quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Grande desafio: punir os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro

          O novo ministro da justiça, José Eduardo Cardozo, deverá enviar ao Congresso Nacional texto já pronto, na Secretaria de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, contendo proposta de projeto de lei prevendo a transferência  para uma conta judicial do Estado de bens e recursos apreendidos de criminosos.

          Referida proposta torna indisponíveis bens dos investigados, do acusado, das pessoas a eles ligadas, de empresas e de laranjas. Essa indisponibilidade poderá recair sobre bens imóveis, animais, obras de arte ou qualquer outra propriedade que tenha valor econômico. Caso apovadas essas alterações, o Estado terá permissão para transferir e vender bens de organizações criminosas, antes mesmo do julgamento do processo, depositando os recursos apurados em uma conta judicial. Além de se reduzir gastos com a manutenção desses bens, evitar-se-ia a deterioração de bens como veículos, aeronaves, barcos e fazenda, entre outros.

          Uma das maiores queixas dos juízes de todo o país é referente às dificuldades enfrentadas para decretar a perda de bens de criminosos: por falha na legislação e por lhes faltar instrumentos jurídicos.

          Responsável por cadastrar todos os bens apreendidos no país, sejam eles da Justiça Federal ou Estadual, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no último balanço do Sistema Nacional de Bens Apreendidos, informa que mais de R$ 1 bilhão em objetos e espécie estão sob a tutela da Justiça. Desse total, pelo menos bens equivalentes a R$ 899,2 milhões estão se deteriorando em pátios e depósitos.

          Merece ainda se destacar no projeto a previsão de decretar a indisponibilidade dos bens dos envolvidos, em casos de cooperação penal internacional, independentemente da existência de inquérito policial. Outra novidade é que o Ministério Público poderá requerer a posse dos bens em ações penais públicas nas quais a denúncia demonstre que o crime resultou em proveito econômico.

          É de se lamentar que esse projeto tenha ficado de fora da reforma do novo Código de Processo Penal, já aprovado pelo Senado em dezembro passado.

          Além desse, merece destaque outro projeto importante. É o PL 3443, que altera a Lei 9.613/98, de combate à lavagem de dinheiro, objetivando facilitar e ampliar a sua aplicação. Este projeto prevê genericamente como sujo qualquer dinheiro vindo da prática de infração penal. Com isso, ficará mais fácil caracterizar os crimes de lavagem, que poderão ser relacionados, por exemplo, ao dinheiro do jogo do bicho, ou do comércio clandestino de obras de arte. Outra inovação é o aumento da pena para os crimes de lavagem de dinheiro, que hoje pode ser no máximo de 10 anos e passa para no máximo 18 anos de reclusão.

          A rápida tramitação desses projetos no Congresso se justifica, porque conforme o GAFI, órgão ligado à ONU, que monitora as políticas contra a lavagem de dinheiro, o Brasil não consegue punir esse tipo de crime, praticado por traficantes de drogas, corruptos e criminosos do colarinho branco. Os princioais problemas citados são:

          a) Inexperiência das cortes superiores (os casos de lavagem de dinheiro tendem a ser mais complexos que outros tipos de delito);

          b) recursos excessivos. O Brasil possui um sistema de recursos com um entendimento muito liberal sobre os diretios do réu: uma condenação de primeira instância, mesmo mantida por um órgão colegiado superior (Tribunal) não é suficiente para a execução da pena, como ocorre na maior parte do mundo. Dos 1.311 processos que tramitaram nas varas judiciais especializadas em crime financeiro, em 2008, somente 10 tiveram sentença definitiva;

          c) dificuldade de se obter a quebra de sigilo (vista por alguns juízes como direito absoluto);

          d) pouca utilização da medida de apreensão de bens pelas autoridades e tribunais do Brasil;

          e) inexistência de responsabilidade penal das empresas.

          Embora prevista na Constituição Federal, a possibilidade de se processar criminalmente uma empresa ainda não foi regulamentada pelo Congresso Nacional, por falta de interesse. Contudo, o Brasil tem sido questionado a esse respeito por autoridades estrangeiras.

          Outra medida que já foi implantada em outros países como EUA, Inglaterra, Colômbia e Itália, que também poderia ser adotada no Brasil, é Ação Civil de Domínio, cujo objetivo é recuperar valores de pessoas físicas obtidos com a corrupção.

          A possibilidade de combater a corrupção e a lavagem de dinheiro existe. Basta vontade e empenho do Congresso Nacional, em criar os mecanismos legais necessários, votando os projetos em tramitação e maior eficiência do Judiciário.

          No encontro anual da Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro), realizado em Florianopolis (SC), em novembro de 2010, a falta de capacitação dos juízes para a condução e o julgamento de casos de crimes financeiros foi apontada como um dos principais problemas do país na atuação contra a lavagem de dinheiro.

          Nas palavras do ministro Gilson Dipp, do Superior Tribunal de Justiça: ""Temos poucas condenações em crimes financeiros no país e um dos motivos disso é a dificuldade de capacitação da magistratura brasileira para esses delitos, que em geral são complexos. A falta de conhecimento para o trato dessa matéria não ocorre só em relação aos juízes de primeira instância, mas também nas cortes superiores".