sábado, 6 de novembro de 2010

O Direito e a pacificação da convivência social

          Em artigo de sua autoria, no Correio Braziliense de 19.10.10, sob o título "A sociedade do conflito", a desembargadora Mônica Sifuentes do TRF - 1ª Região, enfatiza: " Nas escolas se aprende que o direito é algo produzido pelo homem para atender uma necessidade básica da convivência social: viver em paz", daí porque para alcançar essa finalidade se propõe a resolver, pela composição ou pela imposição, os conflitos de interesses que se configurarem nas relações sociais.

          Chamando a atenção para o fato de que antes de ser um agente conformador da convivência social, o direito deve ser um assegurador dessa convivência, afirma que esses conceitos, que séculos de civilização construíram, soam vazio de significado quando confrontados com os números exorbitantes de processos judiciais em tramitação nos cartórios por este Brasil afora.

          Depois de esclarecer que só em seu gabinete dão entrada, mensalmente, de 800 a 1.000 processos novos, esclarece que " não há medida extraodinária nem reforma processual que dê conta daquilo que os processualistas já chamaram de 'explosão de litigiosidade' e que vem a ser essa impressionante sociedade conflitual em que vivemos".

          Afirmando que o litígio, pela lógica do nosso sistema judiciário, deveria ser a exceção não a regra, a desembargadora conclui que o problema da litigiosidade não se resolve apenas com novas formas de agilizar a resolução do conflito, mas evitando o próprio conflito.

          Sua postura não é nova e encontra eco em todos aqueles que procuram caminhos para resolver o problema da lentidão no Poder Judiciário. Entre tantas sugestões apresentadas, uma forma de evitar a litigiosidade, seria incentivar a resolução dos conflitos pela própria comunidade.

          Em sua obra "Acesso à Justiça", Cappelletti noticia a tendência nos Estados Unidos, já à época, para instalar "tribunais vicinais de mediação", com o objetivo de resolver querelas do dia a dia, notadamente questões de pequenos danos à propriedade ou delitos leves, que ocorrem entre indivíduos em qualquer agrupamento relativamente estável de trabalho ou de habitação.
  
       Como exemplo importante, o departamento de justiça americano desenvolveu, em 1977, uma experiência piloto de 18 meses com três "Centros Vicinais de Justiça". Cada Centro deveria ser um escritório numa comunidade, ao qual as pessoas acorressem com os mais variados problemas (problemas criminais e civis de vizinhança, família, habitação e consumo). O Centro ofereceria mediação, e, caso isso falhasse, a arbitragem, por intermédio de um determinado número de membros da comunidade treinados para a mediação e o arbitramento. A tônica dessas instituições está no envolvimento da comunidade, na facilitação de acordos sobre querelas locais e, de modo geral, na restauração de relacionamentos permanentes e de harmonia na comunidade.

          No Brasil, podem ser citadas duas experiências interessantes de solução de conflitos pela própria comunidade: a do Balcão de Direitos do Viva Rio e o Projeto Justiça Comunitária, de iniciativa do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

          O Balcão de Direitos Viva Rio, atua nas favelas do Rio de Janeiro, com cinco balcões instalados em prédios comunitários onde estudantes e outros voluntários atendem a comunidade. Inúmeros atendimentos já foram feitos, a partir de cálculos trabalhistas, mediação, conciliação, passando por orientações jurídicas em processos judiciais. Nos primeiros anos, em torno de 25% dos serviços demandados se relacionavam com ações judiciais, depois o número caiu para 15%. Isto demonstra que na medida em que a comunidade cria seus próprios meios de resolução de conflitos, a procura pelo Judiciário tende a ser menor.

          O Projeto Justiça Comunitária, de iniciativa do TJDF, é uma experiência em que agentes comunitários, escolhidos pela própria população, tem a responsabilidade de mediar conflitos. Ao contrário da conciliação, que opera com mecanismos de negociação voltados à eliminação do conflito pontual, a mediação comunitária possibilita que as partes em conflito construam, sob a ética da alteridade, as bases de uma relação social futura pautada no respeito e na solidariedade, diz Gláucia Foley, juíza coordenadora do programa. Trata-se de um processo no qual um membro da comunidade, sem qualquer poder de decisão, facilita que as partes em conflito construam, uma solução que tenha impacto social positivo, reelaborando o conflito.

          A conclusão é que um espaço onde seja facilitado o reestabelecimento do diálogo, com a resolução dos conflitos voltados à construção do consenso não só diminuiria a demanda ao Judiciário, mas, em contraposição à litigiosidade,  incentivaria a cultura da paz, principal razão da convivência social e finalidade última do Direito.