quarta-feira, 26 de abril de 2017

Assistência jurídica aos necessitados integra direito ao mínimo existencial

Assistência jurídica aos necessitados integra direito ao mínimo existencial

direito-garantia fundamental ao mínimo existencial, ou seja, às condições materiais mínimas para uma vida digna configura-se como premissa à própria firmação do contrato social estabelecido por meio da Constituição. De modo similar, Rolf Kunz assinala que “o indivíduo típico só pode ser pensado como livre, preparado para buscar seus fins e correr seus riscos, quando um arranjo coletivo lhe garanta as condições mínimas necessárias”, o que implica “neutralizar, pelo menos em relação a alguns requisitos, como educação e saúde, as desvantagens de natureza social, e, quando possível, as de ordem natural, como certas deficiências físicas e intelectuais”[1] Para além da própria sobrevivência biológica da pessoa, são as condições materiais mínimas para o exercício da liberdade e do conjunto normativo (de direitos fundamentais) de proteção da dignidade da pessoa humana que está em jogo na conformação do mínimo existencial.
Tais condições materiais elementares constituem-se de premissas ao próprio exercício dos demais direitos (fundamentais ou não), resultando, em razão da sua essencialidade ao quadro existencial humano, em um direito a ter e exercer os demais direitos. Sem o acesso a tais direitos mínimos, não há que se falar em liberdade real ou fática, quanto menos em um padrão de vida compatível com a dignidade da pessoa humana. Servindo-nos da doutrina de Ricardo Lobo Torres: “sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privados”.[2]
Por trás do direito ao mínimo existencial, subjaz a ideia de respeito e consideração, por parte da sociedade e do Estado, pela vida de cada indivíduo, que, desde o imperativo categórico kantiano, deve ser sempre tomada como um fim em si mesmo, em sintonia com a dignidade inerente a cada ser humano.[3] O Estado, seguindo a lógica kantiana, longe de ser um fim em si mesmo, deve ser tomado como meio ou instrumento para a realização da dignidade da pessoa humana (e dos seus direitos fundamentais), notadamente daqueles indivíduos em condição especial de vulnerabilidade (ou mesmo hipervulnerabilidade), por dependerem, muitas vezes, da intervenção estatal para superarem uma situação fática de privação de direitos[4].
Entre o dever ser da norma constitucional e o ser da realidade social (no nosso caso, a brasileira), o mínimo existencial representa um marco político-jurídico consensual básico a respeito de um conjunto mínimo de direitos, sem o que o próprio contrato social posto na Constituição resulta fictício, projetando o indivíduo para uma condição existencial sombria e indigna. A garantia do mínimo existencial representa um patamar mínimo para a existência humana, consubstanciando no seu conteúdo as condições materiais mínimas para a concretização do princípio-matriz de todo o sistema jurídico, que é a dignidade da pessoa humana. Para aquém desse limite existencial, a vida (na sua dimensão físico-biológica ou estrita, ou seja, o apenas mínimo vital) pode ainda resistir, mas a existência humana não atingirá os padrões constitucionais exigidos pela dignidade.[5] O conteúdo integrante do mínimo existencial, compreendido como um direito fundamental implícito ou adscrito[6] na Constituição Federal de 1988, haverá de guardar sintonia com uma compreensão constitucionalmente adequada do direito à vida e do princípio da dignidade da pessoa humana, caracterizando o seu núcleo irredutível.
O direito fundamental ao mínimo existencial representa um direito autônomo, mas que constitui o seu conteúdo a partir de elementos normativos (e âmbitos de proteção) presentes em diversos outros direitos fundamentais, como, por exemplo, saúde, educação, moradia, alimentação, saneamento básico, assistência e previdência social, qualidade ambiental, etc.[7] É importante frisar, no entanto, que não há uma definição exata no plano abstrato acerca do seu conteúdo, de modo que somente a partir da situação concreta é que será possível identificar o grau de violação à dignidade humana a ponto de caracterizar ou não a incidência do direito-garantia ao mínimo existencial. Segundo Bitencourt Neto, “a resposta sobre o que compõe o direito de cada pessoa somente será obtida em cada caso concreto, em função da necessidade do indivíduo que postula o direito”.[8] Mas a legislação, tanto no plano constitucional quanto infraconstitucional, dá “pistas” normativas a respeito do seu possível conteúdo (por exemplo, como faz o caput do artigo 6º da Constituição Federal  de 1988).
No sistema constitucional brasileiro, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, instituído pela Emenda Constitucional 3, de 14 de dezembro de 2000, e regulamentado pela Lei Complementar 111/2001, foi criado com o “objetivo de viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço da renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para a melhoria da qualidade de vida”.[9] A partir de tal formulação, o legislador constitucional revela, de certa forma, o conteúdo que poderia ser tomado como integrante do mínimo existencial (ou, como refere o dispositivo constitucional, do “acesso a níveis dignos de subsistência”), contemplando os direitos fundamentais sociais à saúde, à educação, à habitação (ou moradia), à nutrição (ou alimentação), bem como renda familiar mínima. O artigo 7º, IV, da Constituição também sinaliza na mesma direção. Ao dispor sobre as necessidades básicas do trabalhador e de sua família que devem ser atendidas pelo salário mínimo, o dispositivo citado faz constar: “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. É possível extrair dos dispositivos constitucionais citados um consenso (ao menos parcial) acerca do conteúdo mínimo, em termos de prestações materiais, necessário a atender a uma vida digna de ser vivida, em sintonia com o artigo 1º, III, da Constituição.[10]
Mas, para além dos direitos propriamente “materiais” que integram o seu conteúdo, conforme destacados anteriormente, o acesso à justiça ou mesmo o direito fundamental à assistência jurídica[11] titularizado pelas pessoas necessitadas, por sua vez, configura-se como “elemento instrumental” do direito ao mínimo existencial. Isso porque, em linhas gerais, o conteúdo dos demais direitos que compõem o mínimo existencial resultaria completamente esvaziado sem a possibilidade de as situações concretas de violações ou ameaça de violações a tais direitos serem levadas ao conhecimento do Poder Judiciário. No âmbito de um Estado de Direito, conforme refere Ana Paula de Barcellos, “não basta a consagração normativa: é preciso existir uma autoridade que seja capaz de impor coativamente a obediência aos comandos jurídicos”, de tal sorte que “dizer que o acesso à justiça é um dos componentes do núcleo da dignidade humana significa dizer que todas as pessoas devem ter acesso a tal autoridade: o Judiciário”.[12] Seguindo o mesmo raciocínio, Bitencourt Neto pontua que “o acesso à justiça é parte relevante do direito ao mínimo para uma existência digna. Tal direito de demandar judicialmente o Estado nascerá quando, por algum motivo — falta de alimento, moradia, ensino básico, algum problema de saúde, entre outros — a dignidade da existência esteja em risco de não merecer o respeito a ela devido”. [13] Nesse ponto reside a importância crucial de o direito fundamental à assistência jurídica integrar o conteúdo, mesmo que com uma natureza instrumental, do direito ao mínimo existencial.
O direito à assistência jurídica opera, assim, como instrumento de efetivação dos direitos que integram o mínimo existencial, transpondo-os do papel ou, em outras palavras, do texto normativo para o “mundo da vida”. Embora o acesso ao Poder Judiciário não seja em si um típico direito social[14], pois não está em causa apenas a efetividade de direitos sociais, a assistência jurídica reservada aos necessitados sim cumpre a função de um direito social típico, já que busca assegurar a igualdade material no plano do acesso ao Sistema de Justiça e, consequentemente, aos direitos fundamentais e ao postulado da dignidade da pessoa humana. Não é à toa que se chama o direito fundamental à assistência jurídica de titularidade dos necessitados como “direito a ter direitos” ou “direito a ter direitos efetivos”. O jurista italiano Luigi Ferrajoli chega a denominar a “defesa pública” realizada pela Defensoria Pública âmbito penal como uma “metagarantia”.[15] Aproveitando a ideia de Ferrajoli, pode-se afirmar que a assistência jurídica é uma espécie de “garantia guarda-chuva”, catalisadora das inúmeras garantias penais e processuais penais elencadas no rol do artigo 5º da Constituição. Como dito antes, é uma garantia para assegurar a efetividade das demais garantias (e direitos) constitucionais. Esse raciocínio, é bom frisar, não se limita à esfera penal, alcançando toda o leque de direitos fundamentais (liberais, sociais e ecológicos ou de solidariedade) titularizados pelos indivíduos e grupos sociais necessitados. É por essa razão que a assistência jurídica deve ser compreendida como um direito fundamental integrante do mínimo existencial, como elemento essencial para a defesa dos direitos sociais “materiais” que o compõem.[16]
Ao tratar do conteúdo do direito fundamental à assistência jurídica, Ricardo Lobo Torres assinala que o mesmo, na perspectiva do mínimo existencial, é composto por uma dimensão negativa (nomeada de status negativus do cidadão), referente à imunidade tributária pela isenção de custas e outras despesas processuais, bem como por uma dimensão positiva, que se dá por intermédio da Defensoria Pública[17], ou seja, o serviço público de assistência jurídica integral e gratuita prestado pela instituição. Do ponto de vista do titular do direito fundamental à assistência jurídica, tanto a dimensão negativa quanto a dimensão positiva (ou prestacional) assumem contornos normativos de um direito subjetivo acionável perante o Poder Judiciário frente a uma situação de omissão ou atuação insuficiente do Estado.
No caso da dimensão positiva (ou prestacional) seria plenamente possível obrigar o Estado, tanto no plano federal quanto estadual, por intermédio do controle judicial a adotar as medidas necessárias à criação ou mesmo a estruturação adequada da Defensoria Pública. Foi justamente isso que o STF fez em relação ao Estado de Santa Catarina, obrigando-o, no âmbito da ADI 4.270/SC, a criar a instituição no prazo de 12 meses, em substituição a convênio mantido naquele Estado com a OAB, a contar da decisão adotada pelo seu Tribunal Pleno. A decisão em questão foi cumprido no ano de 2012 com a criação da Defensoria Pública catarinense por meio da lei Complementar Estadual 575/2012, muito embora com quadro ainda hoje absolutamente insuficiente de Defensores Públicos, violando inclusive o princípio da proibição de proteção insuficiente. Mais isso é assunto para outra coluna. Por ora, a ideia era apenas lançar um olhar panorâmico acerca dos fundamentos que dão suporte à inclusão da assistência jurídica aos necessitados no rol dos direitos fundamentais que integram o conteúdo do direito ao mínimo existencial.

[1]. KUNTZ, Rolf. “A redescoberta da igualdade como condição de justiça”. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 151. A mesma ideia está em: LUÑO, Antonio E. Perez. Los derechos fundamentales. 8.ed. Madrid: Tecnos, 2005, p. 207-208.
[2] TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 36.
[3] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 2008, p. 81.
[4] V. HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. 2.ed. São Paulo: Editora 34, 2009, p. 216.
[5] Na jurisprudência, merece destaque a recente decisão do STJ, de lavra do Min. Humberto Martins, em discussão que envolvia o acesso à creche de crianças, na qual resultou consignado na fundamentação que “o mínimo existencial não se resume ao mínimo vital, ou seja, o mínimo para se viver. O conteúdo daquilo que seja o mínimo existencial abrange também as condições socioculturais, que, para além da questão da mera sobrevivência, asseguram ao indivíduo um mínimo de inserção na ‘vida’ social”. (REsp 1.185.474/SC, Rel. Min. Humberto Martins, j. 20.04.2010).
[6] BITENCOURT NETO, Eurico. O direito ao mínimo para uma existência digna. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 164 e ss.
[7] Uma listagem similar com o conteúdo “potencial do direito ao mínimo existencial” (mas sempre dependente da verificação no caso concreto) é referida por SARLET, Ingo W. A eficácia das normas constitucionais. 10.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 322.
[8] BITENCOURT NETO, O direito ao mínimo para uma existência mínima..., p. 121.
[9] Art. 79 do Ato das Disposições Transitórias (ADCT) da CF/88.
[10] A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) também sinaliza para o (possível) conteúdo mínimo dos diretos sociais no seu Artigo XXV: “Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle”.
[11] Na doutrina, sustentando que o direito à assistência jurídica integra o conteúdo do mínimo existencial, muito embora a referência seja muitas vezes ao acesso à justiça, v. TORRES, O direito ao mínimo existencial..., p. 269 e 282; BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade humana. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 325 e 330-331; BITENCOURT NETO, O direito ao mínimo para uma existência digna..., p. 269; ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn R.  A. Princípios institucionais da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2014., p. 95-96; e FENSTERSEIFER, Defensoria pública..., p. 195-216.
[12] BARCELLOS, “A eficácia jurídica dos princípios...”, p. 325.
[13] BITENCOURT NETO, O direito ao mínimo para uma existência digna..., p. 269.
[14] Sobre a natureza de direito social inerente à assistência jurídica aos necessitados, v. FENSTERSEIFER, Defensoria pública..., p. 171-178.
[15] Apud SOUZA, Fábio L. M. de. A Defensoria Pública e o acesso à justiça penal. Porto Alegre: Fabris, 2011, p. 312.
[16] O acesso à justiça, como forma de justificar o fato de integrar o conteúdo do direito ao mínimo existencial, é referido por Eurico Bitencourt Neto como “direito instrumental indispensável à eficácia dos direitos fundamentais”. BITENCOURT NETO, O direito ao mínimo para uma existência digna..., p. 122. No mesmo sentido, v. DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justiça: os direitos processuais fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 89.
[17] TORRES, O direito ao mínimo existencial..., p. 269.

 é defensor público no estado de São Paulo. Doutor e mestre em Direito Público pela PUC-RS, com pesquisa de doutorado-sanduíche junto ao Instituto Max-Planck de Direito Social e Política Social de Munique, na Alemanha. Autor da obra Defensoria Pública na Constituição Federal. Rio de Janeiro: GEN/Forense, 2017.
Revista Consultor Jurídico, 25 de abril de 2017.

terça-feira, 25 de abril de 2017

Prazos para prisões preventivas

Juízes, MP e policiais desrespeitam prazos legais para prisões preventivas

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) propôs, nesta terça-feira (18/4) estabelecer prazos para prisões preventivas. Contudo, especialistas ouvidos pelo ConJur avaliam que a medida não teria grande impacto prático. Isso porque as normas penais já estabelecem limites temporais — mas eles são sistematicamente desrespeitados por magistrados, integrantes do Ministério Público e policiais.

Para especialistas ouvidos pela ConJur, se prazos do CPP fossem cumpridos, prisões preventivas não durariam tanto tempo.
Reprodução

No documento “16 medidas contra o encarceramento em massa”, o IBCCrim, em parceria com a Pastoral Carcerária, a Associação Juízes para a Democracia e o Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação (CEDD/UnB), propõe que seja fixado prazo de 60 dias para prisões preventivas. As detenções poderiam ser renovadas se houver “fundamento em fatos novos” e sem ultrapassar seis meses, no total. Durante esse período, nenhum preso poderia firmar acordos de colaboração processual.
Porém, na visão do juiz da Vara de Execução Penal de Manaus, Luís Carlos Valois, determinar mais um limite temporal “não vai adiantar nada”, pois “ninguém cumpre prazo algum no Brasil”. A situação chegou a tal ponto que é possível concluir que o Código de Processo Penal não está mais em vigor no país, opina. Ou pior: que o Judiciário descumpre a norma sistematicamente.
Conforme ressalta, o CPP estabelece prazos de conclusão das fases do processo penal, como inquérito (10 dias se o indiciado estiver preso, ou 30, se solto, de acordo com o artigo 10), oferecimento da denúncia (5 dias caso o denunciado esteja encarcerado, ou 15, se solto, segundo o artigo 46) e sentença (10 dias após o recebimento das alegações finais, conforme o artigo 404, parágrafo único).
“Mas isso não impede que os presos permaneçam nas penitenciárias por muito mais tempo do que todos esses prazos somados”, declarou Valois.
Nessa mesma linha, a defensora pública do Rio de Janeiro Patricia Carlos Magno analisa que a fixação de um prazo para prisões preventivas seria algo inócuo. O problema, na visão dela, é que os limites temporais fixados no CPP não vinculam magistrados, integrantes do MP e delegados. Dessa maneira, as autoridades que desrespeitam tais regras não são punidas.
Para fortalecer seu argumento, Patrícia cita que o Brasil já foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por violar a duração razoável do processo. Mesmo assim, nada mudou, destaca a defensora.

Maíra Fernandes receia que prazos para preventivas poderiam banalizá-las.
Bruno Martins

A ex-presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro Maíra Fernandes, sócia do escritório Técio Lins e Silva, Ilídio Moura e Advogados Associados, pensa que a restrição do tempo que alguém poderia ficar preso preventivamente pode evitar detenções cautelares de dois, três anos – situação que não é rara de se encontrar no sistema penitenciário, relata.
Entretanto, a criminalista receia que a fixação de um prazo banalize ainda mais as prisões preventivas. Cerca de 40% das pessoas que estão presas no Brasil ainda não foram condenadas, conforme levantamento feito pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen). São quase 250 mil detentos provisórios no país.
“Na maioria das vezes, a prisão poderia ser substituída por medidas cautelares alternativas, ou o acusado poderia simplesmente responder em liberdade. Se o suspeito tem direito a uma dessas medidas, elas devem ser aplicadas, e ele não tem que ficar preso, ainda que seja por um tempo determinado. Tenho certo medo disso, porque há juízes que acham que não tem problema nenhum a pessoa ficar uns dias presa. Mas um único dia de prisão injusta já é uma violação aos direitos humanos”.
Compensação financeira
Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal decidiu que presos submetidos a condições degradantes em presídios devem ser indenizados em dinheiro. Por 7 votos a 3, o Plenário da corte definiu a responsabilidade civil do Estado pelas pessoas que mantém presas. E se elas estão sem “condições mínimas de humanidade”, devem ser indenizadas, inclusive por danos morais, declaram os ministros.
Na visão de Luís Carlos Valois, Patricia Carlos Magno e Maíra Fernandes, tal precedente pode ser aplicado a casos de pessoas presas preventivamente por muito tempo. Até porque a maioria dos detidos provisoriamente não são condenados à prisão, ressalta Maíra.
Ela cita levantamento do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes que mostrou que apenas 37,5% dos que responderam a processo atrás das grades no Rio de Janeiro foram condenados ao regime fechado ou semiaberto.
Contudo, nenhum dos três acredita que a decisão do STF terá um impacto significativo na superlotação do sistema carcerário. A advogada entende que o julgamento não melhorará as “péssimas condições” dos presídios.

Ao verificar más condições de presídio, Justiça deve suspender prisão, diz Valois. 
Agência Brasil

Valois, por seu turno, acha justo que o Estado indenize aqueles mantidos em más condições, mas opina que o Judiciário, quando verificasse uma ilegalidade, deveria imediatamente suspendê-la, não deixar como está e posteriormente arbitrar uma reparação.
O cenário só irá mudar de verdade, diz Patrícia, quando forem feitas mudanças na estrutura do sistema prisional. Isso poderia ser feito, em seus olhos, com a descriminalização de condutas e a compreensão do porquê de as pessoas cometerem delitos.
“É preciso punir quem cometeu crime, mas também temos que pensar em medidas de não repetição do delito. Essa é a lógica dos direitos humanos”, declarou.

Revista Consultor Jurídico, 22 de abril de 2017.

sábado, 22 de abril de 2017

Necessidade de combate à cultura do encarceramento

Réquiem para cultura do encarceramento praticada no Brasil

Para acabar com o déficit prisional atual de 250 mil vagas — coincidentemente o número de presos provisórios no sistema penitenciário — são necessários, segundo levantamento feito pelo Conselho Nacional de Justiça, cerca de R$ 10 bilhões.
Entre os principais problemas do sistema prisional apontados pelo CNJ, estão a superlotação carcerária, falta de gestão, falta de política de reintegração social e a mortalidade dentro dos presídios causada por surtos de tuberculose, sífilis, HIV e hepatite.
As autoridades não entendem ou não querem entender que enquanto perdurar a mentalidade punitivista e a cultura do encarceramento, não vamos avançar em nada, absolutamente em nada. 
Lamenta-se, ainda, a título de exemplo, o vergonhoso decreto de indulto assinado pelo atual ocupante do Palácio do Planalto que representou um retrocesso em qualquer tentativa de desencarceramento.
Somente com a descriminalizando do uso e do tráfico de drogas, responsável por grande parte das pessoas encarceradas ao lado dos crimes contra o patrimônio, com adoção efetiva de medidas de substituição da pena privativa de liberdade e com a bruta redução da prisão preventiva — decretada geralmente fora das hipóteses legais e dos casos de extrema necessidade — é que poderemos desacelerar o crescimento da população prisional. 
Enquanto os mais vulneráveis forem criminalizados, enquanto a política de "guerra as drogas" prevalecer, enquanto a prisão preventiva constituir-se em antecipação da tutela penal, vamos ter que conviver com rebeliões e mortes nas prisões brasileiras.
Não é necessário, como sustentam alguns, que seja feito um censo penitenciário para saber que a população carcerária cresce muito mais rápido do que a capacidade do estado de construir novos presídios.
“Mais cárcere, mais confinamento, mais repressão”, afirma com precisão e toda sua experiência, a criminóloga venezuelana Lola Aniyar de Castro. Segundo ela, a realidade na América Latina nos séculos XX e XXI caracteriza-se por apresentar os mais elevados índices históricos de violência carcerária, trata-se de “um barril de pólvora sempre preste a explodir”. A construção de novas prisões, sempre proposta como solução para o problema da superpopulação carcerária, constata Aniyar de Castro, levará a mais encarceramento, posto que “mais espaço disponível tem como resultado mais confinamento”. Afirma, ainda, com toda lucidez criminológica, que “a luta contra as prisões é uma luta social e política. É, pela seletividade da prisão, é também uma luta contra a pobreza”.
Definitivamente, o problema carcerário somente será amenizado com políticas criminais voltadas para a descriminalização de condutas que não afetam bens jurídicos, condutas que se situam apenas no campo do "perigo", condutas que não lesam bens de terceiros, condutas que se situam no campo estrito da moral, condutas insignificantes ou de bagatela etc. Além de uma política de desencarceramento. 
Por fim, como já proclamou Hassemer, não é demais lembrar que a melhor política criminal é sua substituição pela política social.

 é advogado criminalista e doutor em Ciências Penais.
Revista Consultor Jurídico, 12 de janeiro de 2017.

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Apac: método de ressocialização de preso reduz reincidência ao crime

Dois anos após cumprir sua pena, M. Ribas garante que os 16 meses que passou na Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) de Barracão, interior do Paraná, foram decisivos para afastá-lo definitivamente do mundo do crime.
 “Foi importante para assumir responsabilidade pela minha própria vida, o que não tinha acontecido antes da minha prisão. Quem é preso foi porque faltou responsabilidade, faltaram objetivos. Lá dentro da Apac aprendi a meditar, a acalmar minha mente e a retomar o gosto pelo estudo”, diz. M. Ribas que é um dos 137 presos que passaram pela APAC Barracão em quatro anos de funcionamento da unidade que não voltaram a praticar crime.
Apenas dois deles reincidiram, segundo a juíza responsável pela execução de penas no município paranaense, Branca Bernardi. 
Aplicado atualmente em 43 cidades brasileiras, o método alternativo de ressocialização que mudou a vida de Ribas apresenta a homens e mulheres presos conceitos como responsabilidade, autovalorização, solidariedade e capacitação, aliados à humanização do ambiente prisional. Ao retirar o preso do ambiente prisional e submetê-lo a um cotidiano muito diferente daquele vivido nas prisões, a Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC) afirma reduzir a 30% a reincidência criminal entre os homens e mulheres que passaram por uma das unidades onde o método é aplicado. 
“Em média, nossa não reincidência (no crime) é de 70%. Em algumas Apacs, chegamos a um índice de 98%. No Brasil, o percentual não chega a 10%. Tenho certeza de que, se o Estado acordasse, a reincidência seria menor ainda”, disse o gerente de metodologia da FBAC, Roberto Donizetti. 
A estratégia de responsabilizar os presos pelos seus atos impressiona quem chega a uma Apac, que não se parece com uma unidade prisional tradicional. Não se veem armas e há mulheres – funcionárias ou voluntárias – circulando pelo estabelecimento. Manter a atmosfera de paz e harmonia na unidade é atribuição delegada dos presos condenados que são autorizados pela Justiça a cumprir pena no lugar.
“Quando entro lá [na Apac], não penso que estou em um presídio. Atravesso o portão e os presos já estão me cumprimentando. Gosto de cumprimentar e falar com todos, um a um. Pergunto o que estão fazendo, como estão”, afirma o voluntário da unidade de Barracão/PR, Antenor dal Vesco. 
Outro motivo que pode causar um choque em quem visita uma APAC esperando encontrar um ambiente prisional convencional é a limpeza e organização interna do lugar, outra tarefa de responsabilidade exclusiva dos presos. Ao longo do dia, rondas são feitas para conferir a arrumação das celas e camas. “É mais limpo que o quarto de seu filho adolescente”, assegura o voluntário da unidade de Macau/RN, Cleber Costa. 
Primeira impressão 
Além de cuidar da cela onde vivem, os presos realizam uma faxina geral na unidade semanalmente, para receber familiares, sempre aos domingos, “pois é o dia de se visitar a família normalmente”, diz o voluntário da unidade potiguar, Cleber Costa. 
Mães, companheiras, irmãos, primos passam o dia na unidade, lancham, almoçam, convivem com o parente que cumpre pena assim como os familiares dos demais presos ali. Além de contemplar o apoio familiar, para recuperar pessoas condenadas para a vida em sociedade, os 12 elementos do Método Apac comportam também o trabalho e a solidariedade com quem também está preso.
Rotina de trabalhador
A rotina que deve ser cumprida diariamente pelos internos de uma Apac começa às 6 horas da manhã, horário em que todos se levantam e iniciam uma série de atividades de trabalho e capacitação. Até as 22 horas, quando todos são obrigados a se recolher, as horas do dia são divididas entre sala de aula, laborterapia, leitura, informática e outras obrigações. 
A presidente da Apac Barracão, Isaura Pertile compara o cotidiano da unidade ao de um seminarista ou de um militar. “Eles lavam suas próprias roupas. Na ‘loucura’ em que eles viviam, como eles próprios chamam (a vida no crime), nunca souberam o que significa regra ou a consequência dos atos deles”, diz Isaura, servidora do Judiciário local que está à frente da unidade paranaense desde 2013.
Disciplina com segurança
Embora o objetivo seja formar novas pessoas durante o período na Apac, existem mecanismos de controle para moderar o convívio e ajustar eventuais deslizes de comportamento. A responsabilidade pela convivência harmoniosa com os demais internos é mais uma missão que cabe a cada preso. Questões menores são resolvidas pelos próprios internos, de acordo com regimento que prevê inclusive sanções, no conselho de Sinceridade e Solidariedade. 
A responsabilidade também é respeitada em relação à identidade de cada um. Ao contrário do sistema carcerário tradicional, é proibido o uso de apelidos. “Não tem um ‘cabeludo’, um ‘pezão’ nem qualquer outro apelido alusivo ao crime. Todos lá dentro são ‘José’, ‘Anderson’, todos se chamam pelo nome próprio. Todos andam com crachá de identificação (voluntário, técnico, interno) e valorizam o respeito”, afirma o voluntário da Apac Macau/RN, Cleber Costa. 
Aos presos é confiado o dever de manter-se limpo, sob pena de expulsão. Na unidade potiguar, exames toxicológicos são feitos sem aviso prévio (em todos os internos ou por amostragem) e sempre que deixam a unidade em saídas temporárias, autorizadas pela Justiça (para procurar emprego, por exemplo). 
“Na Apac do Rio Grande do Norte, os casos de testes positivos de uso de drogas são estatisticamente desprezíveis. Mesmo assim, testar positivo é considerado falta grave, que implica volta para o sistema comum. O lema é ‘nós confiamos em vocês, mas queremos reciprocidade’. Por isso, as chaves das dependências internas ficam com os presos, que se revezam em turnos, mas a chave da porta da rua fica com a direção.”, afirma Cleber Costa.
Pós-APAC 
O gerente de segurança e disciplina Apac Paracatu/MG, Silas Porfírio, tenta convencer a Justiça local a permitir o acompanhamento mais próximo de ex-presos pela equipe da Apac. Pede para que os presos do regime aberto possam assinar seu compromisso periódico com a Justiça, condição para muitos presos autorizados a cumprir o final da pena em casa, na Apac. Em 2013, a superlotação da Cadeia Pública de Paracatu motivou decisão judicial que obriga desde então os presos a se dirigir ao fórum para se manter em dia com suas obrigações com a Justiça. 
“A gente quer olhar no olho do sujeito e ver se ele está bebendo, usando droga”, afirma Porfírio, que tem a ajuda de voluntários da igreja, de grupos como o Narcóticos Anônimos, Alcóolicos Anônimos e outros parceiros, para acompanhar os egressos e evitar recaídas no vício e na criminalidade. 
Muitos internos se frustram ao sair da Apac e encararem a discriminação do mercado de trabalho. “Quando o empregador puxa a ficha do candidato à vaga de emprego e vê que ainda deve à Justiça, normalmente não contrata. Aí o egresso volta a traficar, a roubar”, diz. 
Dos três dias que passou no presídio de Barracão, entre o momento da prisão e a transferência para a APAC, M. Ribas carrega a lembrança de que poderia ter permanecido para sempre no mundo do crime. “O presídio é um antro cheio de pessoas que podem influenciar qualquer um que entra lá, que também pode se deixar influenciar”, afirmou. Ao período na APAC, concluído há dois anos, atribui nunca mais ter tido problemas com a lei. “Sequer sofri abordagem da polícia, uma revista”, diz Ribas.
Manuel Carlos Montenegro 
Agência CNJ de Notícias


terça-feira, 18 de abril de 2017

Ressocializar presos é mais barato do que mantê-los em presídios

É mais barato fazer presidiários cumprir pena fora dos presídios, trabalhar e estudar do que mantê-los encarcerados. A metodologia de ressocialização de presos que a Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC) aplica em 43 cidades em quatro estados custa, segundo os cálculos do gerente de metodologia da entidade, Roberto Donizetti, menos da metade do valor mensal que o Estado destina a manter uma pessoa sob custódia no sistema prisional tradicional. 
Em Minas Gerais, por exemplo, o preso custa em média R$ 2,7 mil por mês pelo sistema tradicional dos presídios do Estado e R$ 1 mil pelo método de ressocialização da FBCA.
files/conteudo/imagem/2017/04/d02b761dee7b4668778bc4ac36a4931f.jpgEm tempos de escassez de recursos e aumento da população carcerária, que saltou de 90 mil para mais de 650 mil desde o início da década de 1990, o Método  da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) é promovido como alternativa ao atual sistema.
Uma Apac é um estabelecimento de ressocialização de presos que cumprem pena, autorizados pelo juiz de execução penal da região. Lá, o condenado encontra uma rotina de trabalho e educação, diferente do ócio obrigatório vivido atrás das grades dos presídios comuns. Um quadro fixo de funcionários e grupos de voluntários asseguram um rol de atividades variadas com o objetivo de preparar o preso para voltar ao convívio em sociedade, desde terapia a religião. Para aumentar as chances de sucesso no retorno à sociedade, as visitas de familiares facilitam o contato entre presos e visitantes – mães, companheiras e filhos de presos, sobretudo – sem expor a segurança da casa. 
Baseado em austeridade na gestão, o custo de se administrar essa metodologia de ressocialização é um dos argumentos centrais para disseminar o Método Apac por outras partes do país, segundo o representante da FBAC, Roberto Donizetti. Atualmente nas 39 unidades Apac AC mineiras, cumprem pena cerca de 3 mil homens e mulheres.  
Custodiá-los representa desembolso mensal de R$ 3 milhões por mês, de acordo com a FBAC. Se ainda estivessem em uma das prisões do estado, custariam R$ 12 milhões mensais. A diferença de R$ 9 milhões entre o custo mensal nos diferentes sistemas – alternativo e tradicional – soma R$ 108 milhões por ano. 
Mesmo inferior, a estimativa da Secretaria de Administração Prisional de Minas Gerais (SAP/MG) de custo mensal de manutenção de um preso – R$ 2,7 mil mensais, em média – atualmente representaria quase três vezes a despesa mensal de uma Apac para manter um preso. A SAP/MG informa que a cifra, variável conforme a lotação da unidade, abrange os custos de manutenção do detento no sistema (alimentação, estudo, trabalho, itens de higiene, água, pagamento do agente penitenciário, entre outros), mas também a construção da unidade prisional.
Obras
Dividindo-se o custo total das obras de construção de uma unidade APAC pelo número de vagas que a instituição oferecerá, chega-se ao valor de R$ 15 mil para se “abrir” uma vaga , segundo Cleber Costa da Apac de Macau/RN. Uma vaga em um presídio tradicional tem custo médio de R$ 45 mil. 
“Temos pessoal treinado para abrir sete polos das APACs no Rio Grande do Norte, mas falta o dinheiro para construir as unidades em outros municípios do estado”, disse Costa, que já foi vice-presidente da Apac do município localizado a 180 quilômetros ao norte da capital, Natal.
Escala
Um dos motivos que explicam o baixo custo de manutenção de uma Apac em relação a um presídio convencional é a diferença de escala entre os dois modelos de estabelecimento penal. Em comparação com outras unidades de Minas Gerais – o Complexo Nelson Hungria abriga 2.166 presos, embora a capacidade seja de apenas 1.664 vagas, de acordo com a inspeção realizada nas instalações por juiz do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em 29 de março. 
Manutenção
Uma vez edificada a sede da Apac, é necessário formar uma equipe que se encarregue do cotidiano dentro da unidade. Como recebe menos apenados, a Apac tem um quadro de funcionários menor. Na Apac AC de Paracatu/MG, segundo o gerente de segurança e disciplina, Silas Porfírio, 16 funcionários respondem pela operação da unidade, que abriga 125 homens sentenciados a cumprir pena nos regimes fechado e semiaberto. Além de manter a segurança e integridade física de todos que vivem ou trabalham na unidade, o quadro técnico viabiliza uma rotina diária de atividades que inclui oficinas profissionalizantes, aulas, cultos ecumênicos, sessões coletivas de terapia, refeições e atividades de lazer. 
Contratos – Segundo a juíza responsável pela APAC de Barracão/PR, município do interior do Paraná, Branca Bernardi, a escala menor reduz os valores dos contratos de fornecimento de produtos e serviços necessários ao funcionamento da APAC. “Normalmente esses contratos do sistema comum são para fornecimento de alimentação ou para a construção de unidades prisionais. Para reformar a delegacia e transformá-la em APAC, gastamos R$ 70 mil. Fizemos uma licitação dentro da cidade, como fazemos para comprar frutas, verduras, etc. Não se trata de nenhum contrato milionário”, afirma.
Embora o sistema prisional demande elevado volume de recursos para ser mantido, presta um serviço reconhecidamente precário em todo o país. O Brasil foi intimado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a prestar informações a respeito de violações dos direitos humanos que teriam ocorrido em três presídios – complexos penitenciários do Curado (Pernambuco) e Pedrinhas (Maranhão), e o Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Rio de Janeiro – e uma unidade socioeducativa no Espírito Santo para adolescentes em conflito com a lei. As rebeliões ocorridas em presídios do Amazonas, Rio Grande do Norte, Roraima e Rondônia no início do ano resultaram em mais de uma centena de mortes que revelaram o poder das facções criminosas dentro e fora das cadeias. 
Corrupção
Reduzir os custos operacionais também diminui o risco de casos de corrupção no sistema prisional, segundo o gerente de metodologia da FBAC, Roberto Donizetti. “O sistema comum é uma máquina de corrupção. Comida, uniforme, transferência, viatura são fontes potenciais de corrupção”, diz. 
Da época em que militava na Pastoral Carcerária, o voluntário da Apac de Macau/RN, Cleber Costa, recorda ter recebido uma denúncia de um preso segundo a qual o diretor do setor onde trabalhava o forçara a assinar um documento para atestar o recebimento de uma encomenda de 800 caixas de determinado produto. “Na verdade, foram entregues apenas 400 caixas. Nenhuma delas chegou aos presos. As poucas que chegaram foram levadas pelos agentes”, afirma.
População em expansão
Os 3,5 mil presos que cumprem pena em estabelecimentos que seguem a metodologia Apac em Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Paraná e Maranhão representam apenas cerca de 0,5% da população carcerária do país, calculada em 654,3 mil pessoas, de acordo com informações apuradas pelos presidentes de tribunais de Justiça ao CNJ em janeiro. O viés de crescimento da população carcerária (7% nos últimos anos, de acordo com o mais recente levantamento do Departamento Penitenciário Nacional) aponta para uma explosão nos gastos públicos que precisa ser contornado para evitar mais um problema econômico para o país.
Outra ameaça da multiplicação do orçamento prisional é vermos confirmada a profecia do sociólogo Darcy Ribeiro feita em 1982, conforme lembrou a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, em evento de segurança pública realizado em novembro passado, em Goiânia/GO. “Darcy Ribeiro fez em 1982 uma conferência dizendo que, se os governadores não construíssem escolas, em 20 anos faltaria dinheiro para construir presídios. O fato se cumpriu. Estamos aqui reunidos diante de uma situação urgente, de um descaso feito lá atrás”, lembrou a ministra.
Como são recursos públicos que mantêm tanto as escolas quanto as prisões brasileiras, inclusive estabelecimentos privatizados, destinar menos dinheiro ao sistema carcerário poderia aumentar o orçamento do sistema educacional. Em 2016, o investimento anual do governo Federal foi de R$ 2.739,77 por aluno ao ano. Em 2015, o custo para manter presidiários variou entre R$ 1,8 mil e R$ 3 mil ao mês nos estados do Paraná, do Rio Grande do Sul e de Rondônia, de acordo com a pesquisa do Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da Universidade de São Paulo (USP). 
Manuel Carlos Montenegro 
Agência CNJ de Notícias  


segunda-feira, 17 de abril de 2017

Provas com mitigação de direitos fundamentais X Sigilo

Provas produzidas com mitigação de direitos fundamentais devem ser sigilosas

No processo penal contemporâneo e especialmente nas atuais investigações conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, as autoridades vêm fazendo uso crescente da produção de provas cautelares mediante autorização judicial. A necessidade de chancela do Judiciário, dentre outros requisitos, relaciona-se à imperiosidade de se reconhecer a presença do interesse público/coletivo na investigação, de forma tão relevante que se permitem diligências as quais, a priori, constituem violação a direitos fundamentais do investigado.
Este interesse público se encontra consagrado inclusive no artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; 
Trata-se de verdadeiro exercício de ponderação de princípios: afastam-se garantias constitucionais sobre direitos individuais à intimidade, privacidade, sigilo das correspondências e comunicações em prol do interesse público inerente à investigação de crimes, considerando-se o monopólio estatal do poder punitivo.
Se o interesse coletivo é fundamento para afastar garantias individuais com vistas à produção de provas no processo penal, também deve-se observar que a finalidade desta coleta de provas à revelia de direitos fundamentais é bastante restrita: instruir a investigação ou o processo penal no bojo do qual foi autorizada. Tanto que, repita-se, o inciso XII é claro em determinar a finalidade específica da mitigação de direitos fundamentais mediante autorização judicial “para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
A autorização para produzir provas mediante a quebra de garantias constitucionais, portanto, não inclui a divulgação livre ou utilização destas provas para outras finalidades, mas apenas para instruir a investigação ou o processo penal.
A publicidade dos atos processuais, no desenrolar da História, foi sendo implementada para evitar os processos obscuros e ocultos, mediante a utilização de meios cruéis e atualmente ilícitos de obtenção de prova. Em suma, garante-se ao investigado ou acusado o pleno acesso aos elementos de prova até então produzidos contra ele e cujas diligências se encontrem concluídas, conforme consagrado pela Súmula Vinculante 14 do STF. Por consequência destes corolários, também se exige que as decisões judiciais sejam transparentes quanto à fundamentação invocada (artigo 93, IX, da CF) para ulterior controle de órgão judicial superior.
Por outro lado, é certo que a democratização do país, com o advento da Constituição Federal de 1988, buscou afastar as heranças ditatoriais do período histórico anterior, e o Plenário do Supremo Tribunal Federal chegou a reconhecer que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela nova Constituição (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 130-7-DF/2009).
Portanto, também são direitos e garantias fundamentais amparados na Constituição Federal: a livre manifestação do pensamento e das comunicações (liberdade de imprensa), bem como a garantia de publicidade dos atos processuais.
Todavia, com o vertiginoso aumento de investigações que contam com o deferimento de medidas cautelares assecuratórias e de produção de prova, uma nova questão se coloca no âmbito da ponderação destes princípios constitucionais (liberdade de imprensa e publicidade dos atos processuais x direitos fundamentais individuais).
Havendo nos autos de investigação provas produzidas mediante a flexibilização de direitos fundamentais do investigado, não se tem dúvidas de que, uma vez concluídas as diligências, o sigilo para a partes deve ser levantado, franqueando-se à defesa acesso a todo o seu conteúdo. Todavia, poderia este mesmo processo estar livremente à disposição do público e, em especial, poderiam as autoridades responsáveis por conduzir a investigação prestar declarações, entrevistas e, de qualquer forma, expor livremente estas provas encartadas aos autos?
Por ora, não há dúvidas de que os atos processuais, em geral, são públicos, em especial no interesse do acusado, conforme anteriormente esposado. Todavia, as provas cautelarmente produzidas diferem infinitamente das provas angariadas através de investigação comum, justamente por terem sido autorizadas judicialmente, na proteção do interesse público e mediante o afastamento de direitos fundamentais dos investigados (ponderação de princípios constitucionais).
A própria Constituição oferece um norte para o tema, quando define, no artigo 5º, inciso LX, que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.
Não se pode olvidar que a preservação do interesse social também invoca a ideia de justiça social, e o direito coletivo de acesso à justiça e, por conseguinte, a julgamentos justos. A sociedade, como um todo, também precisa confiar no judiciário e na justiça como instrumento democrático e republicano, consubstanciado no acesso a um julgamento justo, mediante a obediência às regras processuais penais (ótica formal) mas também o mais protegido possível de influências externas (ótica material).
Um dos grandes desafios atualmente colocados ao Judiciário é justamente o esforço de não ser permeabilizado pela influência de agentes externos, notadamente a mídia, através da chamada publicidade opressiva. A doutrina atual tem se debruçado sobre esta potencial influência da mídia e dos vazamentos na imprensa de provas inseridas nos processos no resultado final do julgamento.
Neste contexto, a norma Constitucional também apresenta um norte: em contraponto ao interesse social, também tutela o interesse individual, através do limite à publicidade dos atos processuais com vistas a salvaguardar a intimidade do investigado, como direito fundamental que é.
Indo ainda mais além, o Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, no artigo 8º, 5, prevê a possibilidade de restringir a publicidade dos atos no processo penal para preservar os interesses da justiça.
Apresenta-se, portanto, o desafio de ponderar entre o direito fundamental do investigado à intimidade e vida privada (já mitigado para a produção da prova cautelar) e a publicidade dos atos processuais junto com a liberdade de imprensa constitucionalmente garantida.
Neste sentido, Simone Schreiber vem debatendo o tema com atenção à ponderação dos princípios constitucionais acima relacionados, alertando para a publicidade opressiva dos julgamentos criminais. A autora explica que no julgamento da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 130-7/DF, em 2009, o Plenário do STF, por maioria, decidiu pela não recepção da lei de imprensa pela Constituição Federal de 1988. Observa, todavia, que a Suprema Corte não consignou que tal direito é absoluto e impassível de qualquer restrição frente a outros direitos fundamentais.
Nesta linha de intelecção, o professor Nilo Batista chama a atenção para o histórico de espetacularização do processo penal: à época da inquisição, o sigilo ao longo de todo o processo (inclusive para o réu) se mostrava extremamente nocivo, com o objetivo de tornar público apenas o cumprimento da pena, mediante execuções e castigos em praça pública.
Na atualidade, com a quase universalizada pena de prisão, a execução da pena não possui mais qualquer apelo midiático, de maneira que a espetacularização se deslocou para a investigação e para o julgamento. Nesta toada, o eminente professor observa que “A liberdade de imprensa geralmente prevalece sobre o direito à privacidade”. [1]
O professor frisa que, quando se transfere o raciocínio para países com democracia mais consolidada, “quando o confronto se dá com a presunção de inocência e o direito ao julgamento justo, a solução é distinta”. Observem-se soluções citadas pelo professor em seu artigo:
A Corte Suprema dos EUA manifestou desconforto por ter identificado “julgamento pela imprensa” e anulou condenações. Numa delas, registrou que “o julgamento não passou de uma cerimônia legal para averbar um veredicto já ditado pela imprensa e pela opinião pública que ela gerou”.
Alertou que o noticiário intenso sobre um caso judicial pode tornar nula a sentença e que a publicidade dos julgamentos constitui uma garantia constitucional do acusado e não um direito do público.
Na Europa, o assunto preocupa legisladores e tribunais. França e Áustria criminalizaram a publicação de comentários sobre possíveis resultados do processo ou sobre o valor das provas.
Em Portugal, a publicação de conversas interceptadas em investigação é criminalizada, salvo se, não havendo segredo de Justiça, os intervenientes consentirem na divulgação: o sigilo de Justiça vincula todos aqueles que o acessarem a qualquer título.
Perceba-se que os autores, em linhas gerais, estão se referindo ao processo penal de forma genérica, ou seja, independentemente de ter havido a produção de provas com mitigação de direitos fundamentais ou não.
Quando se chega a uma decisão judicial que autoriza a produção da prova cautelar de interceptação telefônica e telemática, evidentemente foram mitigados direitos fundamentais na consideração do interesse público na investigação, mediante uma ponderação legitima e também prevista na Constituição Federal.
Todavia, ao se admitir eventual publicização da prova amealhada, disponibilizando-a aos órgãos de imprensa, nova ponderação de princípios é realizada, desta feita em flagrante colisão com a finalidade estrita estabelecida na primeira ponderação, qual seja, instruir a investigação.
Ora, se foi necessário (I) obter autorização judicial para a coleta das provas, por força de determinação constitucional; (II) se tais elementos ainda deverão ser apresentados submetidos ao contraditório ao longo da instrução processual e (III) ainda serão submetidos também ao crivo de legalidade a posteriori, tendo em vista a possibilidade concreta de ter havido procedimentos de mácula à legalidade daquelas provas, não há absolutamente nenhuma razão para se admitir que, de forma antecipada e sem qualquer critério, as autoridades investigativas estejam autorizadas a veicular na imprensa seu conteúdo (!).
No ponto, cumpre mencionar o paradigmático caso relacionado ao então governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho. O STF confirmou o posicionamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul no sentido de proibir a veiculação pela imprensa do conteúdo de interceptações telefônicas reconhecidamente ilegais, aduzindo não haver qualquer inconstitucionalidade na decisão do Tribunal a quo que proibiu esta divulgação pela mídia (STF: Medida Cautelar na petição 2702-7).
À época, a imprensa argumentou que a “população teria o direito de informação” acerca do tema, todavia, o STF, cumprindo devidamente seu papel de instância contramajoritária de proteção aos direitos fundamentais, manteve firme a decisão e não cedeu à pressão pública.
Por outro lado, observam-se as nefastas consequências do paradigmático caso do vazamento ilegal de trechos de interceptação telefônica entre os ex-presidentes Lula e Dilma. Observe-se: a prova foi vazada quando ainda detinha presunção de licitude, todavia, foi declarada ilícita a posteriori pelo STF, mas era impossível restaurar o status quo anterior ao vazamento, qual seja, de preservação da privacidade dos interlocutores.
Realizando uma análise conjunta dos dois casos, se o STF já consignou a impossibilidade de se divulgar uma prova ilícita, não se pode admitir a divulgação de uma prova (mesmo que ainda detenha presunção de licitude) antes de manifestação judicial definitiva sobre seu conteúdo, após o devido contraditório e ampla defesa no processo, bem como sem controle posterior de legalidade.
Afinal, a análise da ilegalidade de uma prova cautelar não se limita a avaliar os fundamentos da decisão que a decretou, mas também envolve avaliar, dentre vários aspectos, (I) a forma de execução/coleta da prova em seus aspectos formais e materiais e (II) a preservação da cadeia de custódia desta prova nos autos. Desta forma, a prova pode ser considerada nula a posteriori mesmo que se reconheça a legalidade da decisão autorizativa.
Além disso, não se olvide que vem se tornando praxe no país não apenas a veiculação das provas produzidas mediante flexibilização de direitos fundamentais, mas também a concessão de entrevistas coletivas pelas autoridades investigativas, sempre acompanhadas de avaliação hermenêutica daquelas provas.
Sem qualquer demérito acerca da autoridade policial, deve-se atentar para a cada vez mais comum figura do policial hermeneuta, ou seja, aquele que interpreta as provas cautelarmente produzidas no processo sob sigilo das partes e as conduz diretamente a uma coletiva de imprensa, conforme sua própria interpretação (e eventualmente seus próprios interesses).
Necessário frisar, portanto, que além de todos os problemáticos aspectos já mencionados, é certo que nem o próprio Juiz julgará a causa com base naquele “recorte” momentâneo da prova, invocado pela autoridade policial ou pelo Ministério Público em coletiva de imprensa sobre determinada fase da investigação, mas sim no momento processual oportuno para a sentença, quando todo o conjunto probatório lhe é apresentado.
Portanto, com todo o respeito às autoridades investigativas e o Ministério Público, este exercício hermenêutico é privativo do juiz competente para a ação penal e cogitar o contrário se mostrou, reiteradamente, muito temerário para as instituições democráticas e republicanas do país.
O caso em que indubitavelmente o problema ganhou consequências gravíssimas para toda a economia do país foi a emblemática operação carne fraca.
Conforme amplamente noticiado, após o deferimento de medidas cautelares pelo judiciário, a autoridade policial se encaminhou aos holofotes e à imprensa com vistas a relatar os elementos de prova colhidos mediante interceptação telefônica que haviam ensejado a fase ostensiva da operação. Restaram nítidos os problemas decorrentes de a autoridade policial proferir um juízo hermenêutico e valorativo acerca do conteúdo das interceptações.
Em pronunciamento acerca dos habituais vazamentos de informação à imprensa ocorridos ao longo da operação "lava jato", em violação ao dever funcional de sigilo (tipo penal do artigo 325 do CP), Gilmar Mendes pontuou que “Investigações devem ter por objetivo produzir provas, não entreter a opinião pública ou demonstrar autoridade”.
Neste contexto, deve-se ter em mente que o sigilo do inquérito policial “é imposto não para impedir o livre exercício da imprensa, mas para assegurar o bom andamento das investigações; mas, como a presunção de inocência ainda nem sequer está posta à prova, pois não temos ainda um processo penal, o juiz deve assegurar o direito à intimidade quando a mídia tiver nítido interesse em realizar um julgamento midiático, tornando o inquérito sigiloso”[2]
A veiculação de provas produzidas em violação aos direitos fundamentais do acusado representa grave risco (I) ao princípio constitucional da paridade de armas no processo penal, pois a tese veiculada na imprensa cinge-se às conclusões das autoridades investigativas e acusatórias, sem direito ao devido contraditório; (II) ao direito a um julgamento justo, tendo em vista que a pressão midiática e a opinião pública representam fatores de pressão contra o judiciário.
Por fim, observe-se que a requerida determinação de sigilo dispensa a elaboração de lei que a preveja, pois o mero exercício hermenêutico (ponderação de princípios) à luz da Constituição já se permite determinar que os órgãos investigativos se abstenham de apresentar informações colhidas mediante a produção de provas com flexibilização de direitos fundamentais.
Nesta toada, estar-se-ia realizando a melhor ponderação entre princípios no caso concreto. Ensina Gilmar Mendes que “No conflito entre princípios, deve-se buscar a conciliação entre eles, uma aplicação de cada qual em extensões variadas, segundo a respectiva relevância no caso concreto, sem que se tenha um dos princípios como excluído do ordenamento jurídico por irremediável contradição com o outro”.
Pois bem: impedir a veiculação do conteúdo das provas produzidas mediante mitigação de direitos fundamentais não implicará qualquer violação ao direito de imprensa e ao direito de informação. Acaso estas provas sejam relevantes para condenar ou absolver, estarão mencionadas na sentença definitiva, à qual será concedida a devida publicidade.
E mais: a medida pleiteada não depende em absoluto do conteúdo (valor) da prova produzida, muito menos se ela será utilizada ao final do processo para absolver ou condenar. O sigilo se faz necessário por si mesmo, em face da realização de uma segunda ponderação de princípios (publicização da prova x privacidade, intimidade e direito ao julgamento justo), sem prejuízo da ponderação anterior, realizada quando da própria autorização da prova (interesse público x privacidade e intimidade). Desta forma, estar-se-ia evitando eventual publicidade opressiva em detrimento do acusado, bem como a interferência de fatores externos no julgamento.

1 BATISTA, Nilo. Nilo Batista: Corte Europeia já pune “publicidade opressiva” como a usada contra Lula. 29/01/2017. Disponível em: http://www.viomundo.com.br/denuncias/nilo-batista-corte-europeia-ja-pune-publicidade-opressiva-como-a-usada-contra-lula.html. Consulta: 30/03/2017.
2 FIGUEIREDO, Herivelton Rezende de. A publicidade da mídia nos julgamentos criminais e o sigilo judicial. Revista eletrônica Lex Magister. Disponível em: http://www.lex.com.br/doutrina_26052222_A_PUBLICIDADE_DA_MIDIA_NOS_JULGAMENTOS_CRIMINAIS_E_O_SIGILO_JUDICIAL.aspx. Consulta: 30/03/2017.

 é advogado do Rigueira, Amorim, Caribé, Caúla & Leitão Advocacia Criminal.
Giselle Hoover é advogada do Rigueira, Amorim, Caribé, Caúla & Leitão Advocacia Criminal
Revista Consultor Jurídico, 13 de abril de 2017.