quinta-feira, 26 de maio de 2011

Limites de atuação do Poder Judiciário

          O Brasil, após a promulgação da Constituição de 88, ampliou o rol de direitos individuais, sociais e coletivos. Com isso, houve maior conscientização dos cidadãos  sobre os seus direitos fundamentais por conta de mais informações, do fortalecimento de sindicatos, associações de classe e organizações não governamentais (Ongs).

          Contudo, embora os conflitos sociais tenham se potencializado, o Judiciário tonou-se anacrônico e sem condições de responder aos novos desafios. Sua estrutura arcaica e burocrática dificulta e, por vezes, afasta a população de baixa renda dos limites de sua atuação. Até mesmo quando, via assistência judiciária gratuita, essa população tem acesso ao Judiciário, a prestação jurisdicional não se dá de forma eficaz, acarretando frustração e desestímulo à sua busca.

          Inegavelmente, essa sua atuação limitada dificulta o combate à violação siatemática dos direitos humanos fundamentais, tais como saúde, educação e moradia, impedindo, ainda, o exercício pleno da  cidadania  que, necessariamente, deve passar pelo direito de acesso à Justiça.

          No entanto, a solução de conflitos, mormente quando se viola direitos humanos fundamentais, deve ser rápida e eficaz, sob pena de se estimular, por omissão a sua constante violação.

          Em palestra proferida na XVII Conferência Nacional dos Advogados sobre a Reforma do Judiciário, Marcello Lavenère Machado, criticando a  sua estrutura, assim se pronunciou: " Colocássemos uma centena de militantes das causas populares na magistratura, correríamos o risco de vê-los moídos pelas engrenagens do sistema e em alguns anos transformados, em sua maioria, em julgadores frios, descomprometidos com a Justiça, servis ao positivismo, desiludidos com seus valores. O distanciamento estratégico das vicissitudes histórico-políticas, como concebido por Montesquieu, redundou em tornar o Judiciário insensível aos apelos populares, mas atento aos interesses das elites dominantes, muitas vezes confundido com os interesses da 'ordem constituída', prestando-se, desta forma, a funcionar como instrumento de controle social".

         Na verdade, o jurídico não está dissociado do político e do econômico. Nenhum instituto jurídico, nenhuma construção jurídica escapa dessa contaminação, no dizer de J.J. Calmon de Passos, em sua obra "Participação e Processo". Nem o processo, um instrumento aparentemente neutro, estritamente técnico, foge desse comprometimento. Ele também tem significação política e implicações econômicas inegáveis.

         Assim, é indiscutível que, para a democracia, o juiz não pode ter o perfil positivista, neutro, distante do conflito, formado em faculdades que apenas estudam a legislação, ignorando a realidade sócioeconômica perversa na qual essa legislação por ele aprendida irá atuar.

         Em artigo publicado no jornal "O Estado de São Paulo", José Eduardo Faria assim analisa a crise do Judiciário: "A crise do Judiciário, na realidade, decorre da ineficiência com que tem desempenhado suas três funções básicas: a instrumental, a política e a simbólica. Pela primeira, o Judiciário é o principal lócus de resolução dos conflitos. Pela segunda, ele exerce papel decisivo como mecanismo de controle social, reforçando as estruturas do poder, assegurando a integração da sociedade. Pela terceira, ele dissemina um sentido de Justiça na vida social, socializa as expectativas dos atores na interpretação da ordem jurídica e calibra os padrões vigentes de legitimidade. A origem da crise está no fato de o Judiciário ter sido concebido para exercer essas três funções no âmbito de uma sociedade estável, com níveis minimamente equitativos de distribuição de renda e de um sistema legal integrado por normas padronizadas, unívocas e hierarquizadas em termos lógico formais. Os conflitos jurídicos, nesse sentido, seriam basicamente interindividuais e surgiriam a partir de interesses minimamente unitários, mas encarados em perspectivas diametralmente opostas pelas partes. O Judiciário agiria apenas quando provocado. Às partes caberia a definição dos limites da lide, das questões controvertidas e o impacto dos julgamentos ficaria circunscrito apenas a elas".

          A realidade brasileira, entretando não se compatibiliza com tal modelo. Caracterizada por fortes desigualdades sociais regionais e setoriais, por situações de pobreza absoluta, que negam o princípio da igualdade formal perante a lei, essa nossa realidade impede o acesso de parcelas significativas da população aos tribunais, comprometendo a efetividade dos direitos fundamentais.

          Indubitavelmente, a concepção do significado e do papel do direito, que impera entre os agentes do Poder Judiciário, deriva de uma cultura acadêmica ancrônica, onde o mundo vivo das relações sociais é atraído para o campo do direito apenas pelo filtro das normas, tidas como referência central de todo pensamento jurídico.

          Por outro lado, até em decorrência da confiança nesse suposto distanciamento entre o campo da lei e o mundo real, o juiz, com muita frequência, incorpora o personagem de agenciador de soluções politicamente neutras, reproduzindo anacronicamente, um padrão cuja origem sociopolítica ideológica deriva de um modelo já esgotado de relação Estado/sociedade.