terça-feira, 5 de julho de 2011

Homicídio e estupro X Violência contra as mulheres

          Objetivando ampliar dados e direcionar políticas de violência doméstica, os homicídios no país passarão a ser contabilizados pelo governo federal com recorte por gênero. Juntamente com o Ministério da Justiça, a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) prepara a criação de um protocolo de ocorrências policiais para coletar dados confiáveis sobre a violência contra a mulher. Atualmente, muitas unidades da Federação - como Rio Grande do Sul, Paraná, Sergipe e Tocantins - não diferenciam assassinatos de homens e mulheres. A pretensão é que todos os policiais militares e civis passem a registrar o sexo das vítimas de homicídio, ajudando a nortear políticas para o setor.

          Estimativas apontam que houve aumento médio de 30% de homicídos contra as mulheres (femicídio) na última década. Sem resposta eficiente do Estado, a violência doméstica persiste, apesar da aprovação da Lei Maria da Penha, em 2006.

          No Brasil, desde o início de 2000, as políticas de segurança preocupam-se em reduzir o número de homicídios, com prioridade para  negros e pobres. Mas não há essa mesma preocupação em relação às mulheres.

          Na verdade, a elevada proporção de homens vítimas de homicídio, mascara o fenômeno do femicídio, pouco estudado no País. Nas palavras de Wânia Pasionato do Núcleo de Estudo de Gênero da Universidade de São Paulo (USP): "Estamos num país que não conta suas mortes como deveria. O máximo que sabemos é o tipo de instrumento. Precisamos entender onde essas mulheres estão, de quais meios participam e em que contexto são assassinadas. Só assim poderemos propor uma categoria de morte".

          Diversamente de países como Costa Rica, Guatemala, Chile, Colômbia e El Salvador, que além de monitorarem as mortes de mulheres, tipificam o crime em lei, nosso país não faz nem uma coisa, nem outra.

          Inobstante serem falhas as estatísticas, um dado é incontestável: houve um grande aumento no assassinato de mulheres. No ano passado 4,5 mil mulheres foram vítimas de homicídio. No Pará, o índice chegou a 256%. Em Alagoas foi de 104%. Em São Paulo, cresceu de 9% para 15%. No Espírito Santo, passou de 7% para 10,3%, no ano passado. Em Goiás, em 2010, 200 mulheres foram assassinadas, atingindo uma média superior a de Ciudad Juarez, no México (176 casos por ano), uma das regiões mais violentas da América Latina.

          Além da violência doméstica que persiste, apesar da Lei Maria da Penha - há uma certa resistência da sociedade machista em aplicá-la - são cada vez maiores as mortes de mulheres por organizações ligadas ao tráfico de drogas.

          Conforme reportagem do Correio Braziliense de 17 de abril deste ano, a dificuldade em mapear as informações é a primeira comprovação da invisibilidade do problema para o Poder Público.

          O levantamento feito pelo jornal, que considerou dados das secretarias de segurança pública, das polícias e dos movimentos feministas, informa que, em média, 4,6 mulheres são assassinadas, num universo de 100 mil habitantes do sexo feminino. Tais índices, sozinhos, são iguais ou mesmo superam a taxa total de homicídios (homens e mulheres), de países europeus ocidentais, que conforme dados da Organização Mundial da Saúde, são de 3 a 4 por 100 mil, da América do Norte (2 a 6) e na Austrália ( 2 a 3).

          É  de se esperar que, com o mapeamento dos homicídios por gênero, haja uma mudança de postura no combate ao assassinato de mulheres, inclusive com mudança na legislação penal para tipificar o crime como femicídio, a exemplo de outros países. Urge que esse crime, em que os homens acreditam ter o poder sobre a vida das mulheres, deixe de ser invisível aos olhos das autoridades.

         Outro tipo de delito, que tem aumentado assustadoramente, em que a maioria das vítimas são mulheres é o da violência sexual. Em apenas 10 dias, 9 homens foram presos no Distrito Federal por terem cometido estupros. Nos cinco primeiros meses deste ano, foram registrados 283 casos de estupros.

          Contudo, embora haja aumento dessa prática, a punição para coibí-la, lamentavelmente, tem sido menos severa, quando deveria ser o contrário.

          Isso tem ocorrido, porque antigamente, o Código Penal tipificava esses delitos em dois artigos: o artigo 213, estabelecendo como crime de estupro o ato de constranger a mulher à conjunção carnal, por meio de violência ou ameaça grave. Já o artigo 214 definia como atentado violento ao pudor o uso de força física para obrigar alguém a praticar ou permitir que com ele praticasse ato libidinoso, diverso da conjunção carnal.

          A lei nº 2.015, de agosto de 2009, entretanto, revogou o artigo 214 e alterou o artigo 213 do Código Penal, deefinindo como crime de estupro o fato de "se constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou a permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso". A pena é de 6 a 10 anos de reclusão, podendo sofrer aumento, dependendo das condições em que o crime foi praticado.

          A partir daí, os magistrados passaram a divergir na aplicação do no artigo. Muitos juízes, inclusive desembargadores do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e ministros da 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça, passaram a entender que os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, praticados contra a mesma vítima, em um mesmo contexto, são crime único, ou de ação continuada, segundo a nova legislação. Em razão disso, os réus condenados por estupro e atentado violento ao pudor antes da lei 12.015/09, passaram a conseguir a redução da pena, às vezes até pela metade.

         Em julgamento ocorrido agora recentemente, em junho, entretanto, a quinta turma do Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar a lei 12.015/2009, adotou a tese de que o novo crime de estupro é um tipo misto cumulativo, ou seja, as condutas de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, embora reunidas em um mesmo artigo de lei, com uma só cominação de pena, serão punidas individualmente, se o agente praticar ambas, somando-se as penas. Havendo condutas com modo de execução distinto, não se pode reconhecer a continuidade do delito.

          Esse novo entendimento do STJ, caso prevaleça, modificará a postura até então majoritariamente adotada pela Justiça, que como afirmou o ministro Félix Fischer em seu voto, "enfraquece, em muito, a proteção da liberdade sexual porque a sua violação é crime hediondo que deixa marca permanente nas vítimas".

         O fato é que a redução do cumprimento da pena nos crimes de violência sexual  tem gerado sensação de impunidade, dificultando a recuperação das vítimas, em sua grande maioria mulheres, que sentiram na pele a violência do abuso sexual.