quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A não decisão do STF sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa

              A desistência pelos recorrentes do recurso extraordinário contra a aplicação da Lei da Ficha Limpa redundou no seu arquivamento, conforme decisão do STF nesta quarta-feira (29.09), adiando, com isso a análise sobre a matéria para depois das eleições, em um outro recurso a ser apreciado.

              Embora o relator ministro Ayres Britto, Carmen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski tenham votado pela perda de objeto do recurso extraordinário, mantendo a decisão do TSE que, por seis votos a um, considerou Roriz inelegível, com base na Lei da Ficha Limpa, prevaleceu a decisão do presidente do STF. Cezar Peluso, seguido pelos ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Celso de Mello entendeu que desaparecida a pretensão ao registro de candidatura, objeto do processo, não havia lugar para uma sentença de mérito, por não mais haver objeto para tal decisão.

              Contudo esse resultado poderia ter sido diferente, se quando do julgamento, o Supremo Tribunal, ao invés de concluir pelo empate na votação, tivesse optado por solucionar o impasse, por duas razões.

              A primeira, acolher o disposto no próprio Regimento Interno. Com efeito, constatado o empate, o ministro Ricardo Lewandowski propôs que se aplicasse ao caso o artigo 146 do Regimento Interno do Supremo, que assim determina: "Havendo, por ausência ou falta de um ministro, nos termos do artigo 13,IX, empate na votação de matéria cuja solução dependa de maioria absoluta, considerar-se-á julgada a questão proclamando-se a solução contrária à pretendida ou à proposta.". (Grifou-se).

              Em outras palavras, a decisão seria contrária ao recurso do candidato ao governo do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PSC) e, assim, o STF validaria a interpretação do Tribunal Superior Eleitoral de que o prazo de um ano para a aplicação da lei só se justifica nas hipóteses em que há desequilíbrio na disputa, beneficiando ou prejudicando determinadas candidaturas. Como a Lei da Ficha Limpa é linear, isto é, aplica-se indistintamente a todos, não se pode afirmar que ela interfere no processo eleitoral. Daí  ser imediata a sua aplicação.

              Entretanto, os ministros do STF, que votaram contra a aplicação da lei nestas eleições, sustentaram que o regimento interno só teria aplicação se houvesse declaração de inconstitucionalidade da lei e isso não teria ocorrido.

             Porém, com o devido respeito, melhor razão está com a tese do ministro Lewandowski e os demais que o acompanharam. É inquestionável que o pomo da discussão é definir se uma lei que estabelece novas hipóteses de inegebilidade altera ou não o processo eleitoral, o que está diretamente relacionado com o artigo 16 da Constituição Federal. Ao estabelecer que "a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até uma ano da data de sua vigência", referido artigo impediria a aplicação da lei nestas eleições, no entendimento de  cinco ministros. Não resta dúvida, pois, que o objeto da decisão é sim considerar inconstitucional a lei, em face do artigo para cinco ministros, enquanto outros cinco não viam  qualquer afronta ao dispositivo constitucional. Por tais razões o artigo 146 do Regimento Interno deveria ter sido aplicado, até porque a única hipótese de recurso ao Supremo das decisões do TSE é quando contrariarem a Constituição (art.121, §3º da CF).

              A segunda razão para que o resultado fosse diferente seria a aplicação pelo STF do princípio in dubio pro societate, ou seja, proclamaria uma decisão em favor do interesse público.

              Em análise feita na Folha de São Paulo de 21.09, Joaquim Falcão, a propósito de um possível empate sugeriu que negociar seria preciso. Porém indagou "Mas qual decisão, a tese, capaz de desempatar um provável impasse atual? Quem cede e sobre o quê?" Afirmou ainda Falcão: "na nossa tradição, ao contrário de outros países, ministro não negocia com ministro. Uns acham que esse processo de negociação interna é 'documented salutary' para um Supremo mais ágial de decisões mais firmes. Vários países são assim. Proibir a negociação é tapar o sol com a peneira. É melhor logo regulamentá-la. Outros acham o contrário. Não se negociam direitos e convicções".

              De acordo com comentários ao final da sessão de julgamento, esse foi o dia em o Supremo decidiu não decidir.



              

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Sistema Carcerário Brasileiro: uma vergonha

            As seguintes palavras ecoaram na voz de Luciano André Losekann, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ: "Os presos da Idade Média devem estar batendo palmas e dizendo: a gente era feliz e não sabia".

            Esse pronunciamento foi feito em decorrência do mutirão carcerário que está sendo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça no Pará. Na região metropolitana de Belém 10 mulheres estão espremidas em estruturas metálicas - uma espécie de contêiner - de seis metros quadrados, onde o calor varia de 40 a 50 graus. No município de Marituba, numa cadeia - um corredor de 4 metros de cumprimento, por 1,5 de largura -  estão detidas 16 pessoas e como o calor é insuportável uma torneira fica aberta o dia inteiro e há uma mangueira para se molharem. Com o chão molhado, inexistem colchões, então fazem um revezamento e dormem no chão molhado.

            Para o juiz Vinicius Borba Paes Leão, que coordena o trabalho do CNJ no Pará, a situação da delegacia localizada no bairro de Marambaia, em Belém, foi uma das mais chocantes presenciadas: "São duas celas com 23 homens. No corredor de acesso fica um preso com tuberculose, que está na fase de transmissão da doença".

            Em inspeção feita anteriormente, também pelo CNJ, no sistema carcerário do Espírito Santo, foram detectados problemas seríssimos, que levaram o estado a ser denunciado na Organização das Nações Unidas (ONU), por conta de sua estrtura penitenciária falida. Em março de 2010, a situação do Espírito Santo foi discutida em um painel da ONU em Genebra, sob o título de masmorras capixabas.. O relatório de 30 páginas mostrou corpos esquartejados de 3 presos, um deles em uma lata.

            A repercussão do caso levou o governo capixaba a estabelecer metas para o fechamento de unidades inadequadas, o que ocorreu com três centros de detenção com estruturas parecidas às dos contêiners, que hoje estão desativadas, tendo o governo criado 6 mil vagas nos últimos dois anos. A Casa de Custodia de Viana, onde ocorreram os piores casos de tortura e mortes, levados ao organismo internacional, acabou demolida.

            O que se constatou, conforme Losekann é que o Estado, onde há cerca de 8.000 detentos, cumpriu o que prometeu meses atrás ao Conselho Nacional de Justiça, que só merece elogios pelo seu trabalho anterior e pelo que está sendo feito atualmente no Pará..

             É somente em função dessas inspeções e das denúncias públicas do que ocorre nas prisões (verdadeiras masmorras), com pressão da sociedade e até mesmo internacional, como ocorreu no Espírito Santo, que se pode obter mudanças no sistema carcerário brasileiro.

             Conforme dados de 2008 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça, 9.000 presos estavam atrás das grades, apesar de já terem cumprido pena condenatória e 133.000 pessoas (30% da população carcerária), encontravam-se presas preventivamente.  Apesar de o prazo máximo da prisão preventiva ser de 81 dias, não é raro encontrar pessoas presas preventivamente por mais de dois anos, sem qualquer julgamento.

             Para continuar a merecer o respeito internacional, que vem conquistando atualmente, o Brasil precisa mudar urgentemente o seu Sistema Carcerário, sob pena de ver seu nome associado a novas e graves denúncias de violação dos direitos humanos, como a ocorrida na ONU recentemente.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Julgamento do STF sobre a aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa

          O Supremo Tribunal terminou o julgamento iniciado dia 22.09 para decidir se julgava inconstitucional a Lei Complementar 135/10 (Lei da Ficha Limpa), porquanto no entendimento do Presidente do STF, ministro Cezar Peluso, a tramitação do projeto, que se transformou na lei, feriu o devido processo legislativo.

           O relator Ayres Brito votou no sentido de manter intacta a decisão do TSE, concluindo que a norma tem aplicação imediata nestas eleições. Esclareceu que ela não fere o princípio da irretroatividade da lei, porque o critério não é punição e, portanto, alcança os políticos que renunciaram ao mandato para escapar de processos disciplinares, mesmo antes de as novas regras entrarem em vigor. Na sua opinião candidato tem responsabilidades morais. "Canditado vem de cândido, puro, limpo no sentido ético".

          A questão levantada então pelo Presidente do Supremo, após o voto do relator do processo ministro Ayres Brito, que negava provimento aos recursos extraordinários, para manter intacta  a decisão do TSE que concluira pela imediata aplicação da lei da Ficha Limpa, deixou surpresos todos os ministros e a todos que acompanhavam o julgamento. Peluso alegou que uma emenda apresentada pelo Senador Francisco Dorneles alterou cinco alíneas do projeto, que havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados, substituindo a expressão "que tenham sido", por "que forem", mas não foi novamente remetido à Câmara, ferindo, assim o artigo 65, parágrafo único da Constituição Federal.

         Conforme Peluso, não houve no caso mera mudança redacional. O que está em jogo é saber se a lei alcança ou não os atos ocorridos antes de sua vigência, ou somente atos futuros. Lei não pode ser feita de qualquer jeito. A corte precisa se pronunciar, afirmou.

          Os ministros Ayres Brito e Ricardo Lewandowski rebateram. "Juiz não age de ofício e a causa de pedir em Recurso Extraordinário não é aberta", disse Lewandowski. " Está me parecendo um salto triplo carpado hermenêutico." " Estamos transformando Recurso Extraodinário em Ação Direta de Inconstitucionalidade" ironizou Britto.

          A razão da acalorada discussão entre os ministros decorreu do fato de alguns deles entenderem que em sede de Recurso Extraodinário o Supremo só pode se pronunciar sobre os pontos ali levantados e de já outros acham que se for para para declarar a inconstitucionalidade de lei a Corte pode agir, mesmo sem pedido expresso.

          Embora o ministro Celso de Melo, tenha lido parte do seu voto, em que apreciava  esse mesmo assunto trazido por Peluso e embasado em pareceres de filólogos e do jurista Dalmo de Abreu Dalari, concluindo não ter havido emenda ao projeto, mas mudança redacional, o ministro Peluso insistiu na preliminar de inconstitucionalidade a ser submetida ao Plenário.

          Dada a palavra ao ministro Dias Tófoli para proferir seu voto, manifestando preliminarmente sobre a matéria levantada, este pediu vista do processo, prometendo trazê-lo para julgamento para a próxima sessão.

          Reiniciado o julgamento,  na sessão seguinte, o ministro Dias Tófoli conheceu da matéria levantada por Peluso,  como questão de ordem, mas a rejeitou por entender que o Senado apenas fizera emendas de redação, não modificando o mérito. Quanto aos recursos extraordinários, dividiu a sua manifestação em três pontos: rejeitou os argumentos de retroatividade da lei. entendendo que a norma não teria voltado no tempo, mas, apenas criado novos requisitos para os candidatos e afastou a presunção de inocência, que só teria plicabilidade à matéria penal. Contudo, deu provimento aos recursos extraordinários, para   manter o princípio da anualidade, previsto no artigo 16 da Constituição Federal.

            A ministra Carmen Lúcia, em seu voto, rejeitou a questão de ordem levantada por Peluso, porque se aceita, feriria o princípio do contraditório, acaso superado esse seu entendimento, não via, por outro lado, qualquer inconstitucionalidade no processo de elaboração da lei.  Rejeitou os recursos extraordinários e manteve o voto que proferiu no TSE  embasada nos seguintes argumentos: "Novas hipóteses de inelegibilidade têm aplicação imediata porque não alteram o processo eleitoral, uma vez que esse processo se inicia na fase das convenções partidárias para escolha dos candidatos, o que ocorreu após a criação da norma".  Afirmou, também que as condições de elegibilidade não são pena, não havendo, assim, quebra do princípio da irretroatividade.

           O ministro Joaquim Barbosa, após rejeitar a questão de ordem de inconstitucionalidade da lei levantada por Peluso, votou com o relator, negando provimento aos recursos, mas fez questão de frisar que a Lei da Ficha Limpa é um avanço; "do voto de cabresto até chegarmos ao voto direto e universal percorremos um longo caminho, mas restam-nos alguns ttrechos a percorrer", afirmou. Quanto ao mérito dos recursos esclareceu que a lei não quebra o princípio da isonomia, uma vez que é aplicada a todos os candidatos, sem distinção, rejeitando também a retrotividade, por a lei  tratar de análise das condições para candidaturas futuras.

            Lewandowski rejeitou a questão de ordem, embasado em uma carta enviada pelo Senador Demóstenes Torres (DEM-GO), presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, onde o parlamentar alegou que a alteração verbal do texto foi apenas uma emenda de caráter redacional. No mérito manteve o voto que proferiu no TSE, no sentido da aplicabilidade imediata da lei, inexixtindo infringência ao artigo 16 da Constituição Federal.

            O Ministro Gilmar Mendes, entendendo que a função legislativa não pode impedir as minorias a terem acesso ao poder, deu provimento aos recursos para negar aplicabilidade da Lei Complementar 135/10 para essas eleições, pois do contrário seria ferido o princípio da anterioridade,que é um direito fundamental. Todas as leis sobre a questão eleitoral devem respeitar a anualidade, embora as regras de elegibilidade não sejam penas, se assemelham às sanções e, por isso, deve ser levada em conta restrição de direitos e garantias fundamentais.

            A ministra Ellen Gracie, rejeitou a questão de ordem trazida por Peluso e, no mérito,acompanhou o Ministro relator no sentido de garantir a aplicabilidade da lei para as próximas eleições, rejeitando a tese de que a norma deveria ser barrada à luz do artigo 16 da Constituição, mantendo, assim, a decisão do TSE.
            
            Os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Peluso deram provimento aos recursos dos recorrentes acolhendo os argumentos de que a Lei Complementar 135/10, viola cláusula constitucional da anualidade, contrariando o artigo 16 da Constituição Federal. "Qualquer que seja o marco temporal a ser considerado na espécie para a escolha do candidato, 10 de julho de 2010, ou 3 de outubro, situam-se a menos de um ano da data em que foi publicada a lei complementar", afirmou Celso de Mello

            De forma bastante sintética, esse é o o panorama do julgamento do Supremo Tribunal, que terminou com 5 votos a favor a aplicação imediata da Lei da Ficha e 5 votos contra a sua aplicação para as próximas eleições.

            Com esse resultado, os ministros iniciaram uma discussão no sentido de um possível desempate. Sem nenhum consenso, o julgamento foi adiado para uma próxima sessão, sem data marcada.
           

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Judiciário Brasileiro: um século de atraso

          A ministra Eliana Calmon, nova corregedora do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ao lançar um mutirão para resolver 80 mil processos parados na Justiça Federal de São Paulo afirmou que a forma de julgar do judiciário brasileiro está atrasada em um século.

          A corregedora do CNJ iniciou o programa "Justiça em Dia", em parceria com o Tribunal Regional da 3ª Região, órgão de 2ª instância da Justiça Federal de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Seu objetivo é promover em seis meses o julgamento de mais de 80.000 processos, que chegaram ao TRF até 31.12.2006, (Meta 2 do Judiciário) e outros que abarrotam os gabinetes mais congestionados do Tribunal. O projeto tem por meta o julgamento de 1.000 ações por mês, por cada um dos 14 magistrados, que dele participam.

          Na visão da corregedora, porém, todas as inúmeras vezes que a Justiça fez mutirões o que houve foi um 'enxugamento de gelo', porque em pouco tempo o número de processos volta a crescer. Afirmou Eliana Calmon: "É preciso abandonar o modelo de ser uma justiça artesanal, de fazer julgamentos longos, com discussões intermináveis sobre decisões que já estão pacificadas com jurisprudência ou súmulas vinculantes. Temos que mudar o rítmo e o rítmo deve ser de uma operação de guerra".

          Um exemplo clássico, sempre citado para demonstrar a morosidade e a ineficiência do Poder Judiciário é o de Maria da Penha Fernandes. Durante seis anos foi agredida por seu marido e depois de constantes surras, choques e afogamento foi alvejada por um tiro que a deixou paraplégica. Julgado e condenado a 15 anos de prisão usou de todos os recursos e artimanhas processuais e só voltou ao tribunal quase duas décadas depois das denúncias. Foi condenado, mas cumpriu apenas dois anos de pena em regime fechado e atualmente está solto em liberdade.

          A garra de Maria da Penha e sua luta por 19 anos em busca da justiça teve repercussão nacional, com a sanção pelo Presidente Lula, em agosto de 2006, da lei que leva seu nome e que altera o Código Penal, prevendo penas mais severas para os agressores de mulheres que, agora, podem ser presos em  flagrante, ou logo após a denúncia, via prisão preventiva..

          Exemplos como esse só reforçam os argumentos da ilustre ministra Eliana Calmon. É necessário modernizar o Poder Judiciário, pois na era da informática ainda insiste em fazer trabalho artesanal, sob pena de seu total descrédito perante os cidadãos, que constitucionalmente têm direito à duração razoável do processo e pleno acesso à Justiça.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Nova pesquisa do CNJ

               A partir da Emenda Constitucional 45 a duração razoável do processo judicial é um direito constitucional dos cidadãos. Contudo, até o momento não existem dados estatísticos do Conselho Nacional de Justiça, que permitam à sociedade avaliar a real duração dos processos no Poder Judiciário.

               Essa foi a principal crítica feita pelo Presidente Nacional da OAB, Ophir Cavalcante sobre o útimo relatório do CNJ: "Enquanto não tivermos controle sobre a duração dos processos e conhecimento total sobre os custos do Judiciário não poderemos avançar no seu aperfeiçoamento. É necessário que a partir desses números tenhamos a exata noção de como o CNJ pode contribuir na gestão do Judiciário, que é uma de suas missões".

               Conforme Relatório da Justiça em Números 2009, divulgado dia 14 de setembro pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ),  houve crescimento de 23,5% no total de processos acumulados nos tribunais de 2008 (70,1 milhões de ações) para 2009 (86,6 milhões). Não entraram no levantamento dados dos Tribunais Superiores e da Justiça Eleitoral.
 
            As possíveis razões para esse aumento, na ótica do secretário-geral adjunto do CNJ, José Guilherme Werner, seriam um maior número de pessoas com acesso à Justiça e aumento de litigantes que se utilizam da Justiça para postergar decisões. A principal causa, porém, pode estar na mudança de metodologia na pesquisa: em anos anteriores era considerado resolvido qualquer processo com sentença já proferida, ainda que passível de recurso. Agora são consideradas solucionadas apenas as ações com trânsito em julgado (quando não há mais possibilidade de recurso).

               Na análise feita pelo CNJ no ano de 2009, nas justiças estaduais, federais e do trabalho, os tribunais trabalhistas foram os mais rápidos e julgaram metade dos processos acumulados naquele ano.

               O relatório informa que 25,5 milhões de novos casos chegaram aos tribunais no ano de 2009, mas somente 29% dos processos pendentes foram julgados de forma definitiva. O principal gargalo está no total de processos que não são finalizados na primeira instância, De cada 100 processos em tramitação, apenas 24 foram finalizados até o final do ano. O pior desempenho foi  a da primeira instância dos juizados especiais, que apresentou uma taxa de congestionamento de 90%, ou seja, de cada 100 processos, apenas 10 foram resolvidos.

               A pesquisa demonstra, ainda, que o Judiciário gastou R$ 37,3 bilhões em 2009, cerca de 10% a mais do que aquilo que foi gasto em 2008. Deste total, 90% são relativos a despesa com pessoal. A justiça estadual, que tem os maiores índices de lentidão, gastou 18 bilhões. Os dados apontam que em decorrência de decisões judiciais R$ 11,9 bilhões voltaram aos cofres públicos.

               Na opinião do Presidente do CNJ, ministro Cezar Peluso, o Brasil carece de juízes para atender a demanda de processos. A média brasileira é de oito magistrados para cada 100 mil habitantes, enquanto em países como Espanha, Itália, França e Portugal chegam a ter 18 magistrados para cada 100 mil, isso indicaria que estamos muito abaixo da média mundial, o que na ótica do ministro, demonstraria a necessidade de contratação de mais magistrados. Afirma ainda o ministro: "Ainda assim, verificamos que a produtividade de nossos magistrados tem crescido ano a ano. Em média, cada um julgou 1,439 processos."

               Entrretanto, sem querer desrespeitar a opinião do ministro, para fazer tal afirmação seriam necessários mais dados, como por exemplo o número de pessoas que demandam a justiça nesses países, se nos processos julgados são analisadas teses novas, que envolvam grau de complexidade ou repetidas e já julgadas,etc., pois os números, por si só, não justificam a afirmação de aumento de produtividade da magistratura, nem tampouco a falta de juízes, a demandar o aumento da máquina judiciária.

               No Brasil, é inconteste que quem mais demanda o Judiciário é o poder público, onde inúmeros processos tratam do mesmo assunto, ou seja, questionam o mesmo direito. Do ponto de vista dos números impressiona, mas é necessário cuidado para se lidar com esses dados, até mesmo para não privilegiar a ineficiência. Talvez fosse o caso de, na próxima pesquisa, se aprofundar o trabalho e obter dados sobre o tipo de direito buscado pelos cidadãos. Se o processo trata de direito novo, a justificar a demora do seu julgamento ou de direito já decidido pelo próprio juiz, ou pelos tribunais, o que demandaria menos tempo para ser julgado.

              Enquanto não for aprovado pelo Congresso Nacional o novo código de processo civil, os tribunais continuarão abarrotados de processos com teses idênticas, exigindo para cada um deles um novo pronunciamento da Justiça, da primeira à última instância, inflando os números, contribuindo para mascarar a verdadeira face do Poder Judiciário e confundir o CNJ, responsável por sua gestão.
              

sábado, 11 de setembro de 2010

O Conselho Nacional de Justiça e sua Corregedoria

            Ao tomar posse como Corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministra Eliana Calmon do Superior Tribunal de Justiça lembrou que, com a criação do Conselho Nacional de Justiça, pela primeira vez, em dois séculos, a Justiça brasileira foi avaliada em número e em custos. Em suas palavras: "Pela primeira vez, foram feitos diagnósticos oficiais do funcionamento da prestação jurisdicional dos serviços cartorários e pela primeira vez, veio ao conhecimento de todos, até dos próprios protagonistas da função judicante, o resultado de uma justiça cara, confusa, lenta e ineficiente".

            Afirmando estar pronta para (fato inédito em sua carreira) deixar a atividade judicante e assumir a função de fiscalizar a Justiça e o andamento dos serviços forenses, funções estatais divorciadas dos mandamentos constitucionais que garantem a razoável duração do processo e dos meios de celeridade de sua tramitação, a nova corregedora do CNJ prometeu enfrentar o descompasso da realidade com a ordem constitucional.

            A ministra Eliana Calmon substitui o ministro Gilson Dipp que, por dois anos esteve à frente  da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça com uma postura impecável, disseminando a ideia de transparência no Poder Judiciário, honrando o cargo e a magistratura, merecendo com isso não só o respeito de seus pares, mas a admiração e a esperança dos operadores do direito e dos usuários da Justiça.

            No dizer de Joaquim Falcão, o corregedor é um magistrado dilacerado entre o homem e a função, pois a tendência da corporação é lhe cobrar, se não fidelidade, pelo menos compreensão. Se não ação, pelo menos discrição. Se não severidade, pelo menos abrandamentos. Porém a justificativa da própria função está em ir além dessas intrapressões corporativas, humanamente compreensíveis, mas institucionalmente inadequadas. Para Falcão não basta a liderança do saber é preciso a liderança da coragem e Dipp teve a coragem do antidestino, acabando com a regra de que todo processo contra juízes é por definição, sigiloso: a regra é a transparência, o sigilo é exceção. Teve coragem de abrir inquéritos, processar e propor a punição de prersidentes, corregedores e desembargadores. Teve a coragem de fazer do CNJ não o fiscalizador de pequenos tribunais, do Norte e Nordeste, mas inspecionou os quatro grandes: São Paulo, Rio, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Teve coragem de legalizar mais de 5.000 cartórios em situação inconstitucional.

           A verdade é que o interesse público deve estar acima das corporações, sejam elas de magistrados ou não. Tratando-se de uma das funções mais difíceis e delicadas, uma vez que à Corregedoria compete, entre outras funções, a de corrigir os erros e os abusos das autoridades judiciárias, o interesse público fundamental a ser garantido é impedir que a nação, o seu patrimônio e a sua justiça sejam apropriados pela corporação.

            Essa foi a postura do ministro Gilson Dipp, que em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo de 23.08.10, afirmou que a magistratura não tem uma blindagem contra a corrupção, dizendo, também,  que as inspeções do CNJ em 17 tribunais mostraram que as "maçãs podres" - juízes sob suspeição - não eram tão pontuais como ele imaginava.

            As inspeções do CNJ, contudo, não se restringem apenas ao aspecto disciplinar. É uma radiografia dos tribunais, das varas e cartórios. E nessa radiografia o que mais o impressionou foi a imensa desigualdade entre os judiciários federais e os estaduais. A grande maioria dos judiciários estaduais têm deficit de fuincionários e poucos são concursados. Os cargos comissionados geralmente estão concentrados nos tribunais.

            A realidade que o surpreendeu, como verdadeiro abuso de poder, foi a prática recorrente em alguns Estados de liberar altos valores em cautelares e medidas liminares (que dependem da decisão de um único juiz no início do processo),  a favor de pseudos credores basicamente insolventes e sem qualquer garantia de caução , em detrimento das grandes empresas e grandes bancos.

            O ministro afirmou, ainda, que os tribunais sempre foram ilhas desconhecidas e intocáveis. Quando tiveram que prestar contas das atividades administrativas, orçamentárias e disciplinares a um órgão de coordenação nacional, a reação foi grande, mas hoje a resistência é pequena. Na verdade, conforme o ministro, que em sua gestão puniu 36 magistrados, os tribunais ainda têm muitas dificuldades em mover processos administrativos disciplinares para eventuais punições de seus integrantes.

            Indagado se o ministro César Peluso mantem a disposição de apoiar as inspeções e se a atuação do CNJ será mantida pela nova corregedora, Dipp esclareceu que o atual presidente do CNJ sempre manifestou a intenção de ser intransigente com todos os deslizes administrativos e disciplinares. Quanto à atual corregedora, disse ter absoluta confiança que ela desenvolverá um trabalho eficiente, não só pela sua postura, mas por suas manifestações no sentido de dar continuidade ao trabalho já iniciado. O aprimoramento do Judiciário é um caminho sem volta, finalizou Gilson Dipp.

            Quem assim seja!