domingo, 8 de agosto de 2010

O conhecimento do direito como garantia de cidadania

            Uma pesquisa divulgada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em 2009, revela que a deficiência na formação educacional tem influência direta no comportamento do cidadão na hora de buscar a Justiça para garantir os seus direitos. Os índices comprovam que em estados como o Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina, campeões no combate ao analfabetismo, é maior o número de ações que chegam aos tribunais. Já Roraima, Maranhão, Alagoas e Piauí, estados brasileiros com maior número de analfabetos, registram menores indicadores de procura pela Justiça. O que significa dizer que analfabetismo e acesso à Justiça são inversamente proporcionais. A exceção foi o estado do Pará, que apesar de não ter um índice expressivo de analfabetos, é o estado onde a população menos ingressa na Justiça em todo país.

            Na ótica de Maria Tereza Sadek, coordenadora do estudo, pode-se supor que a alfabetização implica maior conhecimento dos direitos levando as pessoas a procurarem mais a Justiça. Por outro lado, nos estados mais pobres as pessoas ingressam com menos ações, retratando as condições sócioeconômicas do país, afirma.

            Embora esteja em terceiro lugar entre as unidades da federação com maior número de processos novos e ocupe o segundo lugar no ranking de menos analfabetos, o Distrito Federal  é o segundo pior no índice que mede o grau de desigualdade, de acordo com a renda domiciliar, perdendo apenas para o Piauí, consoante dados da pesquisa e com base em indicadores do \Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Se, por um lado, o local que abriga a capital federal, tem uma população consciente de seus direitos, por outro, cria um fosso separando ricos e pobres.

            O que se depreende do estudo, incontestavelmente, é que as pessoas alfabetizadas, com maior acesso à informação, reinvindicam mais os seus direitos, porque têm mais noção de cidadania. Quem desconhece seus direitos não vai buscar o seu cumprimento. Contribui para esse desconhecimento, ainda, um direito escrito e hermético em sua apresentação linguística, que dificulta a sua compreensão até mesmo para uma minoria privilegiada de letrados. Nesse sentido, leciona Carmen Lúcia Rocha: "Num estado como o brasileiro, em que a grande maioria das pessoas não sabe que tem direitos, que não conhece o Poder Judiciário, que mal sabe ler, o direito é escrito e, fosse pouco, hermético em sua apresentação linguística".

            É indiscutível que não se pode exercer plenamente a cidadania sem que se conheça o ordenamento jurídico, o seu modo de funcionamento e a forma de se fazer uso dele. Disseminar o seu conhecimento, por meio de uma linguagem mais acessível à população, implica fortalecer o aprendizado a respeito dos direitos existentes e dos mecanismos de acesso à Justiça.

            Nos termos do artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), a educação como atribuição da família e do Estado "tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". 

             Embora exista correlação entre o analfabetismo e o acesso à Justiça, como ficou evidenciado na pesquisa, a alfabetização, por si só, não garante o pleno exercício da cidadania.  E não há como preparar o indivíduo para o exercício da cidadania, se não for lhe dado conhecer entre outros assuntos, as noções básicas do direito, atribuição das principais autoridades para saber delas cobrar, quais os direitos fundamentais e como protegê-los.

           Enquanto ser social, sujeito a direitos e obrigações o homem não pode desconhecer as regras básicas da vida em sociedade não só para cumprí-las, como também para exigir o seu cumprimento, daí porque, transmitir o ensinamento básico do direito aos cidadãos torna-se imprescindível à construção de uma sociedade justa e democrática, que garanta o pleno acesso à Justiça. 

            Com a palavra o Ministério da Educação.
           

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A Lei da Ficha Limpa e sua aplicabilidade

            A chamada Lei da Ficha Limpa, talvez fosse desnecessária se não existisse a crônica morosidade do sistema judiciário, que permite idas e vindas nos processos que envolvem políticos, conforme reportagem da
Folha de São Paulo, de 03.08.10. O jornal cita como exemplo as ações nas quais o deputado Paulo Maluf (PP-SP) é réu no Supremo Tribunal Federal. O mais antigo deles, a ação penal nº 458, começou na Justiça de São Paulo em fevereiro de 2001; em maio de 2001 é realizada audiência para ouvir testemunhas do processo; em novembro de 2006 é realizada outra audiência da ação criminal; como foi eleito deputado federal, em razão do foro privilegiado, em novembro de 2007, a ação vai para o Supremo Tribunal Federal, que em fevereiro de 2008 manda ouvir testemunhas de acusação e defesa; em novembro de 2008 o Ministro do STF Joaquim Barbosa, encerra a instrução processual e em fevereiro de 2009 o processo esta apto a ser levado a julgamento, mas em março de 2009 o julgamento é convertido em diligência para que, a pedido da defesa, novas testemunhas sejam ouvidas  e em dezembro de 2009 os autos vão ao Ministério Público, mas até hoje, há quase dez anos, ainda não foi julgado. Em julho de 2010, Maluf teve a candidatura impugnada com base na lei da Ficha Limpa, mas o recurso não foi ainda apreciado pelo TRE de São Paulo.

            A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135, de 04.06.10), surgiu a partir de um projeto de iniciativa popular, encampado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eeleitoral, que reuniu, até setembro do ano passado, mas de 1,6 milhão de assinaturas de eleitores de todo o país. Aprovada em maio de 2010 pelo Senado e sancionada pelo presidente Lula no começo de junho, a nova lei, que alterou a Lei Complementar nº 64, de 1990, prevê a inelegibilidade dos políticos condenados por órgãos colegiados da Justiça (em geral Tribunais Estaduais). Conforme as regras anteriores, só eram impedidos de se candidatar os cidadãos com processos transitados em julgasdo (contra os quais não cabe mais  nenhum recurso).

            Também na nova lei  (alínea k, do artigo 2º), ficam impedidos de se candidatar aqueles políticos que renunciaram ao mandato para escapar da cassação: "É proibida a candidatura dos membros do Congresso Nacional que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito anos subsequentes ao término da legislatura".

             Outra novidade é a regra que impede os políticos que tiveram o mandato cassado pela Justiça Eleitoral de serem candidatos pelo período de oito anos, calculado, a partir do ano em que a irregularidade foi cometida e não mais de três anos, como era anteriormente.

             Pela Lei da Ficha Limpa podem gerar inelegibilidade as condenações eleitorais por abuso de poder político e econômico, condenação em crimes contra a administração pública, patrimônio privado, mercado de capitais; crimes contra o meio ambiente e a saúde pública; crimes previstos na lei de falências; abuso de autoridade, lavagem e ocultação de bens, tráfico dce drogas, racismo, tortura e terrorismo; crimes contra a vida e a dignidade sexual, crimes praticados por organização criminosa; demissões de funcionários públicos após processo administrativo ou judicial e afastamento de profissionais por conselhos de classe.

            Alguns Tribunais Regionais Eleitorais têm ignorado a nova lei e admitido o registro de candidatos condenados por órgãos colegiados, mas ainda pendentes de recurso, sob o argumento de que ela não teria aplicabilidade para as próximas eleições. Embora em consulta respondida em junho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tenha definido que a lei  eleitoral tem aplicação imediata e vale para os casos ocorridos antes de a norma entrar em vigor, o fato é que ainda não apreciou nenhum recurso contra a não aplicação da Lei Complementar nº 135.

            Para o procurador-geral da República Roberto Gurgel: "O TSE tem posição de buscar a máxima efetividade da aplicação dessa lei e acredito que teremos pela primeira vez eleições em que muitas dessas pessoas que não se mostram com a menor condição de concorrer a esses cargos eletivos serão afastadas".

            A decisão final, porém, sobre a aplicabilidade ou não dos dispositvos da lei para as próximas eleições, será do Supremo Tribunal Federal, que terá que se pronunciar se a Lei da Ficha Limpa, nascida dos anseios populares a favor da ética e da moralidade na política, viola ou não a Constituição Federal.