quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Transformação dos recursos especiais e extraordinários em medida rescisória

          Com o objetivo de impedir que os recursos que chegam às cortes superiores (STF e STJ) suspendam a aplicação dos tribunais estaduais e federais de segunda instância, o presidente do Supremo Tribunal, Cezar Peluzo, pretende aprovar no congresso proposta de emenda à constituição, transformando os recursos especiais e extraordinários, que são enviados ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ao STF (Supremo Tribunal Federal), respectivamente, em medidas rescisórias. Ou seja: referidos recursos não teriam o condão de suspender as decisões estaduais de segunda instância, que teriam aplicação imediata. Os tribunais superiores só analisariam se manteriam ou anulariam as decisões. "O Brasil é o único país do mundo que tem quatro instâncias recursais", afirmou o ministro Peluso.

          De acordo com o ministro Gilmar Mendes, a mudança representaria "uma revolução na concepção dos recursos e uma saída para essas discussões sobre a demora dos processos". Já o vice-presidente do STF, ministro Ayres Britto, embora simpático à proposta de seu colega,, que poderia representar racionalização e agilização dos processos, acha a ideia complicada de ser operacionalizada, por feriria o artigo 5º da Constituição (cláusula pétrea), pondo em risco a coisa julgada.

          Para o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, é simplista a iniciativa do presidente do STF de atacar a morosidade da justiça brasileira reduzindo as instâncias de apresentação de recursos. O problema, diz Ophir, se deve à falta de gestão profissional da Justiça: "há juízes que só trabalham três dias na semana, ou engavetam rescursos". Na sua opinião, satanizar os recursos ou a possibilidade de recursos é ir contra a Constituição, que permite ampla defesa, é tentar resolver o problema da morosidade da Justiça pelo efeito e não pela causa. A grande causa, segundo ele, é a falta de gestão profissional, é a inversão de valores que se vive no Brasil. Os tribunais superiores do Brasil têm estruturas de primeiro mundo, enquanto a Justiça de primeiro grau conta com uma estrutura de terceiro mundo.

          Na análise de Joaquim Falcão, o presidente Peluso propõe para a reforma do Judiciário não um, mas dois ovos de Colombo. O primeiro é de ordem processual. Decidido o caso pelo juiz e pelo tribunal, a sentença passa a valer na hora. Ir aos tribunais superiores não mais suspende a decisão ou a adia. Estes podem rever, mas não suspender a decisão que tem exigibilidade imediata.

          Ao seu ver, além de se prestigiar os magistrados diretamente envolvidos com os casos, haveria redução dos custos e custas do Judiciário. Estado e clientes gastariam menos. Mas não seria uma mudança fácil porque além da oposição da OAB, enfrentaria a cultura hiperprocessualista da maioria dos magistrados. Aí, segundo Falcão, entraria o segundo ovo de Colombo, pois não é por falta de imaginação que o Brasil não reduz o excesso de recursos. Temos solução para todos os gostos, uma delas é a reforma do Código de Processo Civil, cujo projeto já foi aprovado pelo Senado. Falta liderança política e estratégia legislativa. Contudo, é necessário um pacto Republicano processual, entre os Poderes, para essa mudança. Na ótica de Falcão, esse pacto foi proposto pelo ministro Peluso à nação, à nova presidente Dilma Roussef e ao futuro novo presidente do Congresso. Qual será a resposta?

          Em que pese as diversas  e respeitáveis opiniões, algo precisa ser feito para garantir a eficácia da Justiça. O que não pode continuar é o Judiciário abarrotado de processos, julgando em média pouco mais de 30% dos casos que lhe são submetidos por ano, enquanto os cidadãos desacreditados da \Justiça esperam uma resposta para a solução de seus conflitos.

          O descrédito na \Justiça, para quem já precisou recorrer a ela, ficou evidenciado na pesquisa nacional realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em todas as unidades da federação. De zero a dez, a nota alcançada foi de 3,7 no que se refere à sua eficácia.

domingo, 9 de janeiro de 2011

O polêmico sigilo dos processos no STF

          A inusitada decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, em vigor desde final de agosto de 2010, de determinar a substituição dos nomes das autoridades, por suas iniciais, nas capas dos inquéritos e dos processos que aguardam julgamento no STF tem causado perplexidade no meio forense.

          Na prática, o que de fato ocorre, é a tramitação dos processos em caráter confidencial, porquanto é quase impossível saber, somente pelas iniciais dos nomes, quem são as autoridades que estão sob investigação. Segundo o presidente do STF, as ações devem ser conduzidas de forma reservada, uma vez que causam danos à imagem das autoridades. "A regra é essa. Não se pode fazer divulgação desnecessária", disse.

          Contudo, na opinião do ministro Celso de Mello, "nada justifica a tramitação, em regime de sigilo,  de qualquer procedimento que tenha curso em juízo. Deve prevalecer a cláusula da publicidade". No mesmo sentido, afirmou o ministro Marco Aurélio: "É uma pretensão indevida. Será que vai haver todo esse cuidado para os cidadãos comuns? A regra é a publicidade. É preciso que haja o lançamento dos nomes por extenso para que a sociedade acompanhe o andamento dos processos".

          Na realidade, é o interesse público que está por trás na maioria dos processos abertos contra autoridades. Ocultando a identidade das autoridades sob o argumento de que é necessário preservar a sua honra e intimidade, o que se obtém, na prática, é a negativa da transparência, essencial e indispensável na relação entre governantes e governados. A vida funcional das autoridades tem de ser um livro aberto e de livre acesso ao público.

          Até  agora esse procedimento só vinha sendo utilizado nas ações judiciais, nos casos permitidos em lei, que tramitam com cláusula de sigilo, como aqueles que envolvem crianças e adolescentes e nos casos em que há quebra de sigilo fiscal, bancário ou telefônico. Por princípio, as causas judiciais são públicas, característica, aliás, de qualquer ato administrativo.

          No período em que vem presidindo o STF, o ministro Peluso já sofreu algumas derrotas por conta de iniciativas corporativas em favor de autoridades.

          Em maio, no início do julgamento do ministro Paulo Medina, do STJ, que acabou condenado, juntamente com o desembargador José Eduardo Carreira Alvim do TRF da 2ª Região, por envolvimento na venda de liminares a donos de máquinas de caça-níqueis no Rio de Janeiro, Peluso propôs que a sessão fosse fechada, para preservar a imagem do réu. A proposta porém foi rejeitada pelo plenário. Meses depois, se opôs à remessa para o Conselho Nacional de Justiça de processos administrativos contra magistrados. Com o argumento de que eles não poderiam ficar expostos a constrangimentos causados por "divulgação desnecessária do sistema judicial", Peluso defendeu, em total desacordo com a Emenda Constitucional 45, que os processos ficassem circunscritos às corregedorias dos tribunais de segunda instância, que são conhecidas pelo seu corporativismo e pouca eficiência. Mais uma vez foi derrotado.

          Indiscutivelmente a criação do Conselho Nacional de Justiça foi um avanço e sua atuação só merece elogios. Conforme levantamento efetuado pelo próprio CNJ, desde 2005, quando o Conselho foi instalado, 45 magistrados foram punidos. De todas as punições impostas pelo CNJ, 21 foram a sanção máxima em um processo adminstrativo: a aposentadoria compulsória. Nesses casos, o juiz é proibido de trabalhar, mas recebe vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Para perder o cargo definitivamente, o magistrado precisa ser condenado pela Justiça em processo criminal. Nesse mesmo período de cinco anos e meio, outros seis magistrados foram postos e disponibilidade, dois foram removidos compulsoriamente, quinze foram afastados provisoriamente e um foi censurado.

          Ficou também comprovado que Corregedor não investigava colegas. O desembargador Jovaldo dos Santos Aguiar, ex corregedor do TJ do Amazonas foi punido com aposentadoria compulsória por manter paralisados, desde 2007, 39 procedimentos disciplinares (16 de forma indevida), contra juízes e desembargadores.

          Ainda por conta de sua postura corporativa, segundo os jornais, o ministro Peluso está em rota de colisão com a Corregedora Nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, em razão das duras críticas que ela tem feito à magistratura. Há forte comentários de que a ministra deixará no primeiro semestre deste ano o cargo que assumiu em agosto passado, voltando às fileiras do STJ.

         

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Menores infratores: quadro assustador nas diversas unidades da federação

          O Conselho Nacional de Justiça, por meio do Programa Medida Justa, realizou, pela primeira vez, uma inspeção independente na rede de atendimento socioeducativo, em 20 unidades da federação. O levantamento revela condições gravíssimas nas unidades de internação de 19 estados e no Distrito Federal, onde educação e ressocialização são praticamente inexistentes para a maioria do 15 mil adolescentes infratores privados de liberdade.

          Conforme Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, juiz auxiliar do CNJ e um dos coordenadores do projeto uma série de falhas tem origem na falta de um projeto socioeducativo nos estados. "A ausência dessa política central e planejada leva o setor a não ter orçamento, a não ter corpo técnico, a não ter práticas estabelecidas", esclarece. "Sem um comando centralizado, cada local trabalha de um jeito e as interlocuções necessárias com outras áreas, como Secretaria de Educação e Saúde, Assistência Social ficam prejudicadas", afirma o magistrado. "O lado bom é que percebemos uma conscientização dos gestores da situação e um esforço para melhorar".

          Os dados coletados pelos magistrados ao longo de 2010 revelam um quadro assustador do sistema socioeducativo nas diversas unidades federativas. Eis alguns exemplos de irregularidades:
          Santa Catarina
  • Transferência de internos entre as unidades é feita sem qualquer comunicação com o Judiciário.
  • Castigos físicos e torturas constantes no Plantão Interinsitucional de Atendimento (Pliat), na capital e no Centro Educacional São Lucas, no município de São José, interditado recentemente.
  • Adolescentes urinam dentro de garrafas pet, no Pliat, porque oscagentes não abrem a porta para irem ao banheiro.
  • Em unidade de Chapecó, os sanitários dentro das celas estão entupidos, exalando odor fétido. Dos seis chuveiros elétricos, só um funciona.   
          Distrito Federal
  • Faltam profissionais para dar continuidade aos trabalhos educacionais. Escassez de matéria prima para oficinas profissionalizantes.
  • Superlotação no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje), onde havia 319 adolescentes em 160 vagas na ocasião da visita.
  • Adolescentes têm de colocar colchões no banheiro da cela para dormir. Têm banho de sol de apenas uma hora. Sem acesso à escola, os adolescentes já promoveram inúmeros atos de violência.
  • 21 adolescentes foram mortos dentro do Caje nos últimos 13 anos. 
         Goiás
  • Três centros funcionam dentro de quartéis da Polícia Militar, o que é considerado totalmente inapropriado.
  • Há 26 adolescentes detidos em cadeias públicas.
  • Internas dividem o mesmo ambiente que meninos, separadas apenas por dormitórios. Por isso, não participam das atividades.
  • Quadro funcional quase integralmente composto por trabalhadores temporários, que só podem ficar no cargo por no máximo dois anos.  
          Bahia
  • Número insuficiente de unidades: são só três, sendo duas na capital. A terceira é em Feira de Santana.
  • A concentração territorial das unidades obriga os adolescentes a ficarem longe da família.
  • Superlotação. Unidade com capacidade para 120 adolescentes oscila entre 230 a 280 internos.
  • Os adolescentes ficam em prisões comuns por meses, devido à distância entre suas cidades e as unidades.
  • Falta de um projeto pedagógico apovado pelos conselhos estaduais ou municipais, resultando em práticas diversas em cada unidade.
          Amazonas
  • Em unidade para mulheres, as internas são obrigadas a fazer as necessidades fisiológicas em garrafas de plástico, durante a noite, porque não há banheiros dentro do alojamento.
  • Adolescentes permanecem na cela da Delegacia da Criança e do Adolescente por mais de cinco dias, contrariando o ECA.
  •  As celas são sujas e fétidas. Comportamento claramente hostil entre monitores e servidores.
  • Uma unidade foi considerada modelo, por manter profissionais compromissados, espaços adequados, atividade pedagógica diária e alimentação adequada.
          Maranhão
  • Única unidade de internação definitiva fica em São Luiz. E 100% dos adolescentes internados lá moram fora de São Luiz, o que impede a convivência familiar.
  • Brigas internas por espaços nessa única unidade, resultando em homicídios.
  • Funcionários nomeados em cargos comissionados, com frequência elevada de trocas.
          Sergipe
  • Até um  ano atrás, era a Polícia Militar que cuidava dos adolescentes infratores, gerando animosidade entre os internos e a consequente perda da essência da medida socioeducativa.
  • Extintores de incêndio e dois bastões foram encontrados nas salas dos profissionais que fazem a vigilância de uma unidade. Os bastões, segundo a diretora do local, é acessório de segurança.
  • Alojamentos escuros e fétidos.
  • Relatos graves de maus tratos e espancamentos.
  • Hostilidade declarada entre profissionais e internos.
          Os exemplos listados só confirmam o quanto o Brasil ainda está distante de tratar com dignidade os menores infratores, objetivando ressocializá-los. No dizer do juiz Reinaldo Carvalho: "Não estamos reivindicando um hotel cinco estrelas, como muitos teimam em considerar. O que pedimos é um mínimo de dignidade para quem cumpre medida socioeducativa".

          O Distrito Federal, sede da capital da República, foi duramente criticado pelo CNJ, em decorrência das precárias condições do Centro de Atendimento Juvenil Especializado (Caje), cuja interdição foi por ele recomendada. De acordo com o então secretário de Justiça do DF há um projeto pronto para construção de quatro novas unidades, com terrenos destinados, estudos ambientais feitos e plantas, bastando reservar verba orçamentária para 2011 para fazer a licitação.

          E isso ocorrerá?