domingo, 28 de novembro de 2010

Nova arma para agilizar a apuração dos crimes de corrupção

          Descoberto há quase uma década, o esquema das fraudes bilionárias contra a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), que consistia na aprovação de projetos fantasmas e superfaturamento de obras, as pessoas e empresas nele envolvidas seguem impunes.

          Das 481 ações, que somam mais de 4 bilhões,  a Justiça impôs apenas duas ou três condenações e nada foi devolvido aos cofres públicos. A morosidade do Judiciário e falhas nos inquéritos policiais inviabilizam a condenação dos empresários, servidores e políticos beneficiados. Recuperar o dinheiro após tantos anos torna-se cada vez mais difícil. Muitas empresas eram fantasmas, outras faliram. O dinheiro desviado já foi gasto, ou aplicado em outros negócios e enviado para o exterior. Procuradores correm contra o tempo, mas alegam que não serão recuperados nem cerca de 10% dos R$4.000.000.000,00, que teriam sido desviados (cerca de 80% do dinheiro emprestado pelo governo foi desviado).

          No Pará, embora haja mais de 200 denunciados em 70 processos, não houve nenhuma condenação. Em Tocantins, o Ministério Público tenta recuperar 270 milhões de 23 grandes empresas e só há duas condenações em primeira instância. Em 2009, das 10 ações civis públicas da Procuradoria da República do Tocantins, apenas em uma ação o pedido de quebra de sigilo bancário foi aceito pela Justiça. Em todas as outras foi indeferido, assim como os pedidos de indisponibilidade dos bens dos acusados.

          Na avaliação do próprio governo, o caminho para reaver recursos desviados ou utilizados indevidamente é complexo e demorado, com desfecho imprevisível.

           Diante disso, o governo enviou no início deste ano projeto de lei ao Congresso Nacional, que busca responsabilizar civil e administrativamente pessoas jurídicas que lesem a administração pública. A lógica do projeto foi desenvolvida a partir de estudo feito pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) para a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. O estudo da FGV conclui que "se a via penal sequer mostra-se eficaz para inibir determinadas condutas praticadas por pessoas naturais, parece ainda menos garantido que tal via possa ser eficaz para coibir práticas no âmbito das pessoas jurídicas". Pelo projeto, atos ilícitos de empresas poderão gerar multa de 1% a 30% do faturamento bruto do último ano do exercício, rescisão de contratos, cassação de licenças e declaração de inidoneidade, entre outras punições.

          Para o juiz federal Fausto Martin de Sanctis, o projeto de lei do governo para combater a corrupção é válido, mas totalmente insuficiente quando comparado a mecanismos propostos pela ONU (Organização das Nações Unidas) em convenções internacionais. Um desses mecanismos, que já foi implantado nos EUA, Inglaterra, Colômbia e Itália, é a ação civil de domínio, que objetiva receber valores de pessoas físicas - e poderia ser incluída a pessoa jurídica -  que obtiveram recursos com a corrupção. O Brasil também é questionado por autoridades estrangeiras porque a Constituição prevê a responsabilidade penal da pessoa jurídica em matéria de delito econômico e lavagem de dinheiro e o Brasil nada fez para implantá-la.

          No encontro anual da Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro), grupo que reúne mais de 60 instituições do Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e sociedade civil, que terminou dia 26 deste mês em Florianópolis (SC), a falta de capacitação de juízes para a condução e o julgamento de casos de crimes financeiros foi apontada como um dos principais problemas do país na atuação contra a lavagem de dinheiro. Um dos debatedores, ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça afirmou: "Temos poucas condenações em crimes financeiros no país e um dos motivos disso é a dificuldade de capacitação da magistratura brasileira para esses delitos, que, em geral, são complexos. A falta de conhecimento para o trato dessa matéria não ocorre só em relação aos juízes da primeira instância, mas também nas cortes superiores".

          A boa notícia é que, neste mesmo encontro, a Procuradoria Geral da República apresentou um novo  mecanismo intitulado Simba (Sistema de Investigação Bancária). que começa a ser usado pelas autoridades brasileiras no combate aos crimes financeiros, permitindo a transmissão de dados de quebra de sigilo bancário pela internet. Sua principal ferramenta é um software que permite a transmissão, via internet, de informações bancárias entre instituições financeiras e os órgãos investigadores.

          Segundo o perito criminal federal Renato Barbosa, um dos responsáveis pela implantação do novo sistema, "muitas apurações que levavam meses, e até anos, agora podem ser concluídas em poucas horas com o Simba. Antes, cada instituição financeira entregava as informações de seu jeito, o que atrasava muito o cruzamento de dados e outras investigações".

          Uma das metas do Enccla é disseminar o uso do Simba por órgãos públicos de investigação e fiscalização. Já foram assinados 16 convênios para fornecer o sistema gratuitamente.

          Vários são os percalços encontrados, quando se trata de recuperar o dinheiro desviado pela corrupção: complexidade dos processos, legislação inadequada (não há interesse do Congresso em votar as leis), despreparo da polícia, inexperiência e morosidade da Justiça. Enquanto isso, os corruptos seguem impunes e o dinheiro desviado não é recuperado para os cofres públicos.

         

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Meta prioritária do CNJ: julgamento dos crimes de homicídio

          Nesta semana foi lançado pela Corregedoria Nacional de Justiça o projeto Justiça Plena para monitorar o andamento de processos de grande repercussão social que tramitam no Judiciário brasileiro.

           No primeiro ano do programa, a Corregedoria Nacional de Justiça acompanhará 100 casos para verificar o motivo da demora na tramitação das ações e tomar as medidas necessárias para garantir maior celeridade ao andamento dos processos. Entre os casos que serão acompanhados estão os de homicídios, que levaram o Brasil a ser denunciado na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

          A preocupação da Corregedoria Nacional de Justiça com os crimes de homicídio se justifica porque conforme estimativa do Conselho Nacional de Justiça existem 500.000 casos de crimes contra a vida pendentes de julgamento. De 2000 a 2006, 337.213 homicídios foram registrados no país, conforme os dados mais atualizados do Mapa da Violência divulgado pelo governo federal.. Em 2006, foram 46.000 casos. A estimativa de 500.000 casos não julgados equivale a todos os homicídios ocorridos no país durante um período dez anos.

          Na fala de Rubens Curado, secretário-geral do CNJ: "O crime de homicídio passa a ser uma prioridade da prioridade, e passa a ser de três anos o prazo para julgá-lo. Ainda está longe do ideal, mas a ideia é diminuir esse prazo para um ano".

          Considerando o elevado número de processos que não são julgados e acabam engavetados nos tribunais, muitos casos prescrevem (o Estado perde o direito de punir). Conforme Higyna Bezerra, juíza que atua na Paraíba, em um dos tribunais do juri de João Pessoa mais de 40% dos processos prescreveram: 49 de um total de 115 casos.

          Em 26 de fevereiro deste ano, o então presidente do CNJ, ministro Gilmar Mendes divulgou 10 metas prioritárias a serem cumpridas pelo Poder Judiciário, até o final de 2010, que são as seguintes:

          1) Julgar quantidade igual à de processos de conhecimento distribuídos em 2010 e parcela do estoque, com acompanhamento mensal.

          2) Julgar todos os processos de conhecimento distribuídos (em 1º grau, 2º grau e tribunais superiores) até 31.12.2006 e, quanto aos processos trabalhistas, eleitoral, militar e da competência do tribunal do juri, até 31.12.2007.

          3) Reduzir a pelo menos 10% o acervo de processos na fase de cumprimento ou de execução e, em 20%, o acervo de execuções fiscais (referência: acervo em 31.12.2009).

          4) Lavrar e publicar todos os acórdãos em até 10 (dez) dias após a sessão de julgamento.

          5) Implantar método de gerenciamento de rotinas (gestão de processos de trabalho) em pelo menos 50% das unidades judiciárias de 1º grau.

          6) Reduzir a pelo menos 2% o consumo per capita (magistrados, servidores, terceirizados e estagiários) com energia, telefone, papel, água e combustível (ano de referência 2009).

           7) Disponibilizar mensalmente a produtividade dos magistrados no portal do tribunal, em especial a quantidade de julgamentos com e sem resolução de mérito e homologatórios de acordos, subdivididos por competência.

          8) Promover cursos de capacitação em administração judiciária, com no mínimo 40 horas, para 50% dos magistrados, priorizando-se o ensino à distância.

          9) Ampliar para 2 Mbps a velocidade dos links entre o tribunal e 100% das unidades judiciárias instaladas na capital e, no mínimo, 20% das unidades do interior.

          10) Realizar, por meio eletrônico, 90% das comunicações oficiais entre os órgãos do Poder Judiciário, inclusive cartas precatórias e de ordem.

          Conforme se pode verificar analisando as metas elencadas, no que se refere aos crimes contra a vida (de competência do tribunal do júri), fixou-se uma meta bastante ousada: todos os processos iniciados até 31 de dezembro de 2007 nos tribunais do júri deverão ser julgados até o fim deste ano.

          Agora é acompanhar o desempenho da Justiça e torcer para que a meta seja atingida até o final do ano e os crimes dolosos contra a vida (o mais grave cometido por um ser humano), possam ser julgados dentro do prazo, evitando com isso a impunidade e a insegurança dos cidadãos quanto à punição dos culpados. É necessário melhorar a imagem do Judiciário brasileiro. fazendo com que os cidadãos passem a acreditar mais na Justiça

        Não é sem razão que as 2.770 pessoas entrevistadas em todas as unidades da Federação pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em um estudo levando em consideração não só desempenho dos magistrados, mas também de defensores públicos e de membros do Ministério Público, classificaram a Justiça como desonesta, lenta, cara, parcial e injusta.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Excesso de encarceramento de menores

          O Estatuto da Criança e do Adolescente, que completou 20 anos em 13.07.2010, passará por uma reforma para corrigir seu principal defeito: excesso de privação de liberdade. Estudo feito pela Universidade Federal da Bahia conclui que o Judiciário interna muitas vezes sem provas, sem fundamento legal e em audiências precárias.

          A nova alteração do ECA buscará mudar a cultura do Judiciário, que opta pela reclusão, em vez de aplicar outras medidas como liberdade assistida (sem reclusão, mas com acompanhamento) ou semiliberdade (reclusão só a noite).

          Levantamento de 2009 demonstra que, dos 17.856 jovens infratores que cumpriam medidas socioeducativas no país, 15.372 estavam atrás das grades (86% do total).

          O estudo da UFBA, feito em seis estados: RJ, SP, PR, RS, BA e PE e no STJ (Superior Tribunal de Justiça), entre janeiro de 2008 e julho de 2009, elencou as principais violações do ECA:

         a)  A grande maioria das apelações dos adolescentes é rejeitada;  

         b )  Participação inexpressiva da Defensoria Pública;

         c)   Flexibilização dos prazos máximos de internação provisória;

         d)  Audiências muito rápidas e sem testemunhas de defesa;

         e)  Imposição da medida de internação fora das hipóteses legais previstas;

         f)   Insuficiência de provas na condenação.

          Segundo o secretário de  Assuntos Legislativos do Ministério da \Justiça, Felipe de Paula, o trabalho subsidiará discussão com o Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente) e outros órgãos como a Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

          O ponto fundamental do estudo da UFBA é que os juízes não têm garantido aos adolescentes os direitos que o Código Penal garante a qualquer cidadão, como audiências presenciadas por testemunhas. Nas palavras de Maria Gabriela Peixoto, coordenadora-geral da equipe de direito penal do Ministério da Justiça, "você não pode criar um sistema que seja mais severo do que o do adulto".

          Na opinião do desembargador Antônio Carlos Malheiros, coordenador da Infância e Juventude do TJ de São Paulo, quando manda o infrator para uma unidade de internação, o juiz responde ao clamor da sociedade, uma sociedade de pessoas que já foram assaltadas, que já foram molestadas. Segundo ele se houvesse plebiscito, a indicação da população seria clara no sentido de mandar o menor para a cadeia junto com os adultos e de rebaixar a maioridade penal.

          Já para a a presidente da Fundação Casa, Berenice Gianella, o comportamento dos juízes mostra certa resistência ao ECA, que é lido de trás para a frente privilegiando as infrações e punições que estão nos artigos finais e não a parte inicial sobre direitos essenciais. Alega, ainda, que houve uma queda dos crimes graves e um aumento de tráfico de entorpecentes, que não é crime com previsão de internação pelo ECA, que só prevê internação para essa hipótese nos casos de reincidência. Diante desses dados a internação deveria diminuir e não aumentar, como vem ocorrendo.

          Contudo, lutar pela redução das internações, de forma isolada, não resolve, porque conforme Ariel de Castro Alves do Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente), essa redução pressupõe a existência de programas como o de liberdade assistida e prestação de serviços comunitários implantados, o que nem sempre ocorre.

          A ideia é discutir com os órgãos envolvidos: Conanda, Secretaria Especial de Direitos Humanos e com a sociedade civil e chegar a um consenso sobre a necessidade ou não de se encaminhar uma proposta de alteração legislativa do ECA.

         Como o número de internações é alto algo precisa ser feito para que os menores não fiquem três anos encarcerados nos casos em que isso poderia ser evitado. Nos termos do ECA, a internação só se justifica para menores que efetivamente colocam a sociedade em risco.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

O Estado brasileiro e a jurisdição

            A jurisdição, como uma das expressões do poder estatal, caracteriza-se pela capacidade que o Estado tem de decidir de forma imperativa, impondo aos cidadãos as suas decisões. Embora o Estado brasileiro, assuma a jurisdição, declarando-a em sua Constituição como direito fundamental do cidadão, não cumpre de forma satisfatória o dever de prestá-la.

            Em artigo de sua autoria, "A Reforma do Poder Judiciário", publicado em 1998, a ministra Carmen Lúcia leciona que para o cumprimento democrático da jurisdição é necessário vencer três etapas de um percurso estatal que vai do acesso assegurado ao cidadão ao órgão judicial competente, passa pela eficiência da prestação jurisdicional e se aperfeiçoa na eficácia da decisão judicial proferida.

            Infelizmente, o Judiciário brasileiro não consegue ser eficiente em nenhuma das três etapas.

            1ª etapa: acesso ao órgão judicial competente

            As dificuldades do acesso ao judiciário são inúmeras. A começar pelo modelo processual adotado pelo Brasil, que com seus formalismos e ritos, mantém o universo jurídico como um espaço de extremo poder, cujo ingresso não é confiado às pessoas comuns. Com linguagem rebuscada, estrutura burocrática das varas judiciais e a postura de seus escrivães e juízes, cria-se uma enorme barreira entre o mundo do direito e os cidadãos usuários em potencial da prestação jurisdicional. Outra barreira do acesso à jurisdição é a não instalação de Defensorias Públicas nos diversos estados da federação em número suficiente para atender à população carente. Além disso, contribui também para a dificuldade de acesso os custos. Embora o Estado pague os salários dos juízes e dos funcionários do judiciário e proporcione os prédios e outros recursos necessários aos julgamentos, as pessoas precisam suportar a maioria dos custos dispendidos com a solução de uma demanda, tais como, honorários advocatícios, custas judiciais e pagamento de exames periciais.

            Pesquisa do Ipea, divulgada nesta quarta-feira (dia 17.10), sobre a percepção dos brasileiros em relação aos serviços públicos, confirma a sua insatisfação no que se refere aos custos e à facilidade do acesso à Justiça. Nestes quesitos as notas foram, respectivamente, 1,45 e 1,48, ficando abaixo da média de 2 pontos estabelecida pela pesquisa para essa escala.

             2ª etapa: eficiência na prestação jurisdicional

            O direito à jurisdição compreende o direito de obter uma decisão judicial eficiente, produzida tempestivamente, capaz de recompor o direito violado ou ameaçado de violação e a segurança jurídica do demandado. Os efeitos da demora são devastadores, pois aumentam os custos para as partes e pressionam os economicamente fracos a abandonar as suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito. Neste aspecto a justiça brasileira deixa muito a desejar.

            A  confirmar a incapacidade do Judiciário, a mesma pesquisa do Ipea demonstra que no quesito rapidez nas decisões, a nota dada pelos cidadãos à Justiça foi de 1,18, também abaixo da média de 2 pontos.
            Leciona  Dinamarco, que os males da corrosão e frustação que o decurso do tempo pode trazer à vida dos direitos constituem ameaça à efetividade da tutela jurisdicional contida nas constituições modernas. Ameaça tão grave que em tempos modernos se vem afirmando que a garantia do acesso à Justiça só se considera efetiva quando for tempestiva.

            3ª etapa: a eficácia da decisão jurisdicional

            O direito à prestação jurisdicional do Estado não esgota o se conteúdo no direito de acesso ao Judiciário, nem se restringe a obter uma decisão sobre o mérito do litígio, mas inclui também o direito à execução da decisão, sob pena de ser esta privada de grande parte de sua efetividade. Nesse sentido, um grande exemplo da não efetividade das decisões judiciais é o seu não cumprimento pela pessoa pública. O precatório, que representa a dívida da União, dos estados e municípios reconhecida pela Justiça, torna o seu pagamento obrigatório. Entretanto, passou a ser utilizado pelo Poder Público para frustrar e não cumprir as decisões judiciais, acumulando dívidas milionárias e lesando os cidadãos que acreditaram na Justiça.

            Não é de se surpreender, pois, que quando avaliada de maneira geral, a Justiça recebeu nota 4,55 numa escala de 0 a 10, na referida pesquisa feita pelo Ipea, que entrevistou 2.770 pessoas nas 5 regiões do país. A margem de erro é de 5% e o grau de confiança é de 95%.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A novela dos precatórios

            Ao participar da reunião plenária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do dia 09 deste mês, onde foi aprovada a Resolução de nº 123, alterando dispositivos da Resolução nº 115, que dispõe sobre a Gestão de Precatórios no âmbito do Poder Judiciário, Ophir Cavalcante afirmou que a entidade  "é veementemente contrária à Emenda Constitucional nº 62/2009".  Esta emenda que estabeleceu novos mecanismos de pagamento das dívidas do Poder Público, "impôs um verdadeiro calote no cumprimento dos precatórios", em sua opinião.

            Afirmou também Ophir, que: "A emenda 62 está tendo um efeito devastador junto à sociedade brasileira, pois coloca em risco a segurança jurídica neste país".

            Como os tribunais não sabem como atuar com relação aos precatórios, desde que a emenda foi editada, os recursos financeiros que foram colocados à disposição para pagamento das dívidas estão permanecendo nos cofres do Judiciário, em suas diversas instâncias.

             A nova Resolução nº 123, aprovada em sessão presidida pelo Ministro Ayres Britto, veio complementar a Resolução nº 115, já anteriormente aprovada, no sentido de regulamentar como se dará toda a gestão de pagamento dos precatórios no país. Esta Resolução, segundo o próprio relator da matéria no CNJ, ministro Ives Gandra Martins Filho, será um rito de passagem para que as novas regras possam ser postas em prática, sob pena de "que a emenda se transforme em mais um calote constitucional", ou numa moratória permanente, como dito em um dos considerandos da Resolução.

            Para o presidente da OAB, essa resolução do CNJ deve funcionar como uma regra de transição, enquanto não for proferida a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a validade ou não da Emenda 62, que é objeto da Adin 4357, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB.

            Esta emenda, que começou a vigir a partir de dezembro de 2009, além de ampliar para 15 anos o prazo de pagamento dos precatórios, estabelece um percentual mínimo dos orçamentos para quitar as dívidas, permitindo que o detentor do precatório que oferecer maior desconto receba primeiro.

            Na verdade o precatório que deveria tornar obrigatório o pagamento da dívida da União, dos estados e municípios reconhecida pela Justiça, passou a ser um instrumento utilizado pelo Poder Público para frustrar e não cumprir as decisões judiciais.

            Na opinião de Ophir, em que pese a Emenda 62 ser manifestamente inconstitucional, impôs à sociedade uma situação kafkaniana, de um efeito tão nefasto, que nem a Justiça sabe como utilizar os recursos que estão disponíveis para o pagamento dos precatórios.

            Nesse sentido, a Resolução 123 do CNJ merece elogios, porquanto atende às conclusões do Encontro Nacional de Judiciário sobre Precatórios,  realizado em setembro último, com a participação de 56 tribunais brasileiros com precatórios a pagar, no sentido de se editar uma resolução transitória, viabilizando a satisfação dos créditos e com isso solucionar o vácuo existente enquanto a Emenda 62 estiver em vigor.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

CNJ pune juiz por negar aplicação à Lei Maria da Penha

            Em sessão do dia 09 deste mês, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu, por 9 votos a 6, afastar por dois anos o juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues, de Sete Lagoas (MG) que considerava inconstitucional a Lei Maria da Penha, quando julgava ações movidas contra homens agressores de suas parceiras.

            Em 2007, o juiz proferiu sentenças, onde classificou a norma de "conjunto de regras diabólicas",  "monstrengo tinhoso" e em um de seus despachos afirmou que "as desgraças humanas começaram por causa da mulher".

            Em sessão plenária, os 15 conselheiros do CNJ foram unânimes quanto à necessidade de punir o magistrado, divergindo apenas quanto ao tipo de punição: seis deles votaram pela aplicação da censura, mas acabou prevalecendo o voto do relator Marcelo Neves no sentido de afastar o juiz de suas funções por usar em suas decisões uma linguagem discriminatória a preconceituosa. O relator comparou as declarações do juiz com o racismo: "Não se trata de um crime de racismo, mas há uma relação de analogia com esse tipo penal".

           Acompanhando o relator, o vice-presidente do CNJ, ministro Ayres Brito, foi enfático: "O juiz decidiu de costas para a constituição". Para o conselheiro Felipe Locke, o juiz mostrou ser uma pessoa "absolutamente preconceituosa" e "incompatível com o Estado democrático de direito". Argumentando sobre a falta de equilíbrio, a postura do magistrado também foi criticada pelo conselheiro Jeferson Kravchychyn. Já o conselheiro Marcelo Nobre disse lamentar que o magistrado "pense assim do gênero que lhe concedeu a vida".

            Com a decretação da pena de disponibilidade, prevista na Lei Orgânica da Magistratura, o juiz receberá no período salário proporcional ao tempo de serviço e poderá pleitear a volta ao trabalho após dois anos de afastamento.

            É de se lamentar, que após tanto esforço para a sua aprovação e apesar das medidas judiciais estabelecidas pela Lei Maria da Penha - classificada pelo Unifem (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher) como uma das melhores legislações do mundo - sua real aplicação ainda encontre resistência no sistema judiciário brasileiro.

            Esse comportamento vai na contra mão da postura mundial sobre o assunto, quando as causas e os efeitos da violência na vida das mulheres são questões de extrema preocupação e objeto de trabalho das Nações Unidas, redundando na recente criação da ONU Mulheres - Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres.

            Essa preocupação faz sentido também no Brasil onde o "Mapa da Violência 2010" feito pelo Instituto Sangari, registrou a média de dez assassinatos de mulheres por dia no Brasil, entre 1997 e 2007. De acordo com a Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), 45% das mulheres da região já foram ameaçadas, de alguma forma, por companheiros ou ex-companheiros.

             Na verdade, expostas às coações de seus agressores, as mulheres estão vulneráveis aos inoperantes mecanismos do Estado, que não lhes garante a proteção devida para que suas vidas sejam preservadas.

             A propósito, serve como exemplo o caso de Eliza Samudio, que, grávida, havia pedido proteção ao Estado 8 meses antes de desaparecer. Afirmando haver sido sequestrada por seu namorado, o goleiro Bruno, do Flamengo e temendo novas agressões, formulou pedido de proteção à Vara de Violência Doméstica em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. O pedido teve a seguinte  tramitação pela burocracia judiciária: de início, o caso foi considerado como não sendo de violência doméstica porque Bruno e Eliza não eram casados e foi enviado para a Vara Criminal. Remetido à Delegacia de Polícia, virou inquérito policial e foi ao Ministério Público, que deu o singelo despacho: "Junte-se aos autos". E assim, o caso continuou paralisado nos meandros da burocracia, até que a tragédia aconteceu. Indagado, o Delegado respondeu que não fora pedida urgência para o caso. E precisava?

             Esse triste exemplo, como tantos outros, mais uma vez demonstra o descaso com os pedidos de proteção para que a vida das mulheres sejam preservadas. O argumento de que não se tratava de violência doméstica não se sustenta. A Lei nº 11.340, de 2006 (Lei Maria da Penha), não foi criada apenas com o intuito de proteger a violência doméstica no sentido estrito. Seu artigo 5º é de uma clareza a toda prova ao esclarecer que "é considerada violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, praticado não apenas no âmbito da família ou da unidade doméstica, como também em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coação".

            Não deixa de ser louvável a atitude do CNJ ao punir o juiz, que além de se recusar a aplicar a lei fez contra ela críticas descabidas e preconceituosas, mas para o fim da violência contra as mulheres  torna-se  necessário uma mudança de postura da sociedade, principalmente dos homens.

            Nas palavras de Rebecca Reichmann Tavares, representante do Unifem Brasil e Cone Sul, "a violência contra as mulheres é inaceitável, indesculpável e intolerável".

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A manipulação do Judiciário pelos planos de saúde

            Anthony Pereira, PhD em Harvard, estudioso do Brasil desde 1984, em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, de 03 de outubro deste ano, página A9, afirmou que: "A ditadura militar brasileira, que teve um alto grau de judicialização se comparada às do Chile e da Argentina, deixou como um dos mais fortes legados a manutenção do autoritarismo no Judiciário. Para ele: "Não há Estado de Direito. Isso por causa das desigualdades extremas em termos de tratamento das pessoas dentro da lei. É uma espécie de autoritarismo social, não somente em termos de sistema político".

            Indagado se o autoritarismo no Judiciário é um legado da ditadura, respondeu que o Judiciário autoritário é o legado mais forte; que as Forças Armadas e o Judiciário não mudaram sendo preservados durante a transição e que certamente há uma insatisfação grande com a Justiça.

            No que se refere à relação entre o autoritarismo e ineficiência da Justiça, disse que o frustrante para os brasileiros é a observação de que as pessoas com poder econômico, advogado talentoso, podem manipular o sistema.

            A confirmar as palavras do brasilianista, notícia do mesmo jornal, de 06.10.10, informa que, embora o ressarcimento ao SUS (Sistema Único de Saúde) esteja previsto no artigo 32 da Lei 9.656, de 1998, os planos de saúde têm recorrido a ações judiciais para não fazerem o reembolso, quando se utilizam dos seus serviços. Argumentam que a lei é inconstitucional, já que a saúde é um "direito de todos" e um "dever do Estado". Segundo a notícia, só um escritório de advocacia de São Paulo já ajuizou 5.000 ações a favor de operadoras de várias regiões do Brasil, utilizando-se destes argumentos.

            O inusitado é que desde 1998, a Confederação Nacional de Saúde ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin 1931) contra a aplicação da lei, mas o Supremo Tribunal, passados 12 anos, não a julgou até hoje.

            Valendo-se dessa indefinição, as operadoras dos planos de saúde,  têm ajuizado inúmeras ações, abarrotando o Judiciário, para não ressarcirem o SUS, nos casos em que a lei determina.

             Embora sete ações, envolvendo sete diferentes operadoras, já tenham sido julgadas pelo Supremo determinando aos planos de saúde que reembolsem o SUS (Sistema Único de Saúde), o fato é que não foi elaborada nenhuma Súmula Vinculante sobre o assunto, o que obrigaria as instâncias inferiores a decidirem no mesmo sentido.

             Sem o Supremo Tribunal Federal se utilizar da Súmula Vinculante, mecanismo que lhe foi assegurado pela Emenda Constitucional nº45 e que tem por objeto "a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre os órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica" e sem julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade, o impasse continua. Com isto, segundo o Tribunal de Contas da União, os planos de saúde deixaram de pagar R$2,6 bilhões ao SUS entre 2003 e 2007, valor suficiente para comprar os remédios do programa brasileiro de Aids por quase três anos. Isso sem falar nos ônus trazidos aos serviços do SUS, em detrimento daqueles que, de fato, deles necessitam.

            Esta postura do Judiciário e dos planos de saúde, infelizmente, só faz reforçar a conclusão de Anthony Pereira: " No Judiciário brasileiro, as pessoas com poder econômico, advogado talentoso, podem manipular o sistema".

sábado, 6 de novembro de 2010

O Direito e a pacificação da convivência social

          Em artigo de sua autoria, no Correio Braziliense de 19.10.10, sob o título "A sociedade do conflito", a desembargadora Mônica Sifuentes do TRF - 1ª Região, enfatiza: " Nas escolas se aprende que o direito é algo produzido pelo homem para atender uma necessidade básica da convivência social: viver em paz", daí porque para alcançar essa finalidade se propõe a resolver, pela composição ou pela imposição, os conflitos de interesses que se configurarem nas relações sociais.

          Chamando a atenção para o fato de que antes de ser um agente conformador da convivência social, o direito deve ser um assegurador dessa convivência, afirma que esses conceitos, que séculos de civilização construíram, soam vazio de significado quando confrontados com os números exorbitantes de processos judiciais em tramitação nos cartórios por este Brasil afora.

          Depois de esclarecer que só em seu gabinete dão entrada, mensalmente, de 800 a 1.000 processos novos, esclarece que " não há medida extraodinária nem reforma processual que dê conta daquilo que os processualistas já chamaram de 'explosão de litigiosidade' e que vem a ser essa impressionante sociedade conflitual em que vivemos".

          Afirmando que o litígio, pela lógica do nosso sistema judiciário, deveria ser a exceção não a regra, a desembargadora conclui que o problema da litigiosidade não se resolve apenas com novas formas de agilizar a resolução do conflito, mas evitando o próprio conflito.

          Sua postura não é nova e encontra eco em todos aqueles que procuram caminhos para resolver o problema da lentidão no Poder Judiciário. Entre tantas sugestões apresentadas, uma forma de evitar a litigiosidade, seria incentivar a resolução dos conflitos pela própria comunidade.

          Em sua obra "Acesso à Justiça", Cappelletti noticia a tendência nos Estados Unidos, já à época, para instalar "tribunais vicinais de mediação", com o objetivo de resolver querelas do dia a dia, notadamente questões de pequenos danos à propriedade ou delitos leves, que ocorrem entre indivíduos em qualquer agrupamento relativamente estável de trabalho ou de habitação.
  
       Como exemplo importante, o departamento de justiça americano desenvolveu, em 1977, uma experiência piloto de 18 meses com três "Centros Vicinais de Justiça". Cada Centro deveria ser um escritório numa comunidade, ao qual as pessoas acorressem com os mais variados problemas (problemas criminais e civis de vizinhança, família, habitação e consumo). O Centro ofereceria mediação, e, caso isso falhasse, a arbitragem, por intermédio de um determinado número de membros da comunidade treinados para a mediação e o arbitramento. A tônica dessas instituições está no envolvimento da comunidade, na facilitação de acordos sobre querelas locais e, de modo geral, na restauração de relacionamentos permanentes e de harmonia na comunidade.

          No Brasil, podem ser citadas duas experiências interessantes de solução de conflitos pela própria comunidade: a do Balcão de Direitos do Viva Rio e o Projeto Justiça Comunitária, de iniciativa do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

          O Balcão de Direitos Viva Rio, atua nas favelas do Rio de Janeiro, com cinco balcões instalados em prédios comunitários onde estudantes e outros voluntários atendem a comunidade. Inúmeros atendimentos já foram feitos, a partir de cálculos trabalhistas, mediação, conciliação, passando por orientações jurídicas em processos judiciais. Nos primeiros anos, em torno de 25% dos serviços demandados se relacionavam com ações judiciais, depois o número caiu para 15%. Isto demonstra que na medida em que a comunidade cria seus próprios meios de resolução de conflitos, a procura pelo Judiciário tende a ser menor.

          O Projeto Justiça Comunitária, de iniciativa do TJDF, é uma experiência em que agentes comunitários, escolhidos pela própria população, tem a responsabilidade de mediar conflitos. Ao contrário da conciliação, que opera com mecanismos de negociação voltados à eliminação do conflito pontual, a mediação comunitária possibilita que as partes em conflito construam, sob a ética da alteridade, as bases de uma relação social futura pautada no respeito e na solidariedade, diz Gláucia Foley, juíza coordenadora do programa. Trata-se de um processo no qual um membro da comunidade, sem qualquer poder de decisão, facilita que as partes em conflito construam, uma solução que tenha impacto social positivo, reelaborando o conflito.

          A conclusão é que um espaço onde seja facilitado o reestabelecimento do diálogo, com a resolução dos conflitos voltados à construção do consenso não só diminuiria a demanda ao Judiciário, mas, em contraposição à litigiosidade,  incentivaria a cultura da paz, principal razão da convivência social e finalidade última do Direito.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O direito ao prazo razoável do processo

          A Constituição Federal diz em seu artigo 5°, inciso LXXVIII, que  " a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

          Esse vem sendo o desafio do Judiciário atualmente: assegurar a razoabilidade do prazo processual, pois até o momento não existem dados estatísticos do Conselho Nacional de Justiça que permitam avaliar a real duração dos processos na Justiça.

          Os efeitos da demora são devastadores, pois, além de aumentar os custos para as partes, pressionam os economicamente mais fracos a abandonar as suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito.

          Afirma Carnellutti que: "O valor que o tempo tem no processo é imenso e em grande parte desconhecido. Não seria imprudente comparar o tempo a um inimigo, contra o qual o juiz luta sem trégua". Para o Judiciário surge o novo conceito do "tempo inimigo" e dos "males do retardamento", que constituem o fundamento de todas as queixas que contra ele se erguem, conforme Cândido Dinamarco.

          A preocupação pela tempestividade, ou oportunidade da tutela jurisdicional, tem sido objeto de disposições internacionais, seja no continente europeu, seja no sistema interamericano de direitos humanos. A Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, no artigo 6° parágrafo 1°, dispõe que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de "um prazo razoável", termina sendo uma Justiça inacessível. O Pacto de São José da Costa Rica, que integra a ordem jurídica brasileira desde a edição do Decreto n°678, de 06 de novembro de 1992 (Constituição, art. 5º, § 2º), inclui entre as garantias judiciais a de um julgamento em prazo razoável (seja em matéria penal, seja civil).

         Um fato é incontestável: por mais que o Judiciário tenha se esforçado atualmente, não consegue decidir com a rapidez com que a sociedade demanda. É como se estivesse em crescimento uma bolha cheia de sentenças contidas que, à medida que cresce, diminui a confiança dos cidadãos na Justiça.

          O que se verificca pelo Relatório do Justiça em Números 2009, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é que houve crescimento de 25% no total de processos acumulados nos tribunais, de 2008 para 2009: 70,1 milhões de ações para 86,6 milhões. (Não entraram no levantamento dados dos Tribunais Superiores e da Justiça Eleitoral).  Embora 25,5 milhões de casos tenham chegado aos tribunais no ano de 2009, somente 29% dos processos pendentes foram julgados de forma definitiva.

          Também pesquisas feitas pelo CNJ e IC Brasil FGV,( embasadas em dados referentes ao terceiro trimestre de 2009, colhidos até 18 de dezembro desse ano e enviados pelos próprios tribunais Estaduais, Federais e do Trabalho), demonstram que apenas 53% dos 5,1 milhões de processos, distribuídos antes de dezembro de 2005, foram julgados em todas as esferas.

          Essa mesma pesquisa conseguiu identificar algumas das razões que impediam o andamento dos processos, estando a principal na primeira instância (local em que se iniciam as demandas), onde os juízes estão sobrecarregados e sem infraestrutura, enquanto alguns gabinetes de desembargadores contam com até 30 servidores. A eficiência não está diretamente relacionada com a quantidade de verbas no orçamento, demonstrando a falta de gestão e planejamento nos tribunais brasileiros. Sem que os juízes liderem um processo de modernização e gestão no Judiciário, dificilmente será prestada a jurisdição num prazo razoável.

          Outro impedimento ao prazo razoável do processo é decorrente da postura dos órgãos públicos ou prestadores de serviço de natureza pública. Nesse sentido, dados de outra pesquisa "Judiciário em Números", de 2003, demonstram que 90% dos 140.000 recursos recebidos pelo STF naquele ano foram de recursos repetitivos (já havia posição consolidada do tribunal sobre a matéria) e tinham como vencido, na maioria das vezes o Poder Público, que recorreu para adiar o cumprimento da sentença. Os dados revelam, ainda, que 80% das causas que tramitavam nos tribunais superiores envolviam a administração pública federal, estadual ou municipal.

          Em artigo publicado publicado na Folha de São Paulo, sob o título "Drama do prazo razoável", Walter Ceneviva  informa que, de acordo com estatística do Tribunal de Justiça de São Paulo, também naquele Estado, onde tramita o maior número de ações do país, a maioria dos processos, cuja decisão toma tempo mais do que razoável, é de órgãos públicos ou prestadores de serviço de natureza pública. Na capital a telefônica tem um saldo de 4.547 processos enfrentados. No interior a estatística é liderada pela Nossa Caixa, agora sob o controle do Banco do Brasil, seguida pelo Bradesco. Em segunda instância a Fazenda do Estado tem 255.388 processos contra 136.032 do INSS.  Os dados evidenciam que sem combater a taxa de recorribilidade (recursos repetitivos) e a postura do Poder Público (recorrer para protelar o cumprimento de suas obrigações) dificilmente se prestará jurisdição num prazo razoável.

         Como não existe uma única, mas várias causas para que a prestação jurisdicional não ocorra em prazo razoável, poder-se-ia começar combatendo as duas principais causas apontadas pelas pesquisas: choque de gestão  no Judiciário e elevada taxa de recorribilidade, principalmente pelo Poder Público.

         Já seria um bom começo!