sábado, 30 de outubro de 2010

As inéditas decisões do STF e do STJ

               Nesta semana, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça proferiram três decisões inéditas:

                A primeira foi do Supremo Tribunal Federal na quarta-feira, dia 27.10,  em que examinando o recurso de Jader Barbalho contra a decisão do TSE, finalmente se pronunciou sobre a aplicabilidade para estas eleições do artigo 2º, alínea k da Lei Complementar nº 135 (Lei da Ficha Limpa), que assim estabelece: "É proibida a candidatura dos membros do Congresso Nacional que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito subsequentes ao término da legislatura".

               Ao examinar o mérito do recurso, os ministros, como da vez anterior em que julgaram o recurso de Joaquim Roriz, empataram o julgamento, votando contra a aplicaçãodo dispositivo da lei para estas eleições Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso e a favor da aplicação o relator Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Carmen Lúcia e Ellen Gracie.

               Diante do impasse, alegando haver refletido longamente sobre a matéria, o ministro Celso de Mello, propôs se aplicar à hipótese, por analogia, o seguinte dispositivo do Regimento Interno do Supremo: "Havendo votado todos os ministros, salvo os impedidos e licenciados por período remanescente superior a três meses, prevalece o ato impugnado". Isso significava que, como não havia quorum suficiente para considerar a lei inconstitucional, ficaria mantida a decisão proferida pelo TSE, que considerou válida a aplicação do dispositivo para estas eleições. Aceita a sugestão por mais cinco ministros, por seis votos a quatro ficou mantida a decisão do Superior Tribunal Eleitoral. Considerando  a Repercussão Geral, atribuída à hipótese, significa dizer que,  em  todos casos em que houve renúncia de mandato para fugir da cassação, a lei da ficha limpa vale para estas eleições.

              A segunda decisão do Supremo, que chama a atenção pelo seu ineditismo, foi tomada na 5ª-feira, dia 28.10, no julgamento do deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO), determinando que processos contra políticos que renunciarem ao cargo para perder o foro privilegiado e assim escapar de um julgamento, não mais serão devolvidos à primeira instância e terão desfecho no próprio STF. Até então, em decorrência do julgamento do processo do ex-deputado Ronaldo Cunha Lima, o entendimento do STF era de que, com a renúncia, o parlamentar perdia o foro privilegiado e seu caso não poderia mais ser julgado pela Corte.

              A decisão proferida na 5ª-feira, por 8 votos a 1, representa uma importante mudança na jurisprudência e terá impacto em diversos casos, como o do  chamado mensalão, que só era mantido no tribunal por ter entre os réus alguns deputados que ainda têm mandato. Integrantes do Supremo temiam que o caso não fosse julgado por eles, pois esperavam uma série de renúncias assim que fosse marcado o julgamento do processo. Se prevalecesse a decisão anterior, o processo se deslocaria para a primeira instância, começando do zero, e muitos crimes investigados prescreveriam - o Estado perderia o prazo legal para julgá-los.

              Outra decisão inédita  foi do Superior Tribunal de Justiça, que pela primeira vez aplicou o chamado IDC (Incidente de Deslocamento de Competência), criado pela Emenda Constitucional 45 (Reforma do Judiciário), cuja aplicação pressupõe a constatação de grave violação de direitos humanos e a possibilidade de responsabilização internacional por conta de obrigações assumidas pelo país em tratados internacionais.

              Em decisão exemplar, aplicando o IDC, o STJ determinou que a investigação e o julgamento do assassinato de Manoel Mattos, advogado e militante dos direitos humanos, que denunciou a atuação de crimes de extermínio em Pernambuco e na Paraíba, passassem a ser feitos pela Justiça Federal da Paraíba e não mais pela Justiça Estadual. Após a denúncia dos crimes de extermínio, o advogado passou a ser perseguido e ameaçado de morte, sendo executado, a tiros, em 2009, na Paraíba.

              As ameaças contra o advogado Manoel Mattos chamaram a atenção da ONU e da OEA, que chegaram a cobrar do Brasil medidas de proteção. Embora não tenha evitado a sua morte, a repercussão do caso entre os organismos internacionais com certeza contribuiu para a federalização da investigação e julgamento, abrindo precedente para a federalização em outras hipóteses de violação dos direitos humanos.
             

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Apuração de crimes contra crianças e adolescentes: Colóquio Nacional do CNJ e OAB

               O Conselho Nacional de Justiça, com o apoio do Conselho Federal da OAB, irá realizar entre os dias 03 e 05 de novembro, em Brasília, o colóquio nacional: "O depoimento especial de crianças e adolescentes e o sistema de justiça brasileira". O evento tem como objetivo disseminar novos marcos jurídicos legais e socioantropológicos de tomadas de depoimento especial de crianças e adolescentes, vítimas ou testemunhas de violência sexual.

               Na oportunidade, estarão reunidos no Conselho Federal da OAB 180 juízes, promotores de Justiça, defensores públicos, advogados e especialistas do Brasil, Argentina, Estados Unidos e Inglaterra. A expectativa é que, ao final do colóquio, os participantes possam produzir encaminhamentos aplicáveis à realidade da Justiça brasileira, no que se refere aos crimes cometidos contra crianças e adolescentes. Considerando que é  consenso, da Polícia, do Ministério Público e do Juízes a falta de estrutura para apurar os crimes cometidos nessa área, louvável a atitude do CNJ e da OAB.

               Em 2009, foram denunciados 15.345 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes, segundo dados divulgados pela Agência de Notícia dos Direitos da Infância (ANDI), mas em 60% dos casos no Distrito Federal, as denúncias não redundaram em processos criminais contra os agressores. (Cf. dados da pesquisa realizada pelo Centro de Referência para a Violência Sexual - Cerevs, ligado à 1ª Vara da Infância e Juventude do DF).

               Muitas investigações atualmente são encerradas na própria delegacia, ou os inquéritos são arquivados pelo Ministério Público, por ausência de indícios que levem à produção de provas materiais, uma vez que a maior parte dos abusadores não deixam marcas: o crime  ocorre entre quatro paredes e não deixa evidências físicas. Conforme dados do Cerevs, 57,6% dos abusados tiveram consequências emocionais e apenas 12,3% físicas.

               Ainda conforme a pesquisa, estão no topo da lista dos agressores os pais (24%), os padrastos (18,5%) e os conhecidos, vizinhos ou amigos da família (12,9%). O medo e a impunidade acobertam o abuso sexual, levando 57,8% das vítimas, em sua grande maioria meninas (79,7%) a conviver com os recorrentes episódios de abuso e violência.

               A promotora Laís Cerqueira da Silva, que coordena o Núcleo de Enfrentamento à Violência e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Distrito Federal, ao defender mais sensibilidade por parte dos promotores e juízes que lidam com ações dessa natureza, afirma: "O processo em si já é uma violência. É preciso tomar as decisões avaliando o fato e todas as circunstâncias. Não se pode partir do pressuposto de que a fala de uma criança tem menos valor que a de um adulto". 

               Já o juiz Francisco de Oliveira Neto, Vice-presidente de Infância e Juventude da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), defende que é preciso criar varas especializadas no atendimento às vítimas de violência dando prioridade na tramitação dos processos. Segundo ele já há um consenso no sentido de que a atuação dos magistrados nesses casos precisa ser completamente diferente daquela relacionada a outros crimes de violência.

              Tomara que essas idéias, aliadas às sugestões a serem feitas ao final desse colóquio, ajude a Justiça brasileira a encontrar o caminho para apurar e punir os crimes cometidos contra as crianças e adolescentes, cumprindo, assim, o disposto no artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente.

               Conforme escrevi em meu blog de 23.05.10, sem uma mudança de postura da polícia, do Ministério Público e, principalmente do Judiciário, esse crime hediondo da violência sexual, que deixa sequelas irreversíveis, continuará sendo praticado, e embora perpetuando o ato criminoso incontáveis vezes, seus agressores seguirão impunes.



              

sábado, 23 de outubro de 2010

A cultura da litigiosidade

               O Conselho Nacional de Justiça, em parceria com 56 tribunais, promoverá a Semana Nacional de Conciliação, de 29 de Novembro a 03 de Dezembro desse ano. O slogan será "Conciliando a gente se entende" e tem por objetivo inibir litígios, estimular o acordo amigável e tentar reduzir o grande estoque de processos no Judiciário.

               Esse tipo de iniciativa teve início em 2006, prosseguindo nos anos seguintes. Em 2009, houve 260.000 audiências e foram firmados 122,9 mil acordos, com homologações no total de R$1,3 bilhão. A ideia da campanha é sensibilizar a população e os operadores do direito para a conciliação como forma de solução consensual dos conflitos judiciais.

               Na opinião do presidente da OAB, Ophir Cavalcante, a semana da conciliação é uma referência no Judiciário, mas infelizmente o ensino do direito é direcionado para o litígio.

               A cientista política Maria Tereza Sadek, por sua vez, embora\valorize a ideia de uma prática distinta da adversarial e entenda a iniciativa do CNJ como algo muito novo e revolucionário, esclarece que o esforço não deixa de ser um enxuga gelo, considerando o excessivo número de processos que ingressam no Judiciário.

               Também a ministra Eliana Calmon, atual Corregedora do Conselho Nacional de Justiça, por ocasião do lançamento do mutirão para resolver 80.000 processos parados na Justiça Federal de São Paulo, afirmou que todas as inúmeras vezes que a Justiça fez mutirões, o que houve foi um enxugamento de gelo, porque em pouco tempo o número de processos volta a crescer.

               Entrevistado por ocasião de sua posse no STF, o ministro Dias Toffoli também chamou a atenção para a cultura do conflito existente no Brasil, onde é o Judiciário que resolve tudo. Afirmando que os gestores no Brasil, na área pública ou privada, quando não sabem como resolver um problema encaminham para a área jurídica e essa para o Judiciário, indaga: "Por que a cultura jurídica no Brasil é formatada para o conflito e não para a solução? Nós, na escola, na faculdade de Direito, queremos aprender a litigar. Não se ensina a solucionar".

               As opiniões citadas convergem no sentido de que há uma explosão de litigiosidade que sempre superará os esforços para contê-la, se não se modificar a postura diante dos conflitos. Isso aponta para o fato de que, além de modernizar seus recursos, sejam humanos, materiais, normativos e tecnológicos, as instâncias judiciárias também devem implementar um sistema de resolução de conflitos pelo consenso.

               Em pesquisa nacional efetuada pela FGV Direito Rio com o Ipespe, em 2009, constatou-se que 1 em cada 5 brasileiros foi autor ou réu em 2008, mas que 43% preferiam assegurar seus direitos pela conciliação.

               Na visão do ex-Secretário de Reforma do Judiciário, Rogério Favreto, o Brasil enfrenta problemas de difícil equação no que se refere ao acesso à Justiça, pois os modelos tradicionais encontram-se significativamente esgotados para uma resposta eficaz ao universo cada vez maior e mais complexo de conflitos sociais. A proposta seria de um novo paradigma cultural com a política pública de "Redes de Mediação".

               Numa perspectiva diferente da cultura do bacharelismo, que é centrada mo confronto, a ideia seria trabalhar com uma solução pacífica e negociada, mais preventiva do que curativa dos conflitos. O projeto sugere três momentos de abordagem:
               a) introduzir nas grades curriculares do curso de direito matérias destinadas à formação no campo da mediação e composição dos conflitos, articuladas com os núcleos de prática jurídica;
               b) cursos de aperfeiçoamento em técnicas de mediação e composição de conflitos para os atuais profissionais do direito (magistrados, promotores de justiça, defensores públicos, advogados públicos e particulares);
               c) constituição de núcleos de justiça comunitária voltados à formação de agentes comunitários de mediação, na perspectiva de criar meios alternativos de resolução de conflitos.

                Indiscutivelmente, a preocupação de afastar a sobrecarga dos tribunais e a morosidade dos processos aponta o caminho das vias alternativas para a resolução dos conflitos, evitando, com isso, a expansão incontrolada da litigiosidade e o descrédito nas instituições jurídicas.

               Sem a mudança de postura do Judiciário e dos operadores do Direito diante do conflito, qualquer iniciativa para agilizar os processos, embora louvável, continuará sendo chamada de "enxugar gelo".

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Democratizando o acesso à Justiça

              Em artigo publicado na Folha de São Paulo "A pauta do Supremo", o jurista Joaquim Falcão, indagando como a pauta do Supremo pode contribuir para uma justiça mais ágil, rápida e eficiente sugere incluir como prioridade da pauta os julgamentos que, provavelmente, possam reduzir os incidentes processuais, diminuir inumeráveis recursos e encurtar a duração dos processos.

              Para isso, o Supremo teria à sua disposição três mecanismos:

              O primeiro, que lhe foi concedido pela emenda constitucional nº 45, de 2004, seria o das Súmulas Vinculantes, que se destinam a conter a multiplicação de processos, vinculando os juízes das instâncias inferiores, em tese, à orientação do Supremo. Para desafogar o prórpio Supremo, seria conveniente acelerar a sua produção.

              Porém o o Supremo, até agora, estabeleceu apenas 13 Súmulas Vinculantes e nenhuma delas foca questões de direito processual, nem busca controlar o abuso de recursos, que entravam os processos nos tribunais do país. Como a maioria dos processos que chegam ao STF é de recursos repetitivos e diz respeito aos interesses do Poder Executivo, as Súmulas Vinculantes impediriam, na origem, os recursos desnecessários.

               À propósito, dados de 2003, do "Judiciário em Números", indicam que o STF recebeu, naquele ano, 140.000 recursos, o que correspondeu a 14.000 processos por ministro, excluído o presidente, que só é relator em casos específicos. Desse total, 90% foram de recursos repetitivos, ou seja, tratavam de questões sobre as quais o STF já tinha posição consolidada, mas o vencido, na maioria das vezes o Poder Público, recorreu para adiar o cumprimento da sentença. Os dados demonstram, também, que 80% das causas, que tramitavam nos tribunais superiores e no STF, envolviam a administração pública, federal, estadual ou municipal.

              O segundo mecanismo, diz Falcão, foi forjado pelo Congresso pela emenda constitucional nº 45, estabelecendo como fundamental, o direito ao prazo razoável do processo. Falta, agora, uma vigorosa cultura judicial e doutrinária de implementação, fixando critérios, limites e possibilidade de aplicação. Segundo a ONG Transparência Brasil e representantes do Ministério Público Federal, sucessivos recursos podem retardar os processos e inviabilizar a realização da Justiça. Em processos criminais a idéia é procrastinar até que o crime prescreva (o Estado perde o prazo para punir). Em processos cíveis, até que a parte contrária se esgote. É por isso que os processos chegam a se arrastar por décadas, afirma Cláudio Weber Abramo, diretor- executivo da Transparência Brasil.

              O terceiro mecanismo, ainda na ótica de Falcão, está previsto no atual Código de Processo Civil, mas precisa ser mais utilizado. Trata-se de o Supremo priorizar casos que digam respeito à litigância de má-fé e à lide temerária (quando alguém demanda alguém sem qualquer fundamento). Dois institutos   fundamentais que agilizariam a Justiça, mas são subutilizados pela magistratura. Basta ver a sua diminuta jurisprudência.

             A ministra Sandra O' Connors, da Suprema Corte americana, quando o ministro Nelson Jobim, então presidente do STF, em visita àquela corte, lhe informou que o nosso Supremo Tribunal analisava cerca de 100.000 processos por ano, assim reagiu: "Não faça isso presidente, não faça isso. O Estado democrático não necessita mais do que duas decisões sobre qualquer caso".

              Fatos como esse, só demonstram o quanto o nosso direito processual precisa se atualizar democratizando a Justiça, É necessário acabar com a culturra em que os interesses de poucos abarrotam o Poder Judiciário, em detrimento de uma Justiça ágil, efetiva e com amplo acesso a todos.

              O Supremo Tribunal Federal poderia começar dando exemplo!                   

domingo, 17 de outubro de 2010

A ineficácia do Judiciário nos crimes de corrupção

              No lançamento do convênio objetivando melhorar a fiscalização de recursos federais, assinado entre a Procuradoria Geral da República e a Controladoria Geral da União, os representantes desses órgãos, Roberto Gurgel e Jorge Hage, criticaram as garantias que a lei brasileira prevê para os acusados em casos de corrupção, que na prática impedem a sua punição.

              O ministro Jorge Hage, da CGU, afirmou que, com a atual legislação, o Brasil é um dos países que mais permitem protelar os processos. Por isso a maioria dos casos prescreve, deixando impunes os criminosos de colarinho branco. Isso leva a ineficácia da Justiça e alimenta a sensação de impunidade.

              Já o Procurador-Geral da República Roberto Gurgel, ao pedir mudanças legais, afirmou haver um garantismo exarcebado da legislação. Em suas palavras: "Claro que deve haver a preocupação com o direito daqueles que são acusados de algum crime, mas é preciso haver uma preocupação igual com a efetividade da tutela penal".

              Embora a necessidade de mudança da legislação sobre a matéria seja voz corrente, o fato é que algumas medidas a serem tomadas nesse sentido, ainda não sairam do papel, tais como:

              - Votação do projeto de lei, enviado pelo governo ao Congresso, em fevereiro desse ano, propondo sanções administrativas claramente definidas contra pessoas jurídicas que lesem a administração pública;
              - Em atendimento à orientação da ONU, estabelecer como crime o enriquecimento ilícito. Já existe projeto em andamento no Congresso, mas ainda não foi votado;

               - Possibilidade de se processar criminalmente uma empresa. Está prevista na Constituição Federal, mas ainda não foi regulamentada pelo Congresso, por falta de interesse.

               Além dessas, outras medidas existem, que já foram implantadas nos EUA, Inglaterra, Colômbia, Itália, como a Ação Civil de Domínio, cujo objetivo é recuperar valores de pessoas físicas obtidos com a corrupção.

               Conforme relatório preliminar do GAFI (Grupo de Ação Financeira), órgão internacional ligado à ONU, que além de sugerir, monitora políticas contra a lavagem de dinheiro, o Brasil não consegue punir o chamado crime de lavagem de dinheiro, praticado por traficantes de drogas, corruptos e criminosos do colarinho branco. Os principais problemas citados são:
               a) inexperiência das cortes superiores (os casos de lavagem de dinheiro tendem a ser mais complexos que outros tipos de delito);
               b)  recursos excessivos (o Brasil possui um sistema de recursos com um entendimento muito liberal sobre os direitos do réu: uma condenação de primeira instância, mesmo mantida por um tribunal superior, não é suficiente para a execução da pena, como ocorre na maior parte do mundo). Conforme dados do relatório, em 2008, as varas judiciais especializadas em crime financeiro registraram 1.311 processos, dos quais somente dez tiveram uma sentença definitiva;
              c)  dificuldade de se obter a quebra de sigilo (visto por alguns juízes como direito absoluto);
              d)  pouca utilização da medida de apreensão de bens pelas autoridades e tribunais  no Brasil. (Em 2006 aconteceram em pouco mais de 15% dos casos e, em 2007, caiu para pouco mais de 5%).
              e)  inexistência de responsabilidade penal das empresas.

              Diante da ineficiência do Judiciário na punição desses delitos é de se esperar que o Congresso Nacional faça a sua parte e vote as leis fornecendo os mecanismos necessários para investigar a corrupção.

              Indagado porque na Vara por ele dirigida, especializada em lavagem de dinheiro, não tem processo de corrupção, o juiz Fausto Martins de Sanctis afirmou: "O país se ressente de mecanismos para investigar a corrupção. Aqui as pessoas estão acovardadas pela ineficácia do sistema. Pessoas que querem delatar crimes não se sentem motivadas a fazê-lo por medo de represálias".

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Custas judiciais: barreira do pleno acesso à Justiça

              O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu acabar com a desigualdade na cobrança de custas judiciais pelos Tribunais em todo o país, por intermédio de um projeto de lei, uniformizando a tabela de valores, cujo texto está ainda em estudo. Conforme mapa elaborado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, o usuário que procura a Justiça é alvo de "distorções" e se vê obrigado a desembolsar grandes somas.

              Embora o Estado pague o salário dos juízes e do pessoal auxiliar e proporcione os prédios e outros recursos necessários aos julgamentos, os litigantes (pessoas que utilizam os serviços judiciários) precisam arcar com as custas do processo, que é o preço cobrado pelo Estado para prestar Justiça.

              Enquanto os serviços públicos essenciais, tais como saúde e educação fundamental, podem ser desfrutados gratuitamente, o serviço público judicial é o único direito fundamental, previsto no artigo 5º da Constituição, que exige pagamento para o seu exercício, não obstante custar caro à população a sua manutenção.

               Conforme Jefferson Luís Kracchychyn, representante da OAB no Conselho Nacional de Justiça, quanto mais pobre o Estado, mais caro o usuário paga. Além das legislações sobre custas não serem transparentes, não existem normas ou padrões nacionais que estabeleçam princípios lógicos para a fixação desses valores nos Estados.

               O gráfico elaborado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias demonstra que em Rondônia uma causa no valor de R$50.000,00, custa para a parte interessada R$750,00 de taxas, enquanto no Pará, o custo de uma causa desse mesmo valor é de R$1.363,40. No Rio Grande do Sul, uma causa de R$20.000,00, fica em R$456,00, enquanto na Paraíba chega a R$1.186,40. No Paraná o contribuinte paga R$818,45 de custas em uma causa de R$100.000,00, enquanto em Alagoas paga quase o dobro: R$1.546,22.

               Destaca o relatório do CNJ que "Em todos os países democráticos há uma conscientização crescente acerca da ampliação do acesso à Justiça, considerado um direito fundamental e uma ferramenta poderosa no sentido de combater a pobreza, prevenir os conflitos e fortalecer a democracia. Eventuais barreiras a esse princípio passam a ser objeto de grande preocupação social, cabendo destacar o próprio custo do acesso ao Judiciário, que certamente representa um dos principais entraves à universalização da prestação jurisdicional."

               Ainda segundo o Representante da OAB no CNJ, a política de fixação de custas na justiça estadual brasileira "carece de uniformidade no que concerne a conceitos, modelos e critérios, pois os jurisdicionados das diferentes unidades da federação deparam-se com modelos muito desiguais entre si, o que justificaria a existência de uma política nacional com vistas ao estabelecimento de diretrizes para a fixação de custas judiciais".

               A uniformização das custas judiciais é de grande importância quando se constata que alguns Estados cobram valores elevados para causas de baixo valor e valores proporcionalmente menores para causas de valores elevados. Muitas vezes há uma política regressiva na fixação de custas, que oneram os mais pobres e afetam em menor grau os mais ricos. Com isso, dificulta-se o acesso à Justiça aos mais pobres e privilegia-se ainda  mais o acesso aos mais ricos.

            

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O corporativismo do novo presidente do CNJ

              Em reunião realizada terça-feira (05.10), com o Ministro da Justiça Luiz Paulo Barreto, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, manifestou a posição contrária da entidade ao projeto de lei encaminhado pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça Cezar Peluso à apreciação daquele ministério, alterando a composição do CNJ. O projeto propõe a alteração da atual composição do Conselho, prevista na Emenda Constitucional n° 45, para que ele passe a contar também com representantes do Superior Tribunal Militar (STM) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

              O Ministro da Justiça ficou de examinar as ponderações apresentadas, mas Ophir adiantou que a entidade vai lutar no parlamento pela rejeição da proposta, caso seja para lá enviada, porque ela amplia de forma acentuada o corporativismo. Ao pretender ampliar de nove para onze o número de representantes da magistratura no CNJ, contra seis da sociedade civil - aí somados OAB, Ministério Público, Senado e Câmara dos Deputados - "além do viés corporativista, ele é desproporcional e inconstitucional, diz Ophir, pois não respeita a proporção estabelecida pelo legislador na Emenda Constitucional n°45".

              Desde que assumiu a presidência do Conselho Nacional de Justiça, em substituição ao ministro Gilmar Mendes, Cezar Peluso tem sido criticado no meio jurídico por sua postura corporativista e por seu descaso com aquele Conselho, numa tentativa de esvaziá-lo.

              A principal crítica é a de que desde que assumiu o CNJ, em Abril, Peluso não convocou a chamada comissão de notáveis, conselho consultivo de acadêmicos e magistrados, indicados em 2009 para orientar e acompanhar as pesquisas do CNJ. Formado por nove especialistas em diversas áreas, como criminologia, planejamento, ciência política, meio ambiente e economia, com mandato de dois anos o Conselho Consultivo deveria se reunir a cada dois meses. Participam do conselho, sem nenhuma remuneração, o economista Armando Castelar; a pesquisadora Elizabeth Sussekind; o ex-secretário da Receita Everardo Maciel; os cientistas políticos Maria Tereza Sadek e Luiz Werneck Vianna; o professor de direito Kazuo Watanabe; os desembargadores aposentados Yussef Said Cahali eVladimir Passos de Freitas e o consultor da FGV Carlos Augusto Lopes da Costa.

              Sobre a inexistência de reunião do Conselho neste ano, Maria Tereza Sadek, Diretora do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais e professora da USP, assim se manifestou: "Eu lamento muito. Poderia ser feito um importante trabalho. Sugerimos pesquisas fundamentais para um diagnóstico mais apurado das varas e tribunais, que poderiam se transformar em políticas públicas".

              A princípio, a não convocação do Conselho Consultivo foi atribuída por Peluso à aposentadoria da diretora executiva do Departamento de Pesquisas Judiciais (DPJ). Porém, em mensagem enviada aos nove conselheiros a funcionária negou o fato, nos seguintes termos: "A minha aposentadoria não pode ser usada para justificar a inoperância do CNJ. Fui advertida por insistir em reunir o Conselho Consultivo. Fui repreendida porque não queria atestar o pagamento da etapa passada das pesquisas, sem anuência do Conselho Consultivo".

              O esvaziamento do Conselho Consultivo e o novo projeto de lei encaminhado ao Ministro da Justiça com o intuito de aumentar a participação de magistrados no CNJ, talvez faça parte de um plano maior, que consiste no enfraquecimento do próprio Conselho Nacional de Justiça.

              Como órgão de controle externo do Poder Judiciário, o CNJ tem contrariado interesses corporativos, principalmente por seu controle disciplinar. Isso, sem falar de sua eficiente atuação aumentando o rigor na análise de pedidos de contratação de servidores pela Justiça e de criação de varas judiciais, contribuindo para a diminuição de despesas e aumento de eficiência.

               Não bastasse, Peluso, oriundo do Tribunal de Justiça de São Paulo, uma das cortes mais resistentes à ação do CNJ, pretende também dirigir a ação fiscalizatória  do Conselho, hoje exercida por sua corregedoria, para as corregedorias dos tribunais, reduzindo, com isso, a exposição de juízes suspeitos.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Judiciário: Inchaço e ineficiência

              Em Setembro de 2009, o Conselho Nacional de Justiça baixou a resolução nº 88 estabelecendo regras rígidas em relação aos cargos comissionados na Justiça, o que obrigou o próprio CNJ a realizar um levantamento sobre terceirizados no Judiciário, com detalhes, por tribunais.

              Referida resolução estabelece que pelo menos 50% dos cargos em comissão deverão ser destinados a servidores da carreira judiciária, cabendo aos tribunais encaminhar projectos de lei regulamentando a matéria, observado esse percentual.  Estabelece, ainda, que o limite de servidores requisitados ou cedidos de órgãos não pertencentes ao Poder Judiciário deverá ser de 20% do total do quadro de cada tribunal. Outra determinação da Resolução do CNJ é que os servidores requisitados ou cedidos sejam substituídos por outros do quadro, no prazo máximo de quatro anos, na proporção mínima de 20% por ano.

              O levantamento feito pelo CNJ, embasado na pesquisa Justiça em Números, comprova que 11.849 vagas no Judiciário são ocupadas por pessoas que não prestaram concurso público. A soma desses trabalhadores com os que não pertencem ao Judiciário representa 26% de toda mão de obra empregada nos tribunais. Dentre os que não têm vínculo com a administração pública, 11.134 estão na justiça estadual. Surpreendentemente, essa justiça é a que tem os maiores índices de lentidão e a que mais gastou, ou seja, 18 bilhões do total de 37,3 bilhões de toda a despesa do Judiciário.

              No âmbito da Justiça Federal, a menor proporção de servidores efetivos é observada no Tribunal Regional da 1ª Região (TRF-1), onde a metade dos funcionários, não pertence aos quadros da Justiça. O relatório demonstra que 23% da mão de obra ocupada do TRF-1 - que abrange 13 estados, além do Distrito Federal - corresponde a funcionários requisitados e 33% aos trabalhos auxiliares (terceirizados e estagiários).

              Atualmente, 13 tribunais de justiça mantêm percentuais de servidores de fora da carreira acima de 50% do total efetivo, ignorando que conforme a Constituição Federal, os cargos em comissão só podem existir quando criados por lei, exclusivamente em funções de chefia e assessoramento.

              Ricardo Caldas, professor de Ciência Política da Universidade de Brasília, comenta a esse respeito: "Por mais que haja amparo legal, isso caracteriza um desvirtuamento da função pública. Geralmente são cargos ocupados por apadrinhamento político. Certamente haverá reação dos tribunais, porque isso vai contra uma cultura vigente há anos. Será semelhante à reação que tiveram quando foi proibida a nomeação de parentes".

              É de se ressaltar que embora o Judiciário aumente a cada ano a sua despesa  com o pagamento de servidores, a taxa de congestionamento de seus processos continua crescendo. Em 2008, por exemplo, os cofres públicos desembolsaram R$ 33,5 bilhões para manter de pé a máquina do Judiciário. Desse total, 92,2% foram destinados a despesas com servidores. A taxa de congestionamento (processos não julgados), que em 2007  era de 57,6%, em 2008 foi de 58,9%.

              O Tribunal de Justiça do Distrito Federal que, conforme dados do CNJ, é hoje o mais dispendioso entre todos os tribunais de justiça do país, gasta somente com a folha de pessoal uma média de R$423,21 por habitante. Em contrapartida, com um congestionamento de 69,1%, julga em média somente 30% das causas que lhe são submetidas.

sábado, 2 de outubro de 2010

Aprovação pelo Congresso do novo Código de Processo Civil

              Terminadas as eleições, é de se esperar que o Congresso Nacional, retomando as suas atividades, se debruce sobre a aprovação do novo Código de Processo Civil.

              Entregue ao presidente do Senado, em 08 de junho passado,  o anteprojeto, fruto do trabalho de um grupo de notáveis juristas, norteado pela ideologia de dar maior agilidade à prestação da Justiça, prevê importantes inovações no sentido de acelerar o andamento dos processos.

              Merecem destaque, por sua importância as seguintes inovações:

              1) Coletivização do resultado de ações repetitivas em primeiro grau

              Já utilizado em países da Europa, como a Alemanha (musterferfahren) e no direito anglo-saxônico (leading case) é a hipótese de processos de massa julgados da mesma forma. A partir da provocação de qualquer interessado, ou do juiz ao Tribunal de Justiça do Estado, noticiando a existência de casos semelhantes envolvendo várias pessoas, é suscitado o "incidente de resolução de demandas repetitivas". Reconhecido o incidente pelo Tribunal de Justiça, todas as ações do tipo ficam paralisadas até o julgamento da tese. Pacificada a questão, o julgamento servirá de paradigma para todos os demais processos.

              2) Recursos
             
              Só poderão ser apresentados após a sentença e não mais durante o curso do processo.

              3) Apelação

              Recurso cabível em todas as sentenças de primeira instância, deixa de ter efeito suspensivo imediato, ou seja, a sentença passa a valer, desde já. O efeito suspensivo terá que ser declarado por um desembargador, que deverá justificar o seu cabimento. Fim da apelação, com o término dos processos em primeira instância, quando a sentença já estiver consolidada em súmulas do STJ e do STF.

              4) Recursos procrastinatórios

              Serão cobrados honorários daqueles que perderem recursos procrastinatórios. Atualmente, conforme estimativa do professor e desembargador Caetano Levi Lopes, os recursos, em sua maioria procrastinatórios, somam 60 por processo, em média.

             5) Litigância de má-fé

             Objetivando desencorajar aventuras jurídicas, o anteprojeto propõe a aplicação de pesadas multas, que podem chegar a 20% do valor da causa para os casos de litigância de má-fé. Conforme Humberto Theodoro Júnior é necessário não apenas o recrudescimento do tratamento repressivo da litigância de má-fé, como mudar a cultura dos tribunais para aplicação de multas.

             6) Tratados

             Inovação de grande alcance, determinando que as decisões judiciais terão que levar em conta os tratados internacionais em que o Brasil é signatário. Casos de disputa pela guarda de criança, por exemplo, devem ser decididos pela justiça do país de origem da família, segundo a Convenção de Haia.

             7) Poder Público

             O Poder Público só passa a ser obrigado a recorrer, apenas quando for vencido em ações com valores acima de mil salários mínimos e não mais acima de sessenta salários mínimos, como é atualmente.

              8) Intimação de testemunhas

              Atribuição que hoje é apenas do Oficial de Justiça, passa a ser também dos advogados.

              9) E-mails

              Documentos eletrônicos, como e-mails, por exemplo, ganharão autenticidade como prova.

              10) Conciliação

              Como uma forma de desafogar o Judiciário, o anteprojeto estabelece que a conciliação passa a ser obrigatória no início da ação e não somente após instaurado o processo, como é feito atualmente. O objetivo é, com a conciliação prévia, impedir a propositura de demandas desnecessárias, dirimindo os conflitos de forma rápida e eficiente.

              Por essas alterações elencadas e por outras trazidas em seu bojo, a rápida aprovação do novo Código de Processo Civil pelo Congresso se impõe, como resposta à sociedade acerca da persistente morosidade judicial e como garantia constitucional da duração razoável dos processos.