sábado, 11 de setembro de 2010

O Conselho Nacional de Justiça e sua Corregedoria

            Ao tomar posse como Corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a ministra Eliana Calmon do Superior Tribunal de Justiça lembrou que, com a criação do Conselho Nacional de Justiça, pela primeira vez, em dois séculos, a Justiça brasileira foi avaliada em número e em custos. Em suas palavras: "Pela primeira vez, foram feitos diagnósticos oficiais do funcionamento da prestação jurisdicional dos serviços cartorários e pela primeira vez, veio ao conhecimento de todos, até dos próprios protagonistas da função judicante, o resultado de uma justiça cara, confusa, lenta e ineficiente".

            Afirmando estar pronta para (fato inédito em sua carreira) deixar a atividade judicante e assumir a função de fiscalizar a Justiça e o andamento dos serviços forenses, funções estatais divorciadas dos mandamentos constitucionais que garantem a razoável duração do processo e dos meios de celeridade de sua tramitação, a nova corregedora do CNJ prometeu enfrentar o descompasso da realidade com a ordem constitucional.

            A ministra Eliana Calmon substitui o ministro Gilson Dipp que, por dois anos esteve à frente  da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça com uma postura impecável, disseminando a ideia de transparência no Poder Judiciário, honrando o cargo e a magistratura, merecendo com isso não só o respeito de seus pares, mas a admiração e a esperança dos operadores do direito e dos usuários da Justiça.

            No dizer de Joaquim Falcão, o corregedor é um magistrado dilacerado entre o homem e a função, pois a tendência da corporação é lhe cobrar, se não fidelidade, pelo menos compreensão. Se não ação, pelo menos discrição. Se não severidade, pelo menos abrandamentos. Porém a justificativa da própria função está em ir além dessas intrapressões corporativas, humanamente compreensíveis, mas institucionalmente inadequadas. Para Falcão não basta a liderança do saber é preciso a liderança da coragem e Dipp teve a coragem do antidestino, acabando com a regra de que todo processo contra juízes é por definição, sigiloso: a regra é a transparência, o sigilo é exceção. Teve coragem de abrir inquéritos, processar e propor a punição de prersidentes, corregedores e desembargadores. Teve a coragem de fazer do CNJ não o fiscalizador de pequenos tribunais, do Norte e Nordeste, mas inspecionou os quatro grandes: São Paulo, Rio, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Teve coragem de legalizar mais de 5.000 cartórios em situação inconstitucional.

           A verdade é que o interesse público deve estar acima das corporações, sejam elas de magistrados ou não. Tratando-se de uma das funções mais difíceis e delicadas, uma vez que à Corregedoria compete, entre outras funções, a de corrigir os erros e os abusos das autoridades judiciárias, o interesse público fundamental a ser garantido é impedir que a nação, o seu patrimônio e a sua justiça sejam apropriados pela corporação.

            Essa foi a postura do ministro Gilson Dipp, que em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo de 23.08.10, afirmou que a magistratura não tem uma blindagem contra a corrupção, dizendo, também,  que as inspeções do CNJ em 17 tribunais mostraram que as "maçãs podres" - juízes sob suspeição - não eram tão pontuais como ele imaginava.

            As inspeções do CNJ, contudo, não se restringem apenas ao aspecto disciplinar. É uma radiografia dos tribunais, das varas e cartórios. E nessa radiografia o que mais o impressionou foi a imensa desigualdade entre os judiciários federais e os estaduais. A grande maioria dos judiciários estaduais têm deficit de fuincionários e poucos são concursados. Os cargos comissionados geralmente estão concentrados nos tribunais.

            A realidade que o surpreendeu, como verdadeiro abuso de poder, foi a prática recorrente em alguns Estados de liberar altos valores em cautelares e medidas liminares (que dependem da decisão de um único juiz no início do processo),  a favor de pseudos credores basicamente insolventes e sem qualquer garantia de caução , em detrimento das grandes empresas e grandes bancos.

            O ministro afirmou, ainda, que os tribunais sempre foram ilhas desconhecidas e intocáveis. Quando tiveram que prestar contas das atividades administrativas, orçamentárias e disciplinares a um órgão de coordenação nacional, a reação foi grande, mas hoje a resistência é pequena. Na verdade, conforme o ministro, que em sua gestão puniu 36 magistrados, os tribunais ainda têm muitas dificuldades em mover processos administrativos disciplinares para eventuais punições de seus integrantes.

            Indagado se o ministro César Peluso mantem a disposição de apoiar as inspeções e se a atuação do CNJ será mantida pela nova corregedora, Dipp esclareceu que o atual presidente do CNJ sempre manifestou a intenção de ser intransigente com todos os deslizes administrativos e disciplinares. Quanto à atual corregedora, disse ter absoluta confiança que ela desenvolverá um trabalho eficiente, não só pela sua postura, mas por suas manifestações no sentido de dar continuidade ao trabalho já iniciado. O aprimoramento do Judiciário é um caminho sem volta, finalizou Gilson Dipp.

            Quem assim seja!