domingo, 24 de agosto de 2014

Abdelmassih e o cumprimento da pena de prisão

Médico Abdelmassih: irá cumprir 30 anos de prisão?

Por Luiz Flávio Gomes

Roger Abdelmassih foi condenado (por ora) a 278 anos de prisão, por ter cometido 52 estupros e atentados ao pudor contra suas pacientes. O ex-médico era um famoso especialista em reprodução assistida. Uma ex-funcionária foi a primeira que o denunciou. Diversas pacientes dele confirmaram os delitos e afirmam que eram atacadas quando estavam sozinhas ou sedadas. Fugiu do país em 2011 e acaba de ser preso em Assunção (Paraguai).

Mesmo que sua condenação esteja em grau de recurso, a prisão preventiva nesse caso é absolutamente necessária e constitucionalmente legítima. Nenhum juiz do país deixará de manter essa prisão preventiva (certamente), depois de ele ter fugido do país. O risco de nova fuga é evidente e patente. Caso típico de prisão cautelar.

Sua pena total pode ter alguma redução nos julgamentos dos recursos (ou na vara das execuções criminais). De qualquer modo, a pena total ainda será muito alta (em virtude da enorme quantidade de crimes). Tendo em vista a exorbitância da pena, estamos diante de um caso que poderá eventualmente significar o cumprimento do máximo previsto no Brasil: 30 anos (em regime fechado, para se evitar nova fuga).

Levando em conta o total de 278 anos, ele não terá direito a nenhum benefício penal. Quando a pena passa de 30 anos, na vara das execuções se faz a unificação delas para 30. Mas essa unificação, de acordo com a jurisprudência do STF (Súmula 715), só serve para se saber a data máxima da execução, não sendo considerada para a concessão de outros benefícios, como livramento condicional ou progressão de regime.
Qualquer tipo de benefício penal, portanto, deve ser computado (de acordo com o STF) pelo total da pena (não em cima dos 30 anos). Os crimes cometidos, de outro lado, são hediondos (estupro e atentado violento ao pudor).

Nos crimes hediondos o réu deve cumprir 40% da pena, para conquistar o direito de progressão. Mas 40% de 278 anos significam 111 anos (há impossibilidade física e jurídica desse cumprimento). Mesmo que haja redução do total, a pena ainda será muito alta (40% sobre uma pena alta significa muito tempo).
O caso, portanto, é de um possível cumprimento efetivo dos 30 anos, se a natureza permitir isso ao réu (que já conta com 70 anos de idade). Não terá direito de saídas temporárias, que são válidas para o regime semiaberto e depois do cumprimento de 1/6 da pena. Não tem direito à prisão domiciliar, porque o regime fechado não a permite (somente o regime aberto).
Até mesmo os indultos natalinos exigem o cumprimento de uma boa parte da pena. Qualquer que seja o percentual exigido no decreto presidencial, será sempre muito alto (em razão do total do castigo).
 Transcrito do site JusBrasil.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Redução de Feminicídios no RS

O número de feminicídios (assassinatos de mulheres) no Rio Grande do Sul reduziu 32,7% no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2013. Os dados, do Observatório da Violência contra a Mulher, órgão da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) do estado, foram apresentados pelos magistrados Madgéli Frantz Machado e José Luiz Leal Vieira, durante a VIII Jornada de Trabalhos da Lei Maria da Penha, realizada, em Brasília, nos últimos dias 7 e 8.

Segundo as informações divulgadas pelos juízes, o número de estupros contra mulheres naquele estado diminuiu 18%; de lesões corporais, reduziu 5,3%; e de ameaças, 3%. Houve, contudo, aumento de 18,1% nas tentativas de homicídio.  
Durante o evento, a juíza titular do 1º Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Madgéli, e o juiz corregedor José Luiz apresentaram um panorama das iniciativas que vêm sendo desenvolvidas no Rio Grande do Sul, a fim de diminuir os casos de violência doméstica. Madgéli abordou a importância do trabalho conjunto das polícias no tratamento de casos de violência.

A Patrulha Maria da Penha, órgão da Brigada Militar criado em 2012, é responsável por fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas solicitadas pelas vítimas e prestar auxílio após os delitos. Segundo a juíza, a atuação da patrulha é fundamental, já que o primeiro contato da vítima geralmente é com a polícia.
De acordo com Madgéli, os Juizados de Violência Doméstica têm trabalhado de forma integrada com as polícias. Atualmente, as medidas protetivas, assim que deferidas, são incluídas no Sistema Themis e ficam imediatamente disponíveis para o acesso dos policiais. Além disso, os juízes que atuam nos juizados especializados participam da capacitação da Patrulha Maria da Penha.

A juíza também discorreu sobre a criação da Rede Lilás, iniciativa do governo do estado que busca coordenar todas as ações que compõem a rede de proteção à mulher, e que une os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Ela também deu detalhes sobre a existência das 20 Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (Deams).

Rede de proteção - A Jornada de Trabalhos da Lei Maria da Penha promoveu também o encontro das Coordenadorias Estaduais das Mulheres Vítimas de Violência Doméstica. O juiz corregedor José Luis Leal Vieira, responsável pela Coordenaria do TJRS, apresentou as ações desenvolvidas pelo órgão. Entre os projetos atuais estão a institucionalização do uso do monitoramento eletrônico pelas mulheres vítimas de violência doméstica, bem como a organização de seminários regionais visando estimular articulações da rede de proteção.

Também participaram do evento o juiz de Direito Sergio Fernando Tweedie Spadoni (da 2ª Vara Criminal da Comarca de Canoas, que tem competência em violência doméstica), e Ivete Machado Vargas (psicóloga, mediadora judicial e coordenadora do Grupo Reflexivo de Gênero e do Grupo de Acolhimento às Mulheres).

A Jornada foi realizada no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT0, sob a coordenadoria da desembargadora e conselheira do CNJ Ana Maria Duarte Amarante Brito. No total, o evento contou com 150 participantes.
Fonte: TJRS

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Século XXI: era dos direitos e do Poder Judiciário

O presidente em exercício do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, afirmou, nesta quinta-feira (14/8), em Brasília, que “o século XXI é o século do Poder Judiciário, em que a humanidade, bem como o povo, o homem comum, descobriu que tem direito e quer efetivá-lo”. Ele acrescentou que, diante da crescente demanda por Justiça, os magistrados devem mudar a mentalidade e buscar formas alternativas de solução de conflitos, não privilegiando apenas o ajuizamento de processos judiciais.

O ministro abordou o tema após assinar com o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo dos Santos Costa, e representantes de diversas instituições o Protocolo de Cooperação para a difusão da Justiça Restaurativa em todo o país. Criada há dez anos, essa prática consiste na adoção de medidas voltadas a solucionar, de forma alternativa, situações de conflito e violência, mediante a aproximação entre vítima, agressor, suas famílias e a sociedade na reparação e na conciliação dos danos causados por um crime ou infração penal.

Durante entrevista coletiva, Ricardo Lewandowski citou o livro “A era dos direitos”, do filósofo e historiador italiano Norberto Bobbio, segundo o qual, na transição entre os séculos XX e XXI, o mundo passou a viver a era dos direitos, com o Poder Judiciário assumindo papel fundamental. Ele lembrou que o Século XIX, com o triunfo das revoluções liberais, foi o século do Poder Legislativo, “o grande órgão de expressão da vontade do povo”. Já no Século XX, acrescentou, em função das revoluções e das guerras, o Poder Executivo se tornou o mais apto a enfrentar os grandes desafios da época. “Mas o Século XXI é o Século do Poder Judiciário”, assinalou.

Ricardo Lewandowski também destacou que a Constituição de 1988 marcou a profunda  transição na democracia, antes representativa e agora participativa. Segundo ele, a Carta Magna, no parágrafo 1º, do artigo 1º, assenta que todo o poder emana do povo, devendo ser exercido por representantes eleitos ou diretamente. “Isso significa que o povo brasileiro exerce o poder, participa da gestão da coisa pública, seja nos setores da educação, da cultura, esporte, meio ambiente e, agora, no âmbito do Poder Judiciário”, frisou o ministro.

Ele alertou, no entanto, que essa mudança trouxe consigo um aumento expressivo no volume de demandas judiciais. “É um problema que o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos chamou de explosão de litigiosidade. Só no Brasil nós temos quase cem milhões de processos em tramitação para apenas 18 mil juízes, dos tribunais federais, estaduais, trabalhistas, eleitorais e militares”, afirmou. Para o ministro, os magistrados, diante desse contexto, devem buscar outras formas para a solução dos conflitos sociais, por meio, por exemplo, da mediação, da conciliação, da arbitragem e da Justiça Restaurativa.
“Para que nós possamos dar conta desse novo anseio por Justiça, dessa busca pelos direitos fundamentais, é preciso mudar a cultura da magistratura, mudar a cultura dos bacharéis em Direito, parar com essa mentalidade, essa ideia de que todos os conflitos e problemas sociais serão resolvidos mediante o ajuizamento de um processo. Nós precisamos buscar meios alternativos de solução de controvérsias. Nós precisamos buscar não apenas resolver as questões litigiosas que se multiplicam na sociedade através de uma decisão judicial, mas sim buscar formas alternativas, devolvendo para a própria sociedade a solução de seus problemas”, declarou.

Segundo o presidente em exercício do CNJ, é necessário que hoje o magistrado tenha não apenas a inteligência técnico-jurídica, conhecimento do processo, do Direito material, civil, penal ou militar. “Ele precisa ter inteligência emocional ou, mais do que isso, a sensibilidade social, porque, afinal de contas, a grande missão hoje do Poder Judiciário é dar concretização aos direitos sociais e garantir a paz social”, declarou Ricardo Lewandowski, destacando que o CNJ dará total apoio à difusão da Justiça Restaurativa, uma iniciativa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
“Uma iniciativa que não parte da cúpula para a base, mas da base para a cúpula”, frisou o ministro. “Devemos, como dizia Confúcio (pensador e filósofo chinês), deixar desabrochar mil flores; é preciso que nós deixemos que essas iniciativas provindas da base possam vingar e sensibilizar a cúpula das instituições brasileiras”, concluiu.

Jorge Vasconcellos
Agência CNJ de Notícias

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Plano Verão: BB deverá pagar a diferença a poupadores de todo o país

BB deve pagar diferenças do Plano Verão a poupadores de todo o país

Todos os clientes do Banco do Brasil que tinham dinheiro na poupança em janeiro de 1989, no lançamento do Plano Verão, têm o direito de cobrar as diferenças de correção monetária expurgadas da caderneta pelo pacote. Assim entendeu a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça ao avaliar que uma determinação da Justiça de Brasília vale para todos os poupadores, e não apenas para as pessoas diretamente envolvidas com aquele processo específico.


Em 2009, transitou em julgado uma sentença da 12ª Vara Cível de Brasília que condenou a instituição financeira a fazer a correção. Como a ação havia sido proposta pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), havia controvérsia se a aplicação da medida valia apenas aos poupadores vinculados ao Idec ou aos residentes no Distrito Federal.
Por unanimidade, os ministros entenderam que clientes do banco ou seus sucessores possuem legitimidade ativa para buscar o cumprimento individual da sentença coletiva. O entendimento da corte deve repercutir em uma série de casos pelo país. Como o processo seguia o trâmite de recurso repetitivo, há mais de 5 mil recursos parados em tribunais brasileiros à espera da decisão do STJ.

O julgamento havia sido suspenso em junho e foi retomado “de surpresa” nesta quarta-feira (13/8), sem constar na pauta original da 2ª Seção. O ministro João Otávio de Noronha havia pedido vista em sessão antes do recesso, e acabou declarando-se impedido de votar nesta quarta, uma vez que construiu sua carreira jurídica no Banco do Brasil como concursado, desde 1975, e tornou-se advogado do banco em 1984, chegando ao cargo de diretor jurídico.

Sem rediscussão
O ministro Luis Felipe Salomão (foto), relator do caso, avaliou que o próprio julgamento da ação coletiva definiu que a decisão contemplaria todos os clientes do BB e que esse entendimento foi mantido até mesmo pelo Supremo Tribunal Federal. Por isso, não caberia agora reexaminar o que foi decidido naquele momento, em respeito ao princípio da coisa julgada e à autoridade do STF.
Ele também apontou que a liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação coletiva podem ser ajuizadas no foro do domicílio do beneficiário, já que os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a limites geográficos.
A decisão se restringe a poupadores do Banco do Brasil e ao Plano Verão.

 No STF, está emperrada uma disputa que envolve todos os pacotes econômicos adotados nos anos 80 e 90. Não há prazo para que o caso seja julgado, pois não há quórum suficiente. São necessários ao menos oito ministros para analisar o assunto, mas três se declararam impedidos. Como o ministro Joaquim Barbosa antecipou a aposentadoria, sobraram apenas sete.
REsp 1.391.198
Revista Consultor Jurídico, 13 de agosto de 2014.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Dívida de precatórios chega a 97,3 bilhões

Dívida da União, estados e municípios com precatórios chega a R$ 97,3 bilhões

Os dados revelam que o débito dos estados é o maior (R$ 52,7 bilhões), seguidos pelos municípios (R$ 43,7 bilhões) e União (R$ 935 milhões). Entre os estados, São Paulo é o maior devedor, com R$ 21,4 bilhões — mais de 40% dos débitos dos demais. Em seguida, estão Rio Grande do Sul (R$ 6,9 bilhões), Paraná (R$ 5,9 bilhões) e Distrito Federal (R$ 3,6 bilhões).
Ainda sobre a distribuição, a pesquisa mostra que Justiça comum concentra a maior parte dos débitos (R$ 95 bilhões). Em segundo lugar, vem a Justiça do Trabalho (R$ 1,9 bilhão) e, por último, a Justiça Federal (R$ 487 milhões).

Na Justiça comum, a liderança também é paulista. Os processos que tramitam no Tribunal de Justiça de São Paulo visam o pagamento de R$ 46,7 bilhões — considerando os R$ 25,3 bilhões que são responsabilidade dos municípios. Em seguida, estão o Tribunal de Justiça do Paraná (R$ 12,9 bilhões), o do Rio Grande do Sul (R$ 7,7 bilhões) e o de Minas Gerais (R$ 4,7 bilhões).


“Emenda do calote”
Em 2013, o Supremo Tribunal Federal julgou o regime especial de pagamento de precatórios, instituído pela Emenda Constitucional 62/2009 e questionado por associações representativas de advogados, juízes e membros do Ministério Público, além da Confederação Nacional da Indústria.

Desde 2009, os tribunais de segunda instância passaram a ser responsáveis pelo pagamento dos precatórios e tentavam organizar a lista de devedores e de credores para repassar os valores que recebiam dos estados e municípios.
Quando o trabalho estava em fase avançada, o STF declarou inconstitucional o novo regime. Falta ainda, no entanto, definir o índice de reajuste dos precatórios, o prazo que o Estado deve ter para pagar seus débitos e ainda a modulação dos efeitos da decisão. O relator, ministro Luiz Fux, sugeriu que o reajuste seja feito pelo índice da inflação, e não mais pela TR, e que o prazo para pagamento seja de cinco anos.Revista 

Consultor Jurídico, 01 de agosto de 2014, 17:04h

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Atuação das polícias X Violência contra a mulher

Magistrada defende atuação das polícias na prevenção à violência contra a mulher

A titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre/RS, Madgéli Frantz Machado, é uma das palestrantes da VIII Jornada da Lei Maria da Penha, evento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta quinta e sexta-feira (7 e 8/8). A Jornada acontece na sede do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), em Brasília, e discutirá os desafios a serem cumpridos pelos Tribunais de Justiça na implementação da Lei n. 11.340/2006. A magistrada defende o envolvimento da polícia e dos juízes com a comunidade, como forma de prevenir a violência contra a mulher. Confira abaixo a íntegra da entrevista com a palestrante.

Qual o papel da polícia na punição e prevenção à violência contra a mulher?
A principal porta de entrada das mulheres vítimas de violências ainda é a Delegacia de Polícia, embora o contato inicial se dê, em sua grande maioria, com a Polícia Militar, através do fone 190 ou em casos de prisão em flagrante do agressor. Por isso, as polícias civil e militar possuem papel fundamental na rede de enfrentamento, proteção e punição à violência contra a mulher. Elas devem atuar não só na punição do agressor, mas, principalmente, na prevenção à violência contra a mulher. Somente através da educação e da interação das polícias com as comunidades é que será possível desconstituir a cultura da desigualdade do gênero.
Qual o principal desafio a ser enfrentado?
A mudança de cultura, seja da polícia, seja da comunidade. Ao mesmo tempo em que a polícia deve estar voltada para a punição do agressor e a repressão à violência, ela também deve estar envolvida com a comunidade, visando identificar, priorizar e resolver os conflitos. Por outro lado, o juiz que atua nos Juizados de Violência Doméstica também deve ser proativo, assumindo o seu papel de agente transformador na comunidade e atuando de forma integrada com os demais operadores da rede de proteção à mulher vítima de violência.
Como o policial deve ser capacitado para receber as mulheres vítimas de violência?
O policial deve receber uma capacitação multidisciplinar, periódica, abrangendo conhecimentos técnicos e conhecimentos da área da psicologia, das relações humanas e da psiquiatria forense, para que possa proporcionar um atendimento humanizado às mulheres vítimas de violência.
Em relação à estrutura da polícia, que mudanças devem ser feitas para que possam atuar na prevenção e punição da violência contra as mulheres?
A qualificação e a capacitação dos policiais são fundamentais. Mas primeiro deve-se estabelecer no Brasil uma política pública que, de fato, priorize esse trabalho. É preciso que haja um investimento célere na ampliação dos recursos humanos e materiais para dar conta do papel das polícias a partir da Constituição de 1988 e, especialmente, da Lei Maria da Penha. O número de policiais, há muito, está defasado, tendo em conta o aumento populacional, o crescimento da criminalidade e as demandas sociais que necessitam da intervenção da polícia. Há ainda a necessidade da instalação de Delegacias de Polícia Especializadas para a Mulher, com estrutura diferenciada, humanizada, com disponibilidade de realização de perícias, inclusive psicológicas e psiquiátricas, nas mulheres vítimas.

Data: 7 e 8 de agosto
Horário: dia 7, às 19h30, e dia 8, de 8h às 17h30
Local: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT)


Tatiane Freire
Agência CNJ de Notícias


segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Jornada Lei Maria da Penha

Jornada Lei Maria da Penha discutirá formas de combater e prevenir o feminicídio

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realiza, nos dias 7 e 8 de agosto, em Brasília/DF, a VIII Jornada da Lei Maria da Penha, evento que discutirá os desafios a serem cumpridos pelos Tribunais de Justiça na implementação da Lei n. 11.340/2006. Entre os temas que serão debatidos no evento estão as medidas para combater e prevenir o chamado feminicídio, assassinato cometido de forma violenta e intencional contra mulheres em razão de seu sexo.

O tema será abordado no evento, na manhã do dia 8, na palestra da militante e ativista do movimento feminista e secretária nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, Aparecida Gonçalves. De acordo com ela, o Brasil é o país com o 7º maior índice de assassinatos de mulheres no mundo, grande proporção decorrente do feminicídio, o que é uma realidade triste e inaceitável, que precisa ser mudada. De acordo com o Mapa da Violência, em que são utilizados principalmente dados do Ministério da Saúde, estima-se que os assassinatos de mulheres entre os anos de 1980 e 2010 somem mais de 92 mil. 
 
Confira abaixo a íntegra da entrevista com a palestrante, em que ela fala sobre esse tipo de crime, suas origens e como enfrentá-lo.
 
O que caracteriza o feminicídio?


O feminicídio é um crime de ódio contra as mulheres, caracterizado por circunstâncias específicas em que o pertencimento da mulher ao sexo feminino é central na prática do delito. Entre essas circunstâncias estão incluídos os assassinatos em contexto de violência doméstica e os crimes que envolvem violência sexual, mutilações  especialmente do rosto, seios e genitais , exposição pública do corpo da mulher  quase sempre nu , tortura, etc. 
 
O que diferencia esses crimes de outros tipos de assassinatos de mulheres?


Os crimes que caracterizam o feminicídio reportam, no campo simbólico, à destruição da identidade da vítima e de sua condição de mulher. Nesses casos, a mulher torna-se potencial vítima apenas por ser mulher. É um crime de ódio, muito diferente de outros tipos de assassinatos que estão ligados à violência urbana ou ao crime organizado, por exemplo.
 
Existem números relativos a esse tipo de crime?


Temos no Brasil algumas bases de dados sobre o assassinato de mulheres, que podem ser utilizadas para estimarmos a dimensão geral do fenômeno, já que o feminicídio corresponde a uma grande proporção desses crimes, mas não tem definição específica na lei penal. 
 
E como tem sido a evolução desses números?


De acordo com o Mapa da Violência, em que são utilizados principalmente dados do Ministério da Saúde, estima-se que os assassinatos de mulheres entre os anos de 1980 e 2010 somem mais de 92 mil, sendo que a taxa de assassinatos de mulheres passou de 2,3 por 100 mil mulheres, em 1980, para 4,6 por 100 mil mulheres, em 2010. O maior aumento ocorreu entre 1980 e 1996. Um dado importante é que 41% dos assassinatos de mulheres ocorrem na residência das vítimas, enquanto, no caso dos homens, esse número é de apenas 14%.
 
É verdade que o Brasil é um dos países com maior índice de homicídios de mulheres no mundo?


O Brasil é o país com o 7º maior índice de assassinatos de mulheres no mundo, o que é realidade triste e inaceitável, que precisa ser mudada. 
 
Por que motivos isso acontece, na opinião da senhora?


Além de uma cultura geral de violência, que subsiste na sociedade brasileira, os assassinatos de mulheres são fortemente impactados por uma cultura machista e patriarcal, em que o valor da vida da mulher é considerado menor e na qual a mulher é vista como propriedade do homem, como objeto a ser apossado ou descartado, conforme a conveniência masculina.
 
Como combater e prevenir o feminicídio?


O combate à impunidade é a forma mais direta de enfrentamento ao feminicídio, tanto para dar justiça às mulheres covardemente assassinadas, como para evitar novas mortes. Na quase totalidade dos casos, o feminicídio não é um ato isolado, mas parte de um histórico de violência que culmina em morte. Se os agressores forem identificados e sancionados de forma eficaz e as vítimas forem protegidas desde a primeira agressão, com apoio total do Estado e da sociedade, acredito que seremos capazes de diminuir esses números. No Brasil, a política de enfrentamento à violência contra a mulher e a Lei Maria da Penha estão sendo implementadas para atingir esse objetivo, por meio dos serviços especializados de assistência, das Delegacias da Mulher e dos Juizados, Promotorias e Defensorias Especializados. Mas ainda temos um caminho longo a percorrer para a universalização do acesso à Justiça e aos serviços de proteção, e também para a mudança das mentalidades.
 
Na opinião da senhora, a inserção cada vez maior da mulher no mercado de trabalho tem impacto sobre o feminicídio? Por quê?


Por um lado, as mulheres que ingressam no mercado de trabalho conseguem se empoderar e aumentar seu grau de independência e autonomia, tanto financeiramente quanto em relação à própria autoestima. Isso as ajuda a sair de relacionamentos abusivos e a denunciar violências sofridas no espaço público ou privado, por exemplo. Mas há também uma reação masculina ao empoderamento da mulher, que é a não aceitação da relação de igualdade. Isso pode se transformar em violência e pode ocorrer tanto no espaço privado  no caso das relações íntimas de afeto e a tentativa de controle pelos parceiros violentos  quanto no espaço público. A mulher hoje ocupa cada vez mais o espaço público, as ruas, ônibus e metrôs. A intimidação, o assédio e a violência sexual são formas de negar o espaço público a elas, de tentar “enquadrá-las” novamente no papel que a sociedade patriarcal reservava às mulheres no passado. A inserção no mercado de trabalho, porém, não é a única causa. Acredito que o preconceito, a discriminação e a cultura machista são os principais fatores do feminicídio.

Serviço: VIII Jornada da Lei Maria da Penha
Data: 7 e 8 de agosto
Horário: dia 7 às 19h30 e dia 8 a partir das 8h.
Local: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT)
Veja a programação.

Tatiane Freire
Agência CNJ de Notícias