segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Ineficácia das decisões judiciais

          Em artigo de sua autoria, "A Reforma do Poder Judiciário", publicado em 1998, a ministra Carmen Lúcia leciona que para o cumprimento democrático da jurisdição é necessário vencer três etapas de um percurso estatal que vai do acesso assegurado ao cidadão ao órgão judicial competente, passa pela eficiência da prestação jurisdicional e se aperfeiçoa na eficácia da decisão judicial proferida.

            Infelizmente, o Judiciário brasileiro não consegue cumprir de forma efetiva nenhuma das três etapas.

            1ª etapa: acesso ao órgão judicial competente

            As dificuldades do acesso ao judiciário são inúmeras. A começar pelo modelo processual adotado pelo Brasil, que com seus formalismos e ritos, mantém o universo jurídico como um espaço de extremo poder, cujo ingresso não é confiado às pessoas comuns. Com linguagem rebuscada, estrutura burocrática das varas judiciais e a postura de seus escrivães e juízes, cria-se uma enorme barreira entre o mundo do direito e os cidadãos usuários em potencial da prestação jurisdicional. Outra barreira do acesso à jurisdição é a não instalação de Defensorias Públicas nos diversos estados da federação em número suficiente para atender à população carente. Além disso, contribui também para a dificuldade de acesso os custos. Embora o Estado pague os salários dos juízes e dos funcionários do judiciário e proporcione os prédios e outros recursos necessários aos julgamentos, as pessoas precisam suportar a maioria dos custos dispendidos com a solução de uma demanda, tais como, honorários advocatícios, custas judiciais e pagamento de exames periciais.

            Pesquisa do Ipea, divulgada no dia 17.10.10, sobre a percepção dos brasileiros em relação aos serviços públicos, confirma a sua insatisfação no que se refere aos custos e à facilidade do acesso à Justiça. Nestes quesitos as notas foram, respectivamente, 1,45 e 1,48, ficando abaixo da média de 2 pontos estabelecida pela pesquisa para essa escala.

             2ª etapa: eficiência na prestação jurisdicional

            O direito à jurisdição compreende o direito de obter uma decisão judicial eficiente, produzida tempestivamente, capaz de recompor o direito violado ou ameaçado de violação e a segurança jurídica do demandado. Os efeitos da demora são devastadores, pois aumentam os custos para as partes e pressionam os economicamente fracos a abandonar as suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito. Neste aspecto a justiça brasileira deixa muito a desejar.

            A  confirmar a incapacidade do Judiciário, a mesma pesquisa do Ipea demonstra que no quesito rapidez nas decisões, a nota dada pelos cidadãos à Justiça foi de 1,18, também abaixo da média de 2 pontos.
            Leciona  Dinamarco, que os males da corrosão e frustração que o decurso do tempo pode trazer à vida dos direitos constituem ameaça à efetividade da tutela jurisdicional contida nas constituições modernas. Ameaça tão grave que em tempos modernos se vem afirmando que a garantia do acesso à Justiça só se considera efetiva quando for tempestiva.

            3ª etapa: a eficácia da decisão jurisdicional

            O direito à prestação jurisdicional do Estado não esgota o seu conteúdo no direito de acesso ao Judiciário, nem se restringe a obter uma decisão sobre o mérito do litígio, mas inclui também o direito à execução da decisão, sob pena de ser esta privada de grande parte de sua efetividade.
           No Brasil são comuns os casos de liminares ignoradas pelo poder público e de sentenças que levam anos para serem cumpridas, caindo no esquecimento, resultando não só na impunidade, mas também no desprestígio do Poder Judiciário.
           
          Nesse sentido, um grande exemplo da não efetividade das decisões judiciais é o seu não cumprimento pela pessoa pública. O precatório, que representa a dívida da União, dos estados e municípios reconhecida pela Justiça, torna o seu pagamento obrigatório. Entretanto, passou a ser utilizado pelo Poder Público para frustrar e não cumprir as decisões judiciais, acumulando dívidas milionárias e lesando os cidadãos que acreditaram na Justiça.
           Outro problema, verificado em alguns estados, é o desrespeito a sentenças que determinam a reintegração de posse de terras ilegalmente ocupadas por invasores. O estado do Pará responde a um processo de intervenção, que tramita no STF, desde dezembro de 2009, devido a sucessivos descumprimentos de decisões judiciais que determinam a reintegração de posse de terras das regiões sul, sudeste e oeste do Estado.
          A avaliação feita por alguns juristas é de que o Brasil ainda não concluiu o seu ciclo de redemocratização. Para Luís Roberto Barroso, quando uma decisão judicial fica apenas no papel, não só o Judiciário, mas também o Estado democrático de direito, tem a sua credibilidade comprometida. Já o ministro Marco Aurélio afirma: "Num Estado realmente democrático, a decisão judicial, principalmente da Suprema Corte, tem que ser observada de imediato".
          Embora descumprir decisão judicial seja crime e o Judiciário, portanto, tenha meios de fazer valer as  suas decisões, o fato é que os juízes brasileiros vacilam e não seguem à risca esse preceito.

            Não é de se surpreender, pois, que quando avaliada de maneira geral, a Justiça recebeu nota 4,55 numa escala de 0 a 10, na já referida pesquisa do Ipea.