sábado, 10 de julho de 2010

Denúncias em Delegacias não redundam em Inquérito Policial

          Michel Misse, em seu livro "O Inquérito Policial no Brasil: uma pesquisa empírica" (ed.Book Link), comprova estatisticamente que, na grande maioria das vezes, as ocorrências lavradas em uma Delegacia não se transformam em inquérito, e, consequentemente, não são encaminhadas ao Judiciário para o seu pronunciamento.

          Na análise que o autor fez nos casos de homicídios dolosos em cinco capitais, chegou à conclusão que apenas 16% dos casos redundaram em processos judiciais, sendo que no Rio de Janeiro somente 11%. Isso nas hipóteses de homicídio doloso (com a intenção de matar), um delito gravíssimo.

          O polêmico caso do goleiro Bruno, do Flamengo, confirma a pesquisa. Uma mulher, Eliza Samúdio, grávida, foi a uma Delegacia no Rio de Janeiro, denunciou a agressão física por ela sofrida, narrou que fora mantida em cárcere privado, sendo obrigada a tomar substâncias abortivas pelo suposto pai de seu filho. A denunciante foi mandada ao IML pela delegada que requereu exames de corpo de delito e de urina e, invocando a lei Maria da Penha, solicitou, ainda, proteção à vítima.

          Oito meses e meio depois, o acusado sequer havia sido ouvido, a vítima não havia recebido qualquer proteção e o exame de urina não ficara pronto. O argumento do IML é o de que não foi pedida urgência. E precisava?

          Na verdade, o problema ainda mais se acentua, quando a denúncia de agressão é feita por uma mulher. Apesar de crescerem as denúncias de agressão contra as mulheres, apenas 3,59% delas resultam em punição aos culpados, conforme pesquisa feita em Minas Gerais pela SEDESE (Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social). Na 13ª Vara do Forum Lafaiete, em Belo Horizonte, especializada na Lei Maria da Penha, tramitam hoje mais de 26 mil processos contra agressores, sendo 65% relacionados à lesão corporal, 30% referentes a ameaças e 0,5% referentes a estupro. Em média, conforme o Juiz substituto Nilceu Buarque de Lima são protocolados dez processos por dia. Esse número ainda seria maior se fosse assegurada maior proteção às vítimas.

          No caso de Eliza Samúdio, se essa proteção tivesse sido assegurada, provavelmente sua vida estaria preservada e o caso não tomaria a dimensão que tomou. Lamentavelmente, o Estado deixou ao desamparo uma cidadã, que acreditando no funcionamento da Polícia, buscou proteção e encontrou  apenas omissão e descaso.