segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

STF X Lei Maria da Penha

      
     Em julgamento proferido na 5ª-feira, dia 09 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) 19 e Ação Indireta de Inconstitucionalidade (ADI) 4424, versando sobre a Lei Maria da Penha.

    Por unanimidade, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acompanharam o voto do relator da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 19, ministro Marco Aurélio, e concluíram pela procedência do pedido a fim de declarar constitucionais os artigos , 33 e 41, da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A Lei Maria da Penha é, pois, constitucional.

    Como amicus curiae da causa, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, fez sustentação oral defendendo a tese da constitucionalidade da lei. Ophir  citou dados estatísticos do Conselho Nacional de Justiça, obervando que a continuar esse tipo de violência doméstica familiar contra a mulher, poderemos chegar a uma verdadeira guerra civil dentro do lar.

    Conforme os dados do CNJ trazidos por por Ophir, desde a sanção da Lei Maria da Penha, até março do ano passado, foram distribuídos 331.796 processos por agressões a mulheres em todo o Brasil. Destes, foram sentenciados 110.998 processos, sendo expedidos 9.715 mandados de prisão em flagrante.

     A ação havia sido proposta pela Advocacia-Geral da União objetivando dirimir divergências quanto à aplicação da lei, tida por muitos juízes e tribunais como inconstitucional. Essa postura originava-se do entendimento de que a sua aplicação afrontava o princípio da igualdade, garantido no artigo 5º da Constituição Federal, ao tratar mulheres e homens de forma diversa.

    Contudo, o principal argumento da Ação Direta de Constitucionalidade, acatado pelo STF, é que o tratamento dispensado à mulher, nos casos de violência doméstica  não ofende o princípio da igualdade (artigo 1º). Os ministros também reconheceram as varas criminais como o foro correto para o julgamento dos processos cíveis e criminais relativos a esse tipo de violência, enquanto não estiverem estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, como já prevê o artigo 33 da lei. Também ratificaram a proibição de ações dessa natureza serem processadas em juizados especiais (artigo 41).

     No que se refere à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4424), ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, quanto ao artigo 16 da Lei Maria da Penha, a corrente majoritária da Corte acompanhou o voto do relator, ministro Marco Aurélio, no sentido da possibilidade de o Ministério Público dar início à ação penal sem necessidade de representação da vítima.

    O artigo 16 da lei dispõe que as ações penais públicas "são condicionadas à representação da ofendida", mas para a maioria dos ministros do STF essa circunstância acabava por esvaziar a proteção constitucional assegurada às mulheres. 

    Com esse entendimento, agora a representação é dispensável e o processo será iniciado, independente da queixa da mulher agredida.

    Primeira a acompanhar o relator, a ministra Rosa Weber afirmou que exigir da mulher agredida uma representação para a abertura da ação atenta contra a própria dignidade da pessoa humana. "Tal condicionamento implicaria privar a vítima de proteção satisfatória à sua saúde e segurança ".

   Já ao acompanhar o voto do relator quanto à possibilidade de a ação penal com base na Lei Maria da Penha ter início mesmo sem representação da vítima, o ministro Luiz Fux afirmou que não é razoável exigir-se da mulher que apresente queixa contra o companheiro num momento de total fragilidade emocional em razão da violência que sofreu.

   Por sua vez o ministro Dias Toffoli salientou que o voto do ministro Marco Aurélio está ligado à realidade. O ministro afirmou que o Estado é "partícipe" da promoção da dignidade da pessoa humana, independentemente de sexo, raça e opções, conforme prevê a Constituição Federal. Assim, fundamentando seu voto no artigo 226, parágrafo 8º, no qual se preceitua que "o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações", também acompanhou o relator.

    A ministra Cármen Lúcia destacou a mudança de mentalidade pela qual passa a sociedade no que se refere aos direitos das mulheres. Citando ditados anacrônicos -como "em briga de marido e mulher, não se mete a colher" e "o que se passa na cama é segredo de quem ama" -, ela afirmou que é dever do Estado adentrar ao recinto das "quatro paredes" quando na relação conjugal que se desenrola ali houver violência. "A interpretação que agora se oferece para conformar a norma à Constituição me parece basear-se exatamente na proteção maior à mulher e na possibilidade, portanto, de se dar cobro à efetividade da obrigação do Estado de coibir qualquer violência doméstica. E isso que hoje se fala, com certo eufemismo e com certo cuidado, de que nós somos mais vulneráveis, não é bem assim. Na verdade, as mulheres não são vulneráveis, mas sim mal tratadas, são mulheres sofridas", asseverou.

     Concordando com o relator, o ministro Ricardo Lewandowski chamou atenção para aspectos em torno do fenômeno conhecido como "vício da vontade" e salientou a importância de se permitir a abertura da ação penal independentemente de a vítima prestar queixa." As mulheres, como está demonstrado estatisticamente, não representam criminalmente contra o companheiro ou marido, em razão da permanente coação moral e física que sofrem e que inibe a sua livre manifestação da vontade"
    
   Mesmo afirmando ter dificuldade em saber se a melhor forma de proteger a mulher é a ação penal pública condicionada à representação da agredida ou a ação incondicionada, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator. Segundo ele, em muitos casos a ação penal incondicionada poderá ser um elemento de tensão e desagregação familiar. "Mas como estamos aqui fixando uma interpretação que, eventualmente, declarando (a norma) constitucional, poderemos rever, diante inclusive de fatos, vou acompanhar o relator", disse.

    O ministro Joaquim Barbosa, por sua vez, afirmou que a Constituição Federal trata de certos grupos sociais ao reconhecer que eles estão em situação de vulnerabilidade. Para ele, quando o legislador, em benefício desses grupos, edita uma lei que acaba se revelando ineficiente, é dever do Supremo, levando em consideração dados sociais, rever as políticas no sentido da proteção. "É o que ocorre aqui", concluiu.

   Para o ministro Ayres Britto, em contexto patriarcal e machista, a mulher agredida tende a condescender com o agressor. "A proposta do relator no sentido de afastar a obrigatoriedade da representação da agredida como condição de propositura da ação penal pública me parece rimar com a Constituição", afirmou.
  
    O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, também acompanhou o relator. "Estamos interpretando a lei segundo a Constituição e, sob esse aspecto, o ministro-relator deixou claramente estabelecido o significado da exclusão dos atos de violência doméstica e familiar contra a mulher do âmbito normativo da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), com todas as consequências, não apenas no plano processual, mas também no plano material", disse. Para o ministro Celso de Mello, a Lei Maria da Penha é tão importante que, como foi salientado durante o julgamento, é fundamental que se dê atenção ao artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal, que prevê a prevenção da violência doméstica e familiar.