segunda-feira, 2 de maio de 2011

Morosidade Judicial X PEC dos Recursos

          Para o presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, Wadih Damous não é positiva para o Estado  Democrático de Direito a PEC dos Recursos, como está sendo chamada a Emenda Constitucional encaminhada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso.


         Em primeiro lugar, porque restringe o acesso aos tribunais superiores ao dar aos recursos excepcionais somente função rescisória, impedindo, na prática, que a terceira instância exerça a uniformização da jurisprudência, já que isso seria impossível aos tribunais estaduais. Além do mais, o Brasil seria o único país no mundo a acolher, ao mesmo tempo, os recursos excepcionais com função rescisória e a ação rescisória como meio de impugnação da coisa julgada. Na sua ótica, a adoção das duas medidas traria como consequência o enfraquecimento da coisa julgada, o que seria ruim para o Estado Democrático de Direito e prejudicial ao processo judicial.

          Noutro sentido, em artigo publicado na Folha de São Paulo, sob o título "A farra dos recursos judiciais", o senador Ricardo Ferraço, que apresentou a emenda constitucional, chamada "PEC dos Recursos", a defende sob o argumento de que se a Justiça brasileira é lenta, burocrática e muitas vezes inacessível para os mais humildes, alimentando a percepção e até a certeza da impunidade, é porque temos quatro instâncias recursais. "Isso leva a processos intermináveis, que se arrastam por anos e até por décadas. Crimes que acabam prescrevendo antes da sentença final e tribunais superiores sufocados por montanhas de ações judiciais de menor invergadura", diz.

          O senador esclarece que mais que direito de defesa, os recursos são usados hoje a torto e direito para ganhar tempo e se livrar das penalidades da lei, desgastando a imagem da Justiça e sobrecarregando, de forma intolerável, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Transformados os recursos extraordinários e especiais em Ação Rescisória, qualquer processo julgado em primeira instância produzirá efeito imediato, independente de posterior discussão no STJ ou STF.

          Ferraço embasa seus argumentos em dados da Fundação Getúlio Vargas, informando que 91,6% dos processos que chegaram ao STF, entre 1988 e 2010, foram recursos judiciais; desse total, 90% foram propostos pelo poder público e 80% dos recursos foram recusados o que reforçaria a impressão de que os processos poderiam ter sido decididos em segunda instância. Assim, ao seu ver, além do Supremo Tribunal economizar tempo e energia poderia se dedicar mais às questões que afetassem de perto os interesses nacionais.

          Informando que ordenamentos jurídicos de outros países permitem às partes ajuizarem ações autônomas perante a corte constitucional após o encerramento do processo nas instâncias ordinárias, cita como exemplo o caso da reclamação constitucional do Direito alemão.

          Depois de dizer que a existência de quatro instâncias recursais é uma típica jabuticaba brasileira, o senador termina seu artigo dizendo que há muito que caminhar no sentido de uma Justiça mais ágil, mais efetiva e menos burocrática. "Dar um basta à farra dos recursos judiciais já é um passo de bom tamanho", conclui.

          Ophir Cavalcante, por sua vez, ao abrir a Conferência Estadual dos Advogados de Alagoas, em Maceió, conclamou os advogados de todo o Brasil a cerrar fileiras para sensibilizar o Congresso Nacional a rejeitar a chamada PEC dos Recursos, que "significa sacrificar a segurança jurídica em nome de uma falaciosa agilidade processual". Afirmou ainda que em lugar de uma proposta que introduz mais insegurança e incertezas na esfera jurídica, comprometendo a essência do Estado Democrático de Direito, é hora do Brasil buscar as verdadeiras causas estruturais dos problemas do Judiciário brasileiro, que padece da falta de juízes, da falta de material, da falta de tecnologia, enfim da compreensão do próprio Estado sobre o seu papel.

          As divergências de opinião demonstram a polêmica gerada pela ideia do ministro Cezar Peluso de marcar sua gestão com uma profunda mudança.

          Militam a favor da proposta os argumentos de que o Brasil é um dos poucos países a contar com quatro instâncias decisórias, sendo pequeno o número de revisões de sentença nessas instâncias superiores, sobrecarregadas por uma imensa gama de recursos do próprio poder público. Na verdade o objetivo de grande parte dos recursos é protelar o julgamento e confiar nos prazos de prescrição.

          Contra a proposta há o forte argumento de insegurança jurídica, uma vez que na realidade da Justiça brasileira os tribunais estaduais, em tese, estariam mais sujeitos a pressões de ordem política e econômica do que as Cortes Superiores. Assim, a busca por eficácia e celeridade poderia gerar efeito contrário, cerceando o direito de defesa e ferindo o princípio da coisa julgada.

          Num primeiro momento, um caminho alternativo talvez fosse consolidar o papel do STF como Corte Constitucional, como acontece em grande parte do mundo, limitando radicalmente o cabimento de recursos a ele, mantendo ainda a possibilidade de reexame pelo STJ de matéria infraconstitucional.

          Um dado a considerar é que conforme relatório da Justiça em Números de 2008, publicado pelo CNJ, 83,6% de toda movimentação processual ocorreu exclusivamente no primeiro grau de jurisdição e 14,2% no segundo grau. O gargalo, portanto, não estaria nos Tribunais Superiores, onde foram movimentados apenas 2,2% dos processos.

          Inúmeras são as variáveis. Debater é necessário.