terça-feira, 10 de abril de 2012

Estupro de menores: polêmica e insustentável decisão do STJ

      O STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu, em sessão do dia 27 de março, pela mudança de jurisprudência que determinava a presunção de violência no crime de estupro contra menor de 14 anos. Assim, nem sempre o ato sexual com adolescentes com menos de 14 anos poderá ser considerado estupro.  A decisão do STJ livrou um homem da acusação de ter estuprado três meninas de 12 anos de idade e deve direcionar outras sentenças. Diante da informação de que as menores se prostituíam, antes de se relacionarem com o acusado, os ministros da 3.ª Seção do STJ concluíram que a presunção de violência no crime de estupro pode ser afastada diante de algumas circunstâncias. Ou seja, para o STJ nem todos os casos de relação sexual com menores de 14 anos podem ser considerados estupro. 

      Tanto o juiz de primeira instância como o Tribunal local já haviam inocentado o réu com o argumento de que as crianças vinham se dedicando à prática de atividades sexuais desde longa data.
     Infelizmente essa medida pode interferir em casos de turismo sexual, alerta o presidente da OAB/MS, apontando para um fato cotidiano em várias crianças e adolescentes de várias partes do Estado.
      A Comissão Brasileira de Justiça e Paz, ligada a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) também expressou preocupação com o tema, ressaltando que tal decisão pode abrir precedentes arriscados. A decisão da egrégia Corte caminha na contramão de governos, organismos e agências internacionais, universidades e sociedade civil que desenvolvem e aplicam políticas públicas com vistas à superação desta violência contra nossas crianças e adolescentes, diz a entidade em nota.

      Também o Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnudh) divulgou nota em que "deplora" a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de inocentar um homem acusado de estuprar três crianças com menos de 12 anos de idade. É impensável que a vida sexual de uma criança possa ser usada para revogar seus direitos. A decisão do STJ abre um precedente perigoso e discrimina as vítimas com base em sua idade e gênero, disse Amerigo Incalcaterra, representante regional do Acnudh para a América do Sul.

       Na avaliação de Incalcaterra, o STJ violou tratados internacionais de proteção aos direitos da criança e da mulher, ratificados pelo Brasil. O representante pede que o Poder Judiciário priorize os interesses infantis em suas decisões, lembrando da aplicação jurídica obrigatória pelos tribunais dos tratados ratificados pelo país.

      As diretrizes internacionais de direitos humanos estabelecem claramente que a  vida sexual de uma mulher não deve ser levada em consideração em julgamentos sobre seus direitos e proteções legais, incluindo a proteção contra o estupro. Além disso, de acordo com a jurisprudência internacional, os casos de abuso sexual não devem considerar a vida sexual da vítima para determinar a existência de um ataque, pois essa interpretação constitui uma discriminação baseada em gênero, informa a nota.

       A decisão do STJ provocou críticas de diversos segmentos da sociedade, que viram no resultado do julgamento uma brecha para descriminalizar a prostituição infantil. A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, declarou à Agência Brasil que a sentença demonstra que quem foi julgada foi a vítima, não quem está respondendo pela prática de um crime.

       Em nota divulgada no dia 4 deste mês, o STJ se defende alegando que processo abordava somente o crime de estupro, que é o sexo obtido mediante violência ou grave ameaça, o que não ocorreu. O tribunal afirma que, em nenhum momento, foi levantada a questão da exploração sexual de crianças e adolescentes. Se houver violência ou grave ameaça, o réu deve ser punido. Se há exploração sexual, o réu deve ser punido. O STJ apenas permitiu que o acusado possa produzir prova de que a conjunção ocorreu com consentimento da suposta vítima.

       Entretanto, esse argumento do tribunal não se sustenta.

       O caso ocorreu antes de 2009, quando a lei penal passou a considerar relações sexuais ou ato libidinoso com menor de 14 anos como "estupro de vulnerável", independente do uso de violência.

       A corte fez o julgamento com base na lei anterior (que já considerava estupro manter relações sexuais com menores de 14 anos, inclusive consensuais), por causa da chamada "presunção de violência".

       Objetivando elastecer a aplicação da lei, priorizando constumes machistas, os tribunais discutiam se essa violência, entendida como presumida (por se tratar de crianças), deveria ser provada, de fato, para que o crime fosse caracterizado.

       Infelizmente, o chamado "Tribunal da Cidadania", na contramão do disposto na lei e tratados internacionais, reforçou esse entendimento, decidindo, por maioria que, por serem as crianças prostitutas, seu consentimento com a relação sexual era válido.