sábado, 29 de maio de 2010

A defensoria pública e a acessibilidade da população carente à Justiça.

          Em artigo publicado no Correio Braziliense, Luciano Borges dos Santos, Presidente da Associação dos Defensores Públicos Federais, afirma que a consolidação de uma democracia não parte apenas da alternância dos mandatários dos poderes Executivo e Legislativo, mas também de políticas públicas que viabilizem o acesso ao Poder Judiciário, ou seja, só se pode falar em efetiva democracia quando houver mecanismos que democratizem o acesso à Justiça.

          No sentido de democratizar o acesso ao Poder Judiciário, a Constituição Federal, como direito fundamental, atribuiu ao Estado a obrigatoriedade de prestar assistência jurídica às pessoas carentes, por intermédio da Defensoria Pública: "O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". (CF.,art.5°, inciso LXXIV).

          Embora teoricamente, tanto os Estados, como o Distrito Federal e a União estejam amparados constitucionalmente para a prestação de assistência judicial e extrajudicial aos necessitados em todo o território nacional, na prática a defensoria pública não conseguiu atingir o seu objetivo constitucional de garantir o acesso da população carente ao Judiciário.

         Segundo dados coletados pelo Ministério da Justiça no 3º Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, lançado em novembro de 2009, a Defensoria Pública não é prioridade no país.

          No âmbito federal, a instituição conta tão-somente com 350 defensores públicos federais para atender a popuulação carente do país que, segundo dados do Ministério da Justiça, ultrapassa 130 milhões de pessoas. Esses 350 defensores públicos federais têm a incumbência de prestar assistência à população carente na Justiça Federal, onde há mais de 1,5 mil juízes; nos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs); nas Varas Trabalhistas, onde existem 3 mil juízes do trabalho e nos Tribunais Regonais do Trabalho, além da Justiça Eleitoral, a Justiça Mil.itar da União e os Tribunais superiores.

         No âmbito estadual a realidade não é muito diferente, pois três estados da federação: Paraná, Santa Catarina e Goiás nem sequer implantaram a defensoria pública e o estado de São Paulo, o mais rico da federação, com maior índice populacional e 560 municípios possui a terceira pior relação nacional de defensor público por potencial usuário (maior de 10 anos e com renda mensal de até 3 salários mínimos). Com apenas 500 defensores públicos, são mais de 72 mil pessoas para cada profissional. Apenas os estados do Maranhão e de Alagoas possuem relação pior. A média nacional é de um defensor para cada 32 mil usuários, o que demonstra uma defasagem da maior economia do país de mais de 125% em relação à média nacional. A Paraíba, uma das seis unidades da federação com defensores em todas as comarcas, tem 310 defensores públicos. Com 500 defensores - num Estado que possui cerca der 2.200 juízes e 1.800 promotores públicos - cada grupo 57.458 cidadãos paulistas contará com um servidor público para garantir-lhe a solução de conflitos jurídicos nas áreas de família, cível, moradia, infância e juventude, consumidor, violência doméstica, criminal e execução penal, dentre outras.

         Vê-se, assim, que a estrutura das Defensorias Públicas está longe de atender às exigências mínimas da grande clientela que dela necessita. Estima-se que 80% da população brasileira não tem acesso à Justiça (aí incluída a assistência judicial e extrajudicial).

          Apesar de o Brasil ter firmado convenções sobre assistência judiciária gratuita recíproca com países amigos como a Bélgica, Reino dos Países Baixos, Argentina e Suíça, não dispensa essa mesma atenção aos seus nacionais, não providenciando sequer a implantação de defensorias públicas em todos os Estados da federação.

         Na busca de maior efetividade e democratização o sistema de justiça brasileiro, por intermédio de algumas reformas, tem simplificado alguns processos judiciais. Contudo, além de célere e eficaz, para cumprir o seu papel de pacificação social, a Justiça deve ser acima de tudo acessível a todos.

domingo, 23 de maio de 2010

A impunidade da violência sexual contra crianças e adolescentes.

        No dia 18 de maio foi comemorado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes, mas na verdade não há o que comemorar.

        Em 2009 foram denunciados 15.345 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, segundo dados divulgados pela Agência de Notícia dos Direitos da Infância (ANDI), mas 60% dos casos no Distrito Federal não originaram sequer um processo criminal.

        A pesquisa do Centro de Referência para Violência Sexual - ligado à Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal, revela aquilo já confirmado em pesquisas anteriores. Estão no topo da lista dos agressores os pais (24%), os padrastos (18,5%) e os conhecidos, vizinhos ou amigos da família (12,9%).

        Embora o artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente estabeleça que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, o medo e a impunidade acobertam o abuso sexual, levando 57,8% das vítimas, em sua grande maioria meninas (79,7%) a conviver com os recorrentes episódios. Quando, finalmente, elas conseguem romper o silêncio, a omissão do Judiciário as desencoraja, pois, em 60% dos casos, a denúncia da vítima não dá origem a qualquer processo criminal, conforme dados de uma pesquisa do Centro de Referência para a Violência Sexual (Ceres), órgão ligado à 1ª Vara da Infância e da Juventude do DF.

       Muitos casos são encerrados na própria delegacia ou são arquivados pelo Ministério Público, por ausência de indícios que levem à produção de provas materiais, uma vez que a maior parte dos abusadores não deixam marcas: quase sempre o crime ocorre entre quatro paredes e não deixa evidências físicas. A pesquisa do Cerevs mostra que 57,6% dos abusados tiveram consequências emocionais e apenas 12,3% físicas.

       De acordo com o diretor-geral adjunto da Polícia Civil do DF, Adval Cardoso de Matos, é alta a quantidade de casos em que os investigadores têm convicção de que o crime ocorreu, mas provar o abuso é um desafio quase impossível. Geralmente, quando o fato chega ao conhecimento da polícia já se passou muito tempo, dificultando a reunião de indícios materiais que possam convencer o Ministério Público e depois o Juiz a condenarem o autor. Sem provas materiais resta a palavra da vítima contra a do agressor, em geral uma pessoa respeitada em seu meio social.

       A promotora Laís Cerqueira Silva, que coordena o Núcleo de Enfrentamento à Violência e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Distrito Federal, defende mais sensibilidade por parte dos promotores e juízes que lidam com ações dessa natureza. "O processo em si já é uma violência. É preciso tomar as decisões avaliando o fato e todas as circunstâncias. Não se pode partir do pressuposto de que a fala de uma criança tem menos valor que a de um adulto", afirma.

        Quando sobrevive ao inquérito da delegacia e à atuação do Ministério Público, a denúncia do abuso esbarra na morosidade do Poder Judiciário. O juiz Francisco de Oliveira Neto, Vice-presidente de Infância e Juventude da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), defende que é preciso criar varas especializadas no atendimento às vítimas de violência dando prioridade na tramitação dos processos. Segundo ele já há um consenso no sentido de que a atuação dos magistrados nesses casos precisa ser completamente diferente daquela relacionada a outros crimes de violência.  A boa notícia é que, ainda nesse ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deverá apresentar um plano de ação para que o Judiciário se estruture nesse sentido.

        Sem uma mudança de postura tanto da polícia, do Ministério Público e, principalmente do Judiciário, esse crime hediondo, que deixa sequelas irreversíveis, continuará sendo praticado, e, embora perpetuando o ato criminoso incontáveis vezes, seus agressores segirão impunes.

domingo, 16 de maio de 2010

Propostas de alteração ao novo Código de Processo Civil

        As formalidades e os recursos previstos na legislação constituem um dos maiores entraves à solução dos conflitos sociais pelo Judiciário.
        
        A proposta do novo Código de Processo Civil, elaborada por uma comissão de juristas, tem como meta síntese reduzir o prazo dos processos civis, acelerando, assim, o tempo para a definição das causas ajuizadas.

        Segundo o presidente da comissão, o ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luix Fux, uma das formas de dar maior rapidez aos processos é limitar o uso de recursos na primeira instância. Na proposta de reforma os recursos só poderão ser apresentados após a sentença e não mais durante o curso do processo, como é feito atualmente.

        Na opinião do Ministro, com o novo Código de Processo a duração dos processos individuais será reduzida em 50% e a  dos processos coletivos (em que várias pessoas pleiteam o mesmo direito), será de 70%.

        Nos casos de processos que envolvem ações semelhantes, onde várias pessoas pleiteam o mesmo direito, o juiz de primeira instância poderá submetê-los ao Tribunal de Justiça do Estado para que seja proferida uma decisão refletindo o entendimento comum sobre a matéria. Reconhecido o chamado "incidente de resolução de demandas repetitivas", todas as ações daquele tipo seriam paralisadas até que fosse julgada a questão por  intermédio dos cabíveis recursos ao Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal. Pacificada a questão, todos os juízes de primeira instância passariam a julgar as ações de maneira uniforme. Essa proposta é defendida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, embora alguns segmentos do Judiciário a critiquem por entender que haveria um engessamento da primeira instância. É notório, contudo, que o estrangulamento dos tribunais ocorre, de modo significativo, em função das sentenças divergentes em processos idênticos no conteúdo e na causa de pedir.

        Importante, também, a modificação proposta que diz respeito ao chamado recurso de apelação, cabível em todas as sentenças de primeira instância, que deixa de ter efeito suspensivo imediato. O efeito suspensivo terá que ser declarado, ou não, por um desembargador.

        Outra inovação de grande alcance é que as decisões judiciais deverão levar em conta os tratados internacionais em que o Brasil é signatário. Casos de disputa internacional pela guarda de crianças, por exemplo, devem ser decididas pela justiça do país de origem da família, segundo a Convenção de Haia.

        Chama a atenção, ainda, a alteração no que diz respeito aos recursos so Poder Público, que passa a ser obrigado a recorrer apenas quando for vencido em ações com valores acima de mil salários mínimos e não mais acima de 60 salários mínimos, como é hoje.

       Também será permitido aos advogados intimarem as testemunhas (hoje atribuição exclusiva do oficial de justiça) e os documentos eletrônicos, e-mails por exemplo, ganharão autenticidade como provas.

        Importantísima, ainda a alteração quanto ao momento da conciliação, que passa ser obrigatória no início da ação e não somente durante o processo, como é atualmente. Essa nova modalidade, caso aprovada, contribuirá, sobremaneira, para a efetiva prestação jurisidicional em tempo hábil, desestimulando o ingresso de demandas inúteis, com enorme sobrecarga ao já tão sobrecarregado Poder Judiciário.


segunda-feira, 10 de maio de 2010

Autocomposição dos litigios: democratização do acesso à Justiça

       Considerando que o Judiciário, atualmente, não dá conta de resolver todos os conflitos que lhe são submetidos, é importante insistir que para se garantir o acesso efetivo à Justiça deve haver uma reforma profunda na forma pela qual se dá o acesso ao sistema jurídico, (igualmente acessível a todos), além da garantia de que os resultados pretendidos serão eficazes e efetivos (será alcançada a Justiça buscada).    

      Acesso à Justiça não significa  apenas a abertura das portas do Judiciário a todos os cidadãos e classes sociais, mas significa, sobretudo, a verdadeira solução dos conflitos e a possibilidade de uma efetiva prestação jurisdicional.

      Nessa perspectiva, as reformas deveriam passar pela mudança da postura ideológica da concepção do Poder Judiciário, de suas principais finalidades diante de um sistema constitucional que incentiva a litigiosidade, do volumoso emaranhado legislativo que regula os direitos públicos e privados, sempre favorecendo o Estado no retardamento processual contra o cidadão.

      Um sistema destinado a servir às pessoas comuns, tanto como autores, quanto como réus, deve ser caracterizado pelos baixos custos, informalidade e rapidez, com julgadores ativos.
 
       Um caminho possível e que vem ganhando força nas doutrinas européia e latino-americana tem sido a autocomposição. No direito francês, a reforma do código de processo civil prestigiou a solução alternativa dos conflitos, por intermédio da conciliação e da mediação. Atualmente, a lei francesa ao estabelecer as tarefas específicas do magistrado, não só ressalta a sua tarefa de conciliador, como torna obrigatório o fornecimento por todo órgão judicial de um auxiliar coadjuvante do juiz como conciliador. Mesmo quando frustada a conciliação e instalado o processo, ainda cabe ao juiz recorrer à ajuda de um mediador. Em Portugal, o código de processo civil também instituiu \ solução consensual dos conflitos, defendendo a conciliação prévia em seus julgamentos. Na Itália, existem as Preture (Pretórias), que significam os ttribunais de ordem, onde o Pretor exerce jurisdição e Conciliatori (Conciliadores), magistrados responsáveis por causas de menor expressão. A competência de ambos está limitada em razão do valor ou da matéria, sendo, por exemplo, de competência exclusiva dos Pretores as reclamações trabalhistas e previdenciárias. Quanto aos Conciliadores são compusoriamente obrigados a promover a conciliação na primeira audiência, conforme disposição do código de processo civil italiano. Na Polônia, um maior acesso dos cidadãos à Justiça decorre das Comissões de Arbitragem, que decidem as questões trabalhistas e as Cortes Sociais ou Comunitárias: formadas por membros da comunidade, ou constituídas por trabalhadores de uma fábrica ou cooperativa. Há, ainda, no código civil polonês, permissão para se buscar a conciliação em qualquer estágio do procedimento e independente da vontade das partes.

         Na América Latina, é importante destacar a posição da Argentina, que alterou o seu código de processo civil para instituir, em caráter obrigatório, a mediação prévia como solução extrajudicial da controvérsia. E, no México, a existência da justiça de paz, em que o Juiz de Paz pode ser qualquer cidadão com o título de bacharel em Direito, não sendo exigida idade mínima ou experiência profissional. O procedimento é caracterizado pela oralidade, facilidades no ato citatório, ampla liberdade do juiz na condução da fase probatória, conciliação em qualquer fase da audiência, sem pagamento de custas, variando a duração de um julgado normal de quinze dias a um mês e meio.

         Indiscutivelmente, as formas alternativas de resolução de conflitos produzem efeitos a curto e a longo prazo muito favoráveis, pois não apenas descongestionam o sistema jurisdicional, como deixam espaço para que o processo judicial acolha as causas sociais remanescentes, permitindo que a sociedade dele participe.

       A preocupação de afastar a sobrecarga dos tribunais e a morosidade dos processos aponta o caminho da busca pelas vias alternativas para a solução dos conflitos, evitando a expansão incontrolada da litigiosidade e descrédito nas instituições jurídicas.

      Esclarece Marília Muricy que a auto ou a hetero-composição (conciliação, mediação e arbitragem) significam a ruptura com o critério da exclusividade do |Judiciário na aplicação do direito e a instituição do que Cappelletti debomina de "justiça coexistencial", em que o modelo do litígio é reconfigurado no modelo do consenso de modo a inovar, fundamentalmente, os modos de regulação social pelo Estado.