quarta-feira, 28 de julho de 2010

Justiça Restaurativa: uma alternativa ao ineficiente sistema penal

           O professor de Sociologia e Justiça Restaurativa na Eastern Mennonite University, Virgínia (EUA), Howard Zeher, que há mais de 30 anos vem formulando o conceito de Justiça Restaurativa, em seu livro "Trocando as Lentes", esclarece que um dos objetivos desta Justiça é fazer com que o transgressor entenda o impacto que causou à vítima. Ou seja, é importante colocar a vítima frente a frente com o algoz, abrindo a possibilidade de que ela relate a sua dor, na expectativa de que com isso provoque no acusado o arrependimento.

           Diversamente da Justiça tradicional, onde a responsabilidade pelo crime é tipificada em lei, com pena defiinida, a proposta é delegar às partes a resolução dos conflitos, sem a intervenção do Estado. A responsabilização é acordada entre vítima, acusado, família e comunidade.

          Conforme o professor, o sistema tradicional não coloca a vítima e suas necessidades no centro da questão. Hoje o crime é contra o Estado e a lei foca, primordialmente, a punição do criminoso. A primeira coisa que a Justiça Restaurativa faz é dar à vítima um papel muito mais importante. Para isso, o que interessa é entender o mal que foi causado e como repará-lo. Um dos problemas do modelo tradicional é que os criminosos, geralmente não entendem o impacto que causaram e o Estado precisa provar o crime. O fato é que, ao ir para a prisão, o criminoso não desenvolve empatia pela vítima. Na Justiça Restaurativa ele começa a pensar no que fez, diz o professor.

           Após enfatizar que o encontro da vítima e acusado não é apropriado para todos os casos, até porque nem todas as vítimas vão querer, ele assegura, embasado em pesquisas que, com o uso da Justiça Restaurativa, o índice de reincidência cai um terço e quando há o cometimento de um novo crime esse é menos grave do que o anterior. Estudos mostram, ainda, que na Justiça Restaurativa 90% das vítimas ficam satisfeitas e a recomendam a outras pessoas. Por se sentirem tratadas de forma justa, há uma diminuição do estresse.

           Informa também Zeher, que a Nova Zelândia organizou o Judiciário em torno dessa idéia. O país não acredita que prender seja a melhor solução para crimes menores. Preferem o círculo restaurativo, que é acompanhado por facilitadores treinados, não por Juízes, cuja presença remeteria à autoridade tradicional.

           É interessante ressaltar que âmbito da Justiça Restaurativa as expressões "crime" ou "infração" são substituídas por "ofensa", uma vez que seu objetivo é curar ofensas e relacionamentos rompidos. Nessa nova postura, é facilitada a construção de novos valores e vínculos saudáveis, com um conjunto maior de pessoas envolvidas no diálogo do que realmente funciona em suas comunidades. A preocupação é com a construção da ordem social a partir da base, com ênfase mo sentimento de pertencer à família, ao bairro, à escola e ao país, o que demanda tempo, mas produz resultados sustentáveis.

           Embora no Brasil a proposta da Justiça Restaurativa seja vista com cautela por alguns magistrados, para o presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) Mozart Valadares é preciso apostar num novo modelo, "principalmente porque o atual já mostrou que não consegue recuperar ninguém".

           Afirma Maria José Miranda, titular da Promotoria do Júri de Brasília e da Promotoria de Execuções Penais e Medidas Alternativas: "Culturalmente o nosso sistema jurídico é altamente protetor do criminoso. É garantista, minimalista, abolucionista e protecionista de criminoso. Isso se reverte em desproteção da sociedade ordeira, das pessoas de bem."

           Não resta dúvida, portanto, que apostar na Justiça Restaurativa pode sim ser uma alternativa ao nosso ineficiente sistema jurídico penal.

domingo, 25 de julho de 2010

Execução da pena de criminosos com transtorno psicológico

           Mais uma vez assistimos, atônitos, outro caso de criminoso, que por falha da Polícia e da Justiça, embora já condenado, é solto irregularmente e volta a delinquir.

          É o caso de Adaylton Nascimento Neiva que, em abril de 2000, depois de assassinar a mulher Elenice Geralda Lucas, grávida de 5 meses e a enteada de 5 anos no Novo Gama -GO é preso pela polícia de Goiás, mas em 10 de janeiro de 2001 a Justiça decide por sua liberação por haver ficado preso preventivamente por quase 10 meses, quando só poderia ficar preso 110 dias: a polícia do Novo Gama demorou mais tempo do que o permitido para concluir o inquérito, ultrapassando o prazo legal. Trinta e nove dias depois, em fevereiro e março de 2001, ele estupra três mulheres na região do Gama -DF e do Novo Gama -GO e acaba preso pela polícia do Distrito Federal, em 17 de março do mesmo ano, sendo condenado pela Justiça do Distrito Federal a uma pena de nove ano e seis meses em regime fechado.

           Muito embora houvesse sido condenado pela Justiça de Goiás, em novembro de 2005,  a 32 anos e 4 meses de reclusão pelo crime que cometera em abril de 2000 (assassinato da mulher grávida e de sua enteada), a Justiça do Distrito Federal, sem qualquer consulta à Justiça de Goiás, concedeu-lhe o benefício de progressão de regime, após o cumprimento de três anos e sete meses (2/5) da pena de nove anos e seis meses em regime fechado a que fora condenado pelo estupro das mulheres em seu território.

           No dizer de Fabiano Medeiros de Sousa, Chefe do Centro Integrado de Operações de Segurança do Novo Gama, o correto seria ter havido comunicação entre as duas Justiças: a de Brasília consultar a do Novo Gama antes de conceder o benefício e a do Novo Gama consultar a de Brasília para saber se ele ainda estava preso e avisar da nova condenação, o que lamentavelmente não ocorreu.

           A falha, porém, não para por aí: assim como Ademar de Jesus Silva (maníaco acusado de matar sete adolescente em Luziânia -GO), Adaylton ganhou o direito de cumprir a pena em regime semiaberto, mesmo com dois laudos criminológicos dos psicólogos do Sistema \Penitenciário (Sesipe) atestando que ele apresentava alterações no comportamento e, por esse motivo, não poderia voltar ao convívio social. O segundo laudo ressalta, em setembro de 2004, que não tinha havido melhora no quadro e que a concessão do benefício de progressão do regime seria possível, desde que o preso fosse submetido a acompanhamento psicológico, o que nunca ocorreu.

           Considerado apto a voltar às ruas, embora dois laudos já houvessem atestado que ele apresentava alterações no comportamento necessitando de tratamento, em abril de 2008 a Vara de Execuções Criminais do \Distrito Federal, embasada em um laudo de setembro de 2008, que o considerou com comportamento normal, sem que houvesse sido submetido a nenhum tratamento, autorizou que ele passasse a cumprir a pena em regime semiaberto (trabalha durante o dia e dorme na prisão).

           Em setembro de 2009, saiu para trabalhar e não retornou ao presídio. No dia 29 deste mês ele estuprou e matou a dona de casa Evanilde dos Santos Ribeiro. Dois meses depois, tirou a vida de Alessandra Alves |Rodrigues, de 14 anos, em um matagal no Novo Gama. Depois confessou ter matado mais outras quatro mulheres.

           Ilana Casoy, especialista que há dez anos estuda o perfil de assassinos em série afirma: "O criminoso em série é um andarilho. Mas como pegá-lo se não existe um banco de provas? Não há sequer uma Central com informações dos detentos".

           É estarrecedor constatar, mas no Brasil, em plena era da informática, não existe uma rede que centralize os dados dos detentos. Afirma a especialista em psicologia jurídica Maria Adelaide de Freitas Caires: "Lamentavelmente, os setores não trocam informações. Geralmente eles mandam as pessoas serem acompanhadas por especialistas, mas o Estado não oferece condições para isso. O que precisa ser repensado é o sistema. Hoje o diretor emite um parecer e o juiz concede o privilégio com base em dados e na percepção de outro".

            Enquanto isso, pessoas sem estarem aptas ao convívio social, continuam sendo soltas, sem qualquer tratamento ou acompanhamento, e o cidadão, completamente desamparado,  a mercê desses indivíduos, continua violado em seu direito à integridade.

            "Se eu for solto, volto a matar", afirma Adaylton Nascimento Neiva, que com essa frase parece ter mais lucidez do que aqueles  que o liberaram.


quarta-feira, 14 de julho de 2010

A pacificação dos conflitos pelo consenso

          Pesquisa nacional efetuada pela FGV Direito Rio com o Ipespe, em 2009, esclarece que um em cada cinco brasileiros foi autor ou réu em 2008, que cerca de 80% acredita que vale a pena procurar a Justiça, sendo que mais de 50% estão satisfeitos ou muito satisfeitos com o atendimento recebido e com os resultados obtidos.

          O que distoa desse panorama, contudo, é a lentidão. Não há queixa do brasileiro quanto à qualidade das sentenças, mas quanto à quantidade. Cerca de 88% caracterizam a Justiça como lenta e 78% como cara, daí porque 43% prefeririam assegurar seus direitos pela conciliação.

            Portanto, se quiser atender aos anseios do povo, o caminho que o Judiciário deve seguir deve ser menos adjudicação e mais conciliação, conforme Joaquim Falcão, diretor da FGV Direito Rio.

          A explosão de litigiosidade no âmbito do Judiciário, se por um lado revela-se positiva como expressão da consciência dos cidadãos em relação aos seus direitos, por outro reflete a ausência de espaços destinados à resolução de conflitos entre as partes, onde sejam oferecidas oportunidades de diálogo, com a utilização de técnicas apropriadas.

          O fato é que, por mais que o Judiciário se esforce em modernizar os seus recursos, sejam humanos, materiais, normativos e tecnológicos a explosão de litigiosidade superará os avanços obtidos.

         Em artigo publicado na Folha de São Paulo de 24.06.08, sob o título "Sistema multiportas: o Judiciário e o consenso", Nancy Andrighi e Gláucia Falsarella Foley afirmam que "para o sistema operar com eficiência, é preciso que as instâncias judiciárias, em complementariedade à prestação jurisdicional, implementem um sistema de múltiplas portas, apto a oferecer meios de resolução de conflitos voltados à construção do consenso, dentre eles, a mediação.

          Nessa técnica, dizem as autoras, as partes constroem, em comum, uma solução que atenda às suas reais necessidades, porquanto o mediador não julga, não sugere, nem aconselha, mas fascilita o restabelecimento do diálogo.

           O fato é que a mediiação, como também a conciliação e a negociação, podem ser adotadas tanto antes como após o ajuizamento do processo contribuindo, sobremaneira, para a melhoria da prestação jurisdicional.

           Na ótica do Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Rogério Favreto, o Brasil enfrenta problemas de difícil equação dentro da lógica e do respeito ao acesso à Justiça, pois os modelos tradicionais encontram-se significamente esgotados para uma resposta eficaz ao universo maior e cada vez mais complexo de conflitos sociais. Nesse sentido, a política pública de "Redes de Mediação" pretende, por meio de cursos de aperfeiçoamento aos operadores jurídicos, para composição e mediação de conflitos, um novo paradígma cultural.

           Operando numa perspectiva diversa da cultura do bacharelismo e do mercado de trabalho do profissional do direito, centrada na lógica do confronto, a idéia é trabalhar com uma solução pacífica e negociada, ou seja, mais preventiva do que curativa dos conflitos.

           Levando em conta a multiplicidade de sujeitos a serem alcançados, o projeto sugere três momentos de abordagem no campo da cognição e no das práticas profissionais voltadas à mediação e conciliação:   
             a) introduzir nas grades curriculares do curso de direito espaços destinados à formação no   campo da mediação e composição dos conflitos, articulados com os núcleos de prática   jurídica;
             b) cursos de aperfeiçoamento em técnicas de mediação e composição de conflitos para os atuais profissionais do direito (magistrados, promotores de justiça, defensores públicos, advogados públicos e particulares);
              c) constituição de núcleos de Justiça comunitária voltados à formação de agentes comunitários de mediação, na perspectiva de criar meios alternativos de resolução de conflitos.

           Não resta a menor dúvida, que tais iniciativas uma vez implementadas, mostrarão uma nova estrada a ser construída, baseada na facilitação do diálogo, com respeito às diferenças. Ao se conferir um sentido positivo ao conflito, além de atender aos anseios do povo, o Estado estará também efetivando o direito fundamental de acesso à Justiça.
                             

sábado, 10 de julho de 2010

Denúncias em Delegacias não redundam em Inquérito Policial

          Michel Misse, em seu livro "O Inquérito Policial no Brasil: uma pesquisa empírica" (ed.Book Link), comprova estatisticamente que, na grande maioria das vezes, as ocorrências lavradas em uma Delegacia não se transformam em inquérito, e, consequentemente, não são encaminhadas ao Judiciário para o seu pronunciamento.

          Na análise que o autor fez nos casos de homicídios dolosos em cinco capitais, chegou à conclusão que apenas 16% dos casos redundaram em processos judiciais, sendo que no Rio de Janeiro somente 11%. Isso nas hipóteses de homicídio doloso (com a intenção de matar), um delito gravíssimo.

          O polêmico caso do goleiro Bruno, do Flamengo, confirma a pesquisa. Uma mulher, Eliza Samúdio, grávida, foi a uma Delegacia no Rio de Janeiro, denunciou a agressão física por ela sofrida, narrou que fora mantida em cárcere privado, sendo obrigada a tomar substâncias abortivas pelo suposto pai de seu filho. A denunciante foi mandada ao IML pela delegada que requereu exames de corpo de delito e de urina e, invocando a lei Maria da Penha, solicitou, ainda, proteção à vítima.

          Oito meses e meio depois, o acusado sequer havia sido ouvido, a vítima não havia recebido qualquer proteção e o exame de urina não ficara pronto. O argumento do IML é o de que não foi pedida urgência. E precisava?

          Na verdade, o problema ainda mais se acentua, quando a denúncia de agressão é feita por uma mulher. Apesar de crescerem as denúncias de agressão contra as mulheres, apenas 3,59% delas resultam em punição aos culpados, conforme pesquisa feita em Minas Gerais pela SEDESE (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social). Na 13ª Vara do Forum Lafaiete, em Belo Horizonte, especializada na Lei Maria da Penha, tramitam hoje mais de 26 mil processos contra agressores, sendo 65% relacionados à lesão corporal, 30% referentes a ameaças e 0,5% referentes a estupro. Em média, conforme o Juiz substituto Nilceu Buarque de Lima são protocolados dez processos por dia. Esse número ainda seria maior se fosse assegurada maior proteção às vítimas.

          No caso de Eliza Samúdio, se essa proteção tivesse sido assegurada, provavelmente sua vida estaria preservada e o caso não tomaria a dimensão que tomou. Lamentavelmente, o Estado deixou ao desamparo uma cidadã, que acreditando no funcionamento da Polícia, buscou proteção e encontrou  apenas omissão e descaso.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Greve no Judiciário

          Segundo a Fenajufe (Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal), as diversas greves nas Justiça Federal, Trabalhista ou Eleitoral já atingem 21 Estados e o Distrito Federal. Os locais afetados são: AC, AL, AM, BA, CE, DF, ES, GO, MA, MG, MS, MT, PE, PI, PR, RO, RS, RR, SC, SP, RJ e TO. Há greve também na Justiça estadual em São Paulo, Mato Grosso, Ceará e Paraíba.

          Como na maioria dos Estados a greve dura mais de um mês, os prejuízos são enormes para a população: remarcação de audiências para o próximo ano, de processos que já duram anos, saques de recursos já autorizados retidos por falta de certidões, empresas que deixam de concretizar negócios por falta de documentação do Judiciário, entre outros.

          Em análise feita na Folha de São Paulo de 26.06.10, Joaquim Falcão afirma que o servidor do Judiciário pode entrar em greve, mas esse direito não é absoluto. O cidadão tem direito à Justiça, como tem à segurança, educação e saúde. O desafio é assegurar ambos direitos - greve e acesso à Justiça - quando o Judiciário paralisa. A greve não pode ser geral, ao ponto de impedir a continuidade dos serviços judiciais, com agravamento da lentidão.

          A verdade é que ninguém, nem os cidadãos, nem os legisladores, têm acesso a dados precisos sobre o Judiciário e o seu funcionamento. Não se sabe se os funcionário ganham muito ou pouco em relação ao mercado, ao serviço que prestam, ou em relação à remuneração do Executivo ou do Legislativo.

          No entendimento de Falcão, embora o Judiciário já tenha decidido que o publicar o salário de cada um ofende o direito à privacidade, nada impede que as estatísticas do CNJ incluam tabelas de salários por cargo, quantidade de servidores em cada cargo, total geral das despesas. Tecnicamente é possível. E politicamente? indaga.

          Matéria publicada no Correio Braziliense de ontem (05.07.10), sob o título "Choque de realidade", informa que o Judiciário decidiu apertar os critérios na hora de abrir novas vagas para magistrados e servidores. O choque de realidade vem sendo aplicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao analisar os sempre numerosos pedidos de reforço no quadro de pessoal enviados pelos tribunais. O obetivo de tais restrições é racionalizar a folha de pagamento dos funcionários. A preocupação com os gastos se justifica, porquanto só em 2008, os cofres públicos desembolsaram R$ 33,5 bilhões para manter de pé a máquina do Judiciário. Desse total, 92,2% foram destinados a despesas com servidores.

          Conforme dados divulgados pelo CNJ, em seu site, o custo da Justiça Federal brasileira passou de R$3,5 bilhões para 5,2 bilhões, representando um aumento de 47,6% entre 2004 e 2008. No entanto, apesar do aumento de despesas, o número de casos pendentes de julgamento cresceu de 3,1 milhões em 2004, chegando a 3,3 milhões no final de 2008.
          Taxa de congestionamento menores:
          Em 2006 - 58,2%
          Em 2007 - 57,6%
          Em 2008 - 58,9%.

          Às vésperas da concessão de um reajuste médio de 56%, o comprometimento das receitas dos tribunais federais com o pagamento dos salários será ainda maior, a partir de 2011. O aumento que beneficiará os cerca de 100 mil empregados da Justiça Federal custará pelo menos R$7 bilhões aos cofres públicos.

          Na fala do Ministro Gilson Dipp, Corregedor Nacional de Justiça: "Não se resolvem os problemas do Judiciário apenas aumentando o número de Varas. Nós do Judiciário, temos os mesmos compromissos que o Legislativo e o Executivo no que diz respeito à aplicação dos impostos".

          O fato é que sendo a administração da justiça um serviço público, uma vez que tem a sociedade por clientela, o atendimento judicial ao público deve nortear a legitimidade desse Poder, advinda, em última análise, da eficiência de seus serviços.
   

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Precatórios não cumpridos. Lesão à cidadania.

          Mesmo que o cidadão tenha acesso à jurisdição (capacidade que o Estado tem de decidir imperativamente e impor decisões), obtendo uma decisão tempestiva e eficiente, o direito à jurisdição só se completa se a decisão obtida tiver cumprimento imediato, produzindo seus efeitos. Caso contrário, o Estado deixa de cumprir o seu papel que é o de promover a justiça pleiteada pelo cidadão.

          O direito à prestação jurisdicional do Estado não esgota o seu conteúdo no direito de acesso ao Judiciário, nem se restringe a obter uma decisão sobre o mérito do litígio, mas inclui também o direito à execução da decisão.

          Nesse sentido, é importante se repensar o modelo brasileiro de cumprimento das decisões judiciais pela pessoa pública. O precatório, que representa a dívida da União, dos estados e municípios reconhecida pela Justiça, torna o seu pagamento obrigatório. Após emitido, o valor deve ser pago, conforme previsão orçamentária para o ano de sua destinação.

          Contudo, o precatório passou a ser um instrumento utilizado pelo poder público para frustrar e não cumprir as decisões judiciais, prejudicando a imagem do Judiciário perante os cidadãos, que passam a vê-lo como um poder sem poder.

          Atualmente, vários estados brasileiros estão ameaçados de intervenção federal por deixarem de pagar dívidas bilionárias, mas se amparam na Emenda Constitucional 62 para ampliar o prazo de pagamento. Essa  emenda, também chamada "emenda do calote", objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela OAB perante o Supremo Tribunal Federal, começou a vigir a partir de dezembro de 2009. Referida emenda, amplia para 15 anos o prazo de pagamento dos precatórios, além de estabelecer um percentrual mínimo dos orçamentos para quitar as dívidas, permitindo que o detentor do precatório que oferecer maior desconto receba primeiro. Outra alteração prevista é a de que metade dos recursos deve ser destinada aos chamados precatórios alimentícios, levando em conta a ordem cronológica, os precatórios mais antigos, com prioridade aos idosos, pessoas com doenças graves e aqueles detentores de menores valores.

          A propósito, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma Resolução com 46 artigos, definindo medidas práticas para que a Emenda Constitucional 62 seja cumprida.

          Conforme afirma o presidente nacional da OAB Ophir Cavalcante, da forma como foi concebida, essa resolução afasta a possível influência que governadores e prefeitos possam ter na questão dos pagamentos e estabelece regras bastante rígidas aos entes da Administração Pública que não pagarem o que devem, sujeitando-os a uma possível intervenção federal.

          De acordo com o relator da proposta no CNJ, conselheiro Ives Gandra Martins Filho, a medida dará cumprimento efetivo à Emenda Constitucional 62.

          Entre outros aspectos, a resolução define que os formulários para a expedição de precatórios sejam padronizados, determinando, também, que sejam firmados convênios entre os tribunais e entidades públicas com o objetivo de organizar e controlar a listagem de pagadores. Ainda por intermédio da resolução, foi instituído o Cadastro de Entidades Devedoras Inadimplentes (Cedin), contendo a relação das entidades que não efetuarem o pagamento dos precatórios, que poderão sofrer sanções como a proibição de receber repasses da União. Ficou estabelecida a criação de um comitê gestor dos precatórios composto por um juiz esatadual, um federal e um do trabalho, que auxiliará o presidente do Tribunal de Justiça a gerenciar o controle dos pagamentos.

          Louvável a atitude do CNJ, mas a questão dos precatórios continua sendo um desrespeito total com o cidadão, que acredita na Justiça e muitas vezes espera toda a vida e morre sem conseguir o direito buscado, embora reconhecido judicialmente.