quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A não decisão do STF sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa

              A desistência pelos recorrentes do recurso extraordinário contra a aplicação da Lei da Ficha Limpa redundou no seu arquivamento, conforme decisão do STF nesta quarta-feira (29.09), adiando, com isso a análise sobre a matéria para depois das eleições, em um outro recurso a ser apreciado.

              Embora o relator ministro Ayres Britto, Carmen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski tenham votado pela perda de objeto do recurso extraordinário, mantendo a decisão do TSE que, por seis votos a um, considerou Roriz inelegível, com base na Lei da Ficha Limpa, prevaleceu a decisão do presidente do STF. Cezar Peluso, seguido pelos ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Celso de Mello entendeu que desaparecida a pretensão ao registro de candidatura, objeto do processo, não havia lugar para uma sentença de mérito, por não mais haver objeto para tal decisão.

              Contudo esse resultado poderia ter sido diferente, se quando do julgamento, o Supremo Tribunal, ao invés de concluir pelo empate na votação, tivesse optado por solucionar o impasse, por duas razões.

              A primeira, acolher o disposto no próprio Regimento Interno. Com efeito, constatado o empate, o ministro Ricardo Lewandowski propôs que se aplicasse ao caso o artigo 146 do Regimento Interno do Supremo, que assim determina: "Havendo, por ausência ou falta de um ministro, nos termos do artigo 13,IX, empate na votação de matéria cuja solução dependa de maioria absoluta, considerar-se-á julgada a questão proclamando-se a solução contrária à pretendida ou à proposta.". (Grifou-se).

              Em outras palavras, a decisão seria contrária ao recurso do candidato ao governo do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PSC) e, assim, o STF validaria a interpretação do Tribunal Superior Eleitoral de que o prazo de um ano para a aplicação da lei só se justifica nas hipóteses em que há desequilíbrio na disputa, beneficiando ou prejudicando determinadas candidaturas. Como a Lei da Ficha Limpa é linear, isto é, aplica-se indistintamente a todos, não se pode afirmar que ela interfere no processo eleitoral. Daí  ser imediata a sua aplicação.

              Entretanto, os ministros do STF, que votaram contra a aplicação da lei nestas eleições, sustentaram que o regimento interno só teria aplicação se houvesse declaração de inconstitucionalidade da lei e isso não teria ocorrido.

             Porém, com o devido respeito, melhor razão está com a tese do ministro Lewandowski e os demais que o acompanharam. É inquestionável que o pomo da discussão é definir se uma lei que estabelece novas hipóteses de inegebilidade altera ou não o processo eleitoral, o que está diretamente relacionado com o artigo 16 da Constituição Federal. Ao estabelecer que "a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até uma ano da data de sua vigência", referido artigo impediria a aplicação da lei nestas eleições, no entendimento de  cinco ministros. Não resta dúvida, pois, que o objeto da decisão é sim considerar inconstitucional a lei, em face do artigo para cinco ministros, enquanto outros cinco não viam  qualquer afronta ao dispositivo constitucional. Por tais razões o artigo 146 do Regimento Interno deveria ter sido aplicado, até porque a única hipótese de recurso ao Supremo das decisões do TSE é quando contrariarem a Constituição (art.121, §3º da CF).

              A segunda razão para que o resultado fosse diferente seria a aplicação pelo STF do princípio in dubio pro societate, ou seja, proclamaria uma decisão em favor do interesse público.

              Em análise feita na Folha de São Paulo de 21.09, Joaquim Falcão, a propósito de um possível empate sugeriu que negociar seria preciso. Porém indagou "Mas qual decisão, a tese, capaz de desempatar um provável impasse atual? Quem cede e sobre o quê?" Afirmou ainda Falcão: "na nossa tradição, ao contrário de outros países, ministro não negocia com ministro. Uns acham que esse processo de negociação interna é 'documented salutary' para um Supremo mais ágial de decisões mais firmes. Vários países são assim. Proibir a negociação é tapar o sol com a peneira. É melhor logo regulamentá-la. Outros acham o contrário. Não se negociam direitos e convicções".

              De acordo com comentários ao final da sessão de julgamento, esse foi o dia em o Supremo decidiu não decidir.