segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Reclamação nos Juizados Especiais Estaduais

          A partir de 2009, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para assegurar a eficácia de suas decisões em face dos julgados das turmas recursais dos juizados especiais estaduais, o número de reclamações ajuizadas no Tribunal vem aumentando consideravelmente.

         Em 2009, foram distribuídas 150 reclamações na Segunda Seção (que julga casos de direito privado). Até o último dia 6 de outubro de 2011, os ministros se depararam com o total de 2.300 reclamações, número que tende a crescer, segundo avaliação dos próprios magistrados. É na Segunda Seção que deságua a maioria dos casos originados nos juizados especiais estaduais. No mesmo período, a Primeira Seção (responsável pelas matérias de direito público) recebeu 518 reclamações e a Terceira (direito penal), 549.

          A razão principal do aumento do número de reclamações, na opimião do ministro Massami Uyeda, em voto proferido sobre o terma na Reclamação 6.721, é que esse insdtrumento vem sendo utilizado para rediscutir assuntos que, em regra deveriam ser concluídos no âmbito da Justiça Especial. Questões de menor complexidade, como a indenização por defeito em um televisor ou revisão de tarifa básica de telefonia, chegam ao STJ e tendem a receber a mesma atenção dispensada a processos nos quais são definidas teses sobre a legislação federal, funcionando, assim, como atalho processual para levar o litígio à instância máxima.

          Criada como instrumento para assegurar o respeito às decisões emanadas do STF e do STJ, a Reclamação tem servido para dirimir divergências entre os julgados das turmas recursais e a jurisprudência superior, desde o entendimento do STF no recurso extraordinário 571.572 e a aprovação da Resolução 12 do STJ. Sua interposição desenfreada, segundo ministros da Segunda Seção do STJ, compromete os princípios que nortearam a criação dos juizados, que são a simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.

        O Juizado Especial tem mecanismos diferentes da Justiça convencional: prima pelo procedimento oral e dispensa relatório na sentença. A fundamentação em grau de recurso é feita de forma sucinta, diferentemente do estabelecido pelo Código de Processo Civil para os demais recursos.

        Segundo a juíza de Direito Blanche Maymone Pontes Matos, em artigo sobre "A Sistemática Recursal das Leis 9.095/95 e 10.259/01 e a Proposta de Uniformização de Decisões nos Juizados Especiais Estaduais", o legislador se empenhou em impedir a proliferação de recursos no âmbito desses juizados, prevendo apenas um impugnativo de sentença, além dos embargos declaratórios. O recurso cabível de sentença recebeu o nome de recurso inominado e é julgado por uma turma integrada por três juízes de primeiro grau, que exercem função revisora e estão no mesmo grau de jurisdição do magistrado que proferiu a sentença. Não existe Turma de Uniformização Nacional, como há para os juizados especiais federais.

          A reclamação interposta no STJ contra decisões dos juizados especiais estaduais tem a função de preservar a unidade do direito federal e não foi prevista constitucionalmente. Existe um juízo de admissibilidade feito pelos ministros de forma monocrática, no âmbito de cada processo, a partir da Resolução 12/STJ, mas as partes recorrem, levando o assunto à apreciação do colegiado.

        Por exemplo, segundo o ministro Massami Uyeda, se impetrar mandado de segurança contra decisão de ministro que não conheceu de reclamação oriunda desses juizados por intempestividade. Como é possível uma Corte da maior relevância para o Estado brasileiro, com repercussão para todos os demais órgãos jurisdicionados e administrativos, ter de se debruçar sobre contagem de prazo?, indaga o ministro.

         Objetivando contornar a questão do grande número de reclamações em trâmite no STJ, a Segunda Seção decidiu no último dia 9 limitar sua admissão.

          De acordo com a proposta encaminhada pela ministra Nancy Andrighi, que foi aprovada de forma unânime pelos demais ministros, as partes só poderão apresentar reclamações contra decisões das turmas recursais que contrariem a jurisprudência do STJ pacificada em súmula ou em julgamento de recurso repetitivo. O relator poderá rejeitá-las individualmente, mas os recursos de agravo contra suas deliberações não serão aceitos. Também não será possível discutir em reclamação questões que envolvam direito processual. Mesmo na hipótese de contrariedade à Súmula, a parte terá que demonstrar a semelhança dos casos confrontados, levando aos autos os acórdãos que deram origem ao enunciado.

          Uma das razões pelas quais o ministro Massami Uyeda apresentou a proposta de não mais aceitar reclamações contra decisões das turmas recursais é que não há previsão legal que defina a competência do STJ para julgá-las e a análise recursal do Tribunal em reclamação fere o princípio de celeridade processual e é um entrave para a efetividade dos julgados.

         Na verdade, STJ assumiu a competência para julgar as reclamações de forma provisória, até que o Legislativo defina regras legais de uniformização no âmbito dos juizados especiais estaduais. Um projeto nesse sentido foi apresentado em 2004 por iniciativa do Poder Executivo e está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara para parecer (PL 4.723/04).

          Tal competência é decorrente de entendimento do STF no sentido de que as Reclamações perante o STJ poderiam ser utilizadas, provisoriamente, para contestar decisões dos juizados especiais estaduais, resolvendo divergências existentes apenas em relação ao direito material, enquanto não fosse criado órgão de uniformização, a exemplo do que ocorre com os juizados especiais federais, evitando-se, assim, a manutenção de decisões divergentes sobre o mesmo tema.

          Para o ministro Massami Uyeda, contudo, não é possível alargar a competência do STJ a partir do julgamento do Supremo, por ausência de força vinculante da decisão proferida. Ele esclarece que um dos receios de se admitir as reclamações, sem nenhum filtro, em um procedimento que constitucionalmente deve ser informal e rápido, é o risco de travestir a reclamação em recurso especial, mas sem os requisitos de admissibilidade exigidos para este.

          No âmbito federal, a Lei 10.259/01, que trata dos Juizados Especiais Federais, criou a Turma de Uniformização de Jurisprudência, que pode ser acionada quando a decisão da turma recursal federal contrariar a jurisprudência do STJ. A Turma é composta por dez juízes federais membros das turmas recursais dos juizados especiais federais e dez suplentes, e é presidida pelo corregedor-geral da Justiça Federal, que é sempre um ministro do STJ atualmente, o ministro João Otávio de Noronha.

          Segundo entendimento da ministra Ellen Gracie, ao proferir, no Supremo Tribunal, voto no recurso extraordinário 571.572, a manutenção de decisões divergentes a respeito da legislação infraconstitucional federal provoca insegurança jurídica e resulta em prestação jurisdicional incompleta, em razão da inexistência de outro meio para resolvê-la. A reclamação é, assim, uma forma de garantir a efetividade das decisões proferidas em última instância pelo STJ e de afastar a divergência jurisprudencial, diante da inexistência de outro meio que possa fazê-lo.

          Na opinião da advogada Cláudia Helena Poggio Cortez, em artigo relativo ao " Cabimento de Reclamação Constitucional no Âmbito dos Juizados Especiais Estaduais", uma das críticas que se faz à decisão do STF é que a reclamação não poderia ser proposta para garantir a eficácia e a observância de decisão proferida em outro processo, em razão dos limites à coisa julgada. Não se pode propor reclamação alegando que o juizado especial divergiu ou descumpriu decisão do STJ proferida em outro processo, até porque a decisão paradigma não tem efeito vinculante, diz ela. A advogada pondera que os juizados especiais estaduais também não estão obrigados a seguir as decisões do STJ, por força do princípio do livre convencimento do juiz.

           Em sua opinião, o entendimento recomendado pelo STF e seguido pelo STJ dá força vinculante às decisões do Tribunal em relação às questões julgadas nos juizados especiais estaduais, o que não foi previsto constitucionalmente. Ela concorda que a reclamação, tal como sugerida, acaba se tornando sucedâneo recursal, comprometendo todo o sistema. Em sua opinião, a ampliação do espectro de cabimento da reclamação só poderia ser feita por lei federal e não por orientação do STF ou Resolução do STJ.

         O sistema da Justiça especial vigora desde 1984, quando houve a criação dos juizados especiais de pequenas causas. Depois do Júri, segundo entendimento da ministra Nancy Andrighi em palestra proferida na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, em 2004, é a instituição judicial mais democrática que há e precisa ser potencializada com a intensidade que a lei lhe conferiu.

        Nesses juizados, geralmente são discutidas questões envolvendo acidente de carros, cobrança de condomínio e execução de cheque. Não passam por esses juizados matérias relativas a pensão alimentícia, ações de família, investigação de paternidade e outras mais complexas. É uma Justiça que prestigia a acordo entre as partes. Após o interessado protocolar o pedido, o juiz marca a audiência de conciliação. Se não houver solução amigável, o juiz marca audiência para instrução e julgamento.

          A ministra destacou que o sistema dos juizados especiais deve funcionar de forma rápida, mas não apressada. O rápido é diferente do apressado, argumentou. O apressado faz as coisas sem pensar, sem cuidar dos detalhes, sem ponderar a respeito das consequências e alternativas subjacentes de suas atitudes. O rápido envolve as pessoas no processo decisório e convive com as diferenças de ideias entre seus colaboradores destacou.

         A Justiça especial, em resumo, traz a esperança de que as causas possam ser julgadas em tempo razoável e de forma efetiva. A aplicação de mecanismos processuais, típicos da justiça comum, a esses juizados, além de descaracterizá-los, impede os julgamentos dos processos em prazo razoável, tornando ainda muitas vezes inefetiva a Justiça buscada.

       Sobre o assunto, ver a postagem do meu blog de 14.09.11









Notícias recentes

1. Novo Código de Processo Civil e julgamentos virtuais

          O grupo de juristas que analisa o projeto  do novo Código de Processo Civil (PL 8046/10) vai sugerir ao relator do projeto, deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), que inclua no texto a permissão para que os tribunais realizem julgamentos virtuais das ações que não permitem sustentação oral.

          O Supremo Tribunal (STF) já vem realizando julgamentos virtuais para discussão de repercussão geral. Como integrante do grupo de juristas que analisa as alterações a serem propostas pelo novo CPC, o professor Fredie Didier Júnior afirma que é intenção do grupo normatizar a questão do julgamento virtual.

          A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) porém, não apoia a proposta por entender que os julgamentos virtuais violam o princípio constitucional da publicidade uma vez que os cidadãos não podem comparecer aos julgamentos e presenciar as decisões.

          Com o intuito de minimizar o impasse, a comissão de juristas vai propor que o julgamento terá que ser presencial se uma das partes se manifestar contra o julgamento virtual.

2.  Metas do Judiciário para 2012

          Teve início dia 17.11 o V Encontro Nacional do Judiciário, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que contou com a participação dos presidentes, vice-presidentes e corregedores de 90 tribunais do país e dos conselheiros do CNJ, para definir metas do Judiciário brasileiro para 2012.

          Na ocasião, foram apresentados os resultados parciais do cumprimento das metas nacionais de 2011, com exposição do secretário-geral do CNJ, Fernando Marcondes e dos juízes auxiliares da presidência do Conselho, Antônio Carlos Alves Braga Júnior e Marcelo Berthe.

          Na sexta-feira, dia 18, foram aprovadas pelas Corregedorias de Justiça dos tribunais brasileiros, 10 metas para 2012, sendo de se destacar a de apresentar um plano gestão à Corregedoria Nacional de Justiça em até 120 dias e publicar 100% das ações correcionais, com a preservação do sigilo.

          Além de comandar a discussão sobre as metas de 2012, a ministra Eliana Calmon solicitou aos corregedores a manutenção de seus esforços para desenvolver os programas do CNJ. Citou como exemplo o programa Justiça Plena que monitora e dá transparência ao andamento de processos de grande repercussão social. Seu objetivo é acelerar o julgamento de processos relativos a questões criminais, ações civis públicas, ações populares, defesa do direito do consumidor e ambientais.

          Também foram destacados pela ministra os programas Conciliação (que estimula a resolução de conflitos por meio de conciliação) e Pai Presente (que visa garantir a inclusão do nome do pai de crianças e adolescentes na certidão de nascimento).

3. Advogados podem ocupar vagas do STJ

          Em julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal, foi julgada improcedente a ação da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), que questionando a interpretação do artigo 1º, inciso I da Lei 7.746/89, objetivava evitar o ingresso no STJ de advogados e membros do Ministério Público, que ingressaram nos tribunais de segunda instância pelo quinto constitucional (por essa regra, um quinto dos integrantes dos tribunais deve ser de profissionais provenientes da advocacia ou do Ministério Público).

          Ao analisar o pedido, o STF entendeu que a Constituição não faz distinção entre os magistrados ao tratar do preenchimento dos cargos do STJ. Assim, não seria possível excluir das indicações aqueles que se tornaram juízes pelo quinto constitucional.

          A ministra Carmen Lúcia, autora do voto vencedor, assim se manifestou: "O tribunal pode preferir juízes que sejam egressos da magistratura, mas essa prática não tem nada a ver com a inconstitucionalidade da norma. Se aqueles que um dia foram advogados depois passaram a integrar a lista de nomes indicados ao STJ porque se apresentaram de maneira mais convincente, isso é questão de prática, não da lei".

          Somente o relator do caso, ministro Luiz Fux, votou em sentido contrário, afirmando que os magistrados que ingressam nos tribunais de segunda instância pelo quinto constitucional teriam que atuar pelo menos dez anos nessa função antes de serem indicados para o STJ.