertencentes às comunidades locais. Esta situação ainda foi agravada por um novo projeto de mineração denominado Belo Sun, que ainda carece de consulta com as comunidades indígenas pertencentes àquela área. A este respeito, a Comissão recebeu extensa informação dos povos indígenas do Açaizal, em Santarém, no Estado do Pará, sobre a poluição de rios, águas subterrâneas e aquíferos subterrâneos por conta do uso indiscriminado de pesticidas e outros produtos químicos. Durante a visita, a Comissão também recebeu informações sobre os graves impactactos ambientais, em muitos casos irreversíveis, causados pelas atividades de mineração no Brasil, bem como a ausência de medidas do Estado voltadas a proteger os direitos humanos das pessoas afetadas ou em risco de ter seus direitos violados nesses contextos. Quanto a isso, a Comissão visitou o Estado de Minas Gerais, a fim de acompanhar a situação das pessoas afetadas pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, em 5 de novembro de 2015. Tal evento resultou na morte de 19 pessoas, afetando 39 municípios da baía do Rio Doce, no que representou o maior desastre ambiental do Brasil, por conta da inundação de um dos maiores santuários de biodiversidade marinha do mundo. Além disso, a CIDH foi informada de que, passados três anos do desastre, pouco há avançado na investigação e sanção dos responsáveis e a reparação das vítimas afetadas. A Comissão sublinha que a mineração e o manuseio dos resíduos tóxicos provenientes de suas atividades no local afetado são de responsabilidade de empresas privadas e, neste sentido, lembra que "os Estados têm a responsabilidade de proteger os direitos humanos dos indivíduos contra as violações cometidas no seu território e/ ou a sua jurisdição por terceiros, incluindo as empresas." Disso se depreende que é dever dos Estados tomar todas as medidas adequadas para prevenir, investigar, sancionar e reparar as violações que são cometidas nesses contextos de desastres, bem como é responsabilidade das empresas de respeitar os direitos humanos, o que inclui a reparação adequada das vítimas afetadas, bem como a mitigação dos danos causados pelo comportamento corporativo em questão. Também, quanto ao dever de diligência nesses contextos conectados, por exemplo, com avaliar com antecedência os riscos que podem impactar os direitos humanos, incluindo riscos ao meio ambiente, e medidas adequadas que devem ser tomadas em situações particulares no âmbito de suas atividades comerciais ou produtivas. A Comissão Interamericana reitera a importância que tais esforços podem ter para a prosperidade dos povos do Hemisfério, o que pode implicar na liberdade de Estado para explorar seus recursos naturais, mediante a concessão à investidores privados ou públicos, nacionais e/ ou internacionais. Ao mesmo tempo, a Comissão adverte que essas atividades devem ser realizadas tomando em consideração medidas adequadas e efetivas para assegurar que não sejam realizadas à custa dos direitos humanos das pessoas, comunidades ou cidades onde elas são realizadas, e que não afetem ao meio ambiente. PESSOAS AFRODESCENTES E COMUNIDADES TRADICIONAIS AFRODESCENDENTES (QUILOMBOS) Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2016, 112,7 milhões de pessoas se auto identificam como afrodescendentes, incluindo pretos e pardos, representando aproximadamente 54% da população total do Brasil, com 207 milhões de pessoas. No entanto, a conjunção de uma série de causas históricas, bem como o fato de as políticas públicas adotadas terem sido insuficientes para alcançar uma efetiva inclusão socioeconômica e educacional, têm gerado a perpetuação de uma situação de discriminação estrutural e extrema desigualdade social no Brasil; portanto, uma grande porcentagem de pessoas de ascendência africana continua em situação de extrema vulnerabilidade, marginalização e pobreza. A concentração da violência baseada em áreas marcadas pela pobreza, assim como o uso de perfis raciais resultam em que as pessoas afrodescendentes, especialmente os jovens afrodescendentes, constituam o perfil mais frequente de vítimas de homicídio no Brasil e as principais vítimas da ação letal da polícia e o perfil populacional mais predominante nas prisões.1 Segundo dados publicados no Atlas da Violência de 2018, a taxa de homicídios de afrodescendentes em 2016 foi duas vezes e meia maior que a de pessoas de descendência não africana (40,2% e 16%, respectivamente). Em um período de uma década, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios para afrodescendentes aumentou 23,1%. No mesmo período, a taxa entre os não-afrodescendentes teve redução de 6,8%. A Comissão também considera importante destacar que a taxa de homicídios de mulheres afrodescendentes foi, nesse período, 71% maior que a de mulheres não afrodescendentes, refletindo a dupla vulnerabilidade enfrentada pelas mulheres afrodescendentes, tanto pelo seu gênero quanto pela sua origem étnico-racial.2 1 IPEA, Atlas da violência 2018, junho de 2018. 2 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Visivel e invisivel: a vitimizacao de mulheres no Brasil, marzo de 2017. Da mesma forma, altos percentuais de aprisionamento de afrodescendentes no Brasil persistem. Nesse sentido, registrou-se em 2014 que o perfil da população carcerária é composto por 67% de afrodescendentes, 32% de brancos e 1% de asiáticos, enquanto a população brasileira é composta por 54% de afrodescendentes, 45% de brancos e 1% de asiáticos. As taxas de pobreza entre as pessoas afrodescendentes são duas vezes maiores que as do resto da população.3 Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desemprego desagregada por cor ou raça mostrou que a taxa de pobreza dos que se declaram brancos (10,3%) ficou abaixo da média nacional, enquanto a dos pretos (15,8%) e pardos (15,1%) é 3,8 e 3,1 maior. No segundo trimestre de 2012, quando a taxa média foi estimada em 7,5%, os pretos representaram 9,5%, os pardos 8,7% e os brancos 6,2%4 . Nesse sentido, existe uma profunda relação entre origem étnicoracial, gênero e a prevalência de obstáculos no acesso a direitos econômicos, sociais e culturais. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2016, 31,5% das mulheres afrodescendentes encontram restrições no acesso à educação. A única  porcentagem maior do que isso seria aquela relacionada aos homens afrodescendentes (34%). Durante sua visita in loco, a Comissão observou um padrão de execuções extrajudiciais de adolescentes e jovens afrodescendentes em regiões periféricas ou favelas, como pode ser observado em reuniões com familiares de vítimas dos "crimes de maio" (São Paulo), Chacina do Cabula (Bahia), Chacina da Candelária (Rio de Janeiro), Chacina de Acari (Rio de Janeiro), Chacina de Salgueiro (Rio de Janeiro). Além disso, a CIDH encontrou um padrão de impunidade sistemática em tais casos, especialmente naqueles que envolvem agentes das forças de segurança como autores. Por outro lado, para a CIDH é particularmente preocupante a situação dos povos afrodescendentes tradicionais ou tribais - os quilombolas, que continuam a enfrentar uma situação de violência, discriminação e exclusão resultado de padrões racistas historicamente enraizados no país. A CIDH reconhece a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o Decreto 4.887/03, que declarou constitucional o Decreto 4.887/03, que regula a demarcação de terras, e rejeitou a proposta de estabelecer um "marco temporário" como requisito para a titulação de terras quilombolas em fevereiro de 2018. No entanto, a CIDH reitera que o Estado deve adotar medidas para garantir a demarcação das terras dentro de um prazo razoável e de acordo com seus padrões, e considera que o direito à propriedade comunal implica necessariamente que o Estado deve delimitar, demarcar e intitular os territórios dos povos tribais. 3 ECLAC. Situation of Afro-descendant persons in Latin America and challenges on the policies aimed at guaranteeing their rights, Dezembro 2017. P. 74. 4 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Síntese de Indicadores Sociais – uma análise das condições de vida a população brasileira (2017). Pág. 82. 
Disponivel em https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf
Revista Consultor Jurídico, 27 de novembro de 2018.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

DPU ajuiza ação para manter atendimento de mais médicos

A Defensoria Pública da União ajuizou ação, nesta sexta-feira (16/11), em que pede à União a manutenção das atuais regras do programa Mais Médicos e a abertura para profissionais estrangeiros de qualquer nacionalidade. O objetivo, segundo a defensoria, é garantir a continuidade dos serviços prestados à população.
“O pedido de tutela de urgência em caráter antecedente à ACP visa evitar que ‘a população atendida seja prejudicada com a saída abrupta de milhares de médicos sem que a União previamente promova medidas efetivas de modo a repor imediatamente o quantitativo de médicos que estão em vias de deixar o programa’", diz o órgão.
Segundo a DPU, qualquer mudança – incluindo a não necessidade de submissão ao Revalida – deve estar condicionada à realização de prévio estudo de impacto e comprovação das medidas compensatórias que assegurem a continuidade dos serviços. O Revalida reconhece os diplomas de médicos que se formaram no exterior e querem trabalhar no Brasil.
Direito fundamental
A ação considera que a assistência à saúde, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), é direito fundamental de todos, sendo a União responsável pela prestação dos serviços.
A defensoria aponta ainda que, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5035, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do programa da forma como foi preconizado.
O Ministério da Saúde informou que fará ainda neste mês a seleção para contratar profissionais brasileiros em substituição aos cubanos que fazem parte do Mais Médicos. Na ACP, a defensoria explica que os profissionais cubanos representam, atualmente, mais da metade dos médicos do programa.
Com isso, segundo a DPU, rescindir repentinamente os contratos vai impactar de forma negativa com o desatendimento de mais de 29 milhões de brasileiros – cenário citado como “desastroso” para, pelo menos, 3.243 municípios.
Medida recente
O acordo com o governo brasileiro foi rompido, quarta-feira (14/11), pelas autoridades cubanas, que não concordaram com a exigência do Revalida como requisito para a participação de profissionais cubanos no programa Mais Médicos. A medida foi anunciada pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), que também quer que os profissionais cubanos recebam integralmente o salário e tenham permissão de trazer a família para o Brasil.
No mesmo dia, o Ministério de Saúde Pública de Cuba anunciou a retirada de seus profissionais do programa no Brasil por divergir de exigências feitas pelo futuro presidente e também em decorrência de críticas feitas por ele aos médicos cubanos.
 Com informações da Assessoria de Imprensa da DPU e Agência Brasil.
Revista Consultor Jurídico, 17 de novembro de 2018 

Lewandowski determina cumprimento de HC coletivo para mães presas em MG e PE

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, voltou a pedir, nesta quarta-feira (14/11), o cumprimento do Habeas Corpus coletivo em favor de todas as mulheres em prisão cautelar que sejam gestantes ou mães de crianças até 12 anos. A ordem estaria sendo desrespeitada nas penitenciárias femininas de Minas Gerais e Pernambuco com a exigência de que as presas apresentem a certidão de nascimento dos filhos para serem libertadas.
Lewandowski deu 48 horas para que Minas e Pernambuco apresentem explicações.  
Rosinei Coutinho/SCO/STF
Na decisão, o ministro deu 48 horas para que seja determinada a prisão domiciliar ou justificada concretamente a excepcionalidade que autoriza a manutenção da cautelar.
“Defiro também o prazo adicional de 15 dias para que o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco preste as informações e determino que se oficie às Corregedorias dos Tribunais de Justiça de Minas Gerais e de Pernambuco para que esclareçam se certidões de nascimento têm sido exigidas das detentas e, em caso positivo, para que tomem as medidas necessárias de modo a que os magistrados, diante da ausência de tais documentos, os solicitem diretamente pelo sistema CRC-Jud”, disse.
Segundo a Secretaria de Direitos Humanos de Pernambuco, no estado há 111 mulheres presas que fariam jus à substituição, mas apenas 47 foram liberadas. Lewandowski tem destacado que as presas grávidas ou com filhos são as pessoas mais vulneráveis da população.
“Estatisticamente, não há dúvidas de que são as mulheres negras e pobres, bem como sua prole — crianças que, desde seus primeiros anos de vida, são sujeitas às maiores e mais cruéis privações de que se pode cogitar: privações de experiências de vida cruciais para seu pleno desenvolvimento intelectual, social e afetivo — as encarceradas e aquelas cujos direitos, sobretudo no curso da maternidade, são afetados pela política cruel de encarceramento a que o Estado brasileiro tem sujeitado sua população”, disse o ministro.
Em outubro, Lewandowski reiterou que fossem concedidos Habeas Corpus coletivos em favor de todas as mulheres submetidas a prisão cautelar no sistema penitenciário nacional que sejam gestantes ou mães de crianças até 12 anos. Na decisão, ele apresentou comunicações individuais de não cumprimento de decisão da 2ª Turma, que já havia, em fevereiro, concedido HC coletivo em nome dessas mulheres.
Segundo o Estatuto da Primeira Infância (Lei 13.257/16), é garantida a prisão domiciliar a mulheres grávidas ou com crianças de até 12 anos. O tema ganhou repercussão quando a ministra Maria Thereza de Assis Moura, do STJ, concedeu Habeas Corpus à advogada Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio de Janeiro Sergio Cabral (MDB).
 HC 143.641

 é repórter da revista Consultor Jurídico

Revista Consultor Jurídico, 15 de novembro de 2018.

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Estímulo a métodos alternativos de solução de conflitos está na CF88

Em consonância com o preâmbulo da Constituição Federal de 1988, que descreve como objetivo maior a instituição de “um Estado Democrático [...] de uma sociedade fraterna comprometida com a solução pacífica das controvérsias”, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem empregado esforços contínuos no sentido de valorizar o uso dos métodos alternativos de solução de controvérsias. Entre as ações adotadas, estão a criação da Semana Nacional da Conciliação, o Prêmio Conciliar é Legal e a própria Resolução CNJ n. 125, que institui a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse. 
Durante recente encontro com representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, lembrou que existe apenas um magistrado para cada 471 metros quadrados do país. A esse cenário, de acordo com o ministro, acrescentam-se dois agravantes: crescimento no número de demandas, “que já somam 80 milhões em tramitação”, e um déficit nos cargos de juízes. “Buscar métodos pacíficos de solução de conflitos não é apenas uma alternativa. É uma medida urgente”, afirmou. Ao proferir o discurso, ele participava de um seminário na sede do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Brasília, para discutir como a cultura da mediação judicial pode fazer frente ao excesso de ações que sobrecarregam os tribunais.
Em 2017, durante a XII Semana Nacional de Conciliação, evento promovido pelo CNJ, foram homologados 126,9 mil acordos judiciais em todo o país, totalizando R$ 1,5 bilhão. Foram atendidos 757 mil cidadãos que representavam 321 mil processos judiciais. A próxima edição da Semana Nacional da Conciliação, deste ano, já tem data marcada. Será entre os dias 5 e 9 de novembro, nos Tribunais Estaduais, Federais e do Trabalho, em todo o país. A expectativa é de que o volume de acordos seja ainda maior. Somando todas as 12 edições do evento, foram tirados dos trâmites judiciais mais de 1,7 milhão de processos, resolvidos por conciliação. 
“Estamos trabalhando com uma mudança de cultura. A população está acostumada com a figura do juiz, que arbitra a decisão por ela. Mas a melhor decisão é aquela em que as partes participam e encontram a solução juntas”, destacou a conselheira do CNJ Daldice Santana, presidente do Comitê Gestor da Conciliação.

Política nacional

“A Constituição Federal, em seu capítulo II, artigo 4º, determina que compete ao CNJ incentivar a conciliação e a mediação. A Resolução CNJ n. 125 é uma resposta a essa demanda constitucional”, explicou Daldice Santana. A conselheira afirma que essa resolução do CNJ, que institui a Política Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse consolidou, em um normativo único, a política de busca pela solução pacífica dos conflitos. Dentro da Resolução, ela destaca a determinação aos Tribunais de Justiça acerca da implantação dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMECs).
Os Nupemecs de cada tribunal são responsáveis pelo desenvolvimento da Política Pública nos Estados e pela instalação e fiscalização dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs). Os CEJUSCs são as “células” de funcionamento da Política Pública, nas quais atuam conciliadores, mediadores e demais facilitadores de solução de conflitos, bem como servidores do Judiciário, aos quais cabe a triagem dos casos e a prestação de informação e orientação aos jurisdicionados para garantia do legítimo direito ao acesso à ordem jurídica justa.
Os CEJUSCs originaram-se de experiências anteriores, entre elas a Lei dos Juizados de Pequenas Causas (Lei n. 7.244/1984), posteriormente aprimorada pela Lei dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/1995). Essas experiências, além de trazerem a mediação para o processo, permitiram a utilização tanto desse método quanto o da conciliação em pré-processual, evitando a judicialização de conflitos.

Quem pode conciliar?

A conciliação pode ser utilizada em quase todos os casos: pensão alimentícia, divórcio, desapropriação, inventário, partilha, guarda de menores, acidentes de trânsito, dívidas em bancos e financeiras e problemas de condomínio, entre vários outros. Só não pode ser usada em casos que envolvam crimes contra a vida (homicídios, por exemplo) e situações previstas na Lei Maria da Penha. “É complicado para um juiz decidir sozinho com quem vai ficar com a guarda de uma criança, por exemplo. É preciso a participação dos pais em uma decisão como essa. Tem de haver a participação ativa dos envolvidos e é isso que estamos buscando. Mais diálogo entre todos”, enfatizou a conselheira.
“Quando um juiz dá uma sentença, encerra o conflito entre duas partes. No entanto, necessariamente, se uma das duas partes não fica satisfeita com a decisão e, se tem possibilidade, acaba recorrendo e o processo se prolonga”, disse o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli. Segundo o ministro, a mediação e a conciliação previnem que a enxurrada anual de novos processos sobrecarregue a estrutura do Judiciário pois encerra o litigio. “Todos nós, nas faculdades, somos ensinados a litigar. Aprende-se a entrar na Justiça e a Justiça não dá mais conta de resolver, a tempo, todos os litígios que lhe são apresentados”, afirmou o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), citando ainda a Lei da Mediação e o texto do novo Código de Processo Civil (CPC) também determinam que a mediação e a conciliação façam parte da solução de processos judiciais. 

Banco de boas práticas

Para incentivar ainda mais a solução pacífica dos conflitos, o CNJ possui um banco de boas práticas, advindos do Prêmio Conciliar é Legal. Desde 2010, o condecoração reconhece as práticas de sucesso, estimula a criatividade e dissemina a cultura dos métodos consensuais de resolução dos conflitos. Podem concorrer ao Prêmio os tribunais, magistrados, instrutores de mediação e conciliação, instituições de ensino, professores, estudantes, advogados, usuários, empresas ou qualquer ente privado, mediante a apresentação de práticas autocompositivas executadas individualmente ou em grupo.
Em 2018, os critérios para avaliação e julgamento das práticas são eficiência, restauração das relações sociais, criatividade, replicabilidade, alcance social, desburocratização, efetividade, satisfação do usuário e a ausência ou baixo custo para implementação da prática.
Em 2017, além dos 14 projetos vencedores, 19 práticas receberam menções honrosas pelos projetos eficientes voltados à solução pacífica de conflitos. Naquele ano, pela primeira vez foi incluída a categoria Mediação e Conciliação Extrajudicial.

Curiosidade

O ato de conciliar um litigio não é uma política nova no sistema jurídico brasileiro. No Brasil a conciliação remonta à época imperial (século XVI e XVII), precisamente nas Ordenações Manuelinas (1514) e Filipinas (1603) que trazia em seu livro III, título XX, § 1º, o seguinte preceito: “E no começo da demanda dirá o Juiz a ambas as partes, que antes que façam despesas, e sigam entre eles os ódios e dissensões, se devem concordar, e não gastar suas fazendas por seguirem suas vontades, porque o vencimento da causa sempre é duvidoso. […].”
No século XIX, pela primeira Constituição Imperial Brasileira (1924), a conciliação ganhou status constitucional. O texto trazia, em seu artigo 161, o seguinte texto: “Sem se fazer constar que se tem intentado o meio da reconciliação não se começara processo algum”.
Em 1943, entra em vigor a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n. 5.452, de 1/5/1943), trazendo em seu artigo 764 e parágrafos, a obrigatoriedade de se buscar sempre nos dissídios individuais e coletivos do trabalho, a conciliação entre as partes, deixando a decisão do Juízo somente para o caso de não haver acordo (art. 831).
Paula Andrade
Agência CNJ de Notícias