“Se esse modelo de parceria público-privada de gestão penitenciária
possibilitar a qualificação e a ressocialização dos presos, como prevê o
contrato de concessão administrativa, eu aposto nessa ideia. Hoje, pelo modelo
público atual, o preso sai pós-graduado em criminalidade”, afirmou o coordenador
do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do
Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça
(DMF/CNJ), Luciano Losekann, sobre as atividades do Complexo Penitenciário
Público-Privado de Ribeirão das Neves, inaugurado este mês, na região
metropolitana de Belo Horizonte, em entrevista concedida à TV Justiça.
Construído e administrado pela iniciativa privada, por um consórcio de
empresas (Gestores Prisionais Associados) em parceria com o estado de Minas
Gerais, o modelo, pioneiro no Brasil, obriga todos os presos a uma rotina diária
de estudo (quatro horas) e trabalho (seis horas) e prevê multas aos parceiros
privados caso as obrigações previstas não estejam de acordo com os padrões
definidos no contrato. “Esse sistema é semelhante ao sistema existente na
Inglaterra. A empresa não recebe todo o repasse de recurso se não cumprir
determinados padrões. Diferentemente do sistema de cogestão, em que geralmente
uma empresa é a vencedora da licitação, aqui é um consórcio de empresas que
exploram determinados serviços delegados durante determinado tempo. Então, se os
serviços de educação não estão no padrão exigido pelo poder concedente (aqui, o
governo de Minas Gerais), a empresa deixa de receber ou recebe uma quantia menor
dos recursos”, explica Losekann.
As empresas participantes do consórcio têm como responsabilidade os serviços
de atenção médica; de educação básica e cursos profissionalizantes, além de
alimentação e assistência jurídica e psicológica. Ao poder público caberá a
fiscalização dessas atividades, além da segurança armada nas muralhas e a
segurança externa em cada unidade que compõe o Complexo Penal. A nova unidade
contará com recursos tecnológicos de ponta para evitar o contato dos agentes com
os presos e permitir melhor controle nas ações dos detentos. Uma empresa
terceirizada de auditoria fará inspeções periódicas a fim de verificar se as
exigências previstas em contrato estão sendo cumpridas. Até o final deste ano, a
previsão é de que três mil detentos sejam alocados nas cinco unidades do
Complexo.
Veja, abaixo, mais detalhes da entrevista do juiz Luciano Losekann concedida
à TV Justiça sobre o assunto.
Como o senhor acompanha esse projeto que é pioneiro no
Brasil?
Esse é um projeto muito interessante que introduz modelo de gestão
diferenciada. Nós já temos, no Brasil, um modelo chamado de cogestão em que
empresas se submetem à licitação pública e, em vencendo essa licitação, exploram
determinados serviços como educação, saúde, assistência social, psicológica. Nos
estados em que esse sistema foi introduzido, caso de Sergipe, Bahia, Pernambuco,
Santa Catarina, o sistema de segurança e o de disciplina ficaram nas mãos do
Estado, ou seja, há terceirização de determinados serviços. No caso de Minas
Gerais, a administração do estabelecimento vai ficar a cargo da inciativa
privada e a introdução de critérios de excelência e de gestão. Por exemplo, se o
consórcio de empresas vencedor dessas licitações não cumprir determinados
requisitos, por exemplo, os serviços de educação não estão atingindo o padrão
exigido pelo poder concedente, no caso, o poder público mineiro, a empresa deixa
de receber ou recebe quantia menor do pagamento. Esse sistema é muito semelhante
ao sistema existente na Inglaterra, que, embora um pouco diferente, possui esse
padrão de cumprimento de padrões de excelência. A empresa não recebe todo o
repasse de recurso se não cumprir aqueles padrões determinados. Diferentemente
do sistema de cogestão, em que geralmente uma empresa é a vencedora da
licitação, aqui é um consórcio de empresas que exploram determinados serviços
que serão delegados durante determinado tempo, pelo estado de Minas Gerais.
O senhor vê vantagens nesse estabelecimento de critérios e exigências
na área de saúde e educação, por exemplo?
Na verdade, isso já existe na Lei de Execução Penal (LEP) há muitos anos (Lei
n. 7.210/1984). Só para se ter uma ideia, o artigo 8º da LEP prevê que, toda
vez que uma pessoa ingressa no sistema penal, a comissão técnica de
classificação deve fazer a individualização da pena daquele sujeito. Quantas
vezes ele vai ser atendido pela assistente social, pelo psicólogo, durante a
semana, de acordo com o tipo de delito, para que ala vai e com quais colegas de
cárcere ele vai permanecer, e isso simplesmente não é observado nos presídios
públicos. Em um presídio terceirizado, como é o caso desse inaugurado em Minas
Gerais, não se trata nem de um avanço: é cumprimento da lei. Se eu conseguir, em
um presídio de parceria público-privada, tornar esse sujeito menos pior, ou pelo
menos fazer que esse sujeito saia do cárcere mais qualificado do que entrou com
vistas à sua ressocialização, é de se apostar nesse tipo de modelo. Afinal de
contas, hoje, no sistema público, isso não vem ocorrendo.
Há levantamentos que revelam que o custo de um preso para a iniciativa privada é mais do que o estado gasta com ele. Esse custo pode valer a pena, uma vez que a qualidade desses serviços é melhor e a ressocialização, de fato, pode ocorrer?
A Constituição Federal não permite a privatização dos serviços penitenciários
a exemplo do que ocorre, por exemplo, com os Estados Unidos da América. Parte do
sistema americano é privatizada. O poder público concede, delega, toda atividade
penitenciária e carcerária a uma empresa, que explora aquilo como uma empresa
comum. Desde colocação de telefone, internet, tudo é cobrado do Estado e até
mesmo dos presos.
No Brasil, isso não é possível, viável, do ponto de vista
constitucional, porque a atividade penitenciária é uma atividade típica de
estado. É possível, no entanto, haver a terceirização de determinados serviços,
como educação, serviço médico, serviço social, assistência psicológica, trabalho
prisional, ou seja, terceirizar serviços para determinadas empresas é possível.
A segurança e a disciplina do estabelecimento ficam sempre na mão do Estado. A
Constituição entende que isso é indelegável. Minas Gerais foi se preparando com
o tempo para adotar esse sistema diferenciado. Não foi da noite para o dia;
houve muitos testes.
Tanto que, em Minas Gerais, temos as APACs (Associação de
Apoio aos Condenados), que são ONGs que trabalham com três mil presos em Minas,
e esse modelo se espalhou como um modelo positivo. Agora Minas dá novo passo
adiante no sentido de ter um modelo de terceirização de certos serviços com um
pool de empresas que vão explorar os presídios. Houve uma preparação do
estado que ultrapassou, transcendeu, governos. Houve continuidade
administrativa.
Hoje o sujeito sai do sistema prisional brasileiro pós-graduado
em criminalidade e, mais, é um reprodutor dessa criminalidade, porque se vincula
internamente a facções e fica obrigado, quando ele sai dali, a elas. Se, no
sistema público-privado, tiver um sujeito qualificado do ponto de vista
profissional e preparado para se ressocializar, mesmo que isso seja propiciado
pela iniciativa privada com a mão do Estado por trás, eu aposto nessa ideia.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias