segunda-feira, 10 de maio de 2010

Autocomposição dos litigios: democratização do acesso à Justiça

       Considerando que o Judiciário, atualmente, não dá conta de resolver todos os conflitos que lhe são submetidos, é importante insistir que para se garantir o acesso efetivo à Justiça deve haver uma reforma profunda na forma pela qual se dá o acesso ao sistema jurídico, (igualmente acessível a todos), além da garantia de que os resultados pretendidos serão eficazes e efetivos (será alcançada a Justiça buscada).    

      Acesso à Justiça não significa  apenas a abertura das portas do Judiciário a todos os cidadãos e classes sociais, mas significa, sobretudo, a verdadeira solução dos conflitos e a possibilidade de uma efetiva prestação jurisdicional.

      Nessa perspectiva, as reformas deveriam passar pela mudança da postura ideológica da concepção do Poder Judiciário, de suas principais finalidades diante de um sistema constitucional que incentiva a litigiosidade, do volumoso emaranhado legislativo que regula os direitos públicos e privados, sempre favorecendo o Estado no retardamento processual contra o cidadão.

      Um sistema destinado a servir às pessoas comuns, tanto como autores, quanto como réus, deve ser caracterizado pelos baixos custos, informalidade e rapidez, com julgadores ativos.
 
       Um caminho possível e que vem ganhando força nas doutrinas européia e latino-americana tem sido a autocomposição. No direito francês, a reforma do código de processo civil prestigiou a solução alternativa dos conflitos, por intermédio da conciliação e da mediação. Atualmente, a lei francesa ao estabelecer as tarefas específicas do magistrado, não só ressalta a sua tarefa de conciliador, como torna obrigatório o fornecimento por todo órgão judicial de um auxiliar coadjuvante do juiz como conciliador. Mesmo quando frustada a conciliação e instalado o processo, ainda cabe ao juiz recorrer à ajuda de um mediador. Em Portugal, o código de processo civil também instituiu \ solução consensual dos conflitos, defendendo a conciliação prévia em seus julgamentos. Na Itália, existem as Preture (Pretórias), que significam os ttribunais de ordem, onde o Pretor exerce jurisdição e Conciliatori (Conciliadores), magistrados responsáveis por causas de menor expressão. A competência de ambos está limitada em razão do valor ou da matéria, sendo, por exemplo, de competência exclusiva dos Pretores as reclamações trabalhistas e previdenciárias. Quanto aos Conciliadores são compusoriamente obrigados a promover a conciliação na primeira audiência, conforme disposição do código de processo civil italiano. Na Polônia, um maior acesso dos cidadãos à Justiça decorre das Comissões de Arbitragem, que decidem as questões trabalhistas e as Cortes Sociais ou Comunitárias: formadas por membros da comunidade, ou constituídas por trabalhadores de uma fábrica ou cooperativa. Há, ainda, no código civil polonês, permissão para se buscar a conciliação em qualquer estágio do procedimento e independente da vontade das partes.

         Na América Latina, é importante destacar a posição da Argentina, que alterou o seu código de processo civil para instituir, em caráter obrigatório, a mediação prévia como solução extrajudicial da controvérsia. E, no México, a existência da justiça de paz, em que o Juiz de Paz pode ser qualquer cidadão com o título de bacharel em Direito, não sendo exigida idade mínima ou experiência profissional. O procedimento é caracterizado pela oralidade, facilidades no ato citatório, ampla liberdade do juiz na condução da fase probatória, conciliação em qualquer fase da audiência, sem pagamento de custas, variando a duração de um julgado normal de quinze dias a um mês e meio.

         Indiscutivelmente, as formas alternativas de resolução de conflitos produzem efeitos a curto e a longo prazo muito favoráveis, pois não apenas descongestionam o sistema jurisdicional, como deixam espaço para que o processo judicial acolha as causas sociais remanescentes, permitindo que a sociedade dele participe.

       A preocupação de afastar a sobrecarga dos tribunais e a morosidade dos processos aponta o caminho da busca pelas vias alternativas para a solução dos conflitos, evitando a expansão incontrolada da litigiosidade e descrédito nas instituições jurídicas.

      Esclarece Marília Muricy que a auto ou a hetero-composição (conciliação, mediação e arbitragem) significam a ruptura com o critério da exclusividade do |Judiciário na aplicação do direito e a instituição do que Cappelletti debomina de "justiça coexistencial", em que o modelo do litígio é reconfigurado no modelo do consenso de modo a inovar, fundamentalmente, os modos de regulação social pelo Estado.