domingo, 28 de novembro de 2010

Nova arma para agilizar a apuração dos crimes de corrupção

          Descoberto há quase uma década, o esquema das fraudes bilionárias contra a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), que consistia na aprovação de projetos fantasmas e superfaturamento de obras, as pessoas e empresas nele envolvidas seguem impunes.

          Das 481 ações, que somam mais de 4 bilhões,  a Justiça impôs apenas duas ou três condenações e nada foi devolvido aos cofres públicos. A morosidade do Judiciário e falhas nos inquéritos policiais inviabilizam a condenação dos empresários, servidores e políticos beneficiados. Recuperar o dinheiro após tantos anos torna-se cada vez mais difícil. Muitas empresas eram fantasmas, outras faliram. O dinheiro desviado já foi gasto, ou aplicado em outros negócios e enviado para o exterior. Procuradores correm contra o tempo, mas alegam que não serão recuperados nem cerca de 10% dos R$4.000.000.000,00, que teriam sido desviados (cerca de 80% do dinheiro emprestado pelo governo foi desviado).

          No Pará, embora haja mais de 200 denunciados em 70 processos, não houve nenhuma condenação. Em Tocantins, o Ministério Público tenta recuperar 270 milhões de 23 grandes empresas e só há duas condenações em primeira instância. Em 2009, das 10 ações civis públicas da Procuradoria da República do Tocantins, apenas em uma ação o pedido de quebra de sigilo bancário foi aceito pela Justiça. Em todas as outras foi indeferido, assim como os pedidos de indisponibilidade dos bens dos acusados.

          Na avaliação do próprio governo, o caminho para reaver recursos desviados ou utilizados indevidamente é complexo e demorado, com desfecho imprevisível.

           Diante disso, o governo enviou no início deste ano projeto de lei ao Congresso Nacional, que busca responsabilizar civil e administrativamente pessoas jurídicas que lesem a administração pública. A lógica do projeto foi desenvolvida a partir de estudo feito pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) para a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. O estudo da FGV conclui que "se a via penal sequer mostra-se eficaz para inibir determinadas condutas praticadas por pessoas naturais, parece ainda menos garantido que tal via possa ser eficaz para coibir práticas no âmbito das pessoas jurídicas". Pelo projeto, atos ilícitos de empresas poderão gerar multa de 1% a 30% do faturamento bruto do último ano do exercício, rescisão de contratos, cassação de licenças e declaração de inidoneidade, entre outras punições.

          Para o juiz federal Fausto Martin de Sanctis, o projeto de lei do governo para combater a corrupção é válido, mas totalmente insuficiente quando comparado a mecanismos propostos pela ONU (Organização das Nações Unidas) em convenções internacionais. Um desses mecanismos, que já foi implantado nos EUA, Inglaterra, Colômbia e Itália, é a ação civil de domínio, que objetiva receber valores de pessoas físicas - e poderia ser incluída a pessoa jurídica -  que obtiveram recursos com a corrupção. O Brasil também é questionado por autoridades estrangeiras porque a Constituição prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria de delito econômico e lavagem de dinheiro e o Brasil nada fez para implantá-la.

          No encontro anual da Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro), grupo que reúne mais de 60 instituições do Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e sociedade civil, que terminou dia 26 deste mês em Florianópolis (SC), a falta de capacitação de juízes para a condução e o julgamento de casos de crimes financeiros foi apontada como um dos principais problemas do país na atuação contra a lavagem de dinheiro. Um dos debatedores, ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça afirmou: "Temos poucas condenações em crimes financeiros no país e um dos motivos disso é a dificuldade de capacitação da magistratura brasileira para esses delitos, que, em geral, são complexos. A falta de conhecimento para o trato dessa matéria não ocorre só em relação aos juízes da primeira instância, mas também nas cortes superiores".

          A boa notícia é que, neste mesmo encontro, a Procuradoria Geral da República apresentou um novo  mecanismo intitulado Simba (Sistema de Investigação Bancária). que começa a ser usado pelas autoridades brasileiras no combate aos crimes financeiros, permitindo a transmissão de dados de quebra de sigilo bancário pela internet. Sua principal ferramenta é um software que permite a transmissão, via internet, de informações bancárias entre instituições financeiras e os órgãos investigadores.

          Segundo o perito criminal federal Renato Barbosa, um dos responsáveis pela implantação do novo sistema, "muitas apurações que levavam meses, e até anos, agora podem ser concluídas em poucas horas com o Simba. Antes, cada instituição financeira entregava as informações de seu jeito, o que atrasava muito o cruzamento de dados e outras investigações".

          Uma das metas do Enccla é disseminar o uso do Simba por órgãos públicos de investigação e fiscalização. Já foram assinados 16 convênios para fornecer o sistema gratuitamente.

          Vários são os percalços encontrados, quando se trata de recuperar o dinheiro desviado pela corrupção: complexidade dos processos, legislação inadequada (não há interesse do Congresso em votar as leis), despreparo da polícia, inexperiência e morosidade da Justiça. Enquanto isso, os corruptos seguem impunes e o dinheiro desviado não é recuperado para os cofres públicos.