segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Supremo absolve juiz que recusa aplicar a Lei Maria da Penha

          Em julgamento ocorrido na semana passada, o Supremo Tribunal decidiu tornar sem efeito a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, por 9 votos a 6, afastara de suas atividade,  por dois anos, o juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues, de Sete Lagoas (MG), que se negava a aplicar a Lei Maria da Penha, quando julgava ações movidas contra homens agressores de suas parceiras.

          A decisão do CNJ, ora tornada sem efeito pelo STF, embasada no voto do relator Marcelo Neves, havia sido no sentido de afastar o juiz de suas funções, por usar em suas decisões uma linguagem discriminatória e preconceituosa contra as mulheres, chegando mesmo a afirmar que "as desgraças humanas começaram por causa da mulher". O relator chegou  a comparar as declarações do juiz com o racismo: "Não se trata de um crime de racismo, mas há uma relação de analogia com esse tipo penal".

          O Supremo Tribunal, contudo, entendeu que embora a postura do juiz em negar aplicação da lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) fosse passível de recurso, não era motivo suficiente para o seu afastamento, sob pena de se ferir o princípio da autonomia e independência dos magistrados.

          Entretanto, o que é questionável é se a autonomia e independência  do magistrado para julgar permite-lhe atitude preconceituosa e incompatível com o Estado democrático de direito. Ao classificar a lei em suas sentenças como "conjunto de regras diabólicas", "monstrengo tinhoso", afirmando, ainda, que "as desgraças humanas começaram por causa da mulher" o juiz mostrou total desequilíbrio e falta de isenção para julgar.

          A Lei Maria da Penha na verdade só foi votada, após pressão internacional, por força de denúncia apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Em decorrência, o governo brasileiro sofreu uma advertência, em agosto de 1999, e, em  abril de 2001, a Comissão tornou público o relatório sobre o caso Maria da Penha, responsabilizando o Estado brasileiro por não tomar providências para punir o agressor da biofarmacêutica.
         
         O Brasil foi ainda acusado de ser conivente com a violência contra a mulher. Diante desses fatos, em março de 2002, em uma nova audiência na OEA, o Brasil se comprometeu a cumprir as recomendações da Comissão, entre elas concluir a tramitação do processo contra o agressor de Maria da Penha e adotar medidas para coibir a violência de gênero no País.

          É de se lamentar, que após tanto esforço para a sua aprovação e apesar das medidas judiciais estabelecidas pela Lei Maria da Penha - classificada pela Unifem (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher) como uma das melhores legislações do mundo - sua real aplicação ainda encontre resistência no sistema judiciário brasileiro.

          Na verdade, expostas às coações de seus agressores, as mulheres ainda estão vulneráveis aos inoperantes mecanismos do Estado, que não lhes garante a proteção devida para que suas vidas sejam preservadas.

          No Brasil, conforme o "Mapa da Violência 2010, feito pelo Instituto Sangari, foi registrada a média de dez assassinatosa de mulheres por dia, entre 1997 e 2007. De acordo com a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), 45% das mulheres da região já foram ameaçadas, de alguma forma, por companheiros ou ex-companheiros.

          Embora o artigo 5º da Lei nº 11.340, de 2006 (Lei Maria da Penha) estabeleça claramente que "é considerada violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, praticado não apenas no âmbito da família ou da unidade doméstica, como também em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido, independentemente de coação", muitos juízes relutam em aplicá-lo, ou o aplicam apenas para as mulheres casadas (caso de Eliza Samúdio).

          Apesar de crescerem as denúncias de agressão contra as mulheres, apenas 3,59% delas resultam em punição aos culpados, conforme pesquisa feita em Minas Gerais pela Sedese (Secretaria de Estado e Desenvolvimento Social). Levantamento feito na 13ª Vara do Forum de Lafaiete em Belo Horizonte, especializada na Lei Maria da Penha, onde tramitava 26.000 processos contra agressores, 65% eram relacionados à lesão corporal, 30% referentes a ameaças e 0,5% referentes a estupro. Em média, conforme o juiz substituto Nilceu Buarque de Lima, são protocolados dez processos por dia. Esse número ainda seria maior se fosse assegurada maior proteção às vítimas.

          É importante registrar que qualquer tipo de discriminação ou violência  contra a mulher é intolerável e indesculpável, mormente quando praticada por um magistrado!


         

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A CPI da pedofilia e algumas de suas conclusões

          Após 33 meses de trabalho, 900 denúncias recebidas e 10 prisões efetuadas, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investigou os abusos sexuais contra crianças e adolescentes, encerrou sua tarefa em dezembro do ano passado.

          Em relatório final de 1696 páginas, a CPI recomendou à Justiça adotar técnicas menos danosas ao ouvir relatos de crianças vítimas de abusos sexuais, utilizando-se de brincadeiras, livros e material lúdico. Foram feitas pela CPI duas recomendações expressas de adoção de depoimento sem dano: uma ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e outra ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

          Para Tatiana Hartz, psicóloga integrante da Associação Brasileira de Psicoterapia  Cognitiva (ABPC), o depoimento de uma criança vítima de abuso sexual é muito importante para produzir provas que levarão ao indiciamento do agressor. Mas para isso, a abordagem deve ser a menos danosa possível. Esse tipo de iniciativa já vem sendo adotada, por quase oito anos, nas varas da infância de Porto Alegre (RS). De acordo com o juiz José Antônio Daltoé Cézar, de Porto Alegre: "Muitos depoimentos são tomados antes mesmo da fase policial, para que a criança não seja ouvida por um delegado, um promotor, um juiz".

          Em seu relatório final, também foram listados pela CPI, 19 projetos de lei apresentados ou encampados por ela, mas em seu transcurso apenas uma lei acabou sendo aprovada e sancionada.

          Foram os seguintes, os mais importantes projetos apresentados pela CPI:

          PL nº 250, de 2008
          Possibilita a decretação de prisão preventiva de pedófilo estrangeiro acusado de abuso sexual, em fase de extradição, ainda que não tenha ocorrido o flagrante.

          PL nº 275, de 2008
          Prevê a punição para os adultos que, de alguma forma, se aproveitam sexualmente de crianças e adolescentes e não somente quem as submete à exploração sexual.

          PL nº 234, de 2009
          Determina que o prazo para a prescrição de um crime de abuso sexual comece a ser contado, a partir dos 18 anos de idade da vítima, nos casos em que ainda não houver sido oferecida  a denúncia.

          PL nº 236, de 2009
          Prevê que a lei brasileira se aplica incondicionalmente a agressores sexuais de crianças brasileiras, que residam no estrangeiro.

          PL nº 235, de 2009
          Veda a concessão de visto a estrangeiros indiciados em outros países por crimes contra a liberdade sexual.

          PL nº 100
          Pemite que agentes da polícia sejam infiltrados na internet, com a finalidade de investigar crimes contra a liberdade sexual de crianças e adolescentes.

          Além desses projetos de lei por ela apresentados, a CPI encampou alguns outros, como o PL nº 165, que prevê o monitoramento eletrônico de presos; o PL nº 338, de 2009, que cria um banco de dados de pedófilos condenados pela Justiça, com todos os dados pessoais disponíveis, acessíveis a qualquer pesssoa; o PL n° 156, de 2009, que institui o depoimento sem dano, sem submeter as vítimas a novamente reviver o abuso sexual por elas sofrido; o PL nº 278, de 2009, alterando critérios de escolha de conselheiros tutelares, no âmbito municipal.

         No curso da CPI o único projeto aprovado foi a Lei 11.829/08, que alterou o ECA prevendo como crime não apenas a transmissão de material pornográfico, mas também o  armazenamento de conteúdo pronográfico infantil.

          A aprovação dos projetos elencados é de suma importância, pois a repressão ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil esbarra em uma legislação falha e anacrônica, deixando brecha para a atuação dos pedófilos, como por exemplo, a utilização da internet.

          De fato, conforme balanço da Polícia Federal, os crimes sexuais contra a criança e o adolescente, por meio da rede mundial de computadores explodiram nos últimos anos. Entre maio de 2009 e novembro de 2010, pelo menos 80 pessoas acabarm presas, em todo o Brasil, por pornografia infantil, em geral por posse ou distribuição de imagens de menores. O número é 1.500% maior do que todas as prisões efetuadas no país entre janeiro de 2000 e abril de 2009, quando cinco criminosos foram detidos.

          A quantidade de inquéritos instaurados também se multiplicou. Entre janeiro de 2000 e dezembro de 2008, 1.018 investigações estavam em andamento. Somente de janeiro de 2009 a novembro de 2010 foram instaurados 1.318 inquéritos para apurar esse tipo de crime: um aumento de 29,4%.

          Ao explicar as razões para o aumento das estatísticas, o delegado Stênio Santos Sousa, do Grupo Especial de Combate aos Crimes de Ódio e à Pornografia Infantil na Internet (Gecop), afirma que existem vários fatores. O primeiro deles é que as pessoas estão mais informadas sobre esse tipo de crime e assim denunciam mais. Também a Lei nº 11.929/08, que alterou o ECA para aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, criminalizando a aquisição e posse de material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet, veio facilitar a ação da polícia. Tudo isso, aliado ao investimento do Estado no aparelhamento da polícia, contribuiu para o aumento dos números em termos absolutos. Mas, segundo ele não dá para dizer que houve um aumento na prática do crime, pois há que se condiderar duas importantes variáveis: o crescimento populacional e a ampliação do acesso à tecnologia.

          Um dos maiores entraves encontrados pelos investigadores nesse tipo de crime é a recusa de alguns provedores da internet em entregar para a polícia o registro de conexão do criminoso. Nesses casos os investigadores precisam de ordem judicial e nem sempre ela é obtida com a rapidez necessária.

          Na avaliação do delegado Stênio Santos "esses provedores que não colaboram com a polícia, de certa forma têm contribuído para que o criminoso continue solto e fazendo mais crianças e adolescentes serem violentadas".

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Grande desafio: punir os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro

          O novo ministro da justiça, José Eduardo Cardozo, deverá enviar ao Congresso Nacional texto já pronto, na Secretaria de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, contendo proposta de projeto de lei prevendo a transferência  para uma conta judicial do Estado de bens e recursos apreendidos de criminosos.

          Referida proposta torna indisponíveis bens dos investigados, do acusado, das pessoas a eles ligadas, de empresas e de laranjas. Essa indisponibilidade poderá recair sobre bens imóveis, animais, obras de arte ou qualquer outra propriedade que tenha valor econômico. Caso apovadas essas alterações, o Estado terá permissão para transferir e vender bens de organizações criminosas, antes mesmo do julgamento do processo, depositando os recursos apurados em uma conta judicial. Além de se reduzir gastos com a manutenção desses bens, evitar-se-ia a deterioração de bens como veículos, aeronaves, barcos e fazenda, entre outros.

          Uma das maiores queixas dos juízes de todo o país é referente às dificuldades enfrentadas para decretar a perda de bens de criminosos: por falha na legislação e por lhes faltar instrumentos jurídicos.

          Responsável por cadastrar todos os bens apreendidos no país, sejam eles da Justiça Federal ou Estadual, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no último balanço do Sistema Nacional de Bens Apreendidos, informa que mais de R$ 1 bilhão em objetos e espécie estão sob a tutela da Justiça. Desse total, pelo menos bens equivalentes a R$ 899,2 milhões estão se deteriorando em pátios e depósitos.

          Merece ainda se destacar no projeto a previsão de decretar a indisponibilidade dos bens dos envolvidos, em casos de cooperação penal internacional, independentemente da existência de inquérito policial. Outra novidade é que o Ministério Público poderá requerer a posse dos bens em ações penais públicas nas quais a denúncia demonstre que o crime resultou em proveito econômico.

          É de se lamentar que esse projeto tenha ficado de fora da reforma do novo Código de Processo Penal, já aprovado pelo Senado em dezembro passado.

          Além desse, merece destaque outro projeto importante. É o PL 3443, que altera a Lei 9.613/98, de combate à lavagem de dinheiro, objetivando facilitar e ampliar a sua aplicação. Este projeto prevê genericamente como sujo qualquer dinheiro vindo da prática de infração penal. Com isso, ficará mais fácil caracterizar os crimes de lavagem, que poderão ser relacionados, por exemplo, ao dinheiro do jogo do bicho, ou do comércio clandestino de obras de arte. Outra inovação é o aumento da pena para os crimes de lavagem de dinheiro, que hoje pode ser no máximo de 10 anos e passa para no máximo 18 anos de reclusão.

          A rápida tramitação desses projetos no Congresso se justifica, porque conforme o GAFI, órgão ligado à ONU, que monitora as políticas contra a lavagem de dinheiro, o Brasil não consegue punir esse tipo de crime, praticado por traficantes de drogas, corruptos e criminosos do colarinho branco. Os princioais problemas citados são:

          a) Inexperiência das cortes superiores (os casos de lavagem de dinheiro tendem a ser mais complexos que outros tipos de delito);

          b) recursos excessivos. O Brasil possui um sistema de recursos com um entendimento muito liberal sobre os diretios do réu: uma condenação de primeira instância, mesmo mantida por um órgão colegiado superior (Tribunal) não é suficiente para a execução da pena, como ocorre na maior parte do mundo. Dos 1.311 processos que tramitaram nas varas judiciais especializadas em crime financeiro, em 2008, somente 10 tiveram sentença definitiva;

          c) dificuldade de se obter a quebra de sigilo (vista por alguns juízes como direito absoluto);

          d) pouca utilização da medida de apreensão de bens pelas autoridades e tribunais do Brasil;

          e) inexistência de responsabilidade penal das empresas.

          Embora prevista na Constituição Federal, a possibilidade de se processar criminalmente uma empresa ainda não foi regulamentada pelo Congresso Nacional, por falta de interesse. Contudo, o Brasil tem sido questionado a esse respeito por autoridades estrangeiras.

          Outra medida que já foi implantada em outros países como EUA, Inglaterra, Colômbia e Itália, que também poderia ser adotada no Brasil, é Ação Civil de Domínio, cujo objetivo é recuperar valores de pessoas físicas obtidos com a corrupção.

          A possibilidade de combater a corrupção e a lavagem de dinheiro existe. Basta vontade e empenho do Congresso Nacional, em criar os mecanismos legais necessários, votando os projetos em tramitação e maior eficiência do Judiciário.

          No encontro anual da Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro), realizado em Florianopolis (SC), em novembro de 2010, a falta de capacitação dos juízes para a condução e o julgamento de casos de crimes financeiros foi apontada como um dos principais problemas do país na atuação contra a lavagem de dinheiro.

          Nas palavras do ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça: ""Temos poucas condenações em crimes financeiros no país e um dos motivos disso é a dificuldade de capacitação da magistratura brasileira para esses delitos, que em geral são complexos. A falta de conhecimento para o trato dessa matéria não ocorre só em relação aos juízes de primeira instância, mas também nas cortes superiores".

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Novo Pacto Republicano: o que falta para modernizar a Justiça?

            Conforme recente matéria publicada na Folha de São Paulo. o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, considera "muito bem vinda" a proposta de realização do 3º Pacto Republicano pelo Judiciário, afirmando que o governo dará todo apoio à iniciativa.

            A proposta do novo pacto foi trazida pelo ministro Cezar Peluso no discurso de abertura do ano Judiciário dia 1º de fevereiro, onde afirmou que alguns temas já começaram a amadurecer, como a modificação da natureza dos recursos extraordinários, objetivando garantir a duração razoável das causas judiciárias.

            Segundo o ministro da Justiça, porém, ainda não há nada concreto, a não ser a intenção manifesta dos três Poderes de trabalhar em conjunto para melhorar o Judiciário. O cronograma e a agenda desse pacto, segundo ele, será definido em reuniões a serem realizadas com o presidente do Supremo Tribunal Federal, do Senado e da Câmara dos Deputados.

            Em artigo também publicado na Folha de São Paulo, sob o título "As urgências da Justiça", o desembargador do TJSP, José Renato Nalini, comenta que " a judicialização de todas as questões fez da Justiça tema permanente" e que a reforma do Judiciário se destacou no Brasil, a partir da visita que Geisel fez ao Supremo, quando teria ficado perplexo com o volume de recursos que ali tramitava.

            De acordo com o desembargador, a pretexto de se aprimorar a Justiça foi editado o "pacote de abril" (emenda constitucional nº7/77), após o fechamento do Congresso. Em decorrência, foi editada a lei complementar nº 35/79, também chama Loman (Lei Orgânica da Magistratura), ainda em vigor, que é considerada a "camisa de força do juiz brasileiro" e foi recepcionada pela constituição de 1988.

            Embora, em sua opinião, este tenha sido o pacto republicano que mais confiou na Justiça, prestigiando o Judiciário, insistindo na celeridade e ampliando-lhe as funções, a crise continuou porque é permanente e por ser parte da crise do Estado. Fez-se necessária, então, uma nova reforma do Judiciário, por meio da emenda constitucional nº 45/2004, que criou o Conselho Nacional de Justiça, responsável pelo controle externo do Judiciário e o seu planejamento.

            Ainda conforme Nalini, a lentidão continua sendo o maior problema, tanto que, para garantir rapidez na prestação jurisdiconal, se inseriu novo direito fundamental ao rol do artigo 5º da Constituição de 1988: o direito ao prazo razoável do processo. Foram editadas leis processuais de aceleração da Justiça, o CNJ criou mutirões para julgamento dos processos, aumentou a fiscalização dos presídios e passou a adotar estatísticas como forma de racionalizar a atuação da Justiça, "estratégias de que o Judiciário nunca se valera antes na história da República".

            Contudo, ao seu ver, todos esses mecanismos não representaram uma verdadeira reforma do Judiciário, uma reforma que, efetivamente,  tenha atingido a sua estrutura.

             O que falta para modernizar a Justiça, indaga Nalini. Em sua opinião falta à Justiça capacidade gestora da atividade meio, onde a burocracia impera e o anacronismo alidado à inércia subsistem. Também faltam estratégias hábeis que confiram eficiência à atividade fim. "Resiste-se à busca da eficiência como se fosse inviável conciliá-la com segurança jurídica".

            Depois de afirmar que o Brasil tem peritos em administração e empreendedores criativos, o autor propõe a requisição de tais talentos " para contribuir na elaboração de projeto consistente e viável para reduzir gargalos, racionalizar procedimentos e trâmites e conferir um trato modernizante ao emperrado aparelho judicial" e conclui dizendo: " Fazer Justiça é um serviço público que afeta a todos e, enquanto a sociedade não se interessar por seu funcionamento, de pouco valerão as reformas constitucionais, a produção de novas leis e as recomendações correcionais".

            Nessa linha de raciocínio, quando se fala em Novo Pacto Republicano, um bom começo seria procurar ouvir a sociedade: ouvir não só os operadores do direito, mas os cidadãos, principais usuários da Justiça.

            Segundo Joaquim Falcão: "Reformar a Justiça é também reformar o mau uso que os governos e a sociedade fazem dela. O desafio civilizatório não será o jogo de quem tem mais culpa. Será instaurar um processo para o qual todos convirjam em busca de soluções realistas."

            O Novo Pacto Republicano se justifica porque, a lentidão da Justiça por exemplo, não é responsabilidade única do Poder Judiciário. Existem muitos responsáveis: os dados estatísticos já demonstraram que o Poder Executivo usa o Poder Judiciário para adiar o cumprimnento de suas dívidas, algumas grandes empresas (inclusive concessionárias de serviço público) transferem para a Justiça os custos da sua relação com o consumidor e o número de recursos processuais em leis elaboradas pelo Congresso é excessivo.

            Desse modo, a solução para o aperfeiçoamento da Justiça terá que ser buscada, não só entre os Poderes da República, mas também no conjunto da sociedade, já que o seu aperfeiçoamento a todos interessa e é dever de todos. Uma ideia seria disponibilizar à população mecanismos, por meio dos quais ela pudesse apresentar críticas e sugestões, que, após condensadas, poderiam municiar os participantes do Pacto.

            Sem debate e voltado para dentro de si mesmo, ainda que sob o manto do pacto federativo, o Judiciário, uma vez mais, não fará uma reforma estrutural.

             O pretexto da segurança judídica não pode inviabilizar a eficiência.

             Conciliá-las e possível e salutar!

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Leis inconstitucionais e controle prévio de constitucionalidade

            Nos últimos anos o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição, tem sido acionado inúmeras vezes para se manifestar sobre a inconstitucionalidade de leis, principalmente de leis estaduais. Para se ter uma ideia, quase 11% das leis elaboradas pela Câmara Legislativa do Distrito Federal, desde a sua criação, foram consideradas inconstitucionais. Esse índice coloca o nosso legislativo como recordista de leis inconstitucionais em todo o Brasil, seguido pelo Paraná, Rio Grande do Sul e Espírito Santo.

            Em função da mobilizãção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Supremo será novamente chamado para decidir sobre um caso típico de inconstitucionalidade: as aposentadoria vitalícias de ex-governadores, estendidas aos seus herdeiros, como se fossem um direito monáquico. Tais aposentadorias estão embasadas em leis flagrantemente inconstitucionais, porquanto votadas a partir da Constituição de 1988, que não permite tais privilégios.

            Nesse sentido, foram ajuizadas pelo Conselho Federal da OAB três Ações Diretas de Inconstitucionalidade, já distribuídas aos respectivos relatores: Adin nº 4544, ajuizada dia 27 de janeiro, que contesta o artigo 263 da Constituição de Sergipe, autorizando o pagamento de pensão aos ex-governadores que tenham exercido o cargo, por no mínimo seis meses. A previsão é tratada no texto do artigo como um "subsídio mensal" no valor igual aos vencimentos recebidos por um desembargador do Tribunal de Justiça sergipano. O relator da Adin é o ministro Ayres Britto.

            Na Adin nº4545, também ajuizada no dia 27 de janeiro, é quetionada a constitucionalidade do artigo 85,§ 5º da Constituição do Paraná, que autoriza o pagamento de pensão aos ex-governadores que tenham exercido o cargo, em caráter permanente, garantindo-lhes um subsídio mensal e vitalício igual ao percebido por um desembargador dso Tribunal de Justiça do Estado. A relatora da Adin é a ministra Ellen Gracie.

            Na Adin número 4547, ajuizada dia 1º de fevereiro são contestadas duas emendas constitucionais, que permitem o mesmo pagamento de aposentadoria vitalícia a ex-governadores. A primeira é a número 60, de 16 de maio de 2007, aprovada pela Assembleia que prevê o recebimento pelos ex-governadores de um subsídio mensal em valor igual ao recebido pelo atual governador. Outra emenda contestada é a número 1, de 14 de dezembro de 1990, que inclui nas Disposições Gerais da constituição estadual o artigo 278 prevendo o mesmo pagamento. O relator desta Adin é o ministro Gilmar Mendes.

            Tais ações poderiam ser evitadas se houvesse  uma maior cooperação entre os poderes da república, notadamente Legislativo e Judiciário, no que refere à constitucionalidade das leis. Inúmeros projetos de leis votados e sancionados contrariam a Constituição Federal, ou suscitam questionamentos quanto à sua origem (competência para legislar sobre a matéria). Com isso o Judiciário é mobilizado e até que haja a reposição dos direitos violados a sociedade fica na expectativa de julgamentos que irão afetar a vida dos indivíduos, da economia, da política e do ordenamento institucional do país. São exemplos importantes de questionamento e constitucionalidade de leis que afetam diretamente a vida dos brasileiros: a Lei da Ficha Limpa (cuja validade ou não ainda é objeto de dúvidas); a PEC dos precatórios (Adin nº 351/09); o pacote tributário do governo federal de 2010, autorizando a Fazenda a confiscar bens do contribuinte em débito com o fisco, realizar penhora e quebrar sigilos bancários, independentemente de autorização judicial; a Lei Complementar nº 803/2009, referente ao Plano Diretor do Distrito Federal, com impacto na vida de todos os habitantes de Brasília.

            A norma eivada de inconstitucionalidade representa custos para  o erário, que dificilmente serão ressarcidos. A conscientização dos parlamentares ao apresentarem um projeto de lei e a preocupação com a sua constitucionalidade representaria economia de tempo de todos os envolvidos, de custos para o governo e de dinheiro para o contribuinte. Barrar estas leis, ainda no Parlamento, seria o ideal. Contudo, por contrariar interesses, o trabalho na Comissão de Constituição e Justiça é difícil e nem sempre eficaz: os representantes do povo assumem compromissos com determinados grupos e querem honrá-los, ainda que descumprindo a Constituição.

            Uma ideia, que não é nova, e que já vem sendo adotada na Itália, seria a da possibilidade de se colocar à disposição das assembleias legislativas e da câmara federal uma comissão de juízes para auxiliar os parlamentares em temas de constitucionalidade polêmica, municiando-os com mais informações jurídicas para uma melhor e mais correta deliberação.

            Na Itália já existe essa possibilidade de os projetos passarem por apreciação prévia do Judiciário, evitando a entrada em vigor de uma lei inconstitucional que, inúmeras vezes, quando retirada de circulação, já gerou efeitos irreparáveis e irreversíveis na vida dos cidadãos.

            A adoção dessa medida no Brasil não implicará, como se poderá argumentar, em intervenção do Judiciário no Legislativo, pois o parecer dos magistrados poderia ou não ser acatado pela Comissão de Constituição e Justiça do parlamento.

             Essa medida, além de integrar e harmonizar os poderes, redundaria em imenso benefício para os cidadãos brasileiros.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Temas polêmicos de interesse do consumidor

  •           Revisão do Código de Defesa do Consumidor
            A Comissão de Juristas presidida pelo ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, será responsável pela elaboração de um anteprojeto de atualização do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Instalada pelo presidente do Senado José Sarney, em 15 de dezembro de 2010, a comissão terá 180 dias para concluir os trabalhos, apresentando sugestões para modernizar o novo Código de Defesa do Consumidor (CDC), notadamente no que se refere ao crédito, ao superendividamento e ao comércio eletrônico.

            De acordo com o presidente da Comissão, na época da elaboração do CDC, o superendividamento e o crédito ao consumidor não eram questões preponderantes, uma vez que o crédito era muito restrito. O que se pretende é o estabelecimento de mecanismos de fornecimento de  crédito ou de consumo sustentável, impedindo práticas abusivas que às vezes ocorrem no mercado. O objetivo é criar regras para a defesa dos consumidores e das próprias instituições financeiras no caso de superendividamento, conforme o ministro.

            Embora os consumidores sofram com juros elevados, o colegiado não pretende discutir sobre taxas de juros, por entender que não se protege o consumidor com tabelamento. Esses mecanismos de controle são indiretos e ocorrem por meio de acesso à informação, transparência nas condições contratuais e sólida concorrência, esclarece Herman Benjamin.

            Outro assunto que será objeto de alteração e deverá constar no novo Código de Defesa do Consumidor é o do comércio eletrônico, quase inexistente há 20 anos atrás.

  • Cadastro Positivo
            Embora aprovado pelo Senado, o Projeto de Lei 263/2004, que permitia a modificação do CDC para incluir o cadastro positivo, foi vetado pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. O "banco de dados de bons pagadores" reuniria informações pessoais (incluindo hábitos de consumo) e financeiras dos consumidores. Embora a inclusão de dados dependesse da aprovação do consumidor, o texto não regulamentava como seria feito o compartilhamento dessas informações. Especialistas em direito de defesa do consumidor alertaram sobre os riscos de invasão de privacidade e de discriminação contra consumidores que pagavam à vista.

            Ao vetar o projeto, o ex-presidente editou uma Medida Provisória, cujo texto havia sido discutido pelo Ministério da Justiça, por meio do DPDC e com o Ministério da Fazenda, deixando de fora os ítens polêmicos. Entre as principais alterações trazidas pela Medida Provisória, que não modificam o Código de Defesa do Consumidor, estão a criação de regras para o compartilhamento de informações (somente para fins de crédito) sobre os bons pagadores e a proibição de acesso a dados pessoais, como hábitos de consumo e religião, por exemplo. Este assunto, provavelmente voltará a ser discutido pelo Congresso neste ano.

  • Essencialidade do celular
            Caberá à Justiça decidir sobre outro tema polêmico de interesse do consumidor, que é a validade da Nota Técnica (NT 62/2010 CGSC/DPDC, de 15.06.10) do Departamento de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, que interpretando o artigo 18, §§ 1° e 3º do CDC, considera o celular um bem essencial, determinando a troca imediata, caso o aparelho apresente defeito durante a garantia.

            Decisão do TRF-1ª Região, proferida em agravo de instrumento apresentado pela Associação Brasileira de Indústria Eeletrônica (Abinee), suspendeu, liminarmente, a eficácia da referida Nota Técnica, mas não houve ainda decisão definitiva sobre o mérito da matéria.

  • Fortalecimento dos Procons
            Deverá ser encaminhada ainda neste ano ao Congresso Nacional, pela Casa Civil, anteprojeto elaborado pelo Ministério da Justiça para fortalecer os Procons. O principal anteprojeto é valorizar as tentativas de conciliação realizadas por estes órgãos, garantindo o aproveitamento de suas decisões (termos de audiência) pelo Judiciário.

            Assim, se houver um acordo no Procon ele seguirá para o Juizado Especial apenas para a execução. Se não houver acordo, o termo de audiência poderá ser aproveitado para instruir o processo.

  • Multa civil em defesa da coletividade
            Outro anteprojeto de lei que poderá ser encaminhado ao Congresso Nacional neste ano é o que foi enviado à Casa Civil, em agosto de 2010, pelo Ministério da Justiça estabelecendo multa para coibir abusos de empresas que reincidem em práticas contra os consumidores. Caso aprovado, permitirá ao Juiz arbitrar uma multa, mesmo em ações individuais, se for constatado que a infração é recorrente. A intenção é desestimular a repetição de infrações pelas empresas.

  • Novas regras para cartão de crédito
            A partir de julho deste ano, estarão em vigor as novas medidas para padronizar as cobranças das tarifas de cartões de crédito, anunciadas pelo Conselho Monetário (CMN). As medidas trazem avanços importantes para o consumidor, clareza sobre as tarifas e taxas de juros cobradas; redução de 80 tarifas para 5; duas categorias para pessoas físicas: o cartão básico e o dsiferenciado (que inclui programas de benefícios e recompensas). Também foi fixado que o valor mínimo mensal a ser pago não pode ser inferior a 15% do total da fatura.
  • Planos econômicos
            A decisão da Justiça sobre o pagamento de correção monetária dos depósitos de caderneta de poupança afetados pelos Planos Econômicos Collor 1 (valores não bloqueados), Bresser e Verão é aguardada para este ano. Em agosto de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu todos os processos judiciais em tramitação no país, em grau de recurso. A liminar deferida pelo Supremo suspende os efeitos o julgamento da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entre outras coisas limitou para cinco anos o prazo para que correntistas protocolassem ações coletivas sobre revisão dos valores, enquanto as ações individuais permaneciam com o prazo de 20 anos.