sábado, 23 de outubro de 2010

A cultura da litigiosidade

               O Conselho Nacional de Justiça, em parceria com 56 tribunais, promoverá a Semana Nacional de Conciliação, de 29 de Novembro a 03 de Dezembro desse ano. O slogan será "Conciliando a gente se entende" e tem por objetivo inibir litígios, estimular o acordo amigável e tentar reduzir o grande estoque de processos no Judiciário.

               Esse tipo de iniciativa teve início em 2006, prosseguindo nos anos seguintes. Em 2009, houve 260.000 audiências e foram firmados 122,9 mil acordos, com homologações no total de R$1,3 bilhão. A ideia da campanha é sensibilizar a população e os operadores do direito para a conciliação como forma de solução consensual dos conflitos judiciais.

               Na opinião do presidente da OAB, Ophir Cavalcante, a semana da conciliação é uma referência no Judiciário, mas infelizmente o ensino do direito é direcionado para o litígio.

               A cientista política Maria Tereza Sadek, por sua vez, embora\valorize a ideia de uma prática distinta da adversarial e entenda a iniciativa do CNJ como algo muito novo e revolucionário, esclarece que o esforço não deixa de ser um enxuga gelo, considerando o excessivo número de processos que ingressam no Judiciário.

               Também a ministra Eliana Calmon, atual Corregedora do Conselho Nacional de Justiça, por ocasião do lançamento do mutirão para resolver 80.000 processos parados na Justiça Federal de São Paulo, afirmou que todas as inúmeras vezes que a Justiça fez mutirões, o que houve foi um enxugamento de gelo, porque em pouco tempo o número de processos volta a crescer.

               Entrevistado por ocasião de sua posse no STF, o ministro Dias Toffoli também chamou a atenção para a cultura do conflito existente no Brasil, onde é o Judiciário que resolve tudo. Afirmando que os gestores no Brasil, na área pública ou privada, quando não sabem como resolver um problema encaminham para a área jurídica e essa para o Judiciário, indaga: "Por que a cultura jurídica no Brasil é formatada para o conflito e não para a solução? Nós, na escola, na faculdade de Direito, queremos aprender a litigar. Não se ensina a solucionar".

               As opiniões citadas convergem no sentido de que há uma explosão de litigiosidade que sempre superará os esforços para contê-la, se não se modificar a postura diante dos conflitos. Isso aponta para o fato de que, além de modernizar seus recursos, sejam humanos, materiais, normativos e tecnológicos, as instâncias judiciárias também devem implementar um sistema de resolução de conflitos pelo consenso.

               Em pesquisa nacional efetuada pela FGV Direito Rio com o Ipespe, em 2009, constatou-se que 1 em cada 5 brasileiros foi autor ou réu em 2008, mas que 43% preferiam assegurar seus direitos pela conciliação.

               Na visão do ex-Secretário de Reforma do Judiciário, Rogério Favreto, o Brasil enfrenta problemas de difícil equação no que se refere ao acesso à Justiça, pois os modelos tradicionais encontram-se significativamente esgotados para uma resposta eficaz ao universo cada vez maior e mais complexo de conflitos sociais. A proposta seria de um novo paradigma cultural com a política pública de "Redes de Mediação".

               Numa perspectiva diferente da cultura do bacharelismo, que é centrada mo confronto, a ideia seria trabalhar com uma solução pacífica e negociada, mais preventiva do que curativa dos conflitos. O projeto sugere três momentos de abordagem:
               a) introduzir nas grades curriculares do curso de direito matérias destinadas à formação no campo da mediação e composição dos conflitos, articuladas com os núcleos de prática jurídica;
               b) cursos de aperfeiçoamento em técnicas de mediação e composição de conflitos para os atuais profissionais do direito (magistrados, promotores de justiça, defensores públicos, advogados públicos e particulares);
               c) constituição de núcleos de justiça comunitária voltados à formação de agentes comunitários de mediação, na perspectiva de criar meios alternativos de resolução de conflitos.

                Indiscutivelmente, a preocupação de afastar a sobrecarga dos tribunais e a morosidade dos processos aponta o caminho das vias alternativas para a resolução dos conflitos, evitando, com isso, a expansão incontrolada da litigiosidade e o descrédito nas instituições jurídicas.

               Sem a mudança de postura do Judiciário e dos operadores do Direito diante do conflito, qualquer iniciativa para agilizar os processos, embora louvável, continuará sendo chamada de "enxugar gelo".