quinta-feira, 14 de maio de 2015

Mediação usada para conter judicialização da saúde no DF

A Secretaria de Saúde e a Defensoria Pública do Distrito Federal estão investindo na prática da mediação extrajudicial para reduzir os casos em que pacientes recorrem à Justiça para conseguir atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS). De janeiro a outubro do ano passado, quando o número de processos chegou a 1.300, decisões judiciais obrigaram a secretaria a gastar R$ 32 milhões com medicamentos, consultas, tratamentos e outros serviços, o que impactou o orçamento do órgão.
“A situação é gravíssima. Para se ter uma ideia, R$ 32 milhões é exatamente o valor que gastamos no ano passado para abastecer todos os centros de saúde e a Farmácia de Alto Custo do Distrito Federal com medicamentos”, comparou a chefe do Setor de Judicialização da Secretaria de Saúde, Patrícia Paim. Segundo ela, o número de processos movidos por pacientes cresce a uma razão de 30% por ano.
O esforço para conter as ações judiciais é centrado na Câmara Permanente Distrital de Mediação em Saúde (Camedis), criada em fevereiro de 2013 por meio de portaria conjunta entre a Secretaria de Saúde e a Defensoria Pública. Com a Camedis, a defensoria, que antes priorizava a abertura de processos na Justiça, passou também a buscar soluções extrajudiciais para os conflitos, por meio da prática da mediação. 
Experiências de gestão como a do Distrito Federal, destinadas a garantir o atendimento aos pacientes e a conter o fenômeno da judicialização, serão apresentadas durante a II Jornada de Direito da Saúde, que o CNJ vai realizar, nos dias 18 e 19 de maio, na Sede do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). O objetivo da divulgação é incentivar que boas práticas sejam replicadas por todo o país.
Durante o evento os participantes poderão conhecer as bases da atuação da Camedis, onde as sessões de mediação começaram a ser realizadas em outubro de 2013. Um ano após, em outubro de 2014, a unidade registrava 260 acordos entre pacientes e a Secretaria de Saúde. “Nós conseguimos acordos em 85% das audiências de mediação”, disse Patrícia Paim.
Ela explicou que o trabalho da Camedis, coordenado pela Secretaria de Saúde, ocorre da seguinte forma: quando a Defensoria Pública apresenta a reclamação de um paciente, a secretaria verifica se o medicamento ou tratamento pleiteado consta da lista padronizada pelo Ministério da Saúde. Caso não conste, é oferecida uma alternativa terapêutica ao reclamante. Em uma situação como essa, a defensoria propõe um acordo entre a secretaria e o paciente. Cabe a este último aceitar a proposta e encerrar o caso ou buscar outras soluções, entre elas a abertura de uma ação judicial.
“O objetivo principal da mediação é inserir o indivíduo nas políticas públicas oferecidas pela Secretaria de Saúde, permitindo que o conflito seja revolvido no âmbito da Administração Pública, com a ativa participação dos responsáveis por executar as referidas políticas públicas”, destacou a chefe do Setor de Judicialização da Secretaria de Saúde.
Patrícia Paim reconhece que o número de acordos alcançados pela Camedis no primeiro ano das mediações ainda é pequeno em comparação ao volume de processos judiciais. No entanto, ela destaca que esses acordos evitaram a abertura de 260 processos, poupando a secretaria de gastos. 
“O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) fez uma pesquisa e concluiu que o custo médio de uma ação judicial no Brasil é de R$ 5.600. Ou seja, com esses acordos a secretaria deixou de gastar um R$ 1,5 milhão com custas judiciais”, disse Patrícia Paim, frisando que a atuação da Camedis, embora recente, tem potencial para fazer crescer no Distrito Federal a cultura da pacificação dos conflitos na área da saúde.
Jorge VasconcellosAgência CNJ de Notícias

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Justiça como espetáculo

A Justiça como espetáculo subverte a lógica do processo penal

Por Juarez Irino dos Santos

Os casos penais devem ser investigados pelas formas democráticas do processo legal devido, com as garantias constitucionais do contraditório processual, da ampla defesa, da presunção de inocência, da proteção contra a autoincriminação e outras. Mas a justiça como espetáculo subverte a lógica do processo penal: as investigações criminais sigilosas de cidadãos sem fato concreto imputável cancelam o princípio da presunção de inocência, substituída pela presunção de culpa; as interceptações telefônicas secretas suspendem a proteção constitucional contra autoincriminações — ou o direito de calar do acusado, ou de falar somente após consultar advogado —, levando de cambulhada a ampla defesa e o contraditório processual; as delações premiadas — em qualquer caso e sempre um negócio penal inconfiável, deplorável e imoral — conseguidas pela tortura através da prisão de futuros delatores, constituem provas obtidas por meios ilícitos, que deveriam ser extirpadas do processo penal — mas que, na justiça penal como espetáculo, para desgraça dos acusados, constituem a prova criminal por excelência, quando não a única prova.
Assim, na operação "lava jato" do Juiz Moro, o espetáculo penal é um processo estampado na mídia como uma novela diária, com seus atores, cenários e anúncios de condenações antecipadas. Nesse contexto, a capacidade técnica ou probidade pessoal do juiz criminal não protege contra influências dos meios de comunicação de massa — ou seja, contra influências do poder econômico e do poder político — nos processos criminais ou nos resultados das decisões judiciais. A presença do público espectador produz um efeito de ricochete sobre o palco do espetáculo: a linguagem da imprensa afeta a valoração da prova, estimula estereótipos e preconceitos nos protagonistas processuais, ignora ou deprecia direitos e garantias constitucionais do cidadão, estigmatiza acusados com atributos pejorativos e produz execráveis condenações criminais antecipadas. Na operação "lava jato", tudo começou com interceptações telefônicas duvidosas, com delações premiadas obtidas pela tortura da prisão, com quebras de sigilo sem imputação de fatos criminosos concretos — em suma, tudo começou com suspeitas idiossincráticas. E situações afirmadas como reais — diz o teorema de Thomas —, são reais nas consequências: a desagradável sensação de insegurança, o sentimento de medo do cidadão em face do Estado onipotente, manipulado pelo poder de funcionários públicos acima de qualquer controle, parece uma realidade tangível, constatada todos os dias em telefonemas, e-mails e outras comunicações interceptáveis.
Além disso, a avaliação de custo/benefício do princípio da proporcionalidade mostra que o preço da operação "lava jato" é excessivo: um custo insuportável para os direitos humanos, um preço demasiado para a democracia, um prejuízo imenso para a economia — literalmente bloqueada por um processo criminal, fato jamais visto antes. Nunca o povo pagou tão caro para processar tão poucos — e, se for o caso, punir. Sem dúvida, todos devem responder por seus atos e todo fato punível deve ser investigado e julgado, mas pelos métodos civilizados da Justiça penal, que são conquistas políticas de lutas históricas da humanidade.
A obsessão punitiva que domina o espetáculo da justiça penal, difundido em capítulos diários de entretenimento popular na mídia eletrônica e impressa, parece degradar a Justiça penal ao nível de mercadoria de consumo público — mas vendida ao preço da lesão dos direitos humanos e da corrosão da Democracia. Nestes tempos de acirrada luta de classes, a ideia de conspiração das forças políticas conservadoras, com a utilização golpista de segmentos autoritários do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia — um valor de uso com alto valor de troca na luta política pelo poder — pode não ser simples paranoia.     
Juarez Cirino dos Santos é advogado e professor da UFPR.
Revista Consultor Jurídico, 05 de maio de 2015

terça-feira, 5 de maio de 2015

Importância do Novo CPC no ordenamento jurídico

Novo CPC é a maior revolução jurídica da primeira metade do século XXI


A nova lei processual promoverá a maior revolução jurídica desta primeira metade do século XXI no Brasil. Não há qualquer outra norma que possua tanta força e capilaridade no ordenamento jurídico nacional como o Código de Processo Civil. Suas regras deixam digitais não apenas nas demandas de natureza civil, mas, igualmente, nas questões trabalhistas, eleitorais, administrativas e até penais, na quais o CPC se aplica subsidiariamente.
Todos os Tribunais do país e os órgãos de primeiro grau serão afetados direta e imediatamente após um ano da publicação da nova lei. São milhares e milhares de juízes, advogados públicos e privados, membros do Ministério Público e servidores públicos que terão que se adaptar à essa nova realidade. Isso sem falar dos cursos jurídicos que precisarão adequar seus currículos acadêmicos em curto espaço de tempo.
Essas modificações não estão ocorrendo por mero oportunismo. Anseios antigos da comunidade jurídica estão sendo consolidados. Dentre eles, a racionalização do sistema recursal, regulamentação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, fixação de prazo para publicação das decisões nos Tribunais e simplificação do procedimento em geral.
O Novo CPC não olvidou também de disciplinar preocupações recentes da sociedade. Isso, especialmente, ao tratamento de milhares de demandas repetidas (por exemplo, demandas envolvendo questões previdenciárias, planos econômicos, pleitos contra bancos, planos de saúde e empresas de telefonia, entre outras) que afloram diuturnamente nos Tribunais e Fóruns do país e que merecem solução única, sob pena de tratamento anti-isonômico entre os jurisdicionados. Nesse ponto, cria-se uma espécie de microssistema das questões repetitivas, que serão definidas seja pelo incidente de resolução de demandas repetitivas (que pode ser considerada a grande aposta do Novo CPC), seja pelo procedimento de julgamento dos recursos repetitivos dirigidos aos Tribunais Superiores (STF e STJ).
Mais do que nunca, os “precedentes judiciais”, também denominados de “direito jurisprudencial”, ganham uma força considerável, na medida em que as decisões proferidas pelas instâncias superiores passam, definitivamente, a orientar os órgãos inferiores e devem ser consideradas pelas instâncias primeiras. Em outras palavras, a nova sistemática impõe o respeito ao “precedente judicial”, permitindo, todavia, que o magistrado, através de decisão fundamentada, “afaste” sua aplicação ao caso concreto ou mesmo “supere” aquele entendimento.
Não é só. A advocacia, tanto pública como privada, foi consideravelmente contemplada pela nova lei. Numa só tacada, teve reconhecido o direito: a suspensão dos prazos processuais durante o período que vai de 20 de dezembro a 20 de janeiro; a fixação de honorários advocatícios nas diversas fases recursais e de forma cumulativa; a percepção dos honorários de sucumbência pelos advogados públicos; e a contagem dos prazos processuais em dias úteis.
São muitas, realmente, as mudanças que se anunciam. O que aflige, no entanto, é justamente o tempo necessário para que todas essas modificações possam ser corretamente compreendidas pelo meio jurídico e pela sociedade. A lei processual tem aplicação imediata. Alcançará, portanto, todos os processos iniciados após a vacatio legis e também aqueles que já se encontrarem em tramitação após um ano de publicação do Novo CPC.
De extrema importância, portanto, que os próximos meses sejam de intenso e valoroso debate de ideias acerca da nova codificação, a fim de minimizar as dificuldades interpretativas geradas por uma legislação dessa relevância e magnitude. O envolvimento de todas as classes jurídicas nesse projeto é fundamental a fim de que se alcancem os resultados esperados e também para que, num momento político e econômico tão conturbado, o Novo CPC possa significar, pelo menos, um primeiro passo em prol de uma nova Justiça ao país.
Tiago Asfor Rocha Lima é advogado, doutor em Direito pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-Doutorado/Visiting Scholar na Columbia Law School/New York.
Revista Consultor Jurídico, 4 de abril de 2015.

sábado, 2 de maio de 2015

Redução das ações judiciais do Estado X Justiça eficaz

Desjudicializar pode se tornar a forma mais eficaz de fazer justiça


O XII Prêmio Innovare, uma espécie de Oscar do Sistema de Justiça brasileiro, traz como destaque, no ano de 2015, o tema de seu prêmio especial: “redução das ações judiciais do Estado – menos processos, mais agilidade”. Aberto também a profissionais de áreas não especificamente jurídicas, seu objetivo é estimular e dar visibilidade a práticas que contribuam para a solução do que se poderia chamar de paradoxo da Justiça no Brasil: por que mais justiça tem significado, entre nós, menos justiça?
Em boa hora, o Instituto Innovare lança a sua luz sobre um de nossos problemas mais graves, que é o elevado grau de judicialização das questões que envolvem a Administração Pública, em todos os níveis da Federação. Logo à partida, convém evitar falsas soluções que preconizem curar a febre pondo o termômetro na geladeira. É preciso reconhecer que o número de demandas judiciais é alto porque, na média, os governos não costumam adotar as medidas que poderiam evitá-las ou, ao menos, atenuá-las. A procura ao Judiciário decorre da demanda gerada pela própria Administração. A advocacia pública tenta fazer a sua parte, mas ainda lhe falta a autonomia administrativa e técnica para impor aos gestores públicos o cumprimento preventivo da lei. O resultado disso é a pletora de processos que massifica o trabalho dos operadores do direito, emperra o funcionamento da máquina e difere a realização da justiça para um futuro distante e incerto.
O Innovare propõe aos profissionais responsáveis pelo exercício da jurisdição e de suas funções essenciais o desafio de pensar fora da caixa. Não é papel dos advogados públicos se tornarem meros enxugadores de gelo, gestores de centenas de milhares de casos cuja solução já se conhece, mas não se reconhece. De maneira velada, os agentes políticos acabam por transferir para governos futuros – e, em muitos casos, para gerações futuras – as obrigações que deveriam ser cumpridas desde logo, com a realização pronta e imediata da justiça.
Inovar é preciso, como o fizeram as Procuradorias dos estados do Ceará e do Rio de Janeiro, em práticas premiadas pelo Innovare em 2014.
No primeiro caso, surgido da necessidade de realizar desapropriações para a construção do Veículo Leve sobre Trilhos de Fortaleza, conseguiu-se evitar que centenas de ações fossem levadas à Justiça mediante esforço de acordos administrativos com os proprietários. Não apenas a Justiça cearense não foi sobrecarregada à toa, mas os proprietários receberam as indenizações que lhes eram devidas em tempo recorde, contando ainda com assistência para enquadramento nos programas habitacionais dos governos estadual e federal. É possível ainda imaginar a economia de gastos com os processos que foram evitados e com os encargos financeiros que deixaram de incidir sobre o valor das indenizações.
No segundo caso, a Procuradoria do estado do Rio de Janeiro liderou a implantação da Câmara de Resolução de Litígios de Saúde, prática colaborativa que procura atender, de forma antecipada, às pessoas que tradicionalmente buscam medicamentos, tratamentos ou internações por meio de ações judiciais. O atendimento feito por profissionais da área de saúde, com a supervisão de procuradores e defensores públicos, tem alcançado altos índices de conciliação prévia dos interesses em jogo e produzido a entrega mais ágil e desburocratizada dos remédios e serviços devidos pelo Poder Público.
Em suma, tais iniciativas demonstram que é possível enfrentar o problema da litigiosidade de massa envolvendo o Estado com meios alternativos à judicialização, sem relegar aqueles que têm pretensões legítimas contra a Fazenda Pública a segundo plano. Ao contrário, desjudicializar pode se tornar, em muitos casos e sem nenhum paradoxo, a forma mais eficaz de fazer justiça.
Gustavo Binenbojm é procurador do estado do Rio de Janeiro, professor Adjunto de Direito Administrativo da UERJ e membro da Comissão Julgadora do Prêmio Innovare
Revista Consultor Jurídico, 24 de abril de 2015.