domingo, 22 de janeiro de 2012

Atuação e limites do CNJ na Constituição

          Em entrevista publicada no jornal "Brasil Econômico, dia 17 de janeiro, o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante afirmou: "O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não é dos magistrados, é um órgão que deve ser fortalecido para melhorar a Justiça e aproximá-la dos anseios da população".

          Ophir também enfatizou que as corregedorias dos tribunais regionais não merecem crédito pois nunca tiveram estrutura e, historicamente, não têm independência para apurar irregularidades ocorridas no Poder Judiciário.

          No que se refere aos poderes do Conselho Nacional de Justiça para processar e julgar questões ético-disciplinares, envolvendo magistrados, a opinião da OAB é que o CNJ tem competência concorrente às das corregedorias de Justiça dos tribunais estaduais para investigar e punir juízes que cometam desvios ético-profissionais.

          Já, ao defender a cooperação entre os tribunais e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador Ivan Sartori, afirmou: "Se o tribunal não oferece colaboração, aí obviamente o CNJ deve agir por si só, de forma concorrente".

          Para ele, a atuação do CNJ deve, portanto, ser subsidiária, ou seja o CNJ só deve agir em caso de omissão ou a pedido da corregedoria local.

          Por sua vez, o ministro Gilmar Mendes declarou ao "Brasil Econômico" que o papel do CNJ é fiscalizar e punir os magistrados. Ao seu ver, não é possível confiar na independência dos tribunais regionais para apurar os abusos cometidos por seus servidores, pois a capacidade de investigação e punição destes tribunais é comprometida pelo corporativismo e questiona: "Alguém acredita que o corregedor que recebe o pagamento no tribunal vai fazer a correção da folha de pagamento?"

          Também diz não acreditar que os processos abertos nos últimos anos pelo CNJ tenham sido fruto de uma ação ilegal ou exagerada do órgão e afirmou : "Não vejo nenhuma irregularidade em um corregedor pedir a folha de pagamento de um tribunal para ver se ali houve algum ilícito".

          Na sua avaliação a atuação do CNJ incomoda porque, a rigor, mexe na autonomia dos tribunais regionais e conclui: "E é o que me parece ser o grande problema. O conceito de autonomia dos Tribunais se confunde com o conceito do direito internacional da soberania dos estados".

          Também para o ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, como o surgimento do CNJ está relacionado à tentativa de ampliar a eficácia e a independência na apuração de irrgularidades -  ao reconhecimento de que os tribunais não dão conta da tarefa - limitar os poderes do CNJ seria como separar os cidadãos em duas classes. "É como dizer à sociedade que existem os indivíduos acima de qualquer suspeita, que seriam os magistrados, e todos os demais, sujeitos à investigação de sua conduta".

          Na verdade, o que tem motivado as discussões no momento, e até mesmo as ações no Supremo, é  se a competência do CNJ é concorrente ou subsidiária à competência das corregedorias, à luz da Constituição Federal.

          Em artigo publicado na Folha de São Paulo de 14 de janeiro, sob o título "Limites do CNJ na Constituição", Walter Ceneviva faz uma breve análise constitucional do papel do CNJ.

          Inicia afirmando que a essência do tema está em sete incisos do artigo 103-B da Constituição, em especial no parágrafo 4º: "Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes".

          A atividade dos ministros Gilson Dipp e Eliana Calmon, anterior e atual corregedores, se vincula à sua condição de membros do Superior Tribunal de Justiça (art. 103-B, § 5º da CF).

         Compete ao corregedor exercer a missão executiva (inspeção e correição geral), requisitar e designar juízes como seus assessores, delegando-lhes atribuições que incluem o recebimento de reclamações e denúncias relativas a magistrados e serviços judiciários de todo o Brasil.

         Ainda na análise de Ceneviva, o CNJ deve "zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura". Atento aos termos do artigo 37 da Constituição, aprecia "a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário", por ação direta ou dando prazo para "providências necessárias ao exato cumprimento da lei", sob os principios fundamentais do referido artigo 37.

         Para atender sua finalidade, o CNJ pode receber de terceiros e conhecer, por sua iniciativa, reclamações contra membros e órgãos do Judiciário e serviços notariais e de registro. A missão inclui o dever de "avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria e outras sanções administrativas".

          Nos termos do § 7º do artigo 103-B, poderão ser criadas ouvidorias para receber reclamações e denúncias relativas à magistratura e seus serviços auxiliares. Conforme inciso V, é admitida também representação ao Ministerio Público e revisão, de ofício ou mediante provocação, de processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano.

          Em artigo publicado na revista Consultor Jurídico, Marcos Vinicius Furtado Coelho, secretário-geral do Conselho Nacional da OAB, afirma:"A matéria se encontra regulada pelo artigo 103-B, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, onde é conferida ao CNJ a competência para “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário”. O dispositivo constitucional acrescenta que tal atribuição do Conselho deve ser exercida “sem prejuízo da competência” das corregedorias estaduais. O ponto fulcral, pois, reside em definir a melhor interpretação de tal enunciado normativo.
A expressão  “sem prejuízo de” é repetida na Constituição Federal por dezenas de oportunidades. Em todas elas, a interpretação adequada se dirige em concluir pela adição e não exclusão.

          A função do CNJ, no caso, seria pois concorrente às corregedorias, já que se tratando de punição a agente do poder estatal, a Constituição sempre admite o acúmulo de responsabilidades, utilizando-se a expressão em tela para significar aplicação concorrente, como exemplificam o artigo 52, parágrafo único e o artigo 86 da Constituição Federal. 

          Ao declarar constitucional a instituição do CNJ, julgando, no ano de 2005, a ADI 3.367,  o Supremo Tribunal Federal reconheceu a competência do Conselho como “Órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura”. O ministro Cezar Peluso, então relator do julgado, bem ressaltou em seu voto, “Entre nós, é coisa notória que os atuais instrumentos orgânicos de controle ético-disciplinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedorias, não são de todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição”. Para o relator da ADI,  “o Conselho não anula, reafirma o princípio federativo”. E conclui: “O Judiciário necessita de um órgão nacional de controle, que receba as reclamações contra as atividades administrativas dos juízes e tribunais, assim como contra a qualidade do serviço judicial prestado”. Quanto à competência do CNJ para processar os desembargadores, o voto do relator é expresso, “o Conselho Nacional deve controlar diretamente os Tribunais”. 

          Para  Marcos Vinicius, o Conselho Nacional de Justiça é instituição republicana, de matriz constitucional, possuidor de competência para efetuar o controle ético-disciplinar da magistratura. Sua atuação não é subsidiária em relação às corregedorias estaduais.  A expressão “Sem prejuízo de”  não exime, mas acresce; não obsta, mas soma; não exclui, mas complementa. As competências assim previstas coexistem de modo concorrente e não subsidiário. Funcionam as Corregedorias e o Conselho Nacional de Justiça, de modo a não ocorrer exclusão. 

           E conclui Marcos Vinicius: "Com a devida reserva do respeito aos que possuem interpretação diversa, seria muito luxo para uma nação criar um órgão constitucional para atuar no banco de reserva das corregedorias estaduais. O CNJ, que tem se demonstrado não subserviente aos donos do poder, não há de ser declarado subsidiário, mantendo-se a plenitude de suas competências".

          Como se pode verificar, duas são as correntes de opinião sobre a matéria: de um lado, aqueles que defendem os poderes do CNJ para abrir investigações de forma independente às das corregedorias, instaladas nos diversos tribunais do país e, de outro, os que defendem que o CNJ só poderá agir se houver inação ou demora das Corregedorias.

          O embate será dirimido em julgamento pelo plenário do Supremo Tribunal, a partir de fevereiro.