domingo, 25 de setembro de 2011

Crimes contra a corrupção X Garantias individuais

          Pela terceira vez, neste ano, foi anulada pelo STJ mais uma grande operação da Polícia Federal. Trata-se da denominada "Operação Faktor" (antes chamada de "Boi Barrica"), que apurou o envolvimento do empresário Fernando Sarney com lavagem de dinheiro.

          Referida investigação, que apontou crimes de tráfico de influência em órgãos do governo federal, formação de quadrilha, desvios de recursos públicos e lavagem de dinheiro, começou em 2006, após alerta do Coaf à Polícia Federal e se estendeu até agosto de 2008.

          De acordo com a 6ª Turma do STJ, ao analisar o Habeas Corpus nº 191.378 - DF, a decisão que autorizou a quebra de sigilo telefônico não estava suficientemente fundamentada (carência de fundamentação), pois foi baseada apenas em um relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Em razão disso, todas as provas obtidas a partir das escutas foram anuladas.

          Para os ministros integrantes da 6ª Turma, o grampo telefônico deve ser uma exceção e só pode ser autorizado depois de os investigadores esgotarem os demais recursos e, em seu entendimento, nem a Polícia Federal, nem o Judiciário do Maranhão exibiram justificativas suficientes para as interceptações telefônicas.

           A Polícia Federal, entretanto, contesta o argumento do STJ, afirmando que o relatório motivador da operação é um documento do Coaf, órgão do Ministério da Fazenda, o qual apontou movimentações financeiras atípicas de 2 milhões, dos investigados e que as investigações policiais precederam a quebra dos sigilos.

           A decisão do Superior Tribunal de Justiça também gerou intenso debate no meio jurídico.

          Para Miguel Reale Júnior, professor de direito penal da USP "a decisão é esdrúxula"  pois o alerta feito pelo Coaf deve levar a investigações com quebra de sigilo. Em suas palavras: "O Coaf existe para isso. As provas que alimentam as ações penais nesse tipo de caso são aquelas baseadas na quebra dos sigilos. Vejo com muita preocupação a decisão, pois ela estende muito a interpretação do que pode ser considerado prova ilícita".

          Já o advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira considera correta a interpretação do STJ: "o direito à privacidade está garantido  na nossa Constituição. A quebra de sigilo só pode ocorrer depois de esgotados todos os meios de produção de prova".

          Para o relator do processo no STJ, ministro Sebastião Reis Filho, cujo voto norteou a decisão da turma, o relatório do Coaf informou sobre a atipicidade das movimentações financeiras, não de sua ilicitude. Ao recebê-lo caberia à PF diligenciar acerca dos fatos, utilizando-se de todos os outros meios possíveis, para ao final, "se fosse mesmo imprescindível", representar pelo afastamento do sigilo. Mas isso infelizmente não ocorreu.

          Afirma textualmente em seu voto: "a regra é o sigilo; a quebra é a exceção. O respeito efetivo pelos direitos individuais e pelas garantias fundamentais outorgadas pela ordem jurídica aos cidadãos em geral representa o sinal mais expressivo e o indício mais veemente de que se consolida, de maneira real, o quadro democrático delineado na Constituição Federal".

         Entendeu a 6ª Turma do STJ, à unanimidade, que a partir do momento em que a autoridade policial (no caso a Polícia Federal) decidiu, sem antes realizar qualquer outra diligência, representar pela quebra do sigilo, mediante o relatório do Coaf, maculou todo o ato apuratório.

         Esse entendimento, caso não seja reformulado (ainda cabe recurso da decisão)  acabará  invalidando diversas provas colhidas na operação da PF, que apurou crimes contra a ordem tributária e lavagem de dinheiro no Maranhão, envolvendo a família Sarney.

         Mais uma vez foi aplicada pelo STJ a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (The fruit of the poisonus tree), originada na Suprema Corte Americana,cujo entendimento é de que os vícios da "árvore são transmitidos aos seus frutos". Ou seja, havendo uma origem ilícita (no caso, para o STJ, uma investigação eivada de inconstitucionalidade), toda a prova dela decorrente, mesmo que não ilícita em si, não poderá ser admitida pois já estaria contaminada.

       Sobre a sua aplicação no nosso direito, o plenário do Supremo Tribunal Federal já entendeu ser possível ao decidir o HC n.69.912-RS, tendo como relator o ministro Sepúlveda Pertence.

         O que se questiona é se, nos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro - tipos de ações penais de alta complexidade, quase sempre envolvendo quebra de sigilos - essa prática (quebra de sigilo) só poder ser adotada depois de esgotadas todas as outras ações, em nome da garantia dos direitos individuais. Ao se elastecer esse princípio, a impunidade não estaria sendo privilegiada?

          Não é sem razão que o GAFI, órgão ligado à ONU que monitora as políticas contra a lavagem de dinheiro, cita entre os principais problemas enfrentados pelo Brasil para punir o crime de lavagem de dinheiro "a dificuldade de se obter a quebra do sigilo (vista por alguns juízes como direito absoluto)".