quarta-feira, 29 de junho de 2016

Audiências de Custódia já evitaram 45.000 prisões desnecessárias

Principal política criminal da atual gestão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as audiências de custódia já evitaram a prisão desnecessária de mais de 45 mil pessoas que, segundo a legislação brasileira, não precisavam aguardar o julgamento no cárcere. Dados fornecidos pelos tribunais até junho de 2016 mostram que, entre as 93,4 mil audiências de custódia realizadas, 47,46% resultaram em liberdade, com ou sem a imposição de medidas cautelares. Já a taxa de conversão de prisão em flagrante em prisão preventiva ficou em 52,54% (50 mil casos).
A audiência de custódia consiste na apresentação do preso em flagrante a um juiz em até 24h, ação que dá ao magistrado mais elementos antes de decidir sobre a necessidade da prisão preventiva – atualmente, 40% dos presos do país são provisórios, o que representa cerca de 250 mil pessoas. Além de dar cumprimento a tratados internacionais ratificados pelo Brasil, essa avaliação mais criteriosa da situação do preso em flagrante reforça soluções já adotadas pela legislação brasileira, que desde 2011 prevê uma série de medidas cautelares alternativas à prisão nos casos em que couber (Lei 12403/2011).
O CNJ começou a desenvolver as audiências de custódia de forma piloto em São Paulo em fevereiro de 2015 e, desde então, acordos com tribunais levaram a metodologia a todo o país. Dados coletados pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Medidas Socioeducativas do CNJ (DMF) mostram que as unidades da federação que mais fizeram audiências de custódia foram São Paulo (24,2 mil), Minas Gerais (8,6 mil), Distrito Federal (7,5 mil) e Paraná (5,4 mil), enquanto a maior proporção de liberdades provisórias foi observada nos estados de Alagoas (78,78%), Bahia (65,17%), Mato Grosso (59,92%) e Acre (58,76%).
Além de difundir uma nova lógica no tratamento das prisões provisórias, a metodologia das audiências de custódia também prevê parcerias com o Poder Executivo para o acompanhamento das pessoas colocadas em liberdade, por meio das Centrais Integradas de Alternativas Penais e das Centrais de Monitoração Eletrônica (Resolução 213/2015 do CNJ). Até junho deste ano, as audiências de custódia resultaram em quase 11 mil encaminhamentos sociais ou assistenciais (11,51% dos casos) com destaque para o Espírito Santo, que respondeu sozinho por um quarto dos registros (2,8 mil).
As audiências de custódia também se mostraram uma importante ferramenta na detecção de possíveis casos de violência ou abusos cometidos no ato de prisão, com mais de 5 mil registros até o momento (5,32% do total). Embora São Paulo seja o estado com maiores números absolutos, com quase 2 mil casos, a unidade da federação com maior percentual proporcional é o Amazonas, com 511 alegações de violência registradas em quase 40% das audiências de custódia.

Deborah Zampier

Agência CNJ de Notícias

sábado, 25 de junho de 2016

Prática Restaurativa de iniciativa do TJDFT é premiada

Incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a justiça restaurativa no país vem colecionando bons resultados na reparação dos danos decorrentes de atos delitivos, além de mudanças profundas no Poder Judiciário. Em Brasília, o servidor Júlio Cesar Rodrigues de Melo, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), venceu a VI edição do Prêmio Conciliar é Legal, promovido pelo CNJ, na categoria instrutores em conciliação e mediação. 

O curso Procedimento da Metodologia Vítima-Ofensor (MVO), idealizado por Melo e no qual foi instrutor, é ministrado para servidores e voluntários do Judiciário brasiliense e se destina a qualquer pessoa que possua curso superior e curso de mediação judicial. 
Para Júlio Melo, o método permite que, para além da aplicação objetiva da lei, sejam levadas em conta as necessidades da vítima, sem desconsiderar as do ofensor, permitindo que o sistema penal viabilize uma efetiva pacificação social. “Para as vítimas, a justiça restaurativa é uma oportunidade de superação dos traumas produzidos pelo crime, e de reparação pelos danos decorrentes, sejam estes físicos, morais ou psicológicos. Para o réu, é uma oportunidade de responsabilização por todas as consequências decorrentes do crime”, diz.

Metodologia - A técnica utilizada pelo TJDFT, chamada Mediação Vítima-Ofensor (uma das várias metodologias utilizadas em justiça restaurativa), consiste na utilização de métodos próprios para a promoção de um encontro, em um ambiente seguro, com a finalidade de restaurar as marcas deixadas pelo crime, sob a perspectiva da vítima, do ofensor e, quando cabível, da comunidade, indo além da exclusiva imposição de uma pena.
Mas o método, pondera Júlio, não é indicado para qualquer caso. Segundo o especialista, a justiça restaurativa só deve ser usada naqueles casos em que o ofensor revela indícios de arrependimento e desejo de buscar a reparação dos danos provocados por seu ato. Ele lembra que, no ano passado, um caso muito emblemático foi resolvido a partir desses pressupostos. Seis pessoas da mesma família foram atropeladas por um motorista, que avançou pela calçada. O motorista ofensor ficou em estado de choque. “A morte da matriarca da família não pôde ser reparada, mas, os demais danos, como sequelas físicas e emocionais, ele fez questão de reparar”, conta.

Justiça restaurativa - A Justiça Restaurativa vem sendo utilizada em vários estados brasileiros na resolução de conflitos entre jovens, comunidades e escolas. São Paulo, Pernambuco e Paraná são alguns dos 15 estados que trabalham com o método no Poder Judiciário. O CNJ defende que a Justiça recorra a métodos mais humanistas para abordar o fenômeno da violência e do crime, bem como viabilize mecanismos para a efetiva e ampla reparação dos danos causados por uma infração penal.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Fim da cultura do estupro requer mais do que leis

O recente caso da jovem estuprada por dezenas de homens no Rio de Janeiro provocou justa indignação na sociedade, ganhando ampla repercussão na imprensa.
Na esteira desse repugnante evento que teve lugar na cidade do Rio de Janeiro, mas que ocorre por todo o Brasil, apontou-se a existência de uma “cultura do estupro” em nosso país, expressão considerada “excessiva” ou “inadequada” em certos círculos de debates.
Mas afinal, o que se entende por “cultura do estupro”? Podemos afirmar que ela se acha presente em nossa sociedade? Sem pretensão de esgotar o tema, entendo oportunas algumas considerações.
Segundo a ONU Brasil[1]
“‘Cultura do estupro’ é um termo usado para abordar as maneiras em que a sociedade culpa as vítimas de assédio sexual e normaliza o comportamento sexual violento dos homens. Ou seja: quando, em uma sociedade, a violência sexual é normalizada por meio da culpabilização da vítima, isso significa que existe uma cultura do estupro. ‘Mas ela estava de saia curta’, ‘mas ela estava indo para uma festa’, ‘mas ela não deveria andar sozinha à noite’, ‘mas ela estava pedindo’, ‘mas ela estava provocando’ — estes são alguns exemplos de argumentos comumente usados na cultura do estupro.”
Ou seja, a expressão “cultura do estupro” guarda relação com a existência de um juízo moral consolidado ao longo dos tempos, configurador de uma “ideologia patriarcal” avalizadora da “cultura do machismo” ainda presente em nossa sociedade, e que coloca a mulher como propriedade e objeto de um desejo do homem, sendo que tal concepção distorcida da representação do feminino acaba por legitimar, de forma evidentemente indevida, o uso da violência física ou moral, para a satisfação dos instintos sexuais masculinos. A grande questão aqui é a maneira diversa como se considera a validade do consentimento quando externado por homens e mulheres. E subjacente a tal questão possível identificar um traço ancestral de dependência das mulheres em relação aos homens, com implicações na autonomia feminina para consentir. É como se um “não” feminino equivalesse a um “sim”. Ou, talvez, a um nada. Note-se que até o ano de 2009 o delito de estupro era considerado crime contra os costumes, como se a agressão à mulher atingisse, mais do que a ela mesma, à integridade moral de seu pai ou marido.
Ora, essa concepção disfuncional acerca do papel e do valor da condição feminina na sociedade impacta diretamente sobre a questão de gênero, sendo uma de suas expressões a inadequada divisão das mulheres entre “mães” (aquelas que são dignas e devem ser respeitadas) e as “outras” (as decaídas).
A dita “cultura do estupro”, portanto, decorre, em nosso entender, da relação histórico-cultural assimétrica entre homens e mulheres, com extensão nas questões de raça e condição social, assimetria existente não só no campo do comportamento sexual, mas também no âmbito das relações de trabalho e das relações domésticas.
De se apontar, nesse passo, a título de exemplo, que estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) de 2009[2] afirma que as diferenças salariais relacionadas a gênero e à etnia continuam sendo significativas em 18 países latino-americanos avaliados, constatando-se que o Brasil apresenta um dos maiores níveis de disparidade salarial. No nosso país, os homens recebem salários 30% maiores que as mulheres de mesma idade e nível de instrução, quase o dobro da média da região pesquisada (17,2%).
E o que dizer, então, da chaga da violência doméstica, que aterroriza e mutila tantas mulheres? Segundo dados do Ligue 180, no ano de 2015 houve 179 relatos de violência contra mulheres por dia[3].
O estupro, por sua vez, é crime que, conforme estatísticas recolhidas pela organização não-governamental Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), vitima uma mulher a cada 11 minutos em nosso País.
Segundo dados publicados no 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública 20154
“Estudos de diferentes países demonstram que o crime de estupro é aquele que apresenta a maior subnotificação e, como consequência, é muito difícil afirmar que há uma redução do fenômeno no Brasil. Para se ter uma ideia do que isso significa, o U.S. Department of Justice produziu estudo que verificou que, em 2010, apenas 35% das vítimas nos EUA reportaram o crime à polícia. Já o Instituto de Criminologia Australiano divulgou no "The Women’s Safety Survey" que 15% das vítimas de violência sexual australianas reportaram o incidente à polícia no período de 12 meses anterior à pesquisa. A Pesquisa Nacional de Vitimização (2013) verificou que, no Brasil, somente 7,5% das vítimas de violência sexual registram o crime na delegacia. A mais recente pesquisa do gênero, “Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde”, produzida pelo IPEA, fala em 10% de casos notificados e estima que, no mínimo, 527 mil pessoas sejam estupradas por ano no país. Os dados apresentados pelas diferentes pesquisas evidenciam os limites dos registros criminais de estupro e o imenso desafio à prevenção e combate à violência sexual no Brasil. Se apenas os registros policiais apontam que ano passado uma pessoa foi estuprada a cada 11 minutos, é possível imaginarmos — pelos dados da saúde — que temos 1 vítima por minuto deste bárbaro crime”.
A leitura de tais dados estatísticos indica que tamanha diversidade de tratamento entre homens e mulheres, decorrente da simples questão de gênero e em campos tão diversos, se dá em razão da relação de subordinação feminina construída ao longo da nossa história, nas relações hierárquicas de gênero.
É chegada, pois, a hora de repensarmos os valores éticos e culturais vigentes, de forma a reconstruí-los, tipificando de forma clara e expressa que o tratamento discriminatório e abusivo contra as mulheres é conduta não recomendada ao grupo social.
Claro, ainda, como argumentam muitos, e com razão, que a “cultura do estupro” acha-se inserida em um contexto maior de uma “cultura de violência” que assola a sociedade como um todo e que, nesse aspecto, atinge indistintamente homens e mulheres.
Sucede que, ao contrário de demais delitos, como roubos, furtos, homicídios, por exemplo, em que as motivações que levam o infrator a delinquir são de ordens das mais diversas (cobiça, necessidade de dinheiro, guerra de gangues, etc..), no caso do estupro, quer seja o praticado contra mulheres, quer seja o praticado contra os homens — estes últimos em proporção bastante pequena — o elemento motivador do ilícito é tão somente a vazão primitiva e não adequadamente contida do instinto sexual violento do agressor.
E embora a autoria do crime de estupro, a teor do que dispõe o artigo 213, do Código Penal, possa ser atribuída a homens e mulheres, o certo é que a maciça maioria desse delito é perpetrada por homens, tendo como vítimas as mulheres.
Nesse sentido estudo do IPEA[5] apontando que
“Em relação ao total das notificações ocorridas em 2011, 88,5% das vítimas eram do sexo feminino, mais da metade tinha menos de 13 anos de idade, 46% não possuía o ensino fundamental completo (entre as vítimas com escolaridade conhecida, esse índice sobe para 67%), 51% dos indivíduos eram de cor preta ou parda e apenas 12% eram ou haviam sido casados anteriormente. Por fim, mais de 70% dos estupros vitimizaram crianças e adolescentes.” Mais adiante se consigna que “No geral, 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima, o que indica que o principal inimigo está dentro de casa e que a violência nasce dentro dos lares”.
Possível afirmar, então, que o crime de estupro tem como seu principal elemento motivador a questão de gênero, com o homem utilizando-se de violência decorrente do emprego de força física e/ou grave ameaça para abusar da mulher, de forma a satisfazer sua lascívia.
De se explicitar que[6]
“Violência vem do latim violentia, que remete a vis (força, vigor, emprego de força física ou os recursos do corpo em exercer a sua força vital). Esta força torna-se violência quando ultrapassa um limite ou perturba acordos tácitos e regras que ordenam relações, adquirindo carga negativa ou maléfica. É, portanto, a percepção do limite e da perturbação (e do sofrimento que provoca) que vai caracterizar um ato como violento, percepção esta que varia cultural e historicamente”.
E no que diz respeito a essa evolução cultural e histórica relativa às questões de gênero, de se ver que nossa sociedade vem avançando lentamente, tendo sido dado o primeiro grande passo no âmbito jurídico com a promulgação da Lei Maria da Penha que entrou em vigor em 22 de setembro de 2006, e criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, na esteira do que já dispunha o artigo 226, parágrafo 8º, de nossa Carta Magna.
Nesse aspecto não se pode deixar de considerar a profunda inovação que a Constituição de 1988 introduziu no conceito e na formatação da entidade familiar, adotando um “... modelo democrático de família, em que não há discriminação entre os cônjuges ou entre os filhos, nem direitos sem responsabilidades, ou autoridades sem democracia”[7].
Como se vê, o avanço na concepção da unidade familiar, vista a partir de agora como um importante núcleo de desenvolvimento das personalidades e potencialidades de seus integrantes, com reflexos diretos na questão de gênero, teve início com a Constituição de 1988, ganhando especial reforço com a Lei Maria da Penha, lembrando-se, ainda, da recente lei que alterou o Código Penal e reconheceu o denominado feminicídio (Lei 13.104/15), para incluir o crime de assassinato de mulher por razões de gênero entre os tipos de homicídio qualificado, dentre outas tantas iniciativas.
A esse respeito, de interesse lembrar, por exemplo, que há poucos anos, até praticamente os anos 80, a tese da legítima defesa da honra (nos casos das mulheres assassinadas por seus maridos, namorados e/ou companheiros) era defendida por ilustres juristas e acolhida com muita tranquilidade pelo Tribunal do Júri.
Pois bem, essas inovações culturais e legislativas vêm lentamente alterando o papel e o significado do feminino na sociedade. E se a noção de gênero, daquilo que se espera dos comportamentos do homem e da mulher em um dado contexto civilizatório, é uma construção social, força convir que esse conceito, essa cultura comportamental, de conduta, pode, pois, ser reconstruída.
Vale dizer, até aqui vem prevalecendo códigos e padrões construídos ao longo de um processo de desenvolvimento social que de certa forma amparam e legitimam a violência sexual perpetrada pelos homens contra as mulheres, códigos e padrões que não podem mais ser aceitos e que devemos todos nos empenhar para alterá-los.
Relevante anotar que pouco tempo atrás entrou na agenda política a discussão acerca da necessidade de se rever a autorização da permissão legal do aborto às mulheres vítimas de estupro, já prevista no Código Penal de 1940. Também há projeto de lei (PL 5069/13) buscando dificultar o acesso à mulher vítima desse crime aos recursos médicos e de apoio psicológico, com vistas a minimizar os agravos decorrentes de tão odiosa prática, práticas que resguardando o direito à intimidade, objetivam dar tratamento respeitoso e digno à ofendida. Aqui mais uma vez a demonstração de um tratamento assimétrico dado à mulher, reduzindo sua importância a de mera reprodutora biológica, e que sendo vítima de estupro deveria, pois, ser obrigada a levar adiante longos nove meses de gravidez, nada importando os reflexos dessa penosa e constrangedora situação perante seus familiares, sobretudo namorado, companheiro, marido, filhos, perante seus amigos e colegas de trabalho. De acordo com os defensores de tais ideias, mais importante do que a própria mulher é o fruto concebido a partir da mais degradante violência que um ser humano pode sofrer. 
Entendo, pois, que o que deve nos impactar, nos chocar, nos indignar, não é o uso da expressão “cultura do estupro”, mas sim as práticas abusivas envolvendo questões de gênero, e que no campo da sexualidade ficam bem visíveis quando ao invés de se buscar a responsabilização daqueles que praticam atos bárbaros de violência sexual, e que chegam ao cúmulo de expor tais atrocidades em redes sociais, vangloriando-se, portanto, dos hediondos feitos, busca-se perscrutar os valores e o comportamento da pessoa abusada.
E embora não se questione a necessidade de uma rigorosa apuração desses crimes e a severa punição daqueles identificados como culpados, força convir que a mítica do rigor legal não bastará para a superação desse tipo de violência.
Urge, portanto, abrirem-se espaços de discussão sobre as relações de gênero nas esferas públicas e privadas, notadamente nas escolas, dentro dos grupamentos familiares e sociais, de forma a que se institucionalize uma cultura de respeito e solidariedade entre homens e mulheres, o que seguramente irá repercutir no processo de pacificação social.

1 trecho extraído do artigo “Por que falamos de cultura do estupro?”, publicado em 31 de maio de 2016, no site “nacoesunidas.org
4 trecho extraído do texto “A Índia é aqui”, de Samira Bueno, Diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública- FBSP, matéria que integra o 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2015, Coordenação Geral de Renato Sérgio de Lima e de Samira Bueno, informes obtidos no sitewww.forumseguranca.org.br/produtos/anuario-brasileiro-de-seguranca-publica
5 Nota Técnica - 2014 - março - Número 11 – Diest, Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (versão preliminar), de Daniel Cerqueira e Danilo de Santa Cruz Coelho, dados obtidos no “site”www.ipea.gov.br
6 (Um debate disperso: Violência e Crime no Brasil da redemocratização, Alba Zaluar, “in” Violência e Mal-Estar na Sociedade, São Paulo em Perspectiva, volume 13, no. 3, jul-set 1999, revista da Fundação Seade,www.seade.gov.br)
7 Bodin de Moraes, Maria Celina; Brochado Teixeira, Ana Carolina. Comentários ao art. 226 e parágrafos, “in” Canotilho, J. J. Gomes; Mendes, Gilmar F.; Sarlet, Ingo W.; Streck, Lenio L. (Coords). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo, Saraiva/Almedina, 2013, pag.2117.
Revista Consultor Jurídico, 21 de junho de 2016

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Prisões provisórias são regra e contrariam legislação penal.

Condição da detenção de 250 mil pessoas, ou cerca de 40% da população carcerária do país, as prisões provisórias são usadas de forma excessiva, duram muito tempo (cerca de três meses) e são majoritariamente destinadas a jovens, negros e pobres, que possuem baixa escolaridade e empregos precários. Foi o que concluiu o Instituto de Defesa de Direito de Defesa (IDDD), no recém-lançado estudo Liberdade em Foco, amparado em um mutirão realizado na capital paulista no primeiro semestre de 2015, cujo objetivo foi traçar o perfil daquelas pessoas que o Estado decide manter presas antes de serem julgadas pelos crimes aos quais respondem.
Parceiro institucional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no monitoramento das audiências de custódia, o IDDD buscou entender o perfil das prisões provisórias e avaliar os abusos na sua utilização, definindo os contrastes dessa situação diante de medidas cautelares que desde 2011 (Lei 12403/2011) são alternativas para reverter esse contexto. “Os dados apontam para a concretização de uma política criminal que, na contramão da eficácia, faz incrementar a criminalidade, ao passo que abarrota unidades prisionais com nenhuma estrutura que garanta o mínimo existencial. Fossem utilizadas as medidas cautelares alternativas à prisão, desde há quase cinco anos existentes, talvez o cenário fosse um pouco diferente”, conclui o estudo.

Realizado na mesma época da chegada das audiências de custódia à capital paulista, o monitoramento registrou que 94,8% das prisões em flagrante foram convertidas em provisórias, e apenas 26,6% pessoas tiveram a liberdade provisória concedida em algum momento do processo. Atualmente, dados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) mostram que a conversão de flagrantes em prisões provisórias caiu para a faixa de 53%. A redução de prisões provisórias desnecessárias é justamente um dos objetivos das audiências de custódia, que se tornaram política institucional do CNJ pela melhoria do filtro da porta de entrada do sistema prisional, garantindo a apresentação e o contato do preso em flagrante com um juiz.

Para o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Medidas Socioeducativas do CNJ e juiz auxiliar da Presidência, Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi, lidar com a mudança de paradigmas significa enfrentar um modelo cultural de forma inédita, desmistificando a ideia de que essa atuação é eficaz. “A apuração pragmática dos efeitos invisíveis desse modelo de atuação, os quais aparecem em pesquisas como essa e outros estudos em que o CNJ vem apostando, habilitam-se como meios de nos permitir enxergar as consequências diretas que decorrem da decisão de cada juiz neste país”, argumenta.
De acordo com o magistrado, uma visão mais realista sobre as prisões provisórias permite a construção de um espírito crítico, construtivo e comprometido com uma jurisdição mais qualificada. “Na medida em que não percebemos as consequências de nossas próprias decisões, nós, juízes, nos afastamos da proximidade com as causas dos problemas que a sociedade experimenta e nos distanciamos dos caminhos para enfrentar essas causas. Precisamos atuar de forma a garantir ao cidadão as promessas que nossa Constituição Federal lhes prometeu, notadamente a efetividade dos direitos e das garantias como pressuposto da dignidade que nunca há de lhes faltar em qualquer instância”, avalia.

Estudo – Os atendimentos do Liberdade em Foco foram dispensados a 410 presos provisórios do Centro de Detenção Provisória I de Guarulhos, em sua maior parte jovens (mais de 57% entre 18 e 24 anos), negros (66%) e pobres (42% com renda entre um e um salário mínimo e meio), com baixa escolaridade (46% cursaram até o ensino secundário) e sem antecedentes criminais (58,3%). Constatou-se que 85% dos entrevistados não leram o documento que assinaram nas delegacias e quase 50% relataram terem experimentado algum tipo de violência policial, quando surpreendidos em situação de flagrante. Para os pesquisadores, ficou clara “a preferência do sistema pela população com pouco aparelhamento e mínima (ou nenhuma) capacidade de questionar o que se impõe pelas vias estatais”.

Além da entrevista com os presos, profissionais associados ao IDDD trabalharam em parceria com a Defensoria Pública na apresentação de habeas corpus e recursos a instâncias superiores. Mesmo diante dessa reação estruturada, foi possível observar que a manutenção da prisão foi a regra. Segundo o texto, “fica clara a mantença da cultura de encarceramento em massa, demonstrada pelo baixo índice de liberdades alcançado, sem quase utilização das medidas cautelares alternativas – tanto que foi necessário adaptar os objetivos iniciais do projeto, cujo escopo inicial pretendia verificar a eficácia de tais medidas”. Para o diretor responsável pelo projeto e vice-presidente do IDDD, advogado Fábio Tofic Simantob, as audiências de custódia estão se prestando a reduzir esses sintomas e efeitos.
Deborah Zampier
Agência CNJ de Notícias

terça-feira, 7 de junho de 2016

Com regras da ONU, CNJ normatiza uso da Justiça Restaurativa no Brasil

Apesar de a Justiça Restaurativa ser usada há dez anos no Brasil, apenas seis dos 27 tribunais de Justiça têm normas sobre o tema. Para fomentar esse modelo jurisdicional, o Conselho Nacional de Justiça aprovou, na última terça-feira (31/5), resolução com diretrizes para implementar e difundir a prática no Poder Judiciário.
Nos oito capítulos do documento são abordados temas como as atribuições do Conselho e dos tribunais em relação à prática, o atendimento restaurativo em âmbito judicial, o facilitador restaurativo, a formação e capacitação, além do monitoramento e da avaliação. O texto foi elaborado com base nas recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) para uniformizar o conceito da prática no país e evitar disparidades.
A resolução estabelece que os tribunais implementem programas de Justiça Restaurativa que serão coordenados por órgão competente, estruturado e organizado para esse fim, com representação de magistrados e equipe técnico-científica. As cortes deverão promover cursos de capacitação de facilitadores, bem como, montar a equipe com servidores do próprio quadro funcional ou com pessoas designados por instituições conveniadas.
Competirá ao CNJ organizar um programa com objetivo de promover ações de incentivo à Justiça Restaurativa e prever mecanismos de monitoramento, pesquisa e avaliação. A resolução estabelece ainda que, quando os procedimentos restaurativos ocorrerem antes da judicialização dos conflitos, as partes podem optar por submeter os acordos e os planos de ação à homologação pelos magistrados responsáveis pelo diálogo.
Justiça restaurativa
A prática tem o objetivo de conscientizar as pessoas sobre os fatores que motivam os conflitos e a violência, e solucionar os problemas com a participação do ofensor, da vítima e das famílias das partes. A partir de técnicas autocompositivas de solução de conflitos, da escuta ativa e da compreensão das responsabilidades é buscada a reparação dos danos causados com o conflito desde que a decisão atenda as necessidades de todos os envolvidos, o que evita qualquer ressentimento futuro.
Uma das condições fundamentais para que ocorra a prática restaurativa, de acordo com o texto da resolução, é o consentimento livre e espontâneo dos participantes, que têm o direito de solicitar orientação jurídica em qualquer estágio do procedimento. Caso não seja obtido êxito na prática restaurativa, o processo judicial pode ser retomado na fase em que foi suspenso, ficando proibido o uso desse insucesso como fator para a majoração de eventual sanção penal.
Também é proibido o uso de qualquer informação obtida no âmbito da Justiça Restaurativa como prova processual. 
Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.
Revista Consultor Jurídico, 6 de junho de 2016.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

CNJ estuda nova política nacional para enfrentar violência contra mulher

O ato de violência sexual praticado contra uma adolescente de 16 anos no Rio de Janeiro mobilizou os participantes da primeira reunião do grupo de trabalho criado para desenvolver uma nova proposta de Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher no Poder Judiciário, ocorrida na quarta-feira (1º/6), na sede do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília. “Esse fato repugnante revelou um dado extremamente relevante no que se refere ao acesso à Justiça. Uma importante parte da sociedade não busca ajuda na Justiça. E o motivo das instituições não serem reconhecidas como referência de acolhimento e segurança é porque, para se tornar referência, é preciso saber atender e conduzir casos dessa natureza. Se o vídeo não tivesse sido divulgado, não teríamos ficado sabendo”, disse a conselheira Daldice Santana, que está à frente do Movimento Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar do CNJ.
Entre os pontos fundamentais elencados pelos magistrados presentes à reunião estão a necessidade de criação de varas judiciais especializadas em crimes motivados por razões de gênero, a capacitação dos magistrados nessas questões e a criação de uma base de dados para pesquisas e fortalecimento de políticas públicas. “É importante que o Estado crie varas especializadas nas comarcas onde há grande demanda de violência doméstica. Se não der para criar, por questões orçamentárias, que se especialize uma das varas. Especializar uma vara repercute em todo o processo: no juiz, no promotor, na Defensoria Pública, no cartório. Os serviços vão se tornando melhores, pois os agentes tratarão com mais propriedade o assunto”, defendeu o juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) Ben-Hur Viza.
O grupo deverá trocar ideias e sugestões sobre como a sensibilização, por meio de cursos e treinamentos feitos nas escolas da magistratura, pode contribuir nesse processo, de maneira especial, conforme o foco de cada ramo. “Em Minas Gerais, por exemplo, os processos de violência doméstica são divididos entre os juízes das varas criminais. Cada um deles decide de um jeito e isso pode gerar insegurança jurídica na comarca”, ponderou a magistrada Marixa Rodrigues, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG).
Sociedade machista - Na avaliação da conselheira do CNJ, é preciso que toda a sociedade e agentes do Estado se mobilizem para frear a violência contra a mulher. Segundo Daldice Santana, apesar de conhecerem as penalidades que envolvem crimes dessa natureza (Lei do Feminicídio e Lei Maria da Penha), os homens ainda confiam na impunidade. “A maior visibilidade da lei é sua efetiva aplicação. A impunidade não pode ser natural”, afirmou. “Temos um contexto de pobreza, de falta de educação, de falta do Estado e, para piorar, uma sociedade machista”, completou. O Brasil é o quinto país do mundo no ranking de violência contra a mulher, segundo o relatório Mapa da Violência 2015. E a maioria dos autores dos crimes são pessoas conhecidas da vítima, companheiros ou ex-companheiros.
Na reunião, a diretora do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho, Fernanda Paixão, apresentou proposta de criação de maior base de dados para fomentar e aprimorar a implementação da política pública de enfrentamento à violência de gênero. Participaram ainda da reunião, presencialmente, os conselheiros do CNJ Bruno Ronchetti e Fernando Mattos e o juiz Álvaro Kalix, do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO). Integraram o grupo, por videoconferência, as juízas Adriana Ramos de Mello, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ); Marixa Fabiana Rodrigues, do TJMG; e Andréa Saint Pastous Nocchi, do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul (TRT-RS).
O próximo encontro do grupo de trabalho – formado por conselheiros do CNJ e magistrados -- está marcado para 10 de agosto, um dia antes da 10ª edição da Jornada Maria da Penha, que neste ano ocorrerá em Brasília.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Conciliação possibilita posse de terras quilombolas em processo de 1970

A comunidade quilombola do Cafundó, região localizada na área rural do município de Salto de Pirapora/SP, está conseguindo obter o termo de posse de suas terras após uma disputa judicial que começou em 1970. A vitória deve-se às audiências de conciliação, instrumento obrigatório pelo Novo Código de processo Civil (NCPC) e amplamente defendido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “São várias famílias, com muitos herdeiros. Conseguir entender cada família, as ramificações, as sucessões de posse que ocorreram em cada imóvel sem a conciliação seria uma tarefa quase impossível”, afirma a defensora pública Luciana Moraes Rosa Grecchi, da Defensoria Pública Federal (DPF).
Para a defensora, a conciliação é a solução mais rápida e justa dos conflitos, razão pela qual a Defensoria Pública está atendendo individualmente não só cada um dos quilombolas, mas também os posseiros que foram atingidos por essas ações, tentando esclarecer suas dúvidas e orientar da melhor forma possível. “Os conciliadores fazem um excelente trabalho e eu percebo que está sendo muito produtivo, as pessoas estão satisfeitas e nenhum acordo é feito de forma forçada. Tudo é feito de forma clara e transparente. O nosso objetivo está sendo atingido”, explica Grecchi.
Regularização – O Quilombo Cafundó está localizado na área rural do município de Salto de Pirapora/SP e nasceu no século 19, proveniente de uma doação de terras de 218 hectares. A explicação mais provável é que, na época da escravidão, os “senhores” costumavam incluir em seus testamentos doações de terras e concessão de alforria aos escravos em troca de sua lealdade. Alguns senhores também permitiam que os escravos construíssem casas, formassem famílias e realizassem cultivo de alimentos, atitude que abrandava rebeliões e fugas, pois os escravizados ficavam ligados à terra. Foi o que aconteceu com o Cafundó: a terra, hoje habitada pela comunidade, é herança de seus antepassados escravizados. Atualmente, 20 famílias residem na área desapropriada.
Após ser alvo de invasões, na década de 1970 os quilombolas moveram ações de usucapião. Em 1999, teve início o processo de regularização dessas terras pela Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo "José Gomes da Silva" (Itesp). Em 2004, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) abriu processo para regularizar as terras do Cafundó. Em 14 de junho de 2006, o órgão reconheceu o território de Cafundó com 218 hectares. Agora o trabalho é identificar e conceder o termo de posse a cada família moradora do local.
No dia 16 de maio, aconteceu a última etapa das conciliações, quando foram realizados os pagamentos de quem assinou o acordo na primeira sessão de conciliação, realizada no mês abril, além de audiências de conciliação com os chamados “posseiros” – pessoas de boa-fé que compravam e vendiam as terras dentro do quilombo e lá realizavam benfeitorias, como a construção de casas, demarcação com cercas, plantio de hortaliças, etc.
A coordenadora do Gabinete da Conciliação do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP/MS), desembargadora federal Marisa Santos, ressalta que iniciativas como a conciliação das terras do Quilombo Cafundó são as que realmente fazem o trabalho valer a pena. “Às vezes, passamos anos julgando os processos e não vemos resultado concreto e hoje vemos essas pessoas tão humildes levando para a casa uma resposta e uma solução para a sua questão, podendo utilizar a sua terra e recebendo indenizações”.
Agência CNJ de Notícias